Sunday, August 15, 2010

SUELY CALDAS -O programa de governo de Dilma


O Estado de São Paulo
Segunda-feira, 12 de julho de 2010


O improvisado programa de governo da candidata Dilma Rousseff é mais criticável pelo que não contém do que pelo seu conteúdo arrependido, que levou à apressada retirada de pontos polêmicos. As 22 páginas do documento repetem o estilo presente nos programas do PT de 2002 e 2006: está mais para uma coleção de desejos e promessas - a maioria reprisada das duas últimas campanhas eleitorais - do que para um texto inovador, capaz de avançar em acertos, corrigir erros e criar novas ações, refletindo o aprendizado e a experiência adquiridos em oito anos de governo. Os principais entraves ao progresso e ao desenvolvimento econômico e social não estão ali. Ou melhor, alguns estão, sim, mas burocraticamente listados ou copiados do passado, sem aprofundar suas causas nem indicar caminhos para superá-los.

Alguns itens omitidos no documento e que são fundamentais para equilibrar as finanças do Estado e garantir o crescimento econômico e o progresso social sem riscos de retrocessos:

Reformas - Foram praticamente ignoradas no texto. A única mencionada - a tributária - recebeu tom mais apropriado a discurso de palanque do que a um programa de governo: "Simplificar os tributos, desonerar a folha de salários, garantir devolução automática de todos os créditos a que as empresas têm direito e acabar com qualquer tributação sobre o investimento." Se o ideário tributário do PT é somente renúncia fiscal, como sustentar um Estado caro e gigante, que o partido defende? Se fosse fácil assim Lula não teria ficado oito anos tentando realizar sua reforma, que terminou raquítica e, assim mesmo, um completo fiasco. As reformas política, previdenciária, trabalhista e sindical nem sequer são citadas no texto. Até as microrreformas concebidas pela equipe do ex-ministro Antônio Palocci, que nada têm de ideológicas, também foram desprezadas. Seu foco era dar eficácia, racionalidade e rapidez à burocracia e às ações de governo, além de propor uma fórmula criativa para desonerar a folha de salários de empresas que usam mão de obra intensiva e para empregados que ganham até três salários mínimos. Dilma Rousseff vive falando em desoneração trabalhista, mas não resgatou essa proposta nem diz como vai fazer.

Investimento - O documento trata do tema de forma superficial e, mais uma vez, usa o estilo desejos e promessas. Diferentemente do investimento produtivo, impulsionado pelo crescimento econômico, projetos de infraestrutura e logística dependem de regras estáveis e eficientes marcos regulatórios. Mas o PT não vai fundo em analisar os entraves que Lula encontrou e outros que criou, como enfraquecer o poder das agências reguladoras e politizá-las com dirigentes não capacitados e indicados por partidos políticos. Os compromissos com a não-interferência política do governo em grandes projetos e com a estabilidade de regras também não figuram no documento. E esses, segundo as empresas, têm sido os principais obstáculos que travam o investimento privado em logística e infraestrutura.

Energia - Genérico, o programa do PT limita-se a prometer a construção de mais hidrelétricas, desenvolver energias alternativas e explorar o pré-sal. Nenhuma palavra sobre um problema que angustia o setor elétrico, inclusive o estatal, porque os investimentos foram completamente paralisados, à espera de uma definição do governo: trata-se das concessões de usinas hidrelétricas que representam 30% da energia do País e serão definitivamente canceladas em 2015. A Constituição de 1988 determina que os novos concessionários serão escolhidos unicamente em licitações. Seria uma chance para implementar um novo modelo para o setor elétrico, integrado com o uso da água, como propôs o ex-presidente da Eletrobrás José Luiz Alquéres. Mas o PT parece não ter proposta alguma.

Dívida - O governo Lula fez crescer tanto a dívida pública que o Brasil passou a ocupar o terceiro lugar entre os países emergentes com maior endividamento, ultrapassado só pela Índia e pela Hungria, segundo pesquisa do Fundo Monetário Internacional (FMI). Enquanto o Brasil tem uma dívida bruta equivalente a 60,1% do Produto Interno Bruto (PIB), a da China é de 20% e a do Chile, de 4,4% do PIB. Se o novo governo não definir um plano de redução gradativa da dívida, a receita tributária continuará a escorrer pelos ralos do pagamento de juros, em vez de suprir as deficiências da saúde, da educação, do saneamento, de investimentos. Apesar da gravidade, o tema é solenemente ignorado no documento do PT.

Corrupção - Oito anos de mensalão, aloprados, dólares na cueca, vampiros e sanguessugas desmoralizaram o discurso anticorrupção do passado e levaram o PT a se retrair e não assumir nenhum compromisso com o combate à corrupção. No programa não há uma só linha mencionando desvios de dinheiro público e outras práticas condenáveis que costumam espalhar-se livremente no serviço público quando não combatidas. Em seu governo, ao contrário, Lula tratou-as com tolerância e perdão.

Educação e saúde - O texto trata de forma genérica, listando ações que são comuns a todos os partidos políticos. Qual candidato é contra "erradicar o analfabetismo"? Nenhum. A diferença estaria em definir metas e prazos para isso ocorrer. Mas o PT não assume nenhum compromisso nessa direção. Menciona vagamente a "melhoria das condições de saúde do povo brasileiro nos últimos anos". Melhoria não percebida por quem enfrenta hospitais públicos e filas de meses, às vezes anos, para consulta e cirurgia. E nada há no texto que garanta maior eficiência no funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS).

Dilma Rousseff disse ter rubricado todas as páginas do programa sem ler. Deveria tê-lo feito. Se o fizesse, constataria, por exemplo, que taxar grandes fortunas não tem nenhum efeito benéfico, está implícito no que Lenin chamou de "esquerdismo, doença infantil do comunismo": não aumenta a receita tributária, atrai a oposição de quem possui bens e só serve para vingança dos radicais contra os ricos. Mas constataria também que ali está o viés estatizante de uma proposta de governo que tem pouca importância para seu guru político, mas tem tudo para selar a aliança da candidata com a esquerda do PT.

Esse é o ponto que pode complicar - e muito - a relação de Dilma Rousseff com seus aliados, caso se torne presidente. Diferentemente de Lula, ela não tem história no PT, muito menos domínio das conflitantes tendências políticas que ali convivem. Lula fez o que quis sem consultar o PT e nas divergências enquadrava a militância. Não será assim com Dilma. Pior ainda quando for ela a enfrentar o fisiologismo do PMDB. Falta-lhe traquejo político para lidar com as demandas por cargos, verbas e favores vindos de Michel Temer, José Sarney, Renan Calheiros, Jader Barbalho, etc.

Suely Caldas: Os jovens e a reforma política


O Estado de São Paulo

Domingo, 01 Agosto de 2010

Há dias o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mediu o desencanto e a decepção dos jovens com a política e os políticos: o número de eleitores brasileiros de 16 e 17 anos - cujo voto é voluntário, não obrigatório - caiu de 2,55 milhões para 2,39 milhões entre 2006 e 2010. Espanto e tristeza para as gerações de pais e avós que passaram 21 anos de ditadura militar proibidos de votar e em 1989 correram com euforia às urnas para votar pela primeira vez para presidente. No trabalho, nas escolas e universidades, quando o assunto surge, os jovens expressam desilusão e um preocupante sentimento de aversão à política. Afinal, o que há com nossos jovens?

A corrupção - que no governo Lula piorou, tornou-se corriqueira e banal - é o mal maior que abala a crença dos jovens, mas não o único. Neste item a sensação de indiferença e impotência ficou mais aliviada com a promulgação da Lei da Ficha Limpa, que arregimentou mais de 1 milhão de assinaturas de brasileiros indignados contra o cinismo e a impunidade de políticos. Eles têm recorrido à Justiça para garantir o registro da candidatura, e por vezes são bem-sucedidos, como no caso de José Sarney Filho, no Maranhão. Mas pelo menos agora há uma lei que afasta o mau político da vida pública e um portal para o eleitor fiscalizar o seu candidato.

E a União Nacional dos Estudantes, a histórica e combativa UNE do passado, liderou ou ao menos participou do movimento? Afinal, varrer do Congresso e de cargos públicos os corruptos é bandeira política histórica da UNE e tem enorme poder de sensibilizar os estudantes. Mas a UNE do presente abdicou dessa bandeira. Preocupada em arrancar cada vez mais verbas públicas do governo, não interessa à sua direção mexer num vespeiro que também a beneficia. Há dois meses a UNE recebeu de presente de Lula R$ 15 milhões para construir nova sede; levou dinheiro da Petrobrás; mais R$ 7,8 milhões do Ministério da Educação para pesquisar a história do movimento estudantil; e o dinheiro foi parar numa empresa de segurança em Salvador. Não presta contas a ninguém.

A subserviência financeira ao poder, a prática do peleguismo, a renúncia em liderar lutas políticas que desagradem ao governo, o silêncio omisso nas escolas e universidades fizeram da UNE uma entidade não respeitada nem reconhecida pelos estudantes. ]

E é uma das razões que explicam a indiferença da juventude à política. Mas não a única. Ela faz parte do conjunto de ações de liderança que visam a despertar no jovem o interesse pela vida política, mas que não existem porque a UNE não cumpre sua função. Mas há outras razões até mais importantes, porque estruturais.

Na verdade, o que o País precisa é de uma Reforma Política maiúscula, que vai contrariar interesses da classe política, sim, mas é absolutamente essencial para fazer avançar a democracia, germinar a ética política em eleitos e eleitores, dar musculatura às instituições, proteger o cidadão de maus governantes e fazer progredir a educação e a consciência do voto. A reforma política deveria anteceder a todas as outras, porque estrutura, pavimenta, prepara terreno para as demais reformas de que o Brasil precisa. Apesar disso, vem sendo postergada há 25 anos. FHC reconhecia sua importância, mas empurrou-a para o Congresso; Lula simplesmente a ignorou.

Se quiser governar em paz, com seriedade e respeito aos brasileiros, o próximo presidente precisa enviar sua proposta ao Congresso no 1.º dia de mandato. E ela não pode se limitar à implantação do voto distrital. Isso é importante, mas o País precisa de regras que garantam uma relação mais limpa e ética entre governo e Congresso, sem o vergonhoso troca-troca com deputados, sem o loteamento partidário de cargos públicos que politiza e mediocriza a gestão pública. Regras que componham um cinturão protetor contra a corrupção, o desvio do dinheiro público, o financiamento sujo de campanha eleitoral.

É a falta dessas regras, a excessiva exposição do País a práticas políticas desonestas, a sensação de impotência para mudar o que está errado que estão na raiz do desinteresse e da aversão de jovens e adultos pela vida política.

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