Saturday, February 06, 2010

Enfrente bem um voo na classe econômica

Classe econômica
Com um pouco mais de conforto

Não dá para dizer que uma viagem longa de avião é uma
experiência prazerosa. Ela pode ser mais ou menos suportável,
dependendo do que se tem à disposição durante o voo.


Anna Paula Buchalla
abuchalla@abril.com.br


Há uma minoria privilegiada que pode usufruir o luxo da primeira classe - com suas poltronas-camas massageadoras, refeições decentes, frigobar livre e uma videoteca incrível - ou o conforto da executiva. Já o passageiro da classe econômica precisa se munir de acessórios que o ajudem na travessia. De assentos ergonômicos a sapatilhas dobráveis, VEJA selecionou onze objetos que podem aumentar o conforto dentro do avião. A maioria está à venda na internet, em sites como Amazon.com, Polishop.com.br e Magellans.com. Outros produtos são encontrados em lojas especializadas do país.

Apoio para os pés
Para que serve: para manter os pés ligeiramente elevados
Comentário do ortopedista: "Além de possibilitar a flexão do joelho e dos tornozelos, favorece a circulação", diz Rene Jorge Abdalla
Preço: 46 reais
Fotos divulgação

Sapatilhas dobráveis
Para que servem: evitam o tira e põe dos sapatos a cada vez que é preciso se levantar da poltrona. Maleáveis, essas sapatilhas de náilon são antiderrapantes, antitranspirantes e dobráveis. Enroladas e presas com velcro, elas praticamente não ocupam espaço na bagagem de mão
Preço: 46 reais


Manta-roupão
Para que serve: com espaço para a colocação dos pés e dos braços, a manta, feita de poliéster, deixa os membros livres e é bem mais eficiente para enfrentar as baixas temperaturas dentro do avião do que os cobertores oferecidos pelas companhias aéreas. É leve e, quando dobrada, não ocupa muito espaço
Comentário do pneumologista: "O frio impede o relaxamento adequado. Em voos noturnos, esse desconforto se agrava, já que quando dormimos a temperatura corporal tende a cair", explica Geraldo Lorenzi Filho, diretor do Laboratório do Sono do Incor, em São Paulo
Preço: 239 reais (duas unidades)

Encosto inflável
Para que serve: colocado no encosto da poltrona, alivia o desconforto de quem passa muitas horas na mesma posição. Com ele, pescoço, ombros e coluna ficam alinhados
Comentário do ortopedista: "O equipamento ajuda a manter a posição ideal, que é também a mais confortável: costas e ombros retos, antebraços apoiados e pernas livres", diz Cláudio Santili, da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia
Preço: 55 reais


Spray de água termal
Para que serve: para hidratar a pele do rosto, inevitavelmente ressecada pela redução da umidade do ar durante o voo. O ar dentro do avião é sempre seco e frio por causa da altitude. Em voos internacionais, os frascos não podem conter mais de 100 mililitros
Comentário da dermatologista: "A água termal é recomendável, pois possui elementos químicos, como zinco e magnésio, que ajudam a reidratar a pele", diz Jozian Quental, de São Paulo
Preço: 30 reais

Travesseiro de colo
Para que serve: quando o sono bate, basta inflar esse travesseiro em formato de cubo e debruçar-se sobre ele. Também pode ser usado como descanso para os pés ou apoio para a leitura
Comentário do ortopedista: "À primeira vista, parece confortável. Porém, a coluna vertebral fica curvada, o que pode causar dor postural", diz Rene Abdalla
Preço: 55 reais

Máscara côncava para os olhos
Para que serve: uma das principais queixas de quem usa máscaras para dormir é a pressão que elas fazem sobre os olhos. Os modelos mais modernos deixam espaço para a movimentação ocular, sem que a luz entre
Comentário do oftalmologista: "Ao contrário das máscaras convencionais, esse modelo veda completamente a entrada de luz e não toca em pálpebras nem em cílios, permitindo um adormecer mais natural. Esse conforto é benéfico durante a indução do sono", explica Francisco Max Damico, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo
Preço: 59 reais


Escova de dentes descartável
Para que serve: uma espuma abrasiva limpa os dentes sem a necessidade de uma torneira por perto. A própria saliva ativa uma espécie de creme dental, com sabor de hortelã, que limpa e deixa o hálito fresco
Comentário do dentista: "O contato da esponja com os dentes é capaz de fazer uma remoção mecânica da placa bacteriana. O efeito é bem inferior ao das escovas com cerdas tradicionais, mas quebra o galho", afirma Pedro Luís Barbosa da Costa, de São Paulo
Preço: 16 reais (embalagem com vinte escovas)

Porta-copo
Para que serve: é sempre um drama manter uma lata ou garrafa de bebida à mão durante a viagem. É preciso ficar com a mesinha à frente aberta. O porta-copo é uma solução para quem sente necessidade de se hidratar constantemente durante a viagem
Preço: 37 reais

Assento em gel
Para que serve: projetado com uma inclinação para a frente, deixa o cóccix ligeiramente suspenso, aliviando o peso do corpo sobre a região lombar
Comentário do ortopedista: "Esse acessório é útil, em especial, para pacientes que sofrem de dores na região do cóccix ou já tiveram lesões ou estão em tratamento de fraturas na região", diz Rene Abdalla. Para os outros casos, é desnecessário, segundo o médico
Preço: 108 reais


Apoio para notebook
Para que serve: ergonômico, o suporte almofadado permite que o pulso fique apoiado durante a utilização do notebook no voo
Comentário do ortopedista: "Esse é um acessório funcional, que ajuda o viajante a manter a postura. O ideal é que, durante o uso do laptop, a coluna se acomode na maior superfície possível do assento, com distância confortável para braço e visão", explica Rene Abdalla
Preço: 199 reais

Elas têm poder

Gustavo Arrais


As meias de compressão elástica realmente diminuem o risco de trombose em voos de longa duração. A síndrome da classe econômica, como ficou conhecida, é rara, mas existe. Um coágulo se forma em um vaso na perna e pode viajar pelo corpo, comprometendo a circulação. Às vezes, chega ao extremo de entupir artérias do pulmão: tem-se, então, o quadro gravíssimo de embolia pulmonar.

Como agem as meias: a compressão faz aumentar o fluxo sanguíneo, o que facilita o retorno do sangue que circula nas pernas para o coração. Além de afastarem o risco de trombose, as meias evitam o inchaço e proporcionam sensação de conforto durante o voo

Quem pode usá-las: adultos, especialmente os que apresentam problemas venosos. São contraindicadas para pessoas que sofrem de insuficiência cardíaca ou problemas arteriais. Nesses casos, a compressão dificulta ainda mais a circulação, que já não é boa. Também não são recomendadas para quem tem infecções de pele, feridas, eczemas ou micoses

Como escolher: prefira as meias de compressão graduada. Elas fazem uma pressão maior no tornozelo e menor na perna. "É importante optar por um modelo que melhor se adapte à anatomia da perna. Meias que comprimem de forma exagerada ou se enrolam podem, em vez de oferecer proteção, agravar um problema", explica o cirurgião vascular Calógero Presti, presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular, de São Paulo

Preço médio: de 40 a 110 reais

Ferramentas para evitar alguns contratempos típicos de viagens

Fotos Pedro Rubens e divulgação
Balança de bolso
Como funciona: com 10 centímetros de altura por 7,5 de largura, o equipamento portátil vem com um gancho de encaixe para a alça da mala. Os ponteiros indicam o peso de bagagens de, no máximo, 34 quilos
Preço médio: 18 reais

Carregador portátil
Como funciona: é um carregador de bateria para vários eletrônicos. O aparelho dá até dez horas de bateria extra para celular, MP3 player, câmera digital e outros equipamentos que tenham conexão USB. No caso do iPod, garante autonomia para quarenta horas de funcionamento
Preço médio: 127 reais

Adaptador universal
Como funciona: permite ligar notebooks, secadores de cabelo, filmadoras, máquinas fotográficas e outros eletrônicos em praticamente todos os padrões de tomada existentes
Preço médio: 60 reais

Com reportagem de Gabriella Sandov

Sushis nas estrelas

Sushis nas estrelas

Paris? Milão? Nova York? Nenhuma delas. No ranking do
guia dos guias, o Michelin, Tóquio é agora a cidade do mundo
com o maior número de restaurantes triplamente coroados


Carlos Maranhão, de Tóquio

Carlos Maranhão
Menu de sucesso
Dos onze restaurantes mais laureados de Tóquio, três são de cozinha francesa. Um deles é o Joël Robuchon, cuja versão light, o L'Atelier, virou uma atração no Japão


Pode-se discutir à vontade, em torno de uma sopa de cebola ou de um risoto de cogumelos secos, se a melhor cidade do mundo para comer divinamente - sem pensar no valor da conta - fica na França ou na Itália. Mas quem pensar apenas nesses dois países agora correrá o risco de jogar conversa fora.

Pelo menos segundo os critérios do principal guia gastronômico internacional, o influenteMichelin, cujos anuá-rios avaliam as grandes mesas em 24 países, o lugar certo está mais longe. É o Japão. Recém-saída do forno, sua edição 2010 de Tóquio consagrou a capital japonesa como a número 1 do globo em quantidade de restaurantes que ostentam as três estrelas máximas. São onze, um recorde na longa história da publicação. Paris era a campeã, com dez estabelecimentos triplamente coroados. O triunfo dos sushis e sashimis torna-se ainda mais retumbante com os seis restaurantes de Kyoto que ostentam as mesmas três estrelas, o que a coloca à frente de Nova York nesse quesito.

Criado na França ainda no século XIX, em 1900, com sucintas informações sobre hotéis e lugares para comer, o Michelin original nasceu de uma jogada comercial inteligente. Seu objetivo era estimular os 3 500 proprietários de carros então existentes no país a viajar - claro, gastando os pneus produzidos pela fábrica que inventou o guia e o batizou com sua marca. A partir de 1933, o Michelin passou a conceder as estrelas que se tornariam as mais cobiçadas do universo das panelas. Elas têm o mesmo significado até hoje: uma representa um restaurante "muito bom em sua categoria"; duas, "excelente cozinha"; e três, "excepcional cozinha que vale a viagem".

Brilho duplo
Os chefs Kanda (à esq.) e Ishikawa (à dir.), três estrelas cada um: refeições inebriantes


A conquista da terceira estrela é a glória máxima a que um chef pode aspirar. Paul Bocuse, um dos mais incensados mestres-cucas de todos os tempos, mantém as dele há 45 anos. A simples ameaça de ver escapar uma que seja pode ser literalmente o fim. Foi o que aconteceu em 2003 com Bernard Loiseau, chef e proprietário do La Côte d’Or, na região da Borgonha. Depois de ler no jornal que seria punido com a perda de uma estrela - o que na verdade acabou não ocorrendo -, ele se matou com um tiro na cabeça. Se não bastasse essa tragédia culinária, no ano seguinte o prestígio do Michelin sofreria um abalo com a publicação do livro de um de seus inspetores, Pascal Remy. Os inspetores são profissionais que trabalham anonimamente para o guia na avaliação dos hotéis e restaurantes. Com suas revelações, Remy provocou um escândalo. Ele afirmou que determinados chefs eram protegidos, a começar por Bocuse, e que na França somente onze inspetores estariam encarregados de visitar os restaurantes. Ou seja, a maioria dos estabelecimentos não seria checada com a regularidade necessária. O Michelinsustenta que as casas estreladas sempre foram revisitadas várias vezes por ano, embora não informe o número preciso de inspetores que emprega. Seriam quinze na França e noventa no mundo inteiro.

No Japão, onde a notícia de que Tóquio havia destronado Paris virou assunto de primeira página em seus jornais de tiragens milionárias e quase um motivo de orgulho nacional, o Michelin é bastante consultado por gourmets. Sua primeira edição local, em 2007, vendeu 100 000 exemplares no dia do lançamento. Ao contrário do que ocorre em outros centros, nem todos os laureados ficaram felizes com o resultado. "São chefs que não aceitam ser julgados por ocidentais, não estão acostumados com rankings e não gostam de clientes desconhecidos", explica Jun Sakamoto, um dos mais prestigiados sushimen brasileiros, que costuma levar pequenos grupos para viagens gastronômicas ao Japão. Dos onze restaurantes de Tóquio que foram para o Olimpo do Michelin, três são de cozinha francesa, entre eles o luxuoso Joël Robuchon (chef que teve mais duas de suas casas duplamente estreladas). Oito são japoneses e, destes, nenhum se destaca pelas instalações.

Fui jantar em dois deles, o Ishikawa e o Kanda. São semelhantes na decoração despojada, com um pequeno balcão de madeira clara e poucas mesas. Atrás da aparente simplicidade de templos culinários como esses do Japão, há um extremo cuidado na escolha de matérias-primas de excepcional qualidade, uma técnica requintada que vários chefs foram aprimorar nos últimos anos nas grandes escolas da Europa - sem abrir mão das tradições nipônicas - e muita sofisticação na cozinha. Dentro do balcão do Ishikawa, por exemplo, fora da visão dos comensais, ficam enfileiradas 25 facas. Cada uma chega a custar 1 500 reais e é utilizada para um único tipo de peixe, carne ou legume. Elas são fabricadas artesanalmente em Kyoto desde 1560 pela família Aritsugu, que está no ramo da cutelaria há dezoito gerações. O Ishikawa tem 25 lugares. O Kanda, dezesseis. É difícil encontrá-los na confusa geografia urbana de Tóquio. Aliás, eles preferem mesmo ficar escondidos. Depois de consultarem o mapa do próprio Michelin,dois taxistas de luvas brancas desculparam-se porque não saberiam chegar ao primeiro deles, que ficava a quinze minutos de seu ponto. Um terceiro motorista dispunha de GPS, mas para localizar o endereço precisou dar três telefonemas no caminho. O chef e dono Hideki Ishikawa foi me esperar na porta, ao lado de uma jovem recepcionista de quimono vermelho. Perguntou se eu tinha alguma restrição alimentar e começou a servir em sequência um cardápio de nove delicados pratos. Alguns pareciam tão banais quanto os que se pedem em restaurantes comuns de comida japonesa no Brasil, caso de um singelo sashimi de linguado com rabanete ralado. Essa falsa sensação de mesmice se desmanchou na boca. O sabor era maravilhoso. Certas receitas podem ser intrigantes, como a do tamboril, um peixe feio na aparência, servido com seu fígado cru, ao lado de inocentes fatias de pepino e cenoura.

No Kanda, algumas iguarias também chocariam comensais desavisados. Havia o que foi descrito como garganta de peixe-serra levemente grelhada e arroz com ovas e miolos de bacalhau. Nesses restaurantes da alta gastronomia japonesa, pode aparecer entre os ingredientes (epa!) a genitália do mesmo bacalhau ou do baiacu. Entendidos comparam seu sabor ao do foie gras. É possível comer coisas assim de boa-fé, porque chefs monoglotas não conseguem ou não se esforçam em dar maiores informações a quem não fala seu idioma - e muitas vezes não há sequer cardápio escrito. Você senta no banquinho, espera que lhe tragam o que eles acham que você deve comer e reza em silêncio para que Buda proteja seu paladar. Um tanto ranheta, o cozinheiro e proprietário Hiroyuki Kanda não permitiu que seus pratos, caprichosamente esculpidos, fossem fotografados. A falta de simpatia no atendimento e a sensação de ser um intruso em meio à clientela habitual tornaram a experiência um tanto tensa, e ainda assim inebriante. Com um perfil oposto, Ishikawa e seus treze funcionários distribuíram sorrisos e procuraram explicar tudo o que preparavam. Cada uma das refeições individuais, acompanhadas de vinho branco ou saquê em taça, custou o equivalente a 500 reais. Se valiam tudo isso? Bem, há prazeres que não têm preço e merecem, com justiça, o brilho das estrelas.

Prestígio zero


Pesquisa mostra que os bons alunos não querem
mais seguir o magistério - um desastre para o ensino


Marcelo Bortoloti

Mario Rodrigues
"Meu pai não quer"
Alunos de ensino médio: eles são desencorajados em casa de optar pelo curso de pedagogia


Um bom termômetro para aferir o prestígio de uma profissão é o número de jovens que a assinalam como primeira opção na hora do vestibular. Por esse medidor, a carreira de professor, que décadas atrás foi um símbolo de status, nunca esteve tão em baixa. Uma nova pesquisa, conduzida pela Fundação Carlos Chagas a pedido da Fundação Victor Civita, chama atenção para o problema, trazendo à luz um dado preocupante: às vésperas de ingressarem na universidade, apenas 2% dos estudantes brasileiros pretendem seguir o magistério - opção que os outros 98% já descartaram. No levantamento, baseado numa amostra de 1 500 alunos de ensino médio em escolas públicas e particulares de todo o país, o curso de pedagogia patina na 36ª colocação, entre as sessenta carreiras que hoje mais exercem fascínio sobre os jovens - lista encabeçada pelas áreas de direito, engenharia e medicina. Agrava o cenário saber que esses poucos que ainda optam pela docência se concentram justamente no grupo dos 30% de alunos com as piores notas na escola. Pouco disputado, o curso de pedagogia significa, para a imensa maioria dos estudantes, a única porta de entrada possível para o ensino superior - e não uma carreira de que realmente gostam. Conclui a especialista Bernardete Gatti, coordenadora da pesquisa: "Sem atrair as melhores cabeças para as faculdades de pedagogia, o Brasil jamais conseguirá deixar as últimas colocações nos rankings de ensino".

A situação de desprestígio da carreira de professor é o retrato final de um processo deflagrado na década de 70, quando se iniciou no país uma acelerada massificação do ensino público. Sem profissionais em número suficiente para suprir a galopante demanda, as escolas passaram a recrutar até leigos para dar aulas. Foi aí também que as faculdades de pedagogia e as licenciaturas proliferaram à revelia da qualidade acadêmica, e os salários começaram a cair. A remuneração dos professores é, por sinal, o segundo fator elencado pelos jovens de hoje para nem sequer cogitarem o magistério, atrás de um item que se refere à completa falta de identificação com o ofício, segundo mostra a pesquisa da Fundação Carlos Chagas. Os estudantes contam ainda que são desencorajados pelos próprios pais de fazer essa opção. Boa parte dos entrevistados chega a afirmar que a família "jamais aceitaria tal escolha profissional".

Países onde o ensino prima pela excelência, como Coreia do Sul e Finlândia, encontraram bons caminhos para atrair os alunos mais brilhantes às faculdades de pedagogia - experiência que pode ser útil também ao Brasil. Ela indica que elevar o salário dos professores é apenas uma das estratégias eficazes, mas não a de maior impacto. O que realmente suscita o fascínio dos melhores alunos pela docência diz respeito, acima de tudo, à possibilidade descortinada pela carreira de verem seu talento reconhecido e sua capacidade intelectual estimulada. Nesse sentido, distinguir os profissionais de melhor desempenho em sala de aula, com iniciativas como bônus no salário e mais responsabilidade na escola, tem sido, há décadas, um potente motor de atração para a carreira de professor mundo afora. O Brasil precisa aprender a lição.

Um sucessor no horizonte


Único brasileiro a vencer um Grand Slam juvenil,
Tiago Fernandes segue os passos de Guga


Alexandre Salvador, de Camboriú

Laílson Santos
Tiago na academia: seis horas diárias
de treino


Desde a aposentadoria de Gustavo Kuerten, o Guga, os brasileiros não tinham uma conquista no tênis para comemorar. No sábado 30, finalmente surgiu a oportunidade: o alagoano Tiago Fernandes, de 17 anos, levantou a taça de campeão juvenil de um dos principais torneios do circuito mundial, o Grand Slam da Austrália. Tiago saltou da 25ª para a terceira posição no ranking juvenil e se tornou a grande promessa do tênis brasileiro. Não faltam convites para que comece imediatamente a jogar nos torneios profissionais. De volta ao Brasil, na semana passada, Tiago foi direto do aeroporto para a academia, na cidade de Camboriú, em Santa Catarina. Há dois anos, ele vive a dura rotina de seis horas diárias de treino exigida por Larri Passos, o mesmo técnico que acompanhou Guga das primeiras raquetadas ao tricampeonato de Roland Garros. Não é a única coincidência. O campeão juvenil também é agenciado pelo empresário de Guga.

O rigor do treinamento imposto por Larri Passos é folclórico no mundo do tênis. "Existem regrinhas básicas: viajar com a namorada, só depois de estar no Top 10. Quem se atrasa para o treino paga dez flexões por minuto", disse Tiago a VEJA. "Viajo de trinta a 35 semanas por ano. Não vejo meus pais desde o réveillon." O treinador também não aprova a exposição em redes sociais na internet e vigia de perto os passos de cada um dos 28 atletas que treinam em suas quadras. A casa do treinador, aliás, fica dentro da academia. Filho de uma família de classe média alta de Maceió, Tiago teve, no início, dificuldade para se adaptar ao sistema. "Aqui é o inferno. Nas primeiras semanas, ele devia querer matar a gente. Eu brincava que no jantar era melhor tirar as facas da mesa", diz Marcus Barbosa, o Bocão, técnico auxiliar de Larri e acompanhante de Tiago na maioria das viagens. Todo esse esforço tem um objetivo: criar um novo campeão, e não apenas outro Nicolás Pereira ou Marcelo Saliola, tenistas que brilharam no circuito juvenil mas fracassaram como profissionais.

"O grande problema do tênis juvenil é que a maioria dos garotos não está pronta para abandonar a adolescência", afirma Ricardo Acioly, ex-capitão do Brasil na Copa Davis. Ele acredita que esse não seja o caso de Tiago, que já mora longe dos pais e parece convicto de que o trabalho duro dá bons resultados. "No mundo do esporte de alto nível, a pressão sempre vai existir. Se o cara quer ser campeão, ele vai ter de saber lidar com isso", diz o tenista. Na maioria dos casos, a pressão é o reflexo das expectativas criadas pelo jovem atleta. "Nossa única preocupação é com o bem-estar dele. Se Tiago não quiser continuar a jogar, nós seremos os primeiros a apoiar a decisão dele", afirma a mãe dele, Edna Fernandes. Só o tempo dirá se ele suportará o treinamento e terá sucesso no tênis. Por enquanto, seguir o exemplo (e o treinador) de Guga já é uma bola vencedora.

Quanto mais caro, melhor


Um leilão da Sotheby’s em Londres vende a obra de arte mais cara do mundo – 104,3 milhões de dólares. A boa notícia: quando uma peça artística bate recorde de preço, é sinal de que a economia vai bem


André Petry, de Nova York

Emmanuel Dunand/AFP


Qual o valor correto de uma obra de arte? Adam Smith, o pai do liberalismo econômico, dizia que ganhar dinheiro com arte é como submeter o talento à "prostituição pública", e por isso o artista merece ser regiamente pago. Jean-Jacques Rous-seau, filósofo iluminista, achava que toda obra de arte é superfaturada porque está a serviço do desejo dos ricos fúteis de serem invejados. Francisco Pacheco, o pintor espanhol que ensinou Diego Velázquez a pintar, escreveu um tratado dizendo que o custo de produção de uma obra de arte decorre "do gênio e da perfeição da forma". Na semana passada, a escultura O Homem Caminhando I, do suíço Alberto Giacometti, foi arrematada por 104,3 milhões de dólares, em Londres. É o mais alto preço já pago por uma obra de arte num leilão. O recorde anterior pertencia a uma tela de Pablo Picasso,Menino com Cachimbo, vendida por 104,1 milhões de dólares em Nova York, em 2004.

O que fez disparar o preço da escultura de Giacometti? Inveja? Gênio? Perfeição? É óbvio que existe uma relação incontornável entre a arte e a economia, mas ela é tão fluida – conjuga aspectos práticos, como a idade do artista, com outros imponderáveis, como o espírito de uma época – que inexiste um modelo capaz de apreender com precisão toda a sua complexidade. A própria Sotheby’s, que leiloou a escultura de Giacometti, estimava que a "prostituição pública" não chegaria a 30 milhões de dólares. O leilão começou com dez lançadores, mas logo ficou restrito a dois, cada um representando um cliente anônimo. Em dez minutos, o martelo foi batido e o salão, apinhado de gente, explodiu em palmas. Era o recorde mundial. Em valores atualizados com a inflação, o Menino com Cachimbo, de Picasso, permanece à frente, com 118 milhões de dólares. E o Retrato do Doutor Gachet, de Vincent van Gogh, que foi arrematado por 82,5 milhões de dólares há vinte anos, segue sendo o campeão mundial, com o preço de 135,5 milhões.

Mesmo que o mercado de arte de ponta orbite na esfera dos milhões e esconda mistérios insondáveis, há uma tendência que vem se mantendo com certa regularidade: toda vez que um recorde de preço é quebrado nos leilões de arte, a economia está em bom estado – no auge ou voltando a se recuperar de alguma contração. Na última década, esse padrão se manteve inalterado (veja o quadro). O alto preço atingido pela escultura de Giacometti deve-se, em parte, ao fato de que suas obras mais importantes raramente chegam ao mercado para ser vendidas em leilões – lei da oferta e da procura, no caso. Mas o melhor de tudo é que, mantida a tendência dos últimos anos, o recorde de Giacometti também pode ser sinal de que a economia mundial está voltando aos trilhos. "Os preços no mercado de arte costumam se recuperar mais rapidamente que os de outros produtos", afirma Tracy Frost, editora da Art2Bank, que trabalha promovendo a união das duas pontas do mercado, artistas e compradores.

O mercado de arte é um nicho. Nunca foi, nem se imagina que venha a compor, o pedaço do leão nos portfólios dos investidores. Mesmo assim, seu comportamento diz algo sobre o estado geral da economia dos mortais comuns. Em meados do ano passado, a situação estava tão ruim que a Christie’s, gigante do ramo, abandonou a ideia de criar um fundo de investimento em arte. Na semana passada, a ArtTactic, de Londres, divulgou seu levantamento sobre o mercado de arte – arte contemporânea, mais barata, mas que chega às primeiras casas dos milhões. Mostra que o índice de confiança, medido junto a 138 colecionadores internacionais, curadores, casas de leilão e marchands, voltou aos níveis de meados de 2007, antes dos primeiros sinais da recessão que se alastraria pelo mundo.

Para uma escultura, o preço de O Homem Caminhando I, um bronze com 1,83 metro de altura, é estratosférico – especula-se que o comprador teria sido um magnata russo ou um petrobilionário do Oriente Médio. Antes, o recorde pago por uma escultura num leilão pertencia a uma obra do romeno Constantin Brancusi (1876-1957), vendida por 36,8 milhões de dólares em fevereiro do ano passado. Venerado por Jean-Paul Sartre, que o chamou de "santo existencial", Giacometti era a encarnação do arquétipo do artista do seu tempo. Sentava nos cafés de Paris, fumava um cigarro atrás do outro, raramente comia antes da meia-noite e dizia "gritar de medo e tremer de pavor" diante das próprias esculturas. Morreu aos 65 anos em 1966, deixando uma obra apreciada apenas na sua fase inicial. Na década de 80, o vento virou. Com a redescoberta da arte europeia do pós-guerra, seu trabalho voltou a encantar os críticos e a subir de preço. Agora, com uma obra esculpida cinco anos antes de morrer, bateu nas alturas. Por quê? Inveja? Gênio? Não se sabe, mas fica a torcida para que seja sinal de recuperação da economia mundial.

Fotos Álbum Latin Stock e AFP




Juntas para ganhar espaço


A aliança entre a Shell e a Cosan

Sem o dedo do estado

O anúncio da união entre Cosan e Shell foge ao figurino das
últimas grandes fusões no país - todas com a influência do governo


Renata Betti e Benedito Sverberi

Marco Alves/Ag. Globo
Petrobras na mira
Os dirigentes da Cosan e da Shell (à esq.): busca da liderança na distribuição de combustíveis


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Nos últimos dois anos, o estado patrocinou, direta ou indiretamente, as principais fusões de grupos empresariais na economia brasileira: Oi e Brasil Telecom, nas telecomunicações; Aracruz e VCP, em papel e celulose; em alimentos, Perdigão e Sadia, assim como JBS-Friboi e Bertin; Braskem e Quattor, na petroquímica. Na semana passada, o anúncio de que em 180 dias a anglo-holandesa Shell, a quinta maior petroleira do mundo, e a brasileira Cosan, a maior produtora global de açúcar e álcool, deverão concluir as tratativas para selar uma aliança foi uma exceção nesse panorama. Não houve nenhum tipo de interferência do governo no negócio. A união, aliás, teve entre suas motivações a necessidade das duas empresas de fazer frente ao gigante brasileiro dos combustíveis, a Petrobras, sobretudo no setor de distribuição. "Num mercado como o nosso, ocupado por colossos, esse tipo de parceria é essencial. Nós aceleramos os planos de internacionalização e a Shell entra com força no mercado de etanol", explica o diretor-presidente da Cosan, Marcos Lutz. A nova empresa nasce com 19% do negócio de distribuição no Brasil - que faturou 192 bilhões de reais no último ano - e com 4.500 postos de combustíveis espalhados pelo país.

O surgimento de um "neoestatismo" não está restrito ao Brasil. Sobretudo em países emergentes, e sobretudo em setores que demandam investimento maciço, o estado vem recobrando (ou reafirmando) o papel de agente econômico. O setor petrolífero é um dos melhores exemplos. Hoje, quatro de suas dez maiores empresas têm o estado no comando: as chinesas PetroChina e Sinopec, a russa Gazprom e a Petrobras. No ano 2000, só apareciam grupos privados nesse ranking. Diante desse novo desafio, líderes tradicionais como a Shell têm procurado aliar-se a projetos governamentais - como na sua parceria com a Petrobras em três plataformas de exploração na costa brasileira - ou assegurar a dianteira em áreas nas quais a briga ainda é viável. É o caso da distribuição.

No Brasil, dos quatro grandes setores que formam a indústria petrolífera, a Petrobras tem quase 100% de dois: produção e refino (os mais lucrativos, aliás). Na distribuição, a Petrobras domina 37% do mercado. Há algo como uma centena de distribuidores que batem de posto em posto para seduzir os donos a adotar sua bandeira - com muita lábia, facilidades de pagamento e outras políticas comerciais agressivas. As margens, apertadíssimas, giram em torno de 3%. "Essa é a área menos lucrativa e mais competitiva", diz Alísio Vaz, vice-presidente do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis (Sindicom). A tendência, no entanto, é que também aqui haja concentração ao longo dos próximos anos. "Esse processo já está em andamento", diz a analista Amaryllis Romano, da Tendências Consultoria. Em 2007, a Petrobras e o Grupo Ultra - então estreante nesse mercado - dividiram, entre si, os ativos da rede Ipiranga. Um ano depois, o Ultra também comprou, dessa vez da americana Chevron, os postos Texaco. Do zero, em três anos, o grupo passou a ter 19% do setor - a mesma fatia conquistada pela Cosan-Shell.

Quando se põe a lupa sobre uma das subdivisões do setor de distribuição, aquela que lida com o etanol, observa-se que a disputa é mais equilibrada. Cosan-Shell, Petrobras e Ultra têm cerca de 20% cada um. É esse segmento também que mais cresce. Entre 2002 e 2008, a venda de etanol subiu quase quatro vezes, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP). O aumento no consumo de gasolina e diesel não passou de 20%. Foi justamente por causa do etanol que a Shell procurou a Cosan. Unindo-se a ela, saiu do campo da pesquisa e dos pequenos negócios em biocombustível para ter uma operação de grande porte. "O álcool de cana-de-açúcar é um excelente negócio porque é sustentável, tem escala, é comercialmente viável e não compete com alimentos, como o milho nos Estados Unidos", diz o presidente da Shell no Brasil, Vasco Dias. O etanol, na verdade, é muito mais que um "bom negócio": é unânime a ideia de que o futuro das velhas petrolíferas passa pelo investimento em fontes renováveis de energia. Quanto à Cosan, o principal interesse na parceria com a multinacional era acelerar sua internacionalização. "A Shell tem 45.000 postos em 100 países. Nesse quesito, é a maior do mundo. Nada melhor do que unir o útil ao agradável", comemora Marcos Lutz.

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