Thursday, October 19, 2006

Sociologia de combate Demétrio Magnoli, sociólogo, polemista, novo colaborador do GLOBO, faz análise crítica do PT e do projeto de poder de Lula

Ele é formado em sociologia e em jornalismo pela Universidade de São Paulo (USP), mas, como nunca exerceu a profissão de jornalista, não se considera como tal.

Porém, é por meio de textos na imprensa, sempre cortantes e sobre temas polêmicos, que o sociólogo especializado em geografia política Demétrio Magnoli já há algum tempo participa do debate nacional. Na semana em que estréia como colaborador quinzenal do GLOBO — escreverá sempre às quintas-feiras —, Magnoli aborda, no seu estilo, alguns dos assuntos prioritários para quem pensa sobre a realidade brasileira: as eleições, Lula, o PT, o intelectual petista, a polêmica das cotas raciais, o MST e a esquerda diante do terrorismo jihadista. Do partido de Lula, o sociólogo tem uma visão cáustica: o PT se transformou numa máquina que atua no subterrâneo da política.

Sociologia de combate André Teixeira Demétrio Magnoli, sociólogo, polemista, novo colaborador do GLOBO, faz análise crítica do PT e do projeto de poder de Lula OS “DOIS BRASIS”: A primeira coisa que o mapa das eleições nos sugere é a idéia de “dois Brasis”. É uma sugestão que leva, por exemplo, à idéia do voto do Brasil pobre contra o Brasil rico, que é uma grosseira análise sociológica dessas eleições — grosseira e interessada.

O governo Lula fez uma política baseada no pressuposto de que tem um Brasil que espera um Estado paternalista, que espera que o Estado resolva o problema dos pobres, mas não da pobreza.

E investiu nesse Brasil.

MUDANÇA DE DISCURSO: Lula falava em “trabalhadores”. Agora, ele fala em “pobres”. Quando você fala “trabalhadores”, está se referindo ao Brasil inteiro, pois há trabalhadores no Brasil inteiro.

“Pobres” é um outro conceito, tanto que, quando as pesquisas eleitorais mostravam que os assalariados que ganham entre cinco e dez salários mínimos estavam tendendo a votar no Alckmin, os intelectuais do PT passaram a dizer que os “ricos”, a “elite” queriam o Alckmin. Esses “ricos” ganham dois mil reais por mês. São os que antigamente Lula chamava de “trabalhadores”, no tempo em que o PT ganhou a sua primeira grande eleição, a vitória na prefeitura de São Paulo, com Luiza Erundina, e logo depois começou organismos de inteligência.

Por isso que, no PT, só se fala em conspiração, e eles começam a acreditar que tudo é conspiração.

Essa máquina, que é uma quadrilha, conspira tanto no subterrâneo — compra dossiês, parlamentares —, que acredita que todos os outros estão conspirando também.

Ela acredita que o mundo das sombras em que faz política é o mundo onde todos fazem política. Ela acreditava que o caseiro ( Francenildo Costa) tinha sido pago por alguém da oposição. E acreditava mesmo. Não foi por acaso que abriram o sigilo bancário do caseiro.

Como a lógica é essa, ela deve continuar acreditando que o caseiro foi pago. Diante do caso do dossiê, pessoas como o Tarso Genro — que é apresentado como um “intelectual do PT” — sugerem que houve uma conspiração a ganhar seguidamente eleições no Rio Grande do Sul. Em Porto Alegre, e depois no estado.

A mudança do discurso de Lula reflete uma política do governo, a de governar para dois extratos: o dos rentistas, das altas finanças, através da política de juros, uma vasta Bolsa Família para as altas finanças, e para o extrato dos mais pobres.

O PT E LULA: O momento histórico mudou. Hoje em dia, o PT, como partido, anulou-se, ao mesmo tempo em que se transformou numa máquina de agir no subterrâneo político extremamente azeitada — azeitada mesmo no erro.

É um duplo movimento que o PT faz: ele se anula na política, no debate público, no debate de idéias, por falta de idéias e pela adesão integral ao Lula, que é tratado — e isso é grave — como o salvador da pátria, como alguém onisciente, o Grande Líder, o Nosso Guia.

O PT deixou de ter idéias diferentes, próprias, autônomas. Em compensação, transformou-se numa máquina de inteligência no sentido de operações secretas, informação e espionagem, transformando a política de debate público em operação de inteligência, tirando a política da praça do mercado, que é o lugar dela, e transferindo a política para o lugar dos dos tucanos para fazer o PT cair na armadilha de comprar o dossiê.

Isso é uma coisa fantástica. É o mesmo que imaginar que o serviço secreto de Israel derrubou as torres gêmeas do World Trade Center. É o mesmo que imaginar que o governo Bush organizou os atentados do 11 de Setembro para deflagrar a guerra ao terror. Então, essas teorias conspirativas fazem parte do mundo de quem faz política nas sombras.

De onde isso vem? Isso vem da política stalinista. Isso vem da política dos antigos partidos ligados à União Soviética. Vem da idéia do Partido-Estado, onde os serviços de informação do Estado — as KGBs, NKVDs — servem a objetivos de luta política. E isso parece que se combina muito bem com práticas sindicalistas, com práticas de complô em sindicatos. Mas não me parece que a origem disso é sindical. A origem é a velha política stalinista. Isso cria redes, que têm comando subterrâneo, mas atuam na política formal. As redes são comandadas por organismos de inteligência subterrâneos, partidários. Essas redes têm agentes no Banco do Brasil vasculhando contas, essas redes têm agentes em ministérios, em organismos do Estado, em empresas estatais que controlam contas de publicidade. Só que esses personagens que estão nas instituições públicas são subordinados nessas redes, porque elas têm seu centro de comando num lugar onde o público não vê. Não só o grande público não vê, como os filiados, o que restou de militantes.

Os escalões intermediários do PT também não vêem.

MÁQUINA SEM CONTROLE: O PT não serve para o Lula como partido, no sentido de um centro de produção de idéias políticas.

Isso porque essas idéias poderiam se chocar com orientações governamentais do próprio Lula.

O Lula vê o PT como uma máquina de ação clandestina que poderia ajudá-lo. No começo do governo ele viu isso. Hoje, Lula percebe que essa máquina de ação clandestina pode atrapalhá-lo, talvez mais do que ajudá-lo. Mas não se controla totalmente uma máquina de ação clandestina. Quando ela entra em funcionamento, você não aperta um botão e ela pára.

Porque ela cria seus próprios interesses.

A máquina cria interesses de carreira, de poder, interesses de prestígio, de dinheiro, que estão ligados aos seus integrantes.

Essa máquina dificilmente pode ser parada

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'Intelectuais do PT produzem narrativas para o Estado'

O “LULISMO”: Está lançado, mas se encontra em embrião. O lulismo está lançado como idéia de um salvacionismo, um salvador da pátria, aquele que resolve os problemas do país, por cima das instituições democráticas.

Não é por acaso que o discurso durante a campanha foi anticongresso e antipolíticos e antimídia. A idéia das instituições, da democracia ganha ojeriza de Lula hoje. Só que o lulismo para se lançar de fato precisa desmoralizar os partidos também. Ou seja, o sonho do lulismo — que se tornou muito difícil de realizar depois do primeiro turno, mesmo que ele ganhe no segundo turno — seria ter uma base de sustentação por um PT que não é mais partido, é máquina, por alguns fragmentos do PMDB — que há muito tempo não é mais partido, é uma coleção de correntes e facções — e por uma ala dissidente do PSDB ligada a Aécio Neves e a um projeto em 2010, pós-Lula. 2010 é a “cenoura” que Lula usa para atrair Aécio e Ciro Gomes.

ONGS DAS COTAS RACIAIS: É preciso dizer que essa proposta não é um consenso no governo.

É uma proposta essencialmente sustentada por ONGs ligadas a uma agenda política internacional — não é uma agenda política brasileira —, é uma agenda que tem origem nos Estados Unidos.

Ela se internacionaliza com a Conferência das Nações Unidas contra o racismo, de Durban, na África do Sul, que foi o palco de uma grande aliança entre a Fundação Ford e o governo sul-africano.

A agenda chega ao Brasil como um aspecto de uma política internacional, pelas mãos de ONGs financiadas pela Fundação Ford. Quando um conjunto de intelectuais, professores universitários, líderes de movimentos sociais, inclusive lideranças de movimentos negros, rompendo uma barreira no debate, manifestam-se contra esses projetos, por meio de um manifesto contra o Estatuto da Igualdade Racial, quando o debate se torna público como debate político e não acadêmico, aí se ouvem, inclusive dentro do governo, as vozes daqueles que acham que o Brasil não pode ser transformado numa confederação de raças, porque isso pode ter conseqüências políticas, inclusive sangrentas.

AS FINANÇAS DO MST: O movimento, na sua origem, queria uma revolução agrária. E ainda, se você pegar os textos do MST mas não mais a prática política , ali está a idéia de uma revolução agrária. O que quer dizer isso? A idéia de um capitalismo de pequenos proprietários de terra, que só podem existir sem a globalização. Ou seja, um capitalismo autárquico, fechado, formado por pequenos proprietários de terra. É aquilo que a gente poderia chamar de capitalismo em um só país. Essa é a utopia básica do MST, que é uma utopia católica: a idéia de que vamos criar um imenso rebanho de pequenos proprietários familiares de terra, que vivem isolados do mundo pecaminoso lá fora, portanto, um rebanho de almas. Essa idéia, que é revolucionária, não tem nada a ver com revolução socialista, com Marx ou qualquer coisa assim, pois é um Marx sem a cidade, um Marx sem operários, portanto, um Marx sem Marx. O MST se tornou dependente da continuidade dos assentamentos, inclusive dependente do ponto de vista do seu próprio financiamento.

Ele precisa assentar famílias porque assim mantém sua base social e o tributo sobre os assentamentos, que fornece os recursos para ele existir como movimento político.

Ele se transformou num movimento político cada vez mais dependente de governos que assentam.

INTELECTUAL ORGÂNICO: O intelectual do PT é uma figura que se diferencia do intelectual porque ele não pensa livremente.

O intelectual do PT pensa aquilo que é necessário pensar a cada momento em função dos interesses políticos do chefe, que é o salvador da pátria. O intelectual do PT é aquele que cria teorias não para explicar o mundo, mas o que foi feito pelo seu chefe político.

Um típico intelectual do PT é o Wanderley Guilherme dos Santos, que, quando o seu chefe político e a sua estrutura política faziam o mensalão ou seja, compravam o Parlamento, o que é gravíssimo, porque, por meio da corrupção, é o Executivo anulando o Parlamento , nesse momento Wanderley Guilherme dos Santos, sociólogo, cria a teoria da conspiração das elites contra o governo Lula, e que aquilo (o mensalão) era uma fantasia. Essa teoria não tem qualquer sustentação na realidade empírica, como devem ter as teorias criadas por intelectuais. É uma teoria decorrente de uma conveniência política.

É um discurso conveniente para o governo, que depois foi adotado como discurso oficial do PT. Para isso serve o intelectual do PT, para produzir narrativas que vão se transformar em narrativas governamentais e do partido.

Marilena Chauí não era uma intelectual do PT. Era uma intelectual que se rebaixou a intelectual do PT. Ela transformou a conspiração das elites na “conspiração da mídia”.

Ela deu sua contribuição sofisticando a teoria de Wanderley Guilherme dos Santos, reduzindo o escopo dela — de novo, sem nenhuma sustentação empírica.

Wanderley Guilherme dos Santos escreveu há pouco tempo na “Folha de S. Paulo” um artigo que pareceu ser um mea-culpa. Mas só pareceu, porque o artigo inteiro era uma coleção de adjetivos feios dirigidos aos “aloprados”, aos “meninos” do Lula, pesadamente contra eles, dizendo que eles devem ser punidos, para, no fim, dizer: “Vocês atingiram o Lula, que não tem nada a ver com isso”, embora sejam as figuras do núcleo central da campanha do Lula. Mesmo quando ele faz essa narrativa, é uma narrativa necessária para o Planalto, é a narrativa que o Lula vai adotar a partir daí para chamálos de “aloprados” e dizer que eles têm de ser punidos. Então, de novo, Wanderley Guilherme dos Santos é o criador de uma narrativa oficial. Os intelectuais do PT se transformaram em criadores de narrativas do Estado. Na minha opinião, os intelectuais têm o dever de criticar o Estado, qualquer Estado, todos os governos. Eles se transformaram em criadores de narrativas oficiais. Isso é deixar de ser intelectual e se transformar em intelectual do PT.

A ESQUERDA E O TERROR: Depois do 11 de Setembro, eu escrevi um artigo com o título “Fascínio pelo terror”, de denúncia de intelectuais brasileiros que tinham praticamente aplaudido o atentado, imaginando que aquilo era o início do declínio do império americano, uma derrota do império americano, na verdade se alinhando com os terroristas. Aquele clima de fascínio pelo terror foi corroído ao longo dos anos porque os terroristas mostraram que o problema deles não era o império americano. Eles não têm problema algum em fazer carnificinas em lugares públicos, e esses intelectuais, que no começo tinham achado que Osama bin Laden era um revolucionário tão à mão, recuaram das suas posições, entraram em silêncio profundo ou partiram para teorias conspiratórias: “Na verdade, foram os serviços secretos americanos que inventaram a al Qaeda, que inventaram Osama bin Laden”.

A esquerda não acha que o jihadismo é um perigo para a Civilização, para a Humanidade, para a democracia no mundo. E não denuncia isso. Às vezes é mais grave. Hugo Chávez foi a Teerã, onde anunciou uma aliança ideológica, estratégica — não de negócios — com o Irã de Mahmoud Ahmadinejad, que estava, naquele momento, promovendo a exposição do Holocausto, ou seja, a exposição para dizer que não existiu o Holocausto, a exposição do anti-semitismo.

Então, acho que há uma crise profunda do pensamento de esquerda, e uma aproximação perigosa entre a chamada esquerda e a direita.

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DEMÉTRIO MAGNOLI Ministério da Classificação Racial

São Paulo, quinta-feira, 14 de abril de 2005
"Você vai responder que eu sou amarelinha, né pai?" Foi essa a reação de minha filha ao ver o formulário enviado pelo MEC a todas as escolas do país solicitando a declaração nominal de "cor/raça" de cada um dos seus alunos. Às vésperas de comemorar o nono aniversário, ela não "aprendeu" a escolher a resposta "certa" entre as cinco opções apresentadas (branca, preta, parda, amarela e indígena). Tarso Genro, investido na função de ministro da Classificação Racial, está empenhado em suprir a lacuna de aprendizado: a partir de agora, por sua decisão, as escolas ficam obrigadas a incluir nas fichas de matrícula a informação sobre "cor/raça" dos alunos. Essa informação associará a cada nome uma "raça" e não está sujeita à regra do sigilo estatístico que cerca as pesquisas do IBGE.
"Eu sou amarelinha, né pai?" A resposta "certa" exige a competência de sublimar a percepção sensorial, substituindo-a pelos critérios classificatórios abstratos inventados pelo "racismo científico" do século 19. O "racismo científico" serviu como instrumento de justificação do imperialismo europeu na África e na Ásia, contornando o princípio iluminista de que os seres humanos nascem livres e iguais. A genética desmoralizou o "racismo científico", provando que a espécie humana não se divide em raças. Para preencher o formulário do ministro da Classificação Racial, os pais devem ignorar a ciência e eleger o preconceito como guia.
"Eu sou amarelinha?" A noção de que a humanidade se divide em raças ou etnias não é um fato objetivo da cultura ou um mito imemorial inscrito na história dos povos, mas uma construção política relativamente recente. Engajados no empreendimento do nacionalismo ou da expansão imperial, os Estados fabricaram identidades raciais e étnicas por meio de classificações oficiais que definiram o lugar de cada grupo perante as instituições públicas. As novas fichas de matrícula escolar no Brasil atualizam essa tradição, envolvendo-a no manto roto das políticas sociais compensatórias. Elas irrigam as mudinhas da árvore envenenada do ódio racial.
"Você vai responder que eu sou amarelinha, né pai?" Os professores e os pais esclarecidos ensinam às crianças que as pessoas se distinguem por seu caráter, não pelo tom da pele, o formato do rosto ou o desenho dos olhos. Nas aulas de biologia, as crianças aprendem a reconhecer a inconsistência científica do "racismo científico" do século 19. Nas aulas de história e geografia, elas descobrem as funções políticas desempenhadas pelo racismo e aprendem a desprezar as operações estatais de engenharia racial.
Mas o ministro da Classificação Racial, usando o poder burocrático do aparelho de Estado, resolveu invadir todas as escolas do país e ministrar sua própria aula. Tarso Genro, esse herdeiro inesperado do pensamento social racista de Nina Rodrigues (1862-1906) e Oliveira Vianna (1883-1951), está ensinando as crianças a definirem suas identidades segundo o critério da raça. Ele está dizendo às crianças que o Estado divide os cidadãos em cinco grupos raciais. Com seus formulários e fichas de matrícula, está explicando à minha filha que ela não é amarelinha, rosadinha ou marronzinha. Que é branca, como seus "irmãos de raça". E que seus outros colegas formam irmandades diferentes, pois são pretos, pardos, amarelos ou indígenas. Todos iguais, talvez. Mas separados.
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