J. R. Guzzo
Promete ser uma arma muito utilizada pelo governo, ao longo da campanha eleitoral, falar sobre o perigo que os pobres deste país passariam a correr se a candidata Dilma Rousseff não for eleita para a Presidência da República. Entre as instruções a respeito do que ela deve dizer em seus discursos, ora em avaliação pelas equipes de propaganda da candidatura oficial, parece haver bastante entusiasmo com a tentativa de colar nos adversários uma intenção secreta: governar contra os pobres e a favor dos ricos. A ideia geral, aí, é deixar os outros candidatos, sobretudo o principal deles, numa situação sem saída. Se falarem em mexer no Bolsa Família, nos aumentos reais do salário mínimo e em outros benefícios, estarão mostrando sua verdadeira cara; se prometerem não mexer em nada, estarão mentindo. A dificuldade desse tipo de plano, como de tantos outros, é combinar com o adversário para que ele cumpra a sua parte. O ex-governador José Serra, a ex-ministra Marina Silva e quem mais houver em campanha não vão anunciar, por exemplo, que acabarão com os pagamentos do Bolsa Família se forem eleitos. Por que diabo fariam uma coisa dessas? Ao contrário, vão assumir o compromisso de manter tudo como está; se quiserem caprichar, podem até dizer que o governo está pagando muito pouco e prometerem um belo aumento a partir de 2011. Nenhum candidato vai, da mesma forma, sair por aí anunciando planos de congelar os salários, cortar o crédito ou eliminar os programas de casa própria. Resta à ex-ministra, nesse caso, a alternativa de sustentar que os opositores dizem uma coisa, mas querem, na realidade, fazer exatamente o contrário. Mas aí é entrar em território incerto; acusações de mentira sempre têm duas mãos, e, numa disputa eleitoral que ameaça bater todos os recordes em matéria de tapeação, chamar o outro lado de mentiroso pode acabar em lucro zero. Quanto aos pobres, em si, provavelmente seria melhor se houvesse menos gente empenhada em defendê-los. Todos juram que estão a seu favor, mas se estivessem mesmo já deveria haver no Brasil, a esta altura do século XXI, um número muito menor de pobres. Já os ricos, que não têm nenhum defensor, nunca estiveram tão bem quanto agora. Não há sinal de que algum deles tenha ficado mais pobre nesses últimos sete anos, salvo os que se meteram, por sua própria conta, em maus negócios – nada que tenha a ver com alguma decisão do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele mesmo, por sinal, já disse que jamais os ricos e as grandes empresas ganharam tanto dinheiro quanto em seu período na Presidência. Poderia dizer, também, que nunca a quantidade de milionários brasileiros cresceu tanto como hoje. Segundo o último balanço do banco de investimentos Merrill Lynch, que calcula anualmente o número de cidadãos com patrimônio financeiro superior a 1 milhão de dólares pelo mundo afora, o Brasil ganhou 33 000 novos milionários entre 2004 e 2008. Dá, em média, um novo milionário por hora. Não existe nada de errado com nenhuma dessas coisas, é claro. O problema do Brasil, em matéria de renda, não é a quantidade excessiva de ricos – é que há pobres demais. Mas sem dúvida é curioso, em cima dos números atuais, que a candidata oficial acuse os opositores de pretender governar para os ricos. O que poderiam fazer de tão diferente assim, em relação ao que já vem acontecendo? Produzir dois novos milionários por hora, quem sabe, em vez de apenas um? Naturalmente, nada disso faz sentido, mas é o que acontece quando estratégias de campanha se resumem a ficar procurando, o tempo todo, alguma maneira de falar mal dos outros candidatos. Os fatos reais, no caso desse palavrório sobre pobres e ricos, têm bem pouco interesse para quem acusa. O que importa é jogar uns contra os outros, na esperança de impressionar o lado onde há mais eleitores. Os pobres do Brasil, sabidamente, não precisam de várias coisas; entre elas estão debates desse tipo, em que a ânsia de machucar o adversário pode fazer ruído no noticiário de campanha, mas não lhes põe um real a mais no bolso. Também não precisam de solidariedade, simpatia ou "políticas de renda". O que melhora de verdade a sua situação, como ficou comprovado no mundo dos fatos, são a multiplicação das oportunidades de emprego e a estabilidade da moeda na qual o seu trabalho é pago. O compromisso que mais lhes interessa no momento, por parte de quem pretende chefiar o próximo governo, é este – crescimento sem inflação. Não é o suficiente, num país que precisa melhorar em quase tudo. Mas é indispensável.Pobres e ricos
"Melhor seria se houvesse menos gente empenhada
em defender os pobres. Todos juram que estão a seu favor,
mas se estivessem mesmo deveria haver no Brasil número
muito menor de pobres. Já os ricos, que não têm defensor,
nunca estiveram tão bem"


• Gabriel Santoro, um jovem escritor colombiano, publica um livro sobre as tensões que dividiam imigrantes alemães em seu país nos anos 30 e 40, quando muitos eram injustamente denunciados como colaboradores do nazismo. Para surpresa do autor, seu próprio pai escreve uma resenha devastadora sobre o livro. A partir daí, Santoro investigará o passado do pai, com a ajuda de Sara Guterman, imigrante alemã judia. E o pai, por seu turno, tentará esconder sua própria atuação vergonhosa no período da II Guerra. Muito distante do chamado "realismo mágico", com o qual a literatura da Colômbia – país de Gabriel García Márquez – ainda costuma ser associada, este é um romance sóbrio, estritamente realista. E é também um painel de fôlego da conturbada história colombiana ao longo do século XX, com muitos episódios de violência protagonizados por guerrilheiros, terroristas e traficantes. Romance de estreia de Juan Gabriel Vásquez, de 37 anos, Os Informantes ganhou a admiração de veteranos como o mexicano Carlos Fuentes e o peruano Mario Vargas Llosa.



Até os fãs mais distraídos de J.M. Coetzee provavelmente perceberam que o parágrafo acima contém um erro gritante. O escritor não morreu em 2006. Ele está vivo, bem vivo. E não seria preciso ir muito longe para descobrir outras incorreções. Por exemplo, o fato de que no começo dos anos 70 Coetzee, em vez de morar com o pai, morava com a mulher e dois filhos. Mais difícil é saber como lidar com as descrições nada lisonjeiras da personalidade do escritor. Digamos logo: em vez de ser o produto dos esforços de um biógrafo, Verão (tradução de José Rubens Siqueira; Companhia das Letras; 280 páginas; 44,50 reais), o livro de onde as descrições saíram, foi escrito pelo próprio Coetzee. O que leva às seguintes possibilidades: 1) a obra é um exercício de autoflagelo; 2) é um exercício de humor; 3) é as duas coisas juntas. É improvável que Coetzee algum dia ajude a derrubar a dúvida. Verão foi feito para confundir. Trata-se de um romance. Ao mesmo tempo, foi incluído em Cenas da Vida na Província – uma série de memórias da qual também fazem parte os volumes Infância e Juventude.







