Saturday, April 03, 2010

Os reis do nordeste


Fusão da Insinuante com a Ricardo Eletro cria a segunda maior rede
de lojas do Brasil – líder absoluta no mercado que mais cresce no país


Renata Betti

Valéria Gonçalvez/AE
AGORA SÓCIOS
Luiz Carlos Batista, da Insinuante, e Ricardo Nunes, da Ricardo Eletro: unidos para enfrentar o líder Pão de Açúcar


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Nos últimos três meses, o mineiro Ricardo Nunes, de 40 anos, e o baiano Luiz Carlos Batista, de 55, mantiveram a seguinte rotina: dormiam no mesmo quarto do flat que dividiam em São Paulo e faziam todas as refeições (café da manhã, almoço e jantar) juntos. Não raro, passavam noites em claro conversando. Sobre o quê? O futuro de seus negócios, lógico. Foi com essa estratégia curiosa que ambos conseguiram acertar os ponteiros para unir a Ricardo Eletro, fundada por Nunes, com a empresa do então concorrente Batista, a Insinuante. Em noventa dias, os empresários puseram de pé o projeto de fusão de suas redes de eletrodomésticos, que disputavam o terceiro posto do setor. Depois que o Pão de Açúcar comprou o Ponto Frio, em junho do ano passado, e as Casas Bahia, em dezembro, a vida dos varejistas ficou mais difícil. A saída que encontraram para peitar Abilio Diniz – e ultrapassar o paulista Magazine Luiza – foi pôr dois ex-concorrentes no mesmo barco. Resume Ricardo Nunes: "Quando o Pão de Açúcar entrou com força nesse setor, vimos que ou nos uníamos ou seríamos engolidos". A nova empresa, cujo nome é Máquina de Vendas, nasce com faturamento de 4,2 bilhões de reais e cerca de 500 lojas em dezesseis estados brasileiros. "Agora teremos força para consolidar a nossa liderança no Nordeste e avançar em São Paulo, o mercado mais concorrido do país", completa Nunes.

Máquina de Vendas será apenas o nome da empresa. As antigas marcas serão preservadas. No Norte e no Nordeste, as lojas levarão apenas o nome Insinuante. No resto do país, será usado o nome Ricardo Eletro. Com a fusão, a Insinuante e a Ricardo Eletro dificultam o avanço do Pão de Açúcar e do Magazine Luiza no mercado nordestino. A meta do grupo é ganhar ainda mais espaço nas áreas em que o Pão de Açúcar tem pouca – ou nenhuma – relevância, antes de se expandir nas praças mais disputadas. No mapa ao lado, vê-se a disputa territorial travada pelos dois grupos. No Nordeste, mercado em que as vendas vêm crescendo num ritmo mais acelerado, o Pão de Açúcar possui apenas 72 lojas, enquanto a nova empresa tem 282. Já no estado de São Paulo, dominado por Abilio Diniz, a Máquina de Vendas apenas engatinha. Agora, além de ganhar capacidade para conquistar novos mercados, o grupo fica mais protegido de concorrentes de peso, não apenas do Pão de Açúcar, mas também das redes de capital estrangeiro, principalmente o Carrefour e o Walmart.

O anúncio da fusão das duas empresas, na semana passada, pegou muita gente de surpresa. Além da sabida rixa que existia entre os donos, havia no mercado especulações de que a Insinuante seria comprada pelo Magazine Luiza. Segundo Luiza Helena Trajano, dona da rede paulista, houve de fato uma conversa com o baiano sobre uma possível parceria, mas a ideia acabou sendo rejeitada. "Essa história de dois no comando não funciona. O meu negócio é comprar outras empresas", diz ela, que não pretende se contentar com o terceiro lugar. Na projeção para este ano, o Magazine Luiza deve ombrear com a Máquina de Vendas, com faturamento em torno de 5 bilhões de reais. A solução que Ricardo Nunes e Luiz Batista encontraram para não criar rusgas na gestão da nova companhia foi estabelecer a seguinte regra: o mineiro, que virou presidente da empresa, cuida do dia a dia das lojas e o baiano, agora presidente do conselho, administra a parte financeira e estratégica.

Essa recente concentração do varejo indica um amadurecimento. É um processo em que o Brasil está pelo menos dez anos atrás dos Estados Unidos. Para o consumidor, o saldo deve ser positivo. Grupos fortes e competitivos tendem a oferecer preços mais baixos. Já os fornecedores, como os fabricantes de eletrônicos, não gostaram nada desses negócios fechados recentemente, porque terão menos poder de barganha. "As fábricas já estavam arrancando os cabelos por causa da compra do Ponto Frio e das Casas Bahia pelo Pão de Açúcar. Agora, então, andam choramingando como crianças", diz Marcelo Cherto, da consultoria GrowBiz. Os varejistas negam isso. Para eles, uma empresa sólida é melhor que duas medianas e frágeis. "Quem sugeriu a fusão foi justamente um de meus fornecedores, que conhecia bem as duas companhias e achava que tínhamos muito em comum", diz Luiz Carlos Batista, da Insinuante. "Antes uma empresa poderosa do que uma que atrasa no pagamento."

Disputa territorial


Meu primeiro computador


Desde bem pequenas, as crianças se aventuram no computador
da família para jogar, desenhar e colorir. Chega um momento
em que elas têm direito a seu próprio PC, notebook ou netbook.
Especialistas indicam a hora certa de comprar um para seu filhote.


Com reportagem de Gabriella Sandoval e Daniela Macedo

Istockphoto

A idade ideal: a partir dos 6 anos

Por que:
quando entra na fase de alfabetização, a criança deixa de utilizar o computador apenas para se divertir e passa a se ocupar dele também como ferramenta de ajuda aos trabalhos escolares. É a partir dessa idade, ainda, que ela começa a entender as regras impostas pelos pais, como o limite de tempo razoável para ficar na frente do monitor. "Antes dos 6 anos, a criança não é capaz de compreender certas normas", explica a pedagoga Maria Angela Carneiro, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Quanto usar: o ideal, no início, é permitir que ela use o computador por uma hora diária. Mais do que isso pode prejudicar as suas outras atividades. Esse período pode aumentar de acordo com o volume de tarefas que a escola exige do aluno – desde que, é claro, a internet seja utilizada como fonte de pesquisa

A vida sem fios (nem quebra-quebra)

O excesso de fiação em casa pode ser um pesadelo (pelo menos para as pessoas de algum bom gosto). Mas já existem soluções para esse problema, inclusive aquelas que evitam quebrar paredes. Eis as propostas de arquitetos ouvidos por VEJA:

Fotos Pedro Rubens e divulgação

Fita elétrica

Nem sempre – ou quase nunca – a tomada está onde se precisa dela. Quem não pode quebrar um pilar de concreto ou mora em um imóvel alugado, por exemplo, pode substituir as canaletas por fitas adesivas condutoras de eletricidade. Elas funcionam como uma discreta extensão colada à parede ou ao teto. Em uma das pontas, a fita é conectada a uma tomada existente. Na outra, basta instalar um conector externo ou embutido, como as tomadas comuns. "Depois de pintar a fita da cor da parede, ela fica praticamente invisível", diz a arquiteta Karen Pisacane. Não, não dá choque, porque ela é feita de material isolante
Preço: 16 reais o metro


Adesivos para prender quadros
É possível fixar quadros e pequenos objetos à parede sem uma única martelada. Um adesivo é colado na parede e outro, no objeto. Depois, é só uni-los. Cada par aguenta até 1 quilo
Preço: 12 reais o kit com três pares


Ganchos decorativos
Estes ganchos em forma de pássaro e folha foram criados por uma empresa de design para dar algum charme à fiação elétrica que serpenteia por um canto da sala. Cada figura funciona como um prendedor que fixa o fio à parede. A embalagem inclui um pássaro e doze folhas
Preço: 9 dólares (www.pa-design.com; não inclui o frete)


Carregador 4 em 1

Uma prancha de metal permite carregar a bateria de até quatro celulares ao mesmo tempo, sem que eles sejam conectados a um fio. Funciona da seguinte forma: a prancha, e apenas ela, é ligada na tomada. Os celulares são, então, colocados sobre sua superfície, intermediados por uma espécie de clipe que faz a condução elétrica. A prancha desliga-se automaticamente se alguém toca no equipamento ou se ele entra em contato com outro metal. Funciona com aparelhos Nokia, BlackBerry, Motorola e Apple (inclusive MP3 players)
Preço:62 dólares (na Amazon; não inclui o frete)

Os 5 defeitos da Toyota


A fábrica japonesa atingiu a liderança mundial ao aliar mecânica confiável a preços atrativos – até a obsessão por corte de custos solapar a qualidade de seus carros


Luís Guilherme Barrucho

Fotos Paul Sakuma/AP e Everett Kennedy/Brown/Latin Stock
ONDE ESTÁ O ERRO?
Eiji Toyoda (à esq.) criou a linha de montagem mais eficiente do pós-guerra. Dali saíram alguns
dos melhores carros do mundo – o que torna mais difícil entender os atuais problemas da montadora

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Eiji Toyoda, primo de Kiichiro Toyoda, o fundador da Toyota, revolucionou a indústria automobilística na segunda metade do século passado. No comando da fabricante de veículos japonesa, inovou ao desenvolver uma linha de montagem que diminuía a ineficiência e detectava falhas no menor tempo possível, evitando ao máximo que carros com qualquer defeito de acabamento chegassem aos consumidores. Mas essas virtudes, na última década, acabaram se transformando em vícios. Os pecados come-tidos pela Toyota resultaram numa se-quên-cia de recalls que já beiram os 10 milhões de veículos e arranharam a imagem da marca, construída em mais de setenta anos de trabalho. Surpreende como uma empresa erigida sobre um pilar de frugalidade tenha sucumbido à grandiosidade. A seguir, os cinco defeitos que, juntos, feriram a reputação da líder mundial na produção de automóveis.

1. Crescimento a qualquer preço
O título de a maior montadora do globo foi conquistado em 2007, quando a Toyota ultrapassou a americana General Motors. Mas o caminho rumo ao topo começou a ser traçado bem antes. De 1995 a 2009, a fabricante japonesa dobrou, para cinquenta, o número de fábricas nos Estados Unidos, Europa e Ásia. A velocidade com que se expandia era proporcional à sua valorização aos olhos dos investidores. O plano deu certo, mas teve um custo. Disse a VEJA Tony Faria, professor de marketing da Universidade de Wind-sor, no Canadá: "A Toyota expandiu a produção e o número de fornecedores mais rápido do que seu departamento de qualidade podia inspecionar a cadeia produtiva".

2. Corte de custos obsessivo
Sob o comando do ex-presidente Katsuaki Watanabe, a Toyota reduziu em 10 bilhões de dólares seus custos operacionais no mundo entre 2000 e 2006. Um carro chegava a ser inteiramente produzido, tão logo sua concepção fosse concluí-da, em meros doze meses, quando o normal seria de 24 a 36 meses. A fabricante também exigia dos fornecedores o desenvolvimento de peças mais leves e baratas. Um exemplo são as alças de apoio localizadas acima das portas. O número de peças que as compunha caiu de 34 para cinco, cortando os custos em 40%. O tempo de instalação se reduziu de doze para três segundos. Isso pode ser ótimo, desde que não comprometa a confiabilidade do produto. "As estatísticas mostram que, para cada 1% de redução no valor do automóvel, há um aumento de 2% nas vendas. É muito significativo. O problema é fazê-lo sem comprometer a eficiência dos veículos e sua segurança", diz Celso Arruda, professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp.

3. Queda no controle de qualidade
Na sua dupla ânsia por se tornar líder mundial e cortar custos, a Toyota inevitavelmente relaxou no controle de qualidade. Um exemplo foi dado pela falha no acelerador de modelos produzidos pela empresa nos Estados Unidos. A incorporação de tecnologias ainda não plenamente testadas representa outro risco. Afirma Celso Arruda: "Na ânsia de exporem ao mercado um carro tecnologicamente mais avançado, as companhias deixam de atentar para possíveis falhas".

4. Pouca transparência
A Toyota sabia desde 2003 dos defeitos causados no acelerador que provocavam a aceleração ininterrupta do veículo, mas optou por adiar o anúncio do primeiro recall. Nesse ínterim, a fabricante japonesa optou por indenizar os motoristas individualmente e substituir os veículos defeituosos por outros novos. Um ex-advogado da empresa acusou-a de encobrir informações a respeito dos acidentes. Em agosto de 2009, outra falha, agora relacionada ao enroscamento do tapete do motorista no acelerador, provocou a morte de um policial rodoviário americano e dos outros três ocupantes do veículo. O recall para esse defeito só ocorreria três meses depois.

5. Reação lenta à crise
Quando os recalls passaram a aparecer com mais frequência, a partir de 2009, a Toyota demorou para mitigar seus efeitos. No ano passado, das 251 queixas feitas ao órgão responsável pela segurança viária dos Estados Unidos, a National Highway Transportation Safety Administration, mais da metade (133) teve a Toyota como alvo. A própria entidade considerou "imprecisas e enganosas" as soluções prometidas pela fabricante japonesa. Como resultado, a Toyota enfrenta, até agora, 148 processos em tribunais nos Estados Unidos, e quatro em cada dez americanos dizem hoje que não comprariam um veículo da marca, de acordo com pesquisa recente feita pela Bloomberg. É um preço alto a ser pago por quem inventou a qualidade total. Que a Toyota se recupere desses tropeços é do interesse de todos os amantes de carros do mundo. Estamos na torcida.

Qualidade total em xeque


Fotos Autodeadline

Pecados pouco originais


Com vagas ociosas e ingerências indevidas, as novas federais
nascem com os mesmos problemas do caro e ineficiente
ensino superior público brasileiro


Roberta de Abreu Lima

Fotos Roberto Setton
Evasão de 46%
As estudantes Aline Sanches (à esq.) e Camila Primerano, da Federal do ABC, em Santo André,
contam que muitos dos colegas migraram para universidades públicas de mais renome:
apesar de sobrarem vagas, as obras de expansão continuam


As universidades públicas brasileiras tradicionais, com as honrosas exceções de sempre, apresentam produção científica modesta e um dos mais elevados custos por aluno do planeta. Suas coirmãs mais novas criadas nos últimos anos vieram ao mundo com defeitos de mesma natureza. Muitas dessas universidades têm quadros de professores inflados, salas de aula praticamente vazias e taxas de evasão que fazem refletir sobre sua real utilidade. Elas se parecem com as escolas mais maduras até mesmo na coexistência de ilhas de excelência com escolas de desempenho sofrível. Oito dessas novas instituições já tiveram cursos avaliados pelo Exame Nacional de Desempenho de Estudantes, o Enade. Em cinco delas, em uma escala de 1 a 5, as notas foram excelentes, beirando o limite superior. Nesse patamar se destacam a Escola de Ciências da Saúde de Porto Alegre e a Tecnológica do Paraná. Duas escolas ficaram com a nota 3, e com a pior avaliação, a nota 1, aparece a Federal do Recôncavo da Bahia.

Um levantamento de treze instituições inauguradas a partir de 2005 revela que o número de vagas ociosas gira em torno de 20%, chegando a atingir 40% – mais de quatro vezes a média das federais que funcionam há mais tempo. Tome-se o exemplo da Universidade Federal do ABC, na cidade de Santo André, em São Paulo. Ali se está diante de um caso de inoperância difícil de ser superado. Desde que ela abriu as portas, em 2006, nenhum reitor ficou no cargo mais de um ano. A evasão escolar chegou a 46%. Esse desastre ocorre em uma instituição onde cada grupo de seis alunos conta com um professor – um luxo que não se pode achar nem nas mais caras escolas superiores privadas dos países mais ricos do mundo. Quem paga o descalabro? Você, leitor, com os impostos que lhe consomem o suor do rosto durante cinco dos doze meses do ano. Confrontado com o cenário absurdo, Júlio Facó, assessor da reitoria, minimiza o problema: "O que falta à universidade é consolidar o nome, e só".

A Federal do ABC é uma das treze universidades cuja faixa inaugural foi cortada pelo presidente Lula – quatro delas criadas do zero e as outras nove, que já funcionavam como faculdades, alçadas à condição de universidade ao cabo de processos de expansão. A imponência dos prédios contrasta com a alta ociosidade nas salas de aula. Isso se deve ao fato de que muitas das escolas foram erguidas em regiões de demografia rarefeita ou distantes de sua clientela potencial. A Universidade do Recôncavo da Bahia é um exemplo disso. Ela foi instalada em Cruz das Almas, cidade de 57 000 habitantes. Em um país como o Brasil, em que das 5 565 cidades cerca de 500 possuem população acima de 50 000 habitantes, Cruz das Almas não pode ser classificada como uma localidade erma. Com apenas 800 jovens matriculados no ensino médio, a cidade da Bahia, nacionalmente famosa por sua temerária "guerra das espadas", travada durante os festejos de São João, não tem densidade educacional para abastecer de alunos uma universidade. Diz o consultor Ryon Braga: "A demanda real, na maioria dos casos, foi solenemente ignorada".

O tipo de curso oferecido por essas instituições é outro fator que contribui para o desperdício dos impostos e a imensa ociosidade. As novas federais têm como um dos focos a formação de professores, uma carreira nobre, necessária, mas que atrai apenas 2% dos jovens brasileiros que concluem o ensino médio. O reitor Dilvo Ristoff, da Universidade Federal da Fronteira Sul, sediada em Chapecó, em Santa Catarina, dá voz ao pensamento oficial: "É um dever patriótico oferecer cursos de licenciatura". Dever mesmo seria conseguir alunos. Oito cursos de licenciatura da escola do professor Ristoff não tiveram sequer um candidato por vaga na sala de aula. A Federal do ABC, por seu turno, surgiu para atender a uma demanda dos sindicatos da região, que hoje se fazem presentes na universidade em mais de uma frente. Além de organizarem debates no núcleo de ciência e tecnologia, eles influenciam projetos de pesquisa. No município de Laranjeiras do Sul, no interior do Paraná, a federal da Fronteira Sul, que funciona em outros quatro endereços, fincou um câmpus próximo a um assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Na semana passada, durante a aula inaugural dos cursos de educação do campo e de desenvolvimento rural, ambos de nível superior, agitavam-se bandeiras do movimento aos gritos de "Viva o MST". Será preciso aferir com frequência a qualidade do ensino oferecido por essas instituições sob pena de que elas sirvam apenas de foco de apoio logístico a invasores de terras.

Ninguém discorda de que é imperativo para o país ampliar o acesso ao ensino superior, em que só ingressa hoje um de cada quatro jovens – um terço da média registrada nos Estados Unidos. Sabe-se que 50% dos alunos brasileiros que se formam no ensino médio a cada ano, um grupo de 1,2 milhão de estudantes, estão longe da sala de aula porque não conseguiram vaga numa faculdade pública, tampouco têm dinheiro para arcar com uma particular. A questão que se coloca é como incluí-los de forma menos dispendiosa e mais eficaz. As universidades públicas brasileiras, afinal, chamam atenção no mundo inteiro por dragar altas somas de dinheiro. Cada aluno custa à União 13 000 dólares por ano. Esse valor, em relação ao PIB per capita do país, é o triplo do custo por estudante nos países da OCDE (organização que reúne os mais desenvolvidos), que oferecem, por sua vez, um ensino muito melhor. O dado se torna ainda pior se confrontado com a produção acadêmica, quesito em que o Brasil responde por apenas 1,8% das citações em revistas de relevo internacional. Até hoje, nenhum pesquisador brasileiro foi agraciado com um Prêmio Nobel, ao passo que os argentinos, por exemplo, já levaram cinco. Resume o economista Claudio de Moura Castro, articulista de VEJA e especialista em educação: "Criar novas universidades públicas é reproduzir um sistema de ensino ineficiente, que envolve altos gastos e baixa produtividade".

O programa de expansão das universidades federais do governo Lula, que já criou 63 000 vagas desde 2003, consumiu 1,6 bilhão de reais. Solução menos onerosa, concordam os especialistas, seria fazer uso de pelo menos uma parte de 1 milhão de vagas atualmente ociosas em faculdades particulares, por meio do Programa Universidade para Todos (ProUni), do próprio governo federal. Ao conceder bolsas a jovens de renda mais baixa, o ProUni abarca hoje apenas 8% dos egressos do ensino médio que ficam de fora da sala de aula. A experiência internacional enfatiza ainda a relevância de trazer ao debate outra mudança no ensino superior brasileiro, esta radical: cobrar mensalidade em universidades públicas daqueles que podem pagar. Diz o economista Gustavo Ioschpe: "Foi o que tornou financeiramente viável a existência de universidades que primam pela excelência nos países mais desenvolvidos". A questão do acesso à universidade, no entanto, não pode passar ao largo de um problema anterior, o da péssima qualidade do ensino médio, do qual só saem 35% dos jovens que ingressaram nele. Desatar esse nó deveria ser prioritário – mas seria, sem dúvida, bem menos visível para os eleitores do que abrir novas universidades a toque de caixa.

Fotos divulgação e Oscar Cabral
Ideologia e ociosidade
Primeiro dia de aula em um dos câmpus da federal da Fronteira Sul, que surgiu por reivindicação do MST,
no Paraná (à esq.), e sala de aula vazia na universidade do Recôncavo da Bahia, no interior do estado
(à dir.): a escolha da localização passa ao largo de um estudo da demanda


Queda livre a 36 KM de altitude



Paraquedista prepara-se para romper a barreira do som com salto da estratosfera


Alexandre Salvador

Divulgação
AVENTUREIRO
Felix Baumgartner: mergulho na estratosfera


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Em tempos de esportes radicais e fartura de patrocínio para aventureiros, está difícil uma proeza realmente inédita. A exceção é o projeto de Felix Baumgartner. Em dia ainda indefinido, entre junho e julho, ele saltará de um balão de hélio na estratosfera, a 36 quilômetros de altitude, e, se der tudo certo, se tornará o primeiro homem a quebrar a barreira do som em queda livre. O mais famoso dos paraquedistas, esse austríaco de 40 anos tem um currículo de realizações espetaculares. Ele já saltou de paraquedas dos dois edifícios mais altos do mundo e de um braço do Cristo Redentor, o que lhe valeu o recorde de salto de baixa altitude. Baumgartner também cruzou os 30 quilômetros do Canal da Mancha em queda livre, com a ajuda de duas asas de planador, em 2003.

Toda essa experiência não é suficiente como preparativo para o salto numa altura além do alcance de qualquer avião. O projeto Stratos – alusão à estratosfera, de onde Felix Sem Medo, como é chamado por seus fãs, vai saltar – está sendo preparado há três anos por quase 100 profissionais. Na equipe estão engenheiros, médicos, físicos, paraquedistas e astrônomos, alguns deles veteranos da Nasa, a agência espacial americana. O maior esforço é prever o que acontece com o corpo de um homem quando submetido a tal altitude e velocidade. Ninguém sabe. "Só saberemos os efeitos da transição para a velocidade supersônica realizando o salto", disse Baumgartner.

A melhor experiência é a do recordista atual, Joe Kittinger, que agora trabalha na equipe de Baumgartner. Em 1960, Kittinger, então com 32 anos e piloto da Força Aérea americana, saltou de um balão de hélio a mais de 31 quilômetros de altitude. Ele atingiu 988 quilômetros horários, velocidade insuficiente para quebrar a barreira do som. Essa medida varia conforme as condições de altitude e temperatura. Ao nível do mar, a velocidade do som é estimada em 1 220 quilômetros por hora. No ponto em que Baumgartner pretende saltar, o som viaja mais lentamente devido ao ar frio. É esperado que ele rompa a barreira do som a 1 100 quilômetros por hora, a 30 500 metros.

"Na época do salto, eu era apenas um piloto. Felix, por sua vez, é um paraquedista experiente. Ele terá muito mais habilidade para se posicionar durante a queda do que eu", disse a VEJA Joe Kittinger, hoje com 81 anos. A estratégia do salto de Baumgartner é similar à de 1960, com muitos avanços tecnológicos. O primeiro é a cápsula pressurizada atrelada a um balão de hélio em que ele será levado até a estratosfera (cinquenta anos atrás, Kittinger subiu numa cestinha). Essa altura só é atingida por balões meteorológicos e foguetes espaciais. O ambiente na estratosfera já tem características próximas às condições existentes na órbita da Terra. Dessa forma, não é surpresa que o traje do voo seja similar ao dos astronautas. A roupa espacial serve de proteção tanto contra temperaturas de 70 graus negativos como contra os raios UVB, que na estratosfera são 100 000 vezes mais intensos do que aqueles que atingem a superfície do planeta. Um tecido comum pegaria fogo se fosse exposto diretamente a essa radiação. No local do salto, a pressão atmosférica é de menos de 1% da existente ao nível do mar. Um dos efeitos letais desse quase vácuo é a imediata expansão dos vasos sanguíneos até estourarem.

Há razões científicas no plano de varar a atmosfera em queda livre. A equipe por trás do projeto quer saber se o homem, devidamente equipado, é capaz de suportar velocidades supersônicas sem ser esfacelado pela onda de choque decorrente do rompimento da barreira do som. "Talvez um dia seja possível trazer astronautas de volta do espaço com segurança, caso seja preciso abandonar a nave", diz Baumgartner. Isso só se saberá se ele voltar ao solo são e salvo

Mais alto que qualquer outro


Genética artilheira


Para Pelé, os gols do Santos em 2010 – média de 3,3 por jogo,
em 21 partidas – podem ser explicados por um tipo diferente
de DNA, que leva os jogadores a gostar do ataque


Fábio Altman, de Santos

O ATAQUE DOS ANOS 60
Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe, quase uma rima poética


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Está no DNA do Santos marcar gols", disse Pelé a VEJA. No último domingo de março, depois da vitória por 5 a 0 contra o Monte Azul, o time praiano celebrava uma estatística empolgante. Nos primeiros 21 jogos do ano, incluindo partidas pelo Campeonato Paulista, pela Copa do Brasil e um amistoso, o Santos marcou setenta vezes – média de 3,3 gols por jogo. É desempenho pouca coisa mais fraco que o das míticas equipes de 1962 (83 gols, 3,9 por jogo) e 1963 (71 gols, 3,4 por jogo). Houve, na trajetória de 2010, um 10 a 0 contra o Naviraiense, pela Copa do Brasil, e um 9 a 1 no Ituano, pelo Campeonato Paulista.

"As revelações do Santos parecem sempre olhar para o passado, tentando colar sua imagem à da turma de antigamente", diz Odir Cunha, autor de sete livros sobre o time da Vila Belmiro. Evidentemente, qualquer comparação da linha formada por Paulo Henrique Ganso, Neymar, Robinho e André com o ataque do início dos anos 60, declamado como uma quintilha poética (Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe), é exagero – mas a mágica saudosista é inevitável. Pepe, ponta-esquerda do mais forte chute que já se viu, entusiasma-se com o que acontece agora. Caseiro, recatado, nos últimos anos ele se acostumara a acompanhar futebol pela televisão, no sofá. Até que veio este Santos do treinador Dorival Junior, e Pepe saiu da sala. Na partida contra o Palmeiras, na Vila Belmiro, lá foi ele ao estádio. "Nem quis sentar na tribuna de honra", diz. "Fui para baixo, próximo ao alambrado, para ver de perto e ouvir a reação da meninada em campo." Viu três gols do Santos e quatro do Palmeiras, mas pouco importa, a derrota foi detalhe.

Fora do gramado, vive-se o renascimento da lenda santista. Guilherme Guarche, ex-doqueiro do porto, ex-presidente de torcida organizada, é quem zela pelos arquivos do Centro de Memória e Estatística do Santos. Animado com as goleadas, mexe no computador, à cata de dados, como quem garimpa tesouros. Instado a medir a distância de Ganso, Neymar, Robinho e André para a era Pelé, olha para um canto, sorri e aponta para um imenso painel com a foto do time de 1927 (sim, 1927) perfilado. "Aqueles, sim", afirma. Aqueles eram, entre outros, Araken, Feitiço, Camarão, Siriri e Evangelista – 133 gols nos primeiros vinte jogos do ano, para não perder a comparação, média de 6,3 por jogo. E dá-lhe mística.

Como sempre, tenta-se transformar o gosto pelo ataque, a alegria de meninos com aparelhos nos dentes, para quem treinos e jogos são a mesma algazarra, em explicação teórica. Bobagem. "Qual é, em números, o esquema tático do Santos? Não sei", escreveu Tostão na Folha de S.Paulo. Algumas vezes é um 4-3-3 (quatro defensores, três meio-campistas e três atacantes), outras vezes tem a cara de 4-3-2-1 (quatro defensores, três meio-campistas, dois atacantes próximos à área adversária e um outro mais enfiado). "O Santos não é um time de botões nem de prancheta", anota Tostão.

O Santos de 2010 tem dois caminhos: ganhar um título, e entrar para o rol dos grandes; ou então perder, e fazer parte de um grupo ainda mais fascinante, o das seleções magistrais que não ergueram taças. Estão nessa família a Hungria de 1954 (vice-campeã mundial), a Holanda de 1974 (também vice) e o Brasil de 1982 (eliminado pela Itália, com um mero quinto lugar). Dorival Junior, o técnico, sabe que uma eliminação na semifinal será ruim, mas, genuinamente modesto, diz aquilo que até mesmo quem não gosta de futebol tem dito nos últimos dias: "Dá prazer ver o Santos jogar". Como nos tempos de Pelé, o time faz muito e toma muito (embora menos). Dos 525 gols do Paulistão até a semana passada, 75 deles – o equivalente a 14,2% – ocorreram nas dezessete partidas do Santos, a favor e contra. São 4,4 por jogo. É diversão garantida


O TRIO DE 2010
Difícil definir o esquema tático de André (à esq.), Robinho e Neymar

Os ataques históricos do Santos


Fazendeiros do ar


Nos sites de relacionamento, milhões de pessoas que moram
na cidade e nunca encostaram o pé na terra passam dia e noite
plantando, colhendo e até roubando o gado do vizinho


Suzana Villaverde

Fotos Laílson Santos
AGRICULTURA NUM CLIQUE
Jannete levanta de madrugada para cuidar da "fazenda"; o namorado reclama

A paulistana Glaucia Laurenti, 41 anos, é formada em sociologia, chefia um escritório, lembra-se apenas vagamente da fazenda do avô e não tem a menor intenção de ingressar na agropecuária. No entanto, planta e cria animais com dedicação obsessiva desde meados do ano passado – tudo virtualmente, no jogo Colheita Feliz, de longe o mais movimentado aplicativo do Orkut, o site de relacionamento que os brasileiros adoram. "Gostei dos animais bonitinhos e acabei incentivando todo mundo a jogar comigo. Já cheguei ao nível 32 e agora faço inveja a muita gente", diz Glaucia, que cumpre com alegria os rígidos prazos para irrigar as plantações, seguir o cronograma de colheita, tirar leite de vacas, dar a ração corretamente. O Colheita Feliz tem 19 milhões de "fazendeiros" no Brasil, sendo 11,5 milhões deles "ativos", como são chamados os que não perdem nenhum compromisso no mundo rural virtual. Seu concorrente direto, o Farm-Ville, tem só 7 milhões, mas isso porque o site que o aloja, o Facebook, não é tão vastamente popular no país. Em escala global, o Facebook congrega nada menos que 80 milhões de agricultores e pecuaristas que laboram diuturnamente no campo da internet.

A maior parte dos fazendeiros virtuais são mulheres, as grandes alimentadoras dos sites de relacionamento em geral. Elas costumam se encantar com detalhes decorativos para seu pedacinho de terra. Já os homens adotam uma abordagem mais prática. No FarmVille, o relações-públicas José Neves, 25, que pouco esteve em uma fazenda de verdade, impera como "O Fazendeiro", pelo empenho e pelo tamanho do patrimônio. "No começo, só plantava produtos que cresciam rápido, para ganhar experiência. Acordava de quatro em quatro horas e me organizava com a ajuda de uma planilha", relata. Ultimamente, está mais seletivo no que cultiva (quanto mais demora a colheita, maior o rendimento), mas ainda planta cerca de 10 000 áreas de cultivo – "células", no jargão do meio – por semana. Resultado: acumulou uma fortuna em farm coins, o dinheiro local. "Na semana passada, comprei de uma só vez cinco vilas no valor de 1 milhão cada uma e atingi o nível 70, que é o máximo. Pus uma vila do lado da outra, para me exibir mesmo. Em menos de dez minutos, subi cinco níveis e não parava de receber comentários", gaba-se Neves, que mantém um blog no qual dá dicas de como ser um bom agricultor virtual.

O REI DO GADO
Neves: planilhas de controle, nível
máximo no FarmVille e blog com dicas
para o bom agricultor


Por que as fazendinhas virtuais atraem tanta gente que nasceu e cresceu na cidade e está muito bem assim? Além de uma vaga nostalgia coletiva pelo mundo rural, conta muito a facilidade. Para começar a jogar, basta ter um perfil na rede social e adicionar o aplicativo. Não é preciso instalar nada, nem ler manual de instrução. Sementes, animais, casas, tudo pode ser conquistado cumprindo prazos e cuidando bem da lavoura e do pasto. Num estágio mais elevado, os fazendeiros virtuais começam a usar dinheiro de verdade. Ou melhor, de plástico, sob a forma dos cartões de crédito. No câmbio do Orkut, 1 real compraria 5 "moedas verdes", com as quais é possível adquirir luxos exóticos como uma árvore de ovos de Páscoa, um pavão e até renas do Papai Noel. No FarmVille, 1 dólar (a conversão é feita no momento da transação) compraria 5 farm cash. A parcela de jogadores que despendem dinheiro vivo não passa de 2%, mas com eles as empresas alcançam 90% de seu faturamento. Nem sempre há transparência: recentemente, descobriu-se que a Zynga, empresa americana que controla o FarmVille, usou de informações pouco precisas para embolsar parte da arrecadação de uma campanha de ajuda às vítimas do terremoto do Haiti. Mas o maior atrativo dos joguinhos parece ser mesmo seu poder de movimentar o perfil que cada jogador mantém no site. A fazenda dá motivos para conversar, trocar conselhos, contar vantagens e exibir troféus. "Os jogos virtuais suprem a necessidade do ponto de encontro dentro da rede social. As comunidades desempenhavam esse papel, mas estão perdendo força e agora os jogos viraram o assunto comum", explica Tahiana D’Edgmont, diretora-geral e sócia no Brasil da Mentez, a empresa americana que controla o Colheita Feliz, um jogo desenvolvido por programadores chineses.

BOBEOU, PERDEU
Glaucia, que joga com a filha: de vez em
quando, uma assalta a fazenda da outra


Cada fazendeiro, ao obter sua gleba, convida amigos para fazer o mesmo, montando uma espécie de condomínio à sua volta. A socióloga Glaucia, por exemplo, apresentou o jogo à filha Giuliana, 17, que não só cuida da sua terra como ajuda a mãe a cuidar da dela. "Às vezes não me planejo direito e ela ou o namorado fazem a colheita por mim", conta. Na atividade agrícola virtual de Glaucia e Giuliana ocorrem, esporadicamente, roubos de produtos e implementos, um dos recursos mais motivadores do Colheita Feliz no Brasil (em outros países, foi removido). Pois é, no mundo da terra virtual impera um espírito de sem-terra. "No início eu tinha dó, mas ela começou a pegar de mim e agora eu também roubo o que encontrar", informa a mãe. O furto mútuo não cria ressentimentos. Quem está dentro se diverte, mas quem está fora confessa que se irrita com a dedicação dos fazendeiros do ar. "Já acordei assustado de madrugada porque ela se levantou para colher sei lá o que na fazendinha", reclama o coordenador de eventos Cacá de Oliveira, 34, sobre o empenho da namorada, a atriz Jannete Tomiita, 24. "Chego em casa e ela às vezes nem repara que eu entrei pela porta. Falei que vou levar o notebook para o trabalho e colocar senha no computador de casa, igual fazem com as crianças", ameaça. Jannete nem ouve, ocupada que está em arar a terra, colher frutas e fazer carinho nas vaquinhas – porque, como todo pecuarista virtual sabe, elas dão mais leite assim.

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