Saturday, May 01, 2010

Carta ao Leitor


Uma cadeia de fraudes e abusos

Antonio Milena
VEJA em campo
Os repórteres Igor Paulin, Júlia de Medeiros e Leonardo Coutinho (foto) descobriram que existe uma indústria de demarcação de terras comandada por espertalhões e ideólogos anticapitalistas. Se todas as reivindicações forem atendidas, o território produtivo do país ficará reduzido a apenas 8% de sua área total (em branco, no mapa)


Entre as ações de cunho demagógico e dilapidador que emperram o desenvolvimento do Brasil, está a demarcação selvagem de terras. Não se discute que o país precisa ter reservas ambientais, alguns assentamentos agrícolas e áreas que preservem culturas autóctones. Mas o que ocorre hoje passa muito longe do bom senso, como mostra a reportagem especial que começa na página 154 desta edição. Para se ter uma ideia, se o governo demarcar toda a extensão reivindicada por sem-terras, índios, quilombolas, ambientalistas e ideólogos do atraso travestidos de antropólogos, sobrarão para as atividades produtivas apenas 8% do território nacional – uma área equivalente à soma de Bahia e Piauí. O cálculo alarmante foi feito pela Embrapa, a respeitada agência de tecnologia rural do país.

Para verificar como funciona na prática a demarcação no Brasil, VEJA enviou os repórteres Leonardo Coutinho, Igor Paulin e Júlia de Medeiros a campo, coordenados pelo editor Felipe Patury. Durante um mês, eles visitaram onze municípios em sete estados. Percorreram mais de 3 000 quilômetros de carro e barco, para conhecer reservas e entrevistar setenta pessoas, entre autoridades federais, policiais, juízes, religiosos, pesquisadores, beneficiários da criação das reservas e vítimas desses processos. Ao final, descobriram uma verdadeira fauna de espertalhões: negros e brancos que se declaram índios, padres que "ressuscitam" etnias desaparecidas há 300 anos e ONGs que estimulam moradores de cidades a se passar por silvícolas – para, desse modo, receber mais dinheiro de organizações estrangeiras e de Brasília. A reportagem produziu uma evidência enfática de como boas causas podem deflagrar uma cadeia de fraudes e abusos que, se não forem detidos, prejudicarão a todos – inclusive as minorias de verdade, que precisam mesmo da proteção do estado.

Entrevista: José Eduardo Dutra


A cara vai ser de Dilma

O presidente do PT diz que cabe aos profissionais criar
uma marca própria para Dilma, admite que Lula comandará
a campanha e define seu partido como de esquerda


Otávio Cabral e Daniel Pereira

Cristiano Mariz
"Acho errado produzir uma Dilma artificial. O problema são as inevitáveis comparações com o Lula"


José Eduardo Dutra assumiu a presidência do PT há quase três meses com a missão de coordenar a campanha presidencial de Dilma Rousseff. Missão difícil, como ele mesmo define. Dilma jamais disputou uma eleição, e essa inexperiência tem provocado entre os próprios petistas muitas indagações neste início de campanha. Para contornar os problemas, Dutra conta como poderoso trunfo a popularidade recorde do presidente Lula e sua influência dominadora sobre o partido. Mas esse trunfo também é motivo de preocupação diante da constatação de que Lula talvez seja praticamente o único patrimônio ponderável do partido e de sua candidata. Questionado sobre qual marca Dilma deve buscar para não ser apenas um subproduto de Lula, Dutra pensa, coça a cabeça, olha para o chão e responde: "É difícil!".

O ex-governador José Serra propõe fazer mais, acelerar os avanços, e a ex-ministra Dilma Rousseff adota um discurso agressivo. A campanha presidencial não começou com os papéis invertidos?
Nós, dirigentes do PT, não temos adotado nenhuma postura agressiva em relação ao candidato
José Serra. As principais lideranças da oposição é que estão muito agressivas. Vêm tentando desqualificar a Dilma. É só ver as entrevistas do presidente do PSDB. Por outro lado, a oposição descrevia o governo Lula há até pouco tempo como uma tragédia para o Brasil. Como estava trombando com a realidade, seu candidato tenta agora atenuar esse discurso beligerante dizendo que vai continuar o que é bom e corrigir o que está ruim. Se o governo está tão bom, se deve ser tão elogiado, por que mudar, por que eleger alguém da oposição? Vamos eleger alguém do governo que assumidamente é a continuidade desse projeto.

A campanha tende a ser agressiva e com baixaria?
Espero que não, mas vamos dançar de acordo com a música. O que me preocupa é a postura
das principais lideranças do PSDB, do DEM, do PPS contra a Dilma. É uma postura agressiva, desqualificadora, preconceituosa, atrasada. E isso acaba contaminando a militância. Quando um dirigente partidário chama a Dilma de terrorista, dá margem à militância e ao pessoal de baixo para radicalizar ainda mais. Nosso site já foi invadido. É claro que não foi a mando da direção do PSDB. Mas foi invadido por pessoas no mínimo simpatizantes do partido. Vamos lembrar que, em 2006, na reta final da campanha, uma eleitora do Alckmin arrancou o dedo de uma eleitora do Lula em um bar no Leblon. Preocupa-me as coisas já estarem tão acirradas, porque isso pode levar a um ponto em que você não tem mais controle.

O PT acredita mesmo em uma conspiração da imprensa contra a ex-ministra Dilma Rousseff a ponto de fazer propaganda subliminar?
Há uma profunda má vontade de setores da imprensa contra a Dilma. Existem articulistas que transformaram suas colunas em libelos contra a nossa candidatura. Mas há uma coisa da qual a gente não pode fugir: a Globo está fazendo 45 anos, e 45 é o número do PSDB. Quando vi a propaganda, naturalmente me veio uma associação entre a campanha da Globo e a do Serra – que a própria Globo acabou admitindo, tanto é que tirou a campanha do ar para evitar maiores polêmicas. Não acho que tenha havido uma associação intencional. Com relação à imprensa, da mesma forma que somos criticados, queremos ter o direito de responder a manifestações que considerarmos preconceituosas, que nos ataquem ou sejam inadmissíveis do ponto de vista de uma relação civilizada. Não vamos fazer nenhuma ação contra a imprensa em geral, mas vamos responder aos ataques que recebermos.

Políticos têm dito que as novas regras eleitorais, como o fim da doação oculta, tornam o caixa dois quase obrigatório.
Não acho que as novas regras vão incentivar ou diminuir o caixa dois. Acho, inclusive, que não haverá caixa dois nas eleições presidenciais. As ações do Ministério Público e da Polícia Federal estão inibindo o caixa dois. Então, as empresas e os candidatos vão pensar cinco vezes antes de operar doações por fora. Eu posso garantir que na nossa campanha presidencial receberemos todas as doações absolutamente dentro da lei. A tesouraria do PT estima que a campanha presidencial custará entre 150 milhões e 200 milhões de reais. Ainda não tenho elementos para aferir se é isso mesmo.

Até o episódio do mensalão, o PT se escorava no discurso da ética e do combate à corrupção. Hoje não se viu ainda a ex-ministra Dilma tocar nesse assunto.
O mensalão foi uma grife que pegou como toda grife. Mas o mensalão, nos termos em que foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República, não houve. Por que cargas-d’água o ex-deputado Roberto Brant (DEM) recebeu dinheiro lá no Banco Rural se ele nunca votou com o governo? Por que o Professor Luizinho, que era líder do governo, receberia 20 000 para votar? Por que o João Paulo Cunha, que era presidente da Câmara e nunca votava, iria receber dinheiro?

Por quê?
Era caixa dois. É público e notório. O que houve foi crime eleitoral. Não estou atenuando, não estou tirando a gravidade de que é crime também. Agora, o mensalão, nos termos em que foi colocado, volto a repetir, não existiu.

Mas caixa dois do quê, se todos eles já estavam eleitos?
Não era ano eleitoral parlamentar, mas esse dinheiro foi usado para saldar dívidas das campanhas municipais do ano anterior de candidatos ligados aos deputados.

Mas o fato é que o discurso sumiu...
O escândalo serviu para atenuar a postura udenista do PT, de achar que a ética é um objetivo, quando na verdade tem de ser uma obrigação de toda atividade política. Serviu também para mostrar que não somos um conjunto de freiras franciscanas dentro de um bordel. A ética é uma obrigação. Deixa de ser o palanque principal. Ela tem de ser um alicerce da campanha, e não aquilo que está em cima.

É confortável fazer uma campanha em companhia de José Sarney, Renan Calheiros e Jader Barbalho?
Já tivemos alianças com essas pessoas em eleições anteriores. É um processo que naturalmente tem de ser levado em consideração num país como o Brasil. E que vale para nós como vale para a oposição. Até porque todos esses personagens estavam no governo do Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. Para os críticos, agora, essas pessoas são ruins. Quando elas estavam do lado deles, eram boas. Tudo o que eles, da oposição, gostariam é que nós disséssemos: "Não, nós não queremos o PMDB". Com certeza, no dia seguinte eles estariam tentando se aliar a ele.

Ciro Gomes foi alijado da campanha presidencial e saiu atirando no PT e até elogiando José Serra.
Depois da primeira declaração, ele já se corrigiu dizendo que o Serra seria nefasto para o Brasil. Essas declarações refletem um estado de espírito perfeitamente natural de alguém que acreditava que podia ser presidente e cujo projeto não se consolidou. A culpa não é do PT nem da Dilma. Espero que o Ciro, depois de baixar a poeira, siga as recomendações do partido e se engaje na campanha da Dilma.

Duda Mendonça, ex-publicitário do PT, considera um erro tentar construir uma imagem diferente para Dilma. O senhor concorda?
Nós não estamos tentando construir uma imagem diferente. Também acho errado produzir uma Dilma artificial. O problema são as inevitáveis comparações com o Lula. Qualquer que fosse o candidato, quando comparado com o Lula na comunicação e no carisma, estaria em desvantagem. A Dilma tem de ser ela mesma. O eleitor percebe quando o candidato é artificial. Por isso não temos de construir uma nova Dilma. Este período está servindo para ela pegar traquejo de candidata, não para se transformar.

Como será para o PT disputar a primeira eleição sem o Lula?
Não vamos disputar eleição sem o Lula. O Lula estará na campanha. Dentro da lei, será nosso principal militante e cabo eleitoral da Dilma. Nos horários de folga, fim de semana, programas de TV, ele estará presente. A partir da propaganda de TV, vamos ampliar o conhecimento da nossa candidata, o conhecimento da população de que a Dilma é a candidata do governo, é a candidata do Lula. E não há dúvida de que hoje nós contamos com o cabo eleitoral mais decisivo na eleição, que é o apoio que o governo e o Lula têm. O Lula vai eleger a Dilma.

Qual deve ser a marca de Dilma para que ela não fique parecendo apenas um sub-Lula?
É difícil. A marca da campanha é continuidade com avanço. Mas transformar isso em um tema legível para o eleitor comum é difícil, terá de ser construído pelos profissionais. Temos de ter claro que o eleitor vota no candidato. Mas, ao escolher, também analisa como está a vida dele. Essa é a vantagem da Dilma. Hoje a marca dela é representar o governo do Lula, que ela ajudou a construir. O Lula é o principal cabo eleitoral. Aliás, cabo não. É um general eleitoral. Isso é bom para nós. A oposição adoraria que o Lula estivesse do lado deles. Tanto é que faz um esforço danado para que esqueçam o que eles disseram sobre o Lula desde o início do governo.

O PT critica a privatização, principalmente de serviços públicos. Existe alguma coisa estatizável no Brasil?
Não, o estado tem de ficar do tamanho que está. Não é preciso estatizar mais nada, nem privatizar. Nós vamos fortalecer os instrumentos estatais de que dispomos, como Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica. São instrumentos que se revelaram essenciais
na crise e na retomada do crescimento. A oposição, por seu lado, diz que esse
programa é chavista e que nem na China o estado é tão grande. Não quero fazer um sofisma, mas quem é contra fortalecer os instrumentos estatais dá margem a dizer que vai enfraquecer. É a oposição que precisa explicar o que quer do estado.

Os banqueiros já foram tratados pelos petistas como os grandes vilões da sociedade. O que mudou?
Quando a economia cresce, os bancos também crescem. A diferença é que no governo Lula não foram só os bancos que cresceram. Outras empresas cresceram. Os trabalhadores tiveram aumentos acima da inflação. Não queremos que ninguém perca. Mas também não queremos que só um setor ganhe, como acontecia anteriormente.

A política do MST de pregar a reforma agrária pela força ainda conta com a simpatia do PT?
O MST teve o mérito de colocar a luta pela reforma agrária na agenda nacional. Mas o PT sempre foi crítico de ações do movimento, como ocupação de prédios públicos, de terras produtivas, de destruição de patrimônio. É a posição histórica do partido. O MST reclama do governo Lula, dizendo que podia ter avançado mais. Só que metade de tudo o que foi feito em reforma agrária na história ocorreu no governo Lula. Não há do que reclamar.

O PT ainda se considera um partido de esquerda?
A tualmente, o que move a esquerda é entender que o mercado não pode ser o regulador das relações entre as pessoas, instituições e países. É entender que o estado não pode ser idolatrado nem demonizado. É lutar contra a injustiça e a desigualdade social. É combater qualquer discriminação de raça, sexo ou cor. É saber que a democracia é um valor estratégico permanente, não só tático ou instrumental. São conceitos universais de posições à esquerda na política. Todos encontram abrigo no PT.

O governo Lula abrigou todos esses conceitos?
O governo Lula é de coalizão, de centro-esquerda. Abriga partidos de esquerda, de centro, como o PMDB, e até de centro-direita, caso do PP.

Maílson da Nóbrega


Quem descobriu o Brasil?
Lula ou Cabral?

"A história reconhecerá Lula pelas corajosas decisões
de preservar a política econômica – que condenava – e de não
buscar o terceiro mandato"

Os menos avisados que escutam Lula podem pensar que fomos descobertos em 2003, e não em 1500. Seus discursos buscam deslustrar seus antecessores e propagandear o que entende como seus feitos. Não exagera a ponto de reivindicar a glória do descobrimento, mas chega perto. Diz que mudou o Brasil.

Lula se gaba de ser o autor das boas transformações do país. É o que disse na Bahia, em março passado: "Este país começou a mudar, e isso incomoda muita gente". Bajuladores não faltam, como o que lhe atribuiu o epíteto de "nosso guia".

No lançamento do PAC 2, Jaques Wagner, governador da Bahia, disse que "Lula está refundando o Brasil". Para a então ministra Dilma Rousseff, "este é o Brasil que o senhor, presidente Lula, recuperou para nós e que os brasileiros não deixarão escapar de suas mãos". Adulado e popular, Lula se imagina o marco zero.

Mudanças como essas não acontecem em curto prazo. A Europa começou a emergir no século XV – suplantando a China e o mundo islâmico, até então centros de inovação e poder –, mas o processo de sua ascensão se iniciara muito antes, com destaque para a Carta Magna inglesa (1215) e para o Renascimento, que começou no fim do século XIII.

Antes, mudanças ocorreram em áreas cruciais: cultura, sociedade, economia, política e religião. Copérnico, Vesálio e Galileu criaram a ciência moderna, abrindo caminho para o avanço tecnológico. Gutenberg revolucionou a imprensa. Depois, a reforma protestante de Lutero (século XVI) e a Revolução Gloriosa inglesa (1688) se tornaram fonte do moderno sistema capitalista e do predomínio econômico e militar do Ocidente.

Indivíduos à frente de seu tempo contribuíram para mudanças ciclópicas. Entre 1776 e 1787, os pais fundadores da nação americana – os que participaram da Declaração de Independência, da Revolução ou da elaboração da Constituição – moldaram os princípios formadores dos alicerces sobre os quais se erigiria seu grande futuro.

Felipe González, o governante socialista espanhol (1982-1996), abandonou velhas ideias e conduziu reformas estruturais, incluindo ampla privatização. Preparou seu país para a integração europeia e para longo ciclo de crescimento. Margaret Thatcher reverteu a trajetória de declínio da Inglaterra. Ronald Reagan renovou o capitalismo americano.

O Brasil tem seus líderes transformadores. Entre outros, José Bonifácio, Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. No período militar, sobressaem Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, este em grande parte responsável pelo fim pacífico do autoritarismo.

Ao proclamar-se o início de tudo, o presidente presta um mau serviço à história e aos brasileiros que gostam de ouvi-lo. Despreza o papel de Tancredo Neves na transição para a democracia, sem a qual não teria chegado ao poder. Obscurece a participação de Fernando Henrique Cardoso na construção da plataforma de lançamento da qual decolou.

Lula gostaria de ser lembrado como um Getúlio ou um Juscelino, mas creio que a história – a quem cabe apontar o lugar dos atores políticos – o reconhecerá pelas corajosas decisões de preservar a política econômica – que condenava – e de não buscar o terceiro mandato. Evitou, assim, o retorno da inflação e o abalo das instituições políticas, que precisam de tempo para se consolidar.

A continuidade deu tempo para o amadurecimento de mudanças anteriores. Permitiu-nos colher frutos da expansão da economia mundial e da emergência da China, hoje forte demandante de nossas commodities. Crescemos acima da média dos últimos 25 anos. As exportações triplicaram. Com estabilidade, crescimento e baixa inflação, foi possível alargar políticas sociais e assim reduzir as desigualdades sociais e a pobreza.

Lula é um líder de massas sem paralelo na América Latina. Politicamente populista, não foi desastrado na economia, embora deixe más heranças, como o aparelhamento do estado, a piora da qualidade do regime fiscal e os efeitos da inconsequente política externa.

Lula não descobriu o Brasil nem foi um líder transformador, mas não fez o estrago que se temia. Não é pouco. Não precisava, todavia, desconstruir as realizações do passado para marcar seu lugar na história, que parece garantido.

Radar Lauro Jardim

ljardim@abril.com.br

Eleições

Segura o Lula
Foi muito difícil o trabalho dos bombeiros para impedir que Lula partisse para a briga com Ciro Gomes, o rejeitado que soltou o verbo na televisão.

Vice, de novo
Não está descartada a chance de Itamar Franco virar vice na chapa de José Serra. O avanço dessa possibilidade depende, no entanto, do encaminhamento da sucessão estadual em Minas Gerais, uma das mais enroladas do país.

Serra, o centralizador
A organização da campanha de José Serra é a antítese perfeita da de Dilma Rousseff. Enquanto a petista já contratou dezenas de pessoas e tem reuniões de coordenação com vários grupos de aliados, Serra organiza sua campanha com um grupo restritíssimo. Usando muito e-mail e telefone, ele define as agendas nacionais ouvindo basicamente Sérgio Guerra e Jutahy Júnior. Depois desse crivo, entra em cena a senadora Marisa Serrano para agendar os eventos com as lideranças locais.

Última chance
O programa de TV que o PT exibirá no dia 13 será a última chance de Dilma Rousseff ganhar alguns pontos nas pesquisas antes de a campanha eleitoral começar de fato, em agosto.

Futebol ou política?
O PSDB, contudo, fará uma aposta mais ousada. Seu programa irá ao ar em 17 de junho, em plena Copa do Mundo. Será que o eleitor prestará atenção na mensagem tucana entre um jogo e outro? Nas eleições de 1998 e 2002, houve alterações significativas nesse período. Na primeira, FHC tinha apenas 3 pontos porcentuais de vantagem sobre Lula no início da Copa e saiu dela com 12 pontos na frente. Na segunda, Ciro Gomes tinha 11% das intenções quando a Copa começou e trinta dias depois já estava tecnicamente empatado com Serra, com 18%.

Em sigilo, Dilma cuida do visual

Fotos Dida Sampaio/AE e Andre Dusek/AE


Nas últimas semanas, Dilma Rousseff cumpriu uma agenda secreta. Ela se submeteu a um tratamento de correção da arcada. Os ajustes ainda não acabaram, mas as mudanças já são visíveis, com os dentes mais alinhados e o espaço entre os incisivos preenchido. A campanha de Dilma já fez pesquisas com o "antes" e o "depois" e constatou que o novo sorriso ajudou a minimizar um certo ar de antipatia que ela projetava. Foi a terceira intervenção cosmética a que ela se submeteu desde que Lula a fez candidata. Primeiro, os óculos foram trocados por lentes de contato; depois, veio a cirurgia plástica. Lula, aliás, também deu uma ajeitada no visual em 2002: fez tratamento para ter um sorriso novo, emagreceu, passou a usar ternos Armani...

Brasil

Uma mãozinha da Eletrobras

Celso Junior/AE
DE CADEIRA
Sarney: homenagem com dinheiro de estatal


A TV Senado transmitiu, em meados de abril, José Sarney: um Nome na História. Quase ao mesmo tempo, parlamentares receberam em seus gabinetes cópias em DVD do documentário. O presente veio do bolso do contribuinte: o filme obteve 650 000 reais por meio de leis de renúncia fiscal. Quase um terço do dinheiro saiu dos cofres da Eletrobras. E daí? Quem aprovou o patrocínio foi um afilhado político de Sarney, o então presidente da estatal Aloisio Vasconcelos.

Economia

O Ongoing avança
O grupo português Ongoing, que já é dono de vários jornais no Brasil, parte agora para a área de infraestrutura. Terá a empresa de gestão de investimentos Angra Partners como sua parceira para aquisições nos setores de mídia e infraestrutura.

Leo Pinheiro
ACABOU
Landim: 114 000 reais por dia nos quatro anos em que trabalhou para Eike


O caldo entornou
Pioraram sensivelmente as relações entre Eike Batista e Rodolfo Landim, que presidiu três empresas do bilionário e está de saída do grupo EBX. Nos quatro anos em que trabalhou para Eike, Landim embolsou 165 milhões de reais (para ser exato, 165 628 114 reais) entre salário e remuneração variável. Só que, como o caldo entornou na saída, Eike tem dito aos mais próximos que desistiu de dar a Landim mais 4 milhões de dólares, que, segundo o bilionário, seriam uma remuneração opcional.

Tempos de Robinho
Robinho é mesmo o garoto-propaganda da vez. Acaba de fechar com a Unilever um belo contrato para ser a cara do desodorante Rexona Men Sportfan até o fim do ano.

Automóveis

Carro verde
A indústria automobilística ainda engatinha no desenvolvimento de carros que não agridam o ambiente e reduzam o consumo de energia e de emissões. Mas, aqui e ali, surgem avanços. O Uno Ecology, que a Fiat lança na terça-feira, traz uma novidade 100% desenvolvida no Brasil: seu teto solar tem células especiais que captam a energia solar e alimentam a bateria do veículo.

Brasil

Um termômetro sob suspeita
Proibido em vários países europeus, o tradicional termômetro de mercúrio, o preferido do brasileiro, começa a sofrer restrições. A partir desta semana, as 262 farmácias da rede Walmart no Brasil não venderão mais o produto, que, quando quebra, pode ser prejudicial à saúde e ao meio ambiente.

Livros

Coelho na Sextante
Paulo Coelho está de editora nova. Na quinta-feira passada, assinou com a Sextante, que nos últimos anos tem lugar cativo no topo de qualquer lista de mais vendidos. A editora lançará em agosto os 200 000 exemplares do novo livro do mago, O Aleph, com uma novidade: o primeiro capítulo poderá ser lido de graça na internet.

Televisão

Uma novela para a história

Divulgação


Faltando dez capítulos para terminar, Viver a Vida não deixará saudade na Globo. Entrará para a história como o mais baixo ibope de uma novela das 8 desde que a Globo é a Globo. Sua audiência média desde a estreia, em setembro, até a semana passada foi de modestos 38 pontos.

Com Paulo Celso Pereir

O plano B da FIFA


O Brasil desrespeitou todos os prazos fixados até agora para iniciar
as obras. Em retaliação, a entidade máxima do futebol avisou que já
estuda uma alternativa para 2014


Gustavo Ribeiro

Fotos: Lefty Shivambu/Gallo Images/Getty Images; Ricardo Moraes/AP; Marcos de Paula/Aedito

GERENTE
Orlando Silva foi escalado por Lula para garantir o cumprimento do cronograma
SEM CHANCE
Ricardo Teixeira, presidente da CBF, garante
que não existe plano B e que a Copa será no Brasil


VEJA TAMBÉM

Em oitenta anos de Copa do Mundo, dezesseis países já sediaram o evento. Apenas quatro experimentaram a oportunidade de fazê-lo de novo. Em outubro de 2007, o Brasil foi escolhido como o quinto país a ter o privilégio de receber pela segunda vez o maior espetáculo esportivo do mundo. Em dois anos e meio de preparação, porém, o que deveria ser motivo de euforia aos poucos vai se transformando numa fonte crescente de preocupação. A quatro anos do início do campeonato, a única realização concreta até hoje foi a escolha das doze cidades-sede – e nem isso ainda está devidamente definido. As obras de infraestrutura não começaram e os estádios só existem nas maquetes. Pelo cronograma imposto pela Fifa, as arenas já deveriam estar sendo erguidas desde janeiro passado. Como nenhum tijolo foi movido, prorrogou-se o prazo para março. Mas, de novo, nada aconteceu. O derradeiro "limite" – também não levado a sério pelos organizadores – termina nesta semana. A Fifa, preocupada, enviou um alerta ao governo sobre a existência de um plano de contingência. Se o Brasil continuar descumprindo as metas e os prazos estabelecidos pela entidade, a Inglaterra já estará pronta e preparada para receber a Copa de 2014.

O risco de o Brasil pagar o maior mico da história dos mundiais – até hoje nunca houve um caso de descredenciamento às vésperas da competição – é muito baixo, mas os alertas emitidos devem ser levados em conta. A azáfama da Copa da África do Sul corre o risco de se repetir no Brasil. A advertência da Fifa funciona como estratégia de pressão. A mesma tática foi utilizada para acelerar os preparativos na África do Sul em 2008, dois anos antes do primeiro jogo, quando também foram constatados atrasos no cronograma de obras e, naquela ocasião, se sugeria a Alemanha como alternativa. Hoje, a África está pronta para realizar o Mundial. No caso do Brasil, a revelação do plano B tem o objetivo imediato de tentar engajar na marra as autoridades envolvidas. Com uma economia cinco vezes maior que a do país africano e sem as mesmas dificuldades de captar investimento, o Brasil está muito atrasado. Em 2006, com dois anos de preparação, os sul-africanos já haviam começado a construção de dois estádios, inclusive o Soccer City, o palco da abertura e da final do campeonato. No Brasil, para não dizer que tudo se encontra no marco zero, Mato Grosso é o exemplo de agilidade. Já começou a erguer os tapumes do canteiro de obras do futuro estádio.

O problema é que a Copa do Mundo não sairá do papel sem dinheiro público, segundo já admitiu a organização, o que necessariamente envolve políticos e a velha politicagem – a vilã do atraso do cronograma. Dos doze governadores que receberão as seleções em 2014, cinco estão disputando a reeleição, seis se esforçam para eleger seu sucessor e ainda há o caos político no Distrito Federal, uma das subsedes, que está sob a ameaça de intervenção federal. "Os governadores só vão encarar a Copa como problema deles depois da eleição", disse a VEJA um técnico ligado ao comitê organizador do Mundial. E acrescentou: "Por enquanto, a Copa nada mais é do que uma peça importante de promoção dos políticos junto ao eleitorado, muito útil para angariar a simpatia financeira de empreiteiras interessadas na construção dos estádios e nas obras de infraestrutura". Pesa também o terrível costume dos governantes de não iniciar uma obra que possa ser capitalizada por um adversário. Os organizadores, por tudo isso, desconfiam que a preparação para o Mundial começará apenas a partir de janeiro do ano que vem. "Não existe plano B nenhum. A Copa será no Brasil", garante Rodrigo Paiva, assessor da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e membro do comitê organizador.

O governo federal soube da existência do plano B através de rumores que começaram a circular em Brasília após a visita de inspetores da Fifa em setembro de 2009. O recado direto, porém, chegou ao Ministério do Esporte por parlamentares e pessoas ligadas à própria CBF. A pedido do presidente Lula, o ministro Orlando Silva trocou uma eleição certa para a Câmara dos Deputados pela hercúlea missão de centralizar as ações da Copa. Diante da advertência e da aproximação do derradeiro prazo, o governo decidiu mostrar que não está parado. O primeiro sinal foi anunciar que as cidades-sede do Mundial podem ser reduzidas de doze para oito. "Nosso plano é eliminar quem não cumprir a data", advertiu o ministro do Esporte. Surtiu algum efeito. Na semana passada, a Bahia, assim como Mato Grosso, anunciou o início das obras de seu estádio – ou, mais precisamente, da instalação dos tapumes do canteiro de obras.

Embora, por enquanto, não represente mais que um simples blefe, o plano B para a Copa do Mundo de 2014 está muito à frente do plano A. Com estádios novos e modernos, a Inglaterra tem pelo menos três arenas em total condição de abrigar os jogos mais importantes. Wembley, a principal delas, tem capacidade para 90 000 torcedores. Em fase de preparação para a Olimpíada de 2012, os ingleses já contam com toda a estrutura para receber os turistas. Os estádios foram, inclusive, inspecionados e aprovados por uma comissão formada pela entidade que administra o futebol inglês. Um detalhe: o novo Wembley foi inaugurado quatro anos e meio depois do início das obras e consumiu 2,5 bilhões de reais. O Brasil tem menos tempo e muito menos dinheiro que isso para erguer um estádio à altura.

Fotos divulgação e Marcos André/Opção Brasil Imagens

ESPELHO
Wembley (à esq.) demorou quatro anos e meio para ser reerguido. As obras do Mané Garrincha, em Brasília, ainda nem começaram

Sem nenhum medo de ser feliz


Dono de uma das maiores contas publicitárias do governo,
ex-marqueteiro do presidente Lula é acusado de dar calote
em pequenas emissoras de rádio e embolsar o dinheiro


Alexandre Oltramari

Montagem sobre fotos de Photodisc e Dida Sampaio/AE
COM A MARCA OFICIAL
Os ex-presidentes Collor e Sarney (acima), o ex-marqueteiro de Lula Paulo de Tarso (à esq.)
e o ministro Franklin Martins (à dir.): o Planalto precisou interferir para que o calote que vitimou
até aliados não virasse escândalo


A agência Matisse é um dos mais intrigantes casos de sucesso da propaganda brasileira. Em 2003, com a chegada de Lula ao governo, a empresa deixou de ser uma nanica regional para tornar-se uma potência. Comandada pelo publicitário Paulo de Tarso Santos, marqueteiro de Lula em 1989 e 1994, ela entrou para o time das grandes ao vencer a licitação para administrar a milionária verba publicitária da Presidência da República. Seu sucesso, a partir daí, foi estrondoso. Nos últimos sete anos, a Matisse conseguiu a proeza de se manter como a única agência a prestar serviços ininterruptos à Secretaria de Comunicação do governo. Há dois meses, porém, essa escalada de sucesso sofreu um revés. Sem explicação, Paulo de Tarso Santos anunciou que estava abandonando a empresa para se dedicar a outros negócios. O que se descobre agora é que o publicitário, na verdade, deixou a Matisse por suspeita de desviar recursos públicos. Sua agência recebia as verbas do governo para pagar anúncios de campanhas oficiais, mas o dinheiro não chegava ao destino – pequenas emissoras de rádio e jornais do interior. O que aconteceu? Por enquanto o máximo que se pode dizer é que alguém embolsou os valores, e o publicitário, como sócio da empresa, foi responsabilizado por isso.

A saída de Paulo de Tarso da Matisse tem relação direta com as irregularidades. No início do ano, a Secretaria de Comunicação (Secom), chefiada pelo ministro Franklin Martins, tomou conhecimento de que um grupo de pequenas empresas de comunicação reclamava ter sido vítima de um calote de 5 milhões de reais por parte do governo federal. Os casos não se encaixavam nos tradicionais atrasos provocados pela burocracia e, curiosamente, envolviam sempre a mesma agência, a Matisse. Dívidas que se arrastavam havia mais de cinco anos e que começaram a criar dificuldades para o próprio governo. Além do constrangimento, algumas emissoras passaram a recusar publicidade oficial. A Secom tentou contornar o problema, notificando formalmente a Matisse para que quitasse as dívidas. Em outra frente, também mudou seu sistema de pagamento. Antes, o órgão repassava dinheiro às agências depois que elas comprovavam a exibição da propaganda. Agora, além de comprovar a exibição, as agências precisam atestar o pagamento aos veículos.

A mudança de procedimento ocorreu após duas reuniões entre o ex-marqueteiro de Lula Paulo de Tarso e executivos da Presidência da República, no início do ano. Numa delas, inclusive, os ânimos se exaltaram. Ao ser questionado sobre a falta de pagamentos, o publicitário teria insinuado que aquilo era um procedimento normal. Exaltado, o secretário executivo da Secom, Ottoni Fernandes Junior, teria convocado seguranças para expulsar Paulo de Tarso de sua sala. A discussão foi narrada a VEJA por uma pessoa muito próxima aos dois personagens – que não querem falar sobre o assunto. "Não vou comentar a suposta expulsão", disse Ottoni a VEJA por meio de sua assessoria. Paulo de Tarso admite que as reuniões foram muito duras, mas diz que a versão do que exatamente ocorreu cabe a Ottoni. "A versão sempre deve ser do cliente", afirmou a VEJA o ex-marqueteiro de Lula. "Tínhamos um passivo de 1,5 milhão de reais com os fornecedores. O escalonamento é uma coisa normal. Mas a Secom também devia para a gente", justifica.

Procurada por VEJA, a Matisse garante que não deu calote nem desviou dinheiro público e que só deixou de pagar a quem não comprovou a veiculação dos comerciais. "O mecanismo de controle está cada vez melhor, cada vez mais azeitadinho", explica Valmir da Silva, gerente financeiro da agência. Não é o que narram as vítimas. Um dos lesados, sob a condição de anonimato, desabafou a VEJA: "O pior é que a gente não pode fazer nada. Como uma pequena emissora do interior do país vai afrontar a agência do governo?" O grupo de comunicação do ex-presidente Fernando Collor de Mello, a Gazeta de Alagoas, encontrou uma maneira. Não publica mais propaganda da Presidência enquanto a Matisse não quitar uma dívida de 44.993 reais, referente aos anos de 2008 e 2009. "Sempre que ocorre inadimplência de uma agência, como agora, bloqueamos a veiculação de anúncios", explica Eduardo Frazão, coordenador financeiro da empresa. No Maranhão, o Sistema Mirante de Comunicação, que pertence à família de José Sarney, também tomou o cano da Matisse, mas prefere não falar sobre o assunto. "São informações restritas. Não posso comentar", afirma Júlio Cesar Lima, auditor financeiro da empresa.

A polêmica está mesmo no DNA da Matisse. Em 2003, logo após a posse de Lula, o empreendedor Kalil Bittar, filho de um grande amigo do presidente Lula, convidou o então proprietário da agência, Sérgio Cerqueira Leite, para se associar ao ex-marqueteiro Paulo de Tarso Santos. Poucos meses depois, a Matisse venceu a concorrência para administrar um terço dos 150 milhões de reais da verba oficial de comunicação. Assim que a vitória foi anunciada, e antes de prestar qualquer tipo de serviço, Bittar tentou negociar a agência com três empresários de São Paulo por 10 milhões de reais. O negócio, por divergências financeiras entre os sócios, acabou não se concretizando. Mas o rapaz continuou empreendendo. Em 2004, Bittar, que até hoje chama o presidente de "tio", associou-se a um dos filhos de Lula, Fábio Luís da Silva, e criou a Gamecorp. O resto é história. Brindada com um contrato de 5 milhões de reais da antiga Telemar, a Gamecorp controla até um canal de televisão. Em meio a tantas histórias de sucesso, a atual má fase da Matisse pode ser apenas um ponto fora da curva. Em nota enviada a VEJA, a Secom ressalta que "a hipótese de rompimento contratual dificultaria o exercício do controle e poderia reduzir a possibilidade de os credores serem pagos".

A liberdade chega aos morros


A maior operação já feita pela polícia do Rio para tirar favelas
do controle dos bandidos mostra o valor da inteligência
e do método no combate ao crime


Ronaldo França

Márcia Foletto/Ag. Globo
A CONQUISTA DO TERRITÓRIO
As bandeiras hasteadas no Borel: vitória contra a tirania do tráfico

Ao fincar a bandeira do Brasil e a do Batalhão de Operações Especiais (Bope) numa laje que servia como QG de traficantes, um grupo de policiais da tropa de elite do Rio de Janeiro marcava, na semana passada, a retomada do poder em um conjunto de sete violentas favelas da Zona Norte – a maior operação dessa natureza já feita em morros cariocas. Ela é parte de um programa para estabelecer bases permanentes da polícia em áreas sob o jugo do tráfico, as chamadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que já devolveram ao estado o controle de territórios em catorze favelas. Nas mãos de criminosos por três décadas e palco de sangrentos confrontos entre policiais e traficantes, o Borel, o maior entre os morros ocupados na última quarta-feira, chamou atenção: enquanto os 280 PMs tomavam as vielas, não se ouviu ali um único tiro. Cena rara, ela é o retrato de uma ação planejada nos últimos seis meses, que envolveu o setor de inteligência da polícia e foi precedida de quatro operações menores, nas quais já haviam sido capturados traficantes como Bill do Borel, o chefão local. Além disso, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, decidiu tornar pública a operação, com o propósito declarado de provocar a debandada dos bandidos – o que de fato ocorreu. Daí só ter havido uma prisão. Justifica Beltrame: "Se estivessem lá, jamais conseguiríamos retomar o poder sobre aqueles territórios sem um banho de sangue".

Isso faz refletir sobre a real capacidade de o estado reaver o comando nos morros mais lucrativos para o tráfico que o Borel, de onde os bandidos evidentemente não querem sair. Diz Pedro Strozenberg, especialista em segurança pública: "A ocupação dessas favelas pelo poder público vai requerer muito mais homens e uma verdadeira estratégia de guerra, algo que não se viu até aqui". É o caso do Complexo do Alemão, também na Zona Norte, o maior conjunto de favelas do Rio, com 130 000 habitantes (justamente onde estão refugiados agora os traficantes do Borel, segundo a polícia). Estima-se que circulem por ali 300 bandidos armados com mais de uma centena de fuzis de guerra. Outra dificuldade em tomar o complexo das mãos dos traficantes diz respeito à sua intrincada geografia: entrecortado de morros acidentados que atingem quase 200 metros de altura e pontuado por centenas de vielas labirínticas, o Alemão impõe um grau de dificuldade à polícia que não se compara ao do Borel – mas é preciso que ela o ocupe.

A decisão do estado de retomar o controle das favelas cariocas rompe com a lógica da complacência e da frouxidão com a bandidagem, que contaminou as políticas de segurança pública do Rio nas últimas décadas. A atual experiência das UPPs reforça a ideia de que, com planejamento e uma gestão a salvo de ingerências políticas, é possível, sim, combater a criminalidade. A ocupação das favelas pela polícia também ajuda a desconstruir o mito de que os bandidos ali encastelados compõem um grupo de criminosos tão organizados quanto invencíveis. Eles não o são. Quando o estado se impõe, os resultados se fazem notar – e a cidade como um todo se beneficia disso. Para se ter uma ideia, no entorno das áreas em que as UPPs foram implantadas, os imóveis se valorizaram até 300% em um ano e a frequência escolar subiu 30%. Avanços como esses em lugares tão pobres e violentos não deixam dúvida quanto à necessidade de que essa política seja permanente – e irreversível.

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