Sunday, October 21, 2012

CLAUDIO HUMBERTO


“Funciona como balde de água quente, para estimular”
José Serra (PSDB) sobre pesquisas que apontam sua derrota para Fernando Haddad


BRAGA SE AGARRA A POLÍTICOS PARA MANTER LIDERANÇA
A decisão da presidente Dilma de promover um “rodízio” de líderes, na Câmara e no Senado, tem deixado insones as noites do senador Eduardo Braga (PMDB-AM), que substituiu Romero Jucá (PMDB-RR) na liderança do governo no Senado e quase não foi notado. Informado de que poderá ser substituído no começo do ano, Braga se agarra às lideranças que hostilizou, em seu partido, para tentar manter o cargo.

ISOLAMENTO
Feito líder, Eduardo Braga desafiou José Sarney e Renan Calheiros, e no Amazonas se afastou do governador Omar Aziz, campeão de votos.

OS ALVOS
Dilma sinalizou que vai mudar líderes do governo no Senado, Eduardo Braga, na Câmara, Arlindo Chinaglia, e no Congresso, José Pimentel.

NEM AÍ
O PMDB não criara obstáculos à substituição de Eduardo Braga, nem o PT brigará para manter os lideres Arlindo Chinaglia e José Pimentel.

TOM SOMBRIO
O noticiário sobre mandatários da América Latina continua versando sobre suas fichas médicas: Fidel, Lugo, Chávez, Cristina, Lula, Dilma.

SENHAS DE ARAPONGAS DAVAM ‘SOPA’ NA ABIN
A investigação do roubo de documentos “confidenciais” da Agência Brasileira de Inteligência pelo agente “William” poderá revelar uma trama digna de “Inspetor Clouzot”: além de um sistema vulnerável, a Abin, ligada à Presidência da República, mantinha senhas dos agentes em local de fácil acesso. “William”, suposto ladrão de documentos, pode ter usado senha de outro agente para acessar o sistema.

MEDALHAS DE VOLTA
Militares da reserva vão pressionar o comando do Exército a confiscar as medalhas do Pacificador concedidas a mensaleiros condenados.

LISTA EXTENSA
Os mensaleiros condenados José Genoino, José Dirceu, João Paulo Cunha, Waldemar Costa Neto receberam a Medalha do Pacificador.

CONDENOU, DANÇOU
Segundo decreto de abril de 2002, perdem medalhas os “condenados por sentença transitada em julgado por atentado contra o erário”.

VAMOS À LA PLAYA
A conta com cartão corporativo na Abin, secreta “em nome da Segurança Nacional”, vai aumentar muito: os arapongas torram a cota de passagens e diárias para não ter que devolver nada ao Tesouro.

IRMÃOS BEM NA FOTO
Dilma falou bem, a políticos nordestinos, sobre a candidatura do atual prefeito de Campina Grande, Veneziano Vital do Rego (PMDB), ao governo da Paraíba, em 2014. Ele é irmão do senador Vital do Rego, cuja atuação na presidência da CPI do Cachoeira ela também elogia.

PT QUER SANGUE
Lula prometeu ir a Fortaleza na terça (23) e os petistas locais querem que ele dê o troco no ex-deputado Ciro Gomes, cujas críticas ao ex-presidente calam fundo. Ciro sumiu da campanha neste segundo turno.

AGU CONTRA A UNIÃO
A Advocacia-Geral da União recorreu da decisão do Tribunal de Contas da União, que fixa prazos para invasores do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, deixarem o local. Decisão curiosa, já que retarda a aplicação de uma decisão que favorecia a própria União.

MELHOR A MORTE
Misto de porteiro e dono do PSDB-DF, Márcio Machado diz ter recebido a garantia do presidente nacional, Sérgio Guerra, de que qualquer nova filiação de político só será aceita “sob consenso” da direção local.

ADELANTE, COMPANHEIROS
Senador de oposição da Bolívia, Roger Pinto poderá fazer companhia a Waldemar Costa Neto, do mensalão, na Organização dos Estados Americanos: sem salvo-conduto na embaixada do Brasil em La Paz, Pinto quer recorrer à corte internacional para denunciar Evo Morales.

USO DO CACHIMBO
Deputados distritais têm reclamado da ex-governadora do DF Maria Abadia (PSDB). Ela diz não querer mais saber de política, mas estaria assediando os gabinetes com pedidos de empregos para parentes.

HUMOR NEGRO NA WEB
Na divertida página “fake” (falsa) de Oscar Niemeyer no Twitter, alguém tascou em nome do arquiteto, dia 1º: “Putz! Morreu o Eric Hobsbawm! Abriu a porta para comunista centenário. Melhor me esconder!”

PASTO
Uma pesquisa do IBGE revela que no Brasil o rebanho de gado supera a população: 212, 8 milhões. Sem contar as vaquinhas de presépio...

PODER SEM PUDOR

O DELEGADO PROFESSOR

Tancredo Neves, recém-formado, foi para São João Del Rey exercer a promotoria. Com aquela conversa que o levaria ao poder anos mais tarde, foi chegando e arranjando namorada. Mal sabia que o delegado havia proibido namoro nas praças, por isso ele se misturou aos muitos casais que ocupavam um dos jardins públicos da cidade. A polícia chegou de repente e expulsou todo mundo.Tancredo se preparava para protestar contra a violência quando foi notado pelo delegado. Rápido no gatilho, o policial mostrou que tinha muito a ensinar a Tancredo:
- Doutor, botei esse pessoal para fora para deixar o senhor à vontade..

Um sucesso para ninguém botar defeito - ELIO GASPARI

O GLOBO - 21/10


A notícia pareceu uma simples estatística: entre 1997 e 2011, quintuplicou a percentagem de negros e pardos que cursam ou concluíram o curso superior, indo de 4% para 19,8%. Em números brutos, foram 12,8 milhões de jovens de 18 a 24 anos.

Isso aconteceu pela conjunção de duas iniciativas: restabelecimento do valor da moeda, ocorrido durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, e as políticas de ação afirmativa desencadeadas por Lula.
Poucos países do mundo conseguiram resultado semelhante em tão pouco tempo. Para ter uma ideia do tamanho dessa conquista, em 2011 a percentagem de afrodescendentes matriculados em universidades americanas chegou a 13,8%, 3 milhões em números brutos. Isso depois de meio século de lutas e leis.
Em 1957, estudantes negros entraram na escola de Little Rock escoltados pela 101ª Divisão de Paraquedistas.
Pindorama ainda tem muito chão pela frente, pois seus negros e pardos formam 50,6% da sua população e nos Estados Unidos são 13%.
O percentual de 1997 retratava um Brasil que precisava mudar. O de 2011, uma sociedade que está mudando, para melhor. Por trás desse êxito estão políticas de cotas ou estímulos nas universidades públicas e no ProUni.
Em seis anos, o ProUni matriculou mais de 1 milhão jovens do andar de baixo, brancos, pardos, negros ou índios. Deles, 265 mil já se formaram. Novamente, convém ver o que esse número significa: em 1944, quando a sociedade americana não sabia o que fazer com milhões de soldados que combatiam na Europa e no Pacífico, o presidente Franklin Roosevelt criou a GI-Bill.
Ela dava a todos os soldados uma bolsa integral nas universidades que viessem a aceitá-los. Em cinco anos, a GI-Bill matriculou 2 milhões de jovens. Hoje entende-se que a iniciativa foi a base da nova classe média americana e há estudiosos que veem nela o programa de maior alcance social das reformas de Roosevelt.

MANGUINHOS, JOIA DA COROA OU GUARDANAPO
A desapropriação dos 500 mil metros quadrados da refinaria de Manguinhos pode se tornar uma das joias da coroa da administração do governador Sérgio Cabral. Tudo bem se a indenização tiver que cobrir os impostos que a empresa deve (só de ICMS são R$ 675 milhões, bem como seu passivo trabalhista).
Se os donos de uma refinaria obsoleta que contamina o ambiente e envenena o solo embolsarem algo como R$ 200 milhões, será um caso de guardanapo na cabeça. Essa decisão, contudo, caberá ao Poder Judiciário.
Manguinhos fica dentro da cidade e degradou a região de tal forma que está cercada por comunidades miseráveis.
A ideia de usar seu terreno para recuperar a região poderá resultar na pacificação urbanística do que hoje é a favela de Ramos. Seria uma intervenção do tamanho da revitalização da zona portuária, mesmo sem o seu charme.
Não se deve subestimar os poderes da turma de Manguinhos, estabelecida quando o presidente Getúlio Vargas alavancou seu primeiro dono, o empresário Peixoto de Castro. Recentemente, os novos controladores tiveram novos anjos da guarda, os comissários Marcelo Sereno e José Dirceu, mais a bancada dos precatórios do PMDB.
Nos anos 50, a turma do refino privado foi incomodada no Conselho Nacional do Petróleo por um economista e um coronel. Deram um trato ao economista (Jesus Soares Pereira) cassando-o em 1964. Ao coronel, ofereceram a presidência da Petrobras no governo JK, desde que ficasse quieto. Como ele não ficou, derrubaram-no.
Faltou-lhes a sorte. O coronel Ernesto Geisel tornou-se presidente da Petrobras e da República. Ele gostava de contar como foi atrás deles.

ARQUIVO
José Roberto Arruda, ex-governador de Brasília e ícone do mensalão do DEM, voltou a falar:
"Só digo uma coisa: não apareceu nem metade da missa".
Como diria Camila Pitanga: "Fala, Arruda".

O CONTRADITÓRIO
A revista "Retrato", dirigida pelo repórter Raimundo Rodrigues Pereira, chegará às bancas nesta semana com uma capa intitulada "A vertigem do Supremo". Ela afirma que os ministros do STF deliraram ao aceitar a tese segundo a qual houve um desvio de R$ 76,8 milhões do Banco do Brasil para a turma do mensalão. A reportagem sustenta que não há trabalho contábil de fé que ampare essa acusação e coloca no site da revista 108 documentos (cada um com cerca de 200 páginas) da auditoria feita pelo banco.
Com mais de 40 anos de carreira e obsessões investigativas, Raimundo já contrariou a sabedoria convencional em duas ocasiões. Há dois anos, provou que o banqueiro Daniel Dantas foi satanizado pelo delegado Protógenes Queiroz na Operação Satiagraha. Nenhum dos fatos que mencionou foi desmentido.
Em 1996, ele investigou as denúncias de má conduta profissional feitas contra a cientista brasileira Teresa Imanishi. Tinha do outro lado um Prêmio Nobel e o governo americano. Prevaleceu e depois de dez anos a cientista foi inocentada, com pedidos de desculpas do "New York Times" e do "Washington Post".

AVISO AMIGO
Quando o ministro Joaquim Barbosa assumir a presidência do Supremo deverá ter uma preocupação. Ele sabe que não é estimado pelos colegas. O que talvez não saiba é que muitos deles não pretendem levar desaforo para casa.

PESADELO AMERICANO
Sempre que a eleição americana marcha para um final apertado ressurge o fantasma do empate no colégio eleitoral.
Desta vez existe a remota possibilidade de Barack Obama e Mitt Romney empatarem, cada um com 269 votos, no colégio eleitoral.
Nesse caso, a escolha irá para uma assembleia de 50 eleitores (um para cada Estado) e tudo indica que Romney saia vitorioso, pois os republicanos tendem a manter a maioria na Câmara dos Representantes.
Se esse cenário improvável ocorrer, a crise de 2000, quando George Bush 2º prevaleceu sobre Al Gore, será vista como uma mixaria, sobretudo se o companheiro Obama conseguir mais votos populares.
A democracia americana sairá mal da foto. Olhando-se para seus últimos oito presidentes, três passaram por processos anômalos. Bush 2º ganhou a Casa Branca na Corte Suprema, Richard Nixon foi obrigado a renunciar, e John Kennedy foi assassinado.
(A possibilidade do empate e a discussão do processo eleitoral estão descritos no site "Sabato's Crystal Ball". Apesar de ter escolhido nome bobo, o professor Larry Sabato, da Universidade da Virgínia, é um respeitado estudioso das eleições americanas.)

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e muda de opinião a cada dia.
Às segundas, quartas e sextas é favorável ao "kit anti-homofobia". Às terças, quintas e sábados é contra.
Em todos os casos, por idiota, acredita que essa discussão criará mais escolas, creches e hospitais na cidade de São Paulo . Por quê? Eremildo não sabe, mas está procurando quem saiba.

Os postes iluminados de Lula - VINICIUS TORRES FREIRE


FOLHA DE S. PAULO - 21/10


Com Dilma e Haddad, Lula dá banho de loja no PT, mas "new look" ainda está longe de ter substância



O PT ANTIGO, para não dizer mesmo original, autodestruiu-se a fim de eleger Lula presidente. As lideranças que a partir de meados dos anos 1990 transformaram o partido na máquina centralizada, profissional, burocrática e pragmática que venceria em 2002 estão caídas, exiladas da política ou sob risco de prisão.

O PT novo, ou pelo menos o PT de 2012, brota dos detritos dessa máquina, a geringonça personalista comandada por Lula.

Sabemos pouco do que foi feito das "bases petistas" ou do futuro dos profissionais da burocracia do partido. Mas os eleitos de Lula quase nada têm a ver com os velhos PTs e nem com o próprio Lula.

Fernando Haddad está para vencer a eleição paulistana, a segunda mais importante desde o fim do governo Lula. Dilma Rousseff é a presidente. Os dois fizeram carreiras marginais no PT, não vieram das "bases", não comandaram a máquina e são, a seu modo, "intelectuais".

Apesar de popularíssima, Dilma não tem ascendência sobre o PT nem dissipou a névoa sobre 2014, pois ainda é frequente a falação sobre a volta de Lula. Haddad é noviço de todo. Embora esteja para subir na enorme plataforma que é a Prefeitura de São Paulo, isso não o habilita automaticamente a escalar outros degraus. Vide os casos de Marta Suplicy e Luiza Erundina.

Mas não se pode desprezar a novidade, seus possíveis efeitos sobre o PT e até mesmo sobre partidos que um dia se orgulhavam de seus quadros, como o PSDB.

Como está óbvio, Lula procura dar um banho de loja no PT.

Apesar de ridiculamente anacrônica, a imagem de partido "popular demais", de militantes enjoados, enfim, de esquerdistas, ainda pega mal entre muito paulista, pelo menos. O partido ficou ainda pior na foto quando vestido dos trapos das corrupções. Dilma e Haddad dão um ar, digamos, mais limpinho ao partido. São os postes iluminados, ilustrados, que Lula ajudou a eleger.

Ajudou a eleger, ressalte-se. Lula colocou o "new look" na prateleira, mas o eleitorado é que decidiu comprá-lo.

Como está óbvio, o eleitorado comprou "gente nova", dissociada da imagem do político "normal", com aparência apolítica, algo tecnocrática e de classe média. Pelo menos para o grande público, Dilma e Haddad não estão identificados com nenhuma causa célebre, ideologia distinta ou corrente política além do lulismo (que nem é um movimento popular, aliás).

O que o eleitor levou? Dilma e Haddad têm um passado de extrema esquerda, cada um a seu modo. No presente, estão mais preocupados em sobreviver, pragmaticamente.

Dilma procura quase apenas e desesperadamente reaquecer a economia enquanto toca o nosso pobrinho e precário Estado de Bem-Estar Tropical, sem grandes novidades.

Apesar de ter feito parte das equipes de Marta (prefeitura) e Guido Mantega (Planejamento) e de ter sido ministro, Haddad acabou de descer de paraquedas na política profissional. Não tem equipe, seguidores, causa ou projeto publicado.

Dilma e Haddad serão capazes de dar substância ao "new look", organizar uma nova corrente política? Ou não passarão da versão petista das "novas caras" da política, um grande vazio de homens/mulheres e ideias?

Sicofantas e tagarelas - ROBERTO ROMANO


O Estado de S.Paulo - 21/10


A palavra é o maior valor ético na ordem pública. Graves atentados ao decoro político são cometidos por gestos e incontinências verbais. Segundo Spinoza, o respeito exige que os governantes sejam prudentes quando movem a língua e o corpo. Ele adverte: "O Estado, para garantir o próprio domínio, se obriga a manter as causas do temor e do respeito (...). Aos que assumem o poder público é proibido se exibir em plena embriaguez ou sem roupas na companhia de prostitutas, imitar os palhaços, violar ou desprezar abertamente as leis editadas por eles mesmos" (Tratado Político). Gestos ou palavras devem ser medidos na política.

Quem não controla a fala por ela é dominado. A prudência requer disciplina e caráter. É árduo, diz Plutarco, "fazer dos dentes uma barreira sólida contra o dilúvio da língua". Usando termos da medicina, o teórico batiza a moléstia que acomete o falador como asingesia, a impossibilidade de manter silêncio. Ao piorar a doença, chega-se à diarréousi, a diarreia da boca (Sobre o Palavrório). As frases devem ser pesadas (a origem de "pensar" e "pesar" é comum). Caso oposto, elas aniquilam a sociedade. A ninguém é lícito ignorar a polidez, marca do convívio civil. Sem respeito pelas normas do pacto social, os líderes transformam os cidadãos em alcateia facínora cuja boca é usada para estraçalhar, nunca para exercer o diálogo.

Vejamos a semântica do termo "delator", aplicado pela mídia ao sr. Roberto Jefferson. A origem do termo é grega, como quase todos os vocábulos relevantes de nossa política e medicina. Hoje atravessamos uma crise inédita do Estado. O soberano não consegue exercer na plenitude os monopólios da ordem jurídica, dos impostos, da violência física. Preocupa a incerteza quanto aos limites dos Poderes. Há bom tempo se discute nos meios políticos, ideológicos, religiosos e financeiros a "judicialização" da vida pública, a hipertrofia do Judiciário (C. Neal Tate, The Global Expansion of Judicial Power, 1995).

Em Atenas não existia Ministério Público e nenhuma autoridade legal poderia entrar na Justiça em defesa dos interesses estatais. Cabia "a quem desejasse" (fórmula democrática instaurada por Sólon) o direito de falar em nome do Estado. Quem assim fazia se tornava parte do processo judicial em favor da "polis". Aqueles indivíduos agiam por amor à justiça? Já nos primórdios da vida democrática grega os magistrados desconfiaram dos interesses que movem os acusadores. Logo transformada em profissão, a atividade do sicofanta esmera-se na chantagem pecuniária (para responder em nome alheio a acusação ou renunciar a um processo perigoso para o acusado).

O mister de sicofanta, segundo C. R. Kennedy (citado por John Oscar Lofberg em Sycophancy in Athens, 1976), é "uma feliz mistura de chicaneiro, denunciador, processualista, apalpador, salafrário, mentiroso e caluniador. Ela supõe a calúnia, a conspiração, a acusação mentirosa, a litigância de má-fé, a ameaça de processos judiciais para extorquir dinheiro e, de modo geral, todos os recursos abusivos nos procedimentos legais com fins desonestos".

A inflação dos sicofantas ameaçava a democracia ateniense, pois dividia os cidadãos, enfraquecendo a solidariedade coletiva. Aristófanes dá o nome de "vespas" aos delatores, porque suas picadas molestam a paz coletiva. Embora sua existência se universalize, o delator é odiado. Como no inferno descrito por Sartre, sicofanta é sempre o outro (Catherine Darbo-Peschanski, Por um punhado de figos, judicialização moderna e sicofantismo antigo - in Pauline Schmitt Pantel: Athènes et le Politique).

No Direito Romano, quem denuncia pode funcionar como acusador. Caius permite que escravos delatem seus mestres, mas Claudius proíbe a prática e Galba a pune. Constantino veta a oitiva dos delatores e os condena à morte. No Digesto, a delação é tida como odiosa. Na ordem moderna, o delator aponta o crime, mas o acusador é o interessado em repará-lo buscando a justiça dos tribunais.

No século 18, era das Luzes, o problema apaixona pensadores e políticos. A Enciclopédia coordenada por Denis Diderot disseca o tema. Em verbete é dito que "denunciar, acusar, delatar são termos relativos ao mesmo ato por diferentes motivos. O estrito apego à lei parece motivar quem denuncia, um sentimento honrado ou gesto razoável de vingança, ou uma outra paixão, são marcas de quem acusa. No caso do delator a devoção baixa, mercenária ou servil, o prazer malicioso de fazer o mal aos outros, tudo pode ocorrer sem que ele receba benefícios em troca. Acreditamos que o delator atraiçoa; que o acusador é uma pessoa irritada; que o denunciante é alguém indignado. Embora as três figuras sejam odiosas para a opinião pública, o filósofo às vezes deve elogiar o denunciante e aprovar o acusador. O delator é sempre desprezível".

Temos aí o saber dos séculos contra Roberto Jefferson.

E a "tese" sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) como tribunal de exceção? A língua assim usada contra os juízes é imprudente. O delator indicou ações cometidas por ele e comparsas e foi sancionado negativamente. Os juízes do caso não agiram segundo os moldes do soberano "que decide sobre o estado de exceção". Defensores da Carta Magna, eles não se colocaram acima dela. Tal realidade represa a torrente de palavras e de insultos dirigidos contra os magistrados.

Exigir que todos sejam punidos de modo semelhante, sem discriminação partidária ou ideológica, é um avanço democrático. Nivelar instituições e malfeitores sinaliza o pior atraso político. Hoje é o mensalão petista. Amanhã, o tucano e quejandos. Mas todos os partidos dependem da justiça. Se um deles a recusa alegando "golpismo burguês", a quem apelar no futuro? Às Forças Armadas, às milícias, à guerrilha?

Prudência, senhores, recordem a lição de Fujimori.

Um novo tripé - AMIR KHAIR



O ESTADÃO - 21/10
O que caracterizou a política econômica durante o segundo mandato do governo FHC (1999/2002) foi o denominado tripé: meta de inflação, superávit primário e câmbio flutuante. O que foi saudado, equivocadamente, por algumas análises, como acerto na política econômica do governo Lula (2003/2010) foi a manutenção deste tripé. O que vem sendo tratado em várias análises nestes 22 meses de governo Dilma é se essa política do tripé foi abandonada.

Parece-me claro que foi dado adeus ao tripé original e, desde o início deste ano, passou- se a ter um novo tripé:meta de crescimento, resultado fiscal e câmbio administrado.

As análises que defendem o tripé original argumentam que ele assegura a inflação sob controle e finanças públicas e contas externas em equilíbrio. O crescimento, ora o crescimento, é consequência.

Vamos analisar esses argumentos, quanto aos objetivos pretendidos.

Inflação. Meta de inflação é necessária, mas não suficiente. Necessária, pois dá um balizamento aos agentes econômicos quanto ao comportamento previsto para a evolução dos preços. Insuficiente, pois os agentes, se puderem, costumam fazer a correção dos preços olhando pelo retrovisor, ou seja,a inflação passada e, mais insuficiente ainda, pois os condicionantes da inflação pouco dependem da política econômica. Esses condicionantes são os preços internacionais, preços dos serviços e preços monitorados pelo governo(federal, estadual e municipal).

Estatisticamente, pelos dados dos últimos 17 anos, cerca de 60% da inflação depende dos preços dos produtos comercializáveis, que são os que sofrem a concorrência externa, com destaque para as commodities.O preço dos serviços condicionam cerca de 25% da inflação,eos preços monitorados, 15%.

Neste ano, a influência na inflação mundial se deu pela seca nos Estados Unidos,que encareceu os alimentos. Até setembro, a inflação atingiu 3,77% e a dos alimentos,6,44%.Cerca da metade da inflação neste ano, segundo algumas análises, virá dos alimentos. Nem a meta nem o governo podem alterar isso.

Os serviços ficaram abaixo da inflação de 1999 a 2004 e, a partir de 2005, ficaram acima, provavelmente pela demanda maior que a oferta. Para conter a inflação de serviços, só com maior arrocho na economia para gerar desemprego, o que não constitui objetivo deste governo, que luta para conseguir retomar o ritmo de crescimento que vigorou de 2004 a 2008 (4,8% ao ano). Vale notar que algumas análises argumentam que a inflação virá, pois os salários estão sendo corrigidos acima da inflação em razão do baixo nível de desemprego. Será que pregam ampliar o desemprego para conter o mal da inflação? Não creio. Os preços monitorados (energia elétrica, telefone, combustíveis, água e esgoto, passagens de ônibus, etc), de 1995 até 2006, foram corrigidos acima da inflação e, após 2006, têm contribuído para reduzir a inflação. Exemplo disso é o não reajuste dos combustíveis da Petrobrás por nove anos - um erro, pois está enfraquecendo a principal empresa do País, quando o governo deveria fazer o contrário.

Assim, pode-se fixar meta de inflação, mas a ação do governo federal é apenas sobre parte dos 15% que influenciam os preços monitorados e, assim mesmo, em larga escala, dependerá das agências reguladoras, sujeitas a poderosos lobbies das concessionárias de serviços públicos.

Vale sempre repetir: quanto mais baixa a Selic, maior o estímulo ao investimento privado; portanto, na ampliação futura da oferta, melhor antídoto contra a inflação. Por isso, parar em 7,25% atenta contra os objetivos do governo de estímulo ao investimento, de crescimento, de combate à inflação e na saúde das contas públicas.

Finanças públicas. O uso do superávit primário (diferença entre as receitas e despesas, exclusive financeiras) para a saúde das finanças públicas é inadequado, pois olha só um lado da moeda. O outro, as despesas com juros, não é considerado neste conceito, que é tanto mais inadequado quanto maior o peso dos juros nas contas públicas. Por exemplo: em 2003, o superávit primário foi de 3,3% do PIB e o déficit,de 5,2% do PIB.Em 2009, o superávit primário foi 2% do PIB e o déficit, 3,3% do PIB. O que marcou isso foi a despesa com juros,que foi de 8,5% do PIB em 2003 e de 5,3% em 2009.

Felizmente, o descarte do resultado primário começou a ser feito pelo governo e por número crescente de análises sobre contas públicas.

Câmbio flutuante.

É das pernas do tripé a que foi rifada há vários anos.O enterro definitivo ocorreu em todos os países após a crise de 2008, quando o Fed (banco central americano), o Banco Central Europeu e os bancos centrais da Inglaterra e Japão injetaram na economia algo equivalente a US$ 10 trilhões. Isso ocorreu e continua para salvar os sistemas bancários desses países e permitir a desvalorização de suas moedas para estimular as exportações.

Em resposta a essa avalanche de liquidez, há de desvalorizar o real para devolver às empresas a competitividade que lhes foi subtraída com a valorização do real. O Brasil tornou-se um país caro até na comparação com os países desenvolvidos. Não é que o preço externo tenha baixado tanto que ficou mais barato comprar fora.É que o preço do nosso produto ficou mais caro com a valorização da moeda.Tenho repetido em artigos que o câmbio que permite o equilíbrio das contas externas é pouco acima de R$ 3. Assim, é necessário desvalorizar o real injetando liquidez na economia e,para isso,só via câmbio administrado.

Meta de crescimento. Se pouco pode fazer o governo para alterar a inflação, que não depende mais da Selic, muito tem a ser feito em favor do crescimento econômico. O mais importante é retirar as travas do crescimento: juros bancários elevados e carga tributária alta sobre o consumo.

É necessário continuar a pressão sobre os bancos privados para reduzir o pouco que fizeram para reduzir os juros.O caminho é continuar a redução da Selic até 5% (média dos países emergentes) e tabelar, reduzindo as tarifas bancárias. Com isso reduz-se duas importantes fontes de lucro bancário, induzindo-os à concorrência nos empréstimos.

Para diminuir a carga tributária sobre o consumo, não é simplificando o ICMS estadual, mas sim reduzindo suas elevadas alíquotas. Com isso, os preços caem, favorecendo o combate à inflação, a melhor distribuição do ônus tributário que pesa sobre as pessoas e a maior competitividade para as empresas.O crescimento econômico gerado compensa os Estados da aparente perda com a redução de alíquotas.

O velho tripé garantiu polpudos e fáceis lucros aos bancos. Que o novo,em conjunto com outras políticas, especialmente as voltadas para uma melhor distribuição de renda, ajude a impulsionar o desenvolvimento econômico. Vale acompanhar.

A demagogia das cotas - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 21/10



Ao divulgar o decreto e a portaria que regulamentam a Lei de Cotas, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, acabou reconhecendo que a lei dará acesso às universidades públicas a estudantes que não estão preparados para cursá-las. Aprovada há dois meses pelo Congresso, a Lei de Cotas obriga as universidades e institutos técnicos de nível médio federais a reservarem 50% de vagas para alunos que tenham feito integralmente o ensino médio em escolas públicas.

A lei também estabelece subcotas por critérios de renda e de raça. No primeiro caso, metade das vagas reservadas a "cotistas" deverá ser preenchida por estudantes com renda familiar mensal per capita de até 1,5 salário mínimo (R$ 933). As universidades e institutos técnicos federais poderão exigir cópia da declaração do Imposto de Renda, extratos bancários e até nomear uma comissão encarregada de visitar o domicílio dos candidatos para verificar se vivem em famílias com baixa renda. O decreto cria ainda um Comitê de Acompanhamento das Reservas de Vagas nas Instituições Federais de Educação Superior e de Ensino Técnico, que terá, entre outras, a incumbência de fiscalizar o cumprimento da Lei de Cotas e propor "programas de apoio" a cotistas.

Já no caso das subcotas raciais não haverá qualquer tipo de controle, bastando aos candidatos declarar se são pretos, pardos ou indígenas. Pelo decreto, os candidatos pretos, pardos e indígenas disputarão as mesmas vagas. Caberá, contudo, às universidades federais a prerrogativa de separar as subcotas raciais das cotas para indígenas.

"Fomos o último país a abolir a escravatura nas Américas. A política de ações afirmativas busca corrigir essa dívida histórica. Temos de dar mais oportunidade àqueles que nunca tiveram, que são os pobres", disse o ministro da Educação, depois de anunciar que vem preparando um sistema de tutoria e cursos de nivelamento para cotistas. "Os alunos terão um tutor que os acompanhará, verá as deficiências, ajudará a reforçar o que é necessário", afirmou. Com isso, ele admitiu os problemas de aproveitamento e desempenho escolar que a Lei de Cotas introduzirá nas universidades e institutos técnicos federais. É como se reconhecesse que as universidades e institutos técnicos federais passarão a ter dois tipos de alunos - os de primeira classe, escolhidos pelo princípio do mérito, e os de segunda classe, beneficiados pelo sistema de cotas.

"A experiência demonstra que parte desses alunos precisa de acompanhamento, especialmente no início do curso. Temos de garantir que saiam em condições. Inclusive, vamos fazer uma política de assistência estudantil, para que os cotistas possam se formar e ter seu diploma", afirmou.

Contudo, mostrando como são tomadas as decisões do governo na área social, o ministro anunciou que o "modelo nacional de nivelamento e tutorias" não deverá estar pronto antes do próximo vestibular, quando o regime de cotas entra em vigor. Portanto, apesar da retórica oficial em favor de políticas afirmativas, o MEC não estava preparado para lidar com os problemas trazidos por uma lei que aumentará significativamente as responsabilidades, a burocracia e os gastos das universidades e institutos técnicos federais com atividades-meio.

A preocupação em agitar a bandeira das cotas às vésperas de uma eleição é tanta que, na mesma entrevista em que reconheceu que o governo ainda não tem um plano de nivelamento e tutoria para cotistas, Mercadante disse que está cogitando de usar o sistema de cotas também no programa Ciência sem Fronteiras, que dá bolsas de graduação e pós-graduação no exterior. Mas, segundo ele, essa iniciativa teria de ser precedida do ensino em massa de inglês e de outras línguas. "Se não tem proficiência em inglês, só posso mandar os alunos para Portugal", afirmou. O ministro alegou que o MEC está preparando o programa Inglês sem Fronteiras. Mas, como se tornou rotineiro na administração petista, ele deverá ser implantado depois do anúncio da extensão do regime de cotas para o Ciência sem Fronteiras.

A democracia autoritária - GAUDÊNCIO TORQUATO


O Estado de S.Paulo - 21/10


Democracia autoritária? Essa figura existe no dicionário de política? O conceito, que expressa incongruência, pautou dias atrás os argumentos de dois ex-presidentes da República, Fernando Henrique Cardoso e Alan García, durante sessão da Assembleia-Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), realizada em São Paulo.

O brasileiro e o peruano denunciavam o retrocesso político que ameaça os meios de comunicação na América Latina, decorrente de "uma espécie de democracia autoritária", que, apesar de se estribar em vitórias eleitorais, despreza valores democráticos como liberdade de expressão e direito à informação. A inoculação do vírus autoritário no corpo democrático, discutida pelos participantes no evento, faz-se ver, aqui e ao derredor, por intermitentes manifestações (e concretizada em ações, como na Venezuela, no Equador e na Argentina) de interlocutores governamentais e partidários acerca da necessidade de estabelecer controles sobre a mídia. O voto tem sido a arma sacada pela governança "democrático-autoritária" para exercer a vontade e ditar regras aos regimes latino-americanos.

Não sem razão o ex-mandatário peruano lembra que pleitos eleitorais e separação dos Poderes já não bastam para definir os valores da democracia. Pois uma de suas vigas centrais, a liberdade de expressão, é despedaçada toda vez que mandatários, à moda dos caudilhos, impõem sanções à imprensa. Não fossem a reação da própria mídia e a indignação de polos sociais contra o viés autoritário de governos, mordaças contra ela já se teriam multiplicado. O fato é que a liturgia que envolve o altar democrático tem sido conspurcada em partes do planeta, o que sugere a questão: por que tal propensão autoritária? E por que floresce com maior abundância nos jardins do nosso continente?

A análise começa com um pouco de História. A comunicação no formato da massificação das ideias nasceu em 1450 numa sociedade autoritária. Firmou-se sobre o primado do Estado como ente superior ao indivíduo na escala dos valores sociais. Serviu como esteio da unidade de pensamento e ação, formando a base para a continuidade dos governantes, os herdeiros monárquicos; os nobres, que a usavam para proteger sua identidade na política e na guerra; e os dirigentes da Igreja Romana, sobre os quais pesava a responsabilidade de proteger a revelação divina.

O autoritarismo refluiu ante a expansão dos princípios liberais, cujo escopo situava o Homem, independente e racional, acima do Estado. Cabia a este prover os meios capazes de propiciar o máximo de felicidade humana. O preceito autoritário dá vez ao axioma libertário, assim sintetizado por John Stuart Mill no ensaio On Liberty: "Se toda a humanidade, com exceção de uma pessoa, tiver certa opinião, e apenas esta pessoa defender opinião contrária, a humanidade não abrigaria mais razão em silenciá-la do que ela à humanidade". Essa visão iluminou os códigos da sociedade democrática, como se vê na Constituição norte-americana, cuja Primeira Emenda reza: "O Congresso não poderá formular nenhuma lei (...) que limite a liberdade de opinião, ou a liberdade de imprensa". Ou a Quarta Emenda, que prescreve: "Nenhum Estado poderá formular ou aplicar qualquer lei que limite os privilégios ou imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos".

Na América Latina o viés autoritário tem sido mais acentuado. A explicação pode estar no aparato que fincou profundas raízes desde o vasto e milenar Império Inca, com seus grandes caciques, e depois o poderio espanhol, povoado por reis, vice-reis, conquistadores, aventureiros e corregedores, todos inclinados a implantar regimes de caráter autocrático. A propósito, Maurice Duverger utiliza essa modelagem para explicar a opção latino-americana por um presidencialismo de caráter imperial, ao contrário do sistema parlamentarista que vicejou na Europa, inspirado na ideologia liberal da Revolução Francesa. Aliás, o timoneiro Simon Bolívar, que tanto faz a cabeça do comandante venezuelano Hugo Chávez, foi um dos primeiros a retratar a vocação latino-americana para o personalismo: "Não há boa-fé na América nem entre os homens nem entre as nações. Os tratados são papéis, as Constituições não passam de livros, as eleições são batalhas, a liberdade é anarquia e a vida, um tormento". Observando a contundência das batalhas eleitorais, as nossas incluídas, constata-se o acerto (e a atualidade) da profecia bolivariana.

O Brasil não escapa ao pendor autoritário, importado pela colonização portuguesa e ramificado na árvore patrimonialista. Fernando Henrique, que enxerga na contemporaneidade o nascimento de "uma democracia autoritária", certamente há de registrar a disposição monocrática que grassa em nossos costumes desde a velha Constituição de 1824, a qual atribuía a chefia do Executivo ao imperador. O presidencialismo brasileiro é um desfile de mandatários que vestem o manto de pais da Nação, beneméritos, heróis, salvadores da Pátria.

Ademais, por aqui os direitos foram introduzidos de maneira invertida, contribuindo para enxertar na seara democrática sementes autoritárias: primeiro, os direitos sociais (veja-se a legislação social-trabalhista e previdenciária do ciclo getulista), depois os políticos e por último os civis, ao contrário do modelo clássico da cidadania, que começa com as liberdades civis. Não por acaso, faz parte da nossa cultura o hábito de "mamar nas tetas do Estado", sob as quais se desenvolve uma cidadania passiva. A receita do bolo completa-se com o fermento populista, estocado nos bornais de meia dúzia de perfis e usado para insuflar as massas a partir de uma liturgia assistencialista.

As estacas autoritárias fincadas ao redor do arco de valores democráticos funcionam como barreiras ao livre exercício da expressão. Jornais e revistas passam a ser os alvos prediletos dos cultores de uma ordem que desfralda, de um lado, a bandeira da liberdade e, de outro, a tarja negra da coação.

Por trás dos clicks - HUMBERTO WERNECK


O Estado de S.Paulo - 21/10


Já contei aqui um par de histórias de um fotógrafo, grandíssima figura, com quem trabalhei em meus começos de carreira. Pois aqui vão mais duas do mesmo personagem, hoje convertido ao ramo da pastelaria.

Recém-chegado ao Paraguai para uma reportagem, ao preencher ficha no hotel lhe pediram nome e sobrenome - em espanhol, naturalmente, língua que ele não traçava:

- ¿Nombre?

- Emílio.

- ¿Apellido?

- Wakamoto.

Era assim que o chamávamos na redação, por causa de um xarope homônimo, então novidade nas farmácias brasileiras. E xarope ficou sendo o Ishimura, para efeitos também de hotelaria paraguaia.

* * *

Ao tempo em que era cinegrafista de TV, coube certa vez ao Wakamoto cobrir uma exibição da esquadrilha da fumaça. Como os colegas ali reunidos, registrou o ir e vir, as piruetas, os flatos fumarentos dos aviõezinhos. Ao contrário dos demais, porém, não gastou todo o filme - reservou uns tantos pés, com um mau agouro que horrorizou os companheiros:

- Vai que um desses cai...

E arregalou em direção ao céu os olhos amendoados - até que um dos aparelhos, desgarrando-se do grupo, entrou em curva descendente.

- É agora! - anunciou o Wakamoto, assestando a câmera para fazer o único registro de uma tragédia que, no fim do ano, lhe valeria um disputado prêmio jornalístico.

* * *

Em matéria de faro para o azar, no entanto, o Wakamoto nem de longe poderia rivalizar com aquele outro fotógrafo, cujo nome convém silenciar.

Com esse camarada - vamos chamá-lo de Toc-Toc, em alusão às batidas na madeira com que em geral era recebido onde houvesse chegado sua reputação de azarento - topou um dia um colega, o Ênio, na saída do banco. De bermudas, ele que parecia ter nascido de paletó e gravata, o repórter tinha passado ali para sacar o dinheiro da viagem de férias. Ao dar de cara com o Toc-Toc, fez que não o viu - mas lá veio o abutre da objetiva. Veio e, como todo chato, ficou. De nada adiantou o Ênio despedir-se dele ao cabo de duas ou três frases, alegando urgências da viagem. Só na quadra seguinte conseguiu desvencilhar-se do abantesma. Na esquina, despediu-se às pressas - e já ia pondo os pés na rua quando o camarada, a suas costas, chamou:

- Ênio! Boas férias!

- Obrigado - pôde ainda dizer o jornalista, girando a cabeça para agradecer, cortesia que lhe custou cair numa boca-de-lobo, a qual, ao lhe proporcionar uma fratura exposta, tragou também o que poderiam ter sido para o Ênio as primeiras férias em muitos anos.

* * *

Aquele outro não fazia mal a ninguém - a não ser, quem sabe, quando, à noite, a caminho de uma reportagem, via casais embicarem o carro na entrada de algum motel. Com a divertida malignidade que tempera seu especialíssimo senso de humor, o fotógrafo, nessas ocasiões, pendurado numa janela do carro do jornal, disparava o flash, qual paparazzo ante celebridades, ou detetive particular à cata de flagrante de adultério. O sabotador de amores furtivos nunca ficou para ver o desfecho da molecagem, porém se regalava ao imaginar súbitos esmorecimentos funcionais que nem o mais potente comprimido azul, nos dias de hoje, daria conta de reverter.

* * *

Não esqueçamos, por fim, outro profissional das lentes, esse miúdo, feioso e atarracado, machista ao ponto de o chamarem, na redação, de "reprodutor". Pois lá estava um dia a criatura no aeroporto, em companhia de uma repórter com quem ia viajar. Ora, sucede que naqueles começos de anos 70, o auge da repressão, ninguém embarcava sem que sua bagagem de mão fosse minuciosamente fuçada por policiais. O fotógrafo, que era também galante, tinha se oferecido para carregar a sacola da colega. Quando deu por si, já estava junto à bancada onde as bagagens eram inspecionadas. E eis que o policial, metendo a mão na bolsa, de lá extraiu um sutiã, peça que teve a maldade de erguer bem alto, ao mesmo tempo em que piscava para o fotógrafo e lhe dizia, para todos ouvirem:

- Boa viagem, boneca!

Em matéria de apelido, resignou-se o moço, melhor ficar com "reprodutor".

O recuo da Aneel - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 21/10


Desautorizado publicamente pelo ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), Luiz Inácio Adams, o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Nelson Hubner, teve de recuar e rever as ameaças que fizera, na semana passada, às concessionárias do setor elétrico que não aceitassem, até a segunda-feira (15/10), as condições impostas pelo governo para a renovação das concessões. Hubner dissera que a Aneel poderia impedi-las de participar de novas licitações.

Foi um recuo parcial. "Em tese, podem participar, mas isso será discutido mais adiante", disse Hubner ao jornal Valor (17/10), durante encontro em São Paulo em que autoridades, dirigentes de empresas e investidores do setor elétrico discutiram as regras da Medida Provisória (MP) 579 para a renovação das concessões que vencem entre 2015 e 2017. O ministro-chefe da AGU, no entanto, deixou claro que não há o que discutir - nem agora nem "mais adiante" - a respeito da participação das concessionárias nos novos leilões. "Se o concessionário achar que as condições (estabelecidas pela MP) não são adequadas, ele pode entregar o ativo e participar da licitação", afirmou Adams.

O esclarecimento do chefe da AGU elimina parte das incertezas e da insegurança geradas pela decisão do governo de editar às pressas, sem consulta ampla ao setor, uma MP tão complexa, que envolve cálculos de indenizações estimadas em bilhões de reais e alterará a rentabilidade das empresas da área, entre elas a estatal Eletrobrás. Louve-se, a propósito, o gesto do diretor-geral da Aneel de reconhecer o "atropelo" na definição das novas regras, pelo qual pediu desculpas. Na tentativa de dar um pouco de tranquilidade para o setor, disse que "as coisas serão ajustadas ao longo do tempo".

Por decisão do próprio governo, porém, o tempo é muito curto. Foi exíguo para as concessionárias manifestarem o interesse em renovar as concessões, mesmo sem conhecer os critérios que balizarão os cálculos da indenização. Assim, elas tiveram de decidir "no escuro" em termos financeiros. Mas isso foi apenas o início. Uma decisão suficiente apenas para garantir às concessionárias a possibilidade de poder optar pela renovação da concessão. Elas continuarão pressionadas a decidir com rapidez. Até o dia 1.º de novembro, o governo divulgará a fórmula do cálculo das indenizações por investimentos não amortizados e as concessionárias terão de aceitar ou rejeitar essa fórmula até o dia 4 de dezembro.

Mas isso é só uma parte, talvez a menos complicada, dos problemas criados pela MP. Os controladores de 14 das 123 usinas cujas concessões vencerão nos próximos anos não pediram a renovação da concessão. Dessas, as que causam maior preocupação são três operadas pela estatal estadual Cemig, de Minas Gerais - as Usinas de Jaguara, São Simão e Miranda.

A resposta do governo beira o simplismo. O concessionário que não quiser aderir às novas regras mantém o ativo até o fim da concessão; "depois, a usina volta para o Estado, que decide se licita ou explora de outra forma o ativo", disse o secretário executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmermann. O presidente da Cemig, Djalma Morais, no entanto, garante que o contrato de concessão dessas usinas assegura sua renovação por 20 anos nas condições atuais - e é isso que a empresa pretende obter.

Se não tiver êxito nas negociações com a Aneel e com o governo Dilma, a diretoria da Cemig espera contar com a colaboração do Congresso para que o direito por ela invocado lhe seja assegurado. No Congresso está outro foco de dificuldades para o governo fazer avançar seu projeto para o setor elétrico. Instalada na quarta-feira passada, a comissão especial mista do Congresso que vai analisar a MP 579 terá muito trabalho. A MP recebeu 431 emendas de deputados e senadores, entre as quais uma que prevê a possibilidade de renovação, nas condições atuais, de concessões que nunca foram prorrogadas, como as das três usinas da Cemig e também a da Usina Três Irmãos, da estatal paulista Cesp.

Mesmo que todas essas questões sejam superadas, ainda restará o problema do cálculo das indenizações.

A atenção - DANUZA LEÃO


Mais que tudo, o que todos queremos, do berçário à mais provecta idade, é o bem mais precioso: atenção



Afinal, o que todos queremos da vida -além do básico, claro? Bem, para começar, é preciso definir o que é o básico.

O básico é igual para todo mundo, seja você banqueiro ou Zeca Pagodinho: um bom Jaqueirão para receber os amigos, saúde, uma certa beleza física, algum dinheiro, que não faz mal a ninguém, um pouco de amor, que faz bem enquanto dura e mal quando acaba, e por aí vai. Mas mais que tudo, o que todos queremos, do berçário até a mais provecta idade, é o bem mais precioso: um pouco de atenção.

Para isso, somos capazes de tudo; uma criança, na hora de deitar para dormir, quer a presença da mãe, só olhando. Muito mais tarde, mesmo depois dos 40, os homens vão fazer o que mais gostam -surfar-, e querem que a namorada fique sentadinha na areia, só olhando.

Ninguém suporta ser completamente anônimo, e por isso as pessoas passam a vida buscando o dinheiro, a beleza, o poder ou a fama, para serem reconhecidas pelo garçom quando entram num bar.

Tem gente que vai ao mesmo restaurante só por isso, só se hospeda no mesmo hotel, e outros -mais do que você pensa- contratam um divulgador, essa profissão tão moderna, para cuidar de sua imagem, o que significa conseguir publicar uma foto ou uma notinha no jornal de vez em quando. Para quê? Ora, para existir; Nizan Guanaes já disse que o marketing é tudo na vida das pessoas.

Crianças fazem tudo o que passa pela cabeça; sem nenhuma censura, elas choram e gritam para chamar atenção; mais tarde, quando aprendem que não podem mais abrir o berreiro, vão por outros caminhos, para terem certeza de que existem. Umas se vestem de paetês, outras se queixam de doença -e às vezes se esforçam tanto que ficam doentes mesmo, e dá para entender: qualquer coisa na vida, qualquer, é melhor do que a indiferença.

Uns engordam, outros pintam o cabelo de verde, alguns tentam uma carreira de sucesso, de preferência no show business, para serem sempre notados, e quanto mais notados, melhor. Não se trata apenas de vaidade: é uma questão de ter a consciência de que estamos vivos, e se ninguém nos olha é porque não estamos. E se não estamos, de que adianta ter um coração batendo?

Por que você gosta tanto de ir ao médico? No curto tempo de uma consulta -e não se está falando de saúde- a atenção é toda dirigida a você; existe alguma coisa melhor do que ter alguém, mesmo que seja um estranho, perguntando como vai seu apetite, se tem dormido bem, que diga que você precisa deixar de fumar? Atenção: são raros os que fazem isso, pois a maioria pede uma lista de exames e diz para você voltar com os resultados.

E os analistas? Esses são maravilhosos: durante 50 minutos você tem uma pessoa inteligente que ouve os maiores absurdos, compreende tudo -que delícia-, justifica tudo -melhor ainda- e você até sente que não está mais só no mundo. Se ninguém te dá atenção você não existe, daí o drama dos famosos quando voltam ao anonimato.

Atenção verdadeira é fundamental. Quando sua empregada disser que está resfriada, tire dois minutos -só dois- do seu dia, que tem 1.540, para saber o que ela está sentindo, e diga para ela pegar no banheiro o vidro de vitamina C que você trouxe de Nova York e tomar três por dia. Lembre-se de que é ela quem serve seu café da manhã, leva um chazinho quando você chega cansada, tira gelo, lava e passa sua roupa e faz tudo para te agradar.

E quando chegar em casa à tarde, esqueça-se, apenas por uns segundos, do mensalão, das eleições, do seu cabelo que está péssimo, e pergunte se ela está melhor.

Não adianta ter todo o poder e todo o dinheiro do mundo se ninguém pergunta se você melhorou da gripe.

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