Saturday, March 28, 2009

Editoriais dos principais jornais do Brasil


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DO Democracia Política e novo Reformismo

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DO Democracia Política e novo Reformismo

Sol e água quente Celso Ming

O ESTADO DE S. PAULO

Se tudo ocorrer como foi anunciado quarta-feira, tomar banho e lavar louça com água quente não vai mais puxar para cima a conta de luz.

Não vai puxar pelo menos para os moradores do 1 milhão de casas a serem construídas nos próximos anos sob as novas regras habitacionais patrocinadas pelo governo federal.

Entre os compromissos com viés ambientalista que o ministro Carlos Minc conseguiu arrancar do governo em troca de agilização da concessão de licenciamento ambiental para o programa, está o de que as habitações ali previstas serão dotadas de sistema de aquecimento solar.

Esse sistema acionado com energia solar não irá gerar energia elétrica, conhecido como sistema fotovoltaico, ainda pouco utilizado pelo seu alto custo. Por aqui, servirá quase somente para aquecer a água da casa.

A decisão poderá virar o jogo até agora perdedor do setor, que é prisioneiro de um problema estrutural: não consegue decolar porque seus produtos são caros demais e são caros demais porque não têm escala de produção.

As estatísticas da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar-Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava) mostram que só 1,7% das residências brasileiras (cerca de 840 mil) possui esse sistema. Em Israel esse número ultrapassa os 90%.

Carlos Faria, diretor do Departamento de Energia Solar da Abrava, refez seus cálculos e concluiu que a construção de 1 milhão de casas dotadas com o sistema aumentará em 2 milhões de metros quadrados (m²) a área instalada de placas de aquecimento (atualmente são 4,3 milhões de m² no Brasil, e no mundo, cerca de 250 milhões de m²): "Isso aponta para uma economia de energia elétrica de até R$ 4 bilhões para o País, considerando o custo da construção de uma usina hidrelétrica para suprir essa demanda."

Um sistema simples de aquecimento solar para a casa de uma família de quatro pessoas inclui placas de aquecimento de 2 m², reservatório térmico para 200 litros e tubulações. Isso equivale a cerca de 3% a 4% do custo da construção. Faria explica que em três anos e meio o investimento é recuperado apenas com economia de energia elétrica. A conta é simples: o custo médio do equipamento é de R$ 1,5 mil, já incluído o custo de instalação. A economia mensal na conta de luz é algo em torno de R$ 35, o que dá R$ 420 por ano. A durabilidade média do equipamento é de 20 anos.

O maior mercado potencial criado com o novo programa habitacional deverá baixar os custos. "Estimamos uma redução de 20% a 30% no custo do equipamento com a demanda a partir de 500 mil casas", calcula Faria.

Para atender à nova demanda, os 200 fornecedores existentes no Brasil deverão investir cerca de R$ 60 milhões para duplicar a atual capacidade de produção, de 2 milhões de m². Hoje a indústria trabalha com uma capacidade ociosa de cerca de 60%.

Para o presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Sales, a iniciativa do governo federal pega carona no aumento da conscientização sobre a necessidade de poupar energia elétrica. "Até 1993, com a tarifa unificada, o brasileiro não tinha noção de consumo consciente. Após a liberação da tarifa e, mais recentemente, com o racionamento ocorrido em 2001, o brasileiro mostra mais interesse", diz.

Terra ainda treme Míriam Leitão

O GLOBO

A decisão do Conselho Monetário Nacional desta semana ainda é reação ao desembarque da crise no país. Naquele 15 de setembro, quando o Lehman Brothers quebrou, o crédito travou e o interbancário congelou. Muita coisa melhorou desde então, mas o mercado tem travas. O CMN tenta fazer os fundos de pensão aplicarem nos bancos pequenos, e esses bancos emprestarem às empresas médias.

Esta é uma crise de longo alcance, que se desdobra em novas frentes de batalha.

O Brasil, longe do centro da crise econômica, longe dos subprimes e dos bancos falidos, ainda sofre os efeitos do abalo do dia 15 de setembro do ano passado, quando os bancos americanos começaram a quebrar.

A decisão tomada pelo CMN pode funcionar, segundo os especialistas que eu ouvi. O Fundo Garantidor de Crédito vai estender suas garantias aos títulos emitidos pelos bancos pequenos num valor infinitamente maior do que garante nos bancos grandes.

Hoje, o FGC garante até R$ 60 mil, por CPF, os CDBs, a poupança e a conta corrente dos clientes. Pela medida, vai garantir até R$ 20 milhões em bancos pequenos, mas, para isso, eles terão que pagar 1% de tudo o que for captado com esta garantia.

Essa supergarantia foi dada para levar de volta aos bancos pequenos os fundos de pensão, os investidores institucionais, que fugiram deles assim que a crise chegou.

Na época, os bancos pequenos foram socorridos pelas decisões do Banco Central de liberar compulsório dos grandes para a compra de carteiras das instituições menores. Até o Fundo Garantidor comprou carteiras dos bancos pequenos, para dar liquidez.

Os balanços do fim de ano mostraram que eles sobreviveram aos saques que enfrentaram, mas ficaram sentados em cima do dinheiro.

Não emprestam com medo de perder depósitos a qualquer momento. Preferem reter liquidez. Mas são eles que emprestam para o chamado middle market, as empresas pequenas e médias, que têm mais dificuldade de tomar empréstimos nos bancos maiores.

Para as grandes empresas os grandes bancos emprestam.

Em alguns casos, dinheiro das reservas cambiais, seja para financiar comércio exterior, seja para pagamento de dívida externa.

O middle market ficou sem financiamento e, quando conseguia, era de curto prazo e de alto custo.

Se a medida levar de volta o investidor institucional para aplicação em RDB dos bancos pequenos, eles terão outra vantagem: esses papéis não são de liquidez diária, mas sim de, no mínimo, seis meses. Os bancos menores teriam aplicadores mais estáveis.

Mas o que levaria esses bancos a voltar a emprestar? O custo dessa operação: 1% sobre o valor do depósito é alto, e a instituição perderá se não permitir que o dinheiro circule.

Se circular, o dinheiro ajudará a destravar mais um pedaço do mercado de crédito no Brasil.

Outra medida do governo, só esta semana, para enfrentar a crise — que da boca para fora o discurso o presidente Lula minimiza — foi o plano habitacional de R$ 34 bilhões. Há um problema: esse dinheiro não existe. O número é, em parte, de uso dos recursos de fundos dos trabalhadores: FGTS e FAT (através do BNDES). O Orçamento da União está sendo cortado, na verdade. Os primeiros R$ 6 bilhões do pacote terão que sair de um projeto de lei de crédito extraordinário. E isso num momento em que o governo estará cortando emendas de parlamentares para que o Orçamento caiba na nova previsão de receita.

Aqui e no resto do mundo a crise americana continua fazendo vítimas. Ontem saíram indicadores mostrando que a renda dos americanos melhorou, mas o consumo caiu.

É uma reação comum em tempos de incerteza: mesmo quando algum estímulo do governo funciona, a tendência é poupar e não consumir.

Isso funciona inclusive no país com a maior propensão ao consumo do planeta.

Outros países divulgaram ontem novas quedas do PIB no quarto trimestre de 2008: Inglaterra (-1,6%), França (-1%), Coreia do Sul (-5,1%).

A queda nos Estados Unidos foi de 6,3% e, no Brasil, de 3,6%, mas a maneira como os EUA fazem a conta amplifica o número. Na verdade, se a conta aqui fosse feita da mesma forma que nos EUA, o resultado mostraria que nós caímos mais do que o dono da crise naquele terrível trimestre. A grande expectativa agora é em relação ao atual trimestre que acaba na semana que vem. Alguns indicadores bem ruins não permitem prever recuperação, apenas sonhar com números menos ruins.

O presidente Barack Obama disse que já existe uma luz no fim do túnel. Ainda não. É ilusão de ótica dele, depois desses dois meses de governo em que foram colhidos os escombros do trimestre terrível. O problema de Obama foi a data da posse. A queda foi no fim do ano passado, mas os indicadores saíram todos em janeiro e fevereiro, ampliando a sensação de crise.

Esta semana saíram os detalhamentos do carro-chefe de Obama contra a crise: o plano de estabilização financeira do Tesouro. Os detalhes mostram que o governo conseguiu fugir de duas armadilhas: a de ter que separar ativos bons de ativos podres — os bancos é que dirão que ativos querem vender; e a de definir preço — ele será decidido em leilão que definirá os preços dos papéis. Mesmo assim, há muito chão pela frente antes da luz no fim do túnel.

Os suspeitos de sempre Dora Kramer

O ESTADO DE S. PAULO

Doar dinheiro a partidos não é crime. Proibido é fazer isso por meio de contabilidade paralela. Alimentada por recursos de origem e destino obscuros, não raro captados mediante fraude na contratação de obras ou serviços pelo poder público e desviado em parte para o financiamento de campanhas eleitorais.

É sobre esse lado escuro das relações entre a construtora Camargo Corrêa, partidos de variados matizes e o aparelho de Estado que incide a mais recente operação da Polícia Federal no setor do colarinho branco.

A PF investigou durante um ano e meio crimes de lavagem de dinheiro, superfaturamento de obras públicas, remessa ilegal de dólares para o exterior e doação ilegal para partidos políticos.

Prendeu diretores da empresa, secretárias e doleiros. Envolveu sete legendas significativas - PSDB, PMDB, PPS, PDT, DEM e PP - e, é claro, provocou protestos, embora tenha recebido também elogios pela relativa sobriedade da ação.

Teria se mantido totalmente dentro do melhor figurino não fosse a divulgação do nome de dois senadores, coincidentemente dos dois maiores partidos de oposição, que tinham como provar a legalidade das doações recebidas.

Aí a PF claudicou visivelmente, abrindo a guarda para as críticas de que agiu orientada por "viés político". De fato, se Agripino Maia (DEM) e Flexa Ribeiro (PSDB) são os únicos políticos citados e não se enquadram nos delitos investigados, por que citá-los como envolvidos numa operação criminosa?

Há sempre a possibilidade de haver mais contra ambos no inquérito. Mas, se há, por que divulgar doações registradas na Justiça Eleitoral e, portanto, legais?

Se não há, divulgou-se para constranger.

Sem necessidade, pois esse tipo de detalhe acaba dando margem para que se desvie o foco da questão central e se desacredite o conjunto do trabalho que reúne informações substanciais sobre, por exemplo, o superfaturamento de R$ 72 milhões nas obras da refinaria Abreu e Lima, da Petrobrás, em Pernambuco.

Nas gravações de conversas entre diretores da construtora sobre as relações da empresa com partidos. Na última leva divulgada, incluiu-se o PT, cuja ausência da lista estava sustentando a argumentação de uso político.

O partido, assim como as outras legendas, alega que recebeu da Camargo Corrêa de forma legal. A verdade comprova-se ou se derruba facilmente no Tribunal Superior Eleitoral.

O problema não está aí. O que joga suspeição sobre os negócios entre a empresa, partidos e políticos é a prática do caixa 2, a ingerência partidária nos negócios administrativos do Estado e a transformação do Congresso numa instituição que cada vez menos representa as demandas da sociedade e cada vez mais defende mais os interesses de lobbies. Públicos e privados.

É o conjunto da obra que estigmatiza e torna verossímil qualquer acusação contra políticos e empreiteiras, independentemente de serem verdadeiras ou falsas.

Há relação é viciada, a corrupção grassa e não é combatida a não ser por meio de artificialismos de propaganda. As práticas abusivas são aceitas, desculpadas e, quando denunciadas, em geral acabam rendendo prejuízo mesmo para quem denuncia.

Essa última operação da PF por ora não provou tudo o que disse, mas só de falar a respeito de coisas que todo mundo sabe já é um avanço. Nem a Camargo Corrêa pode em sã consciência se dizer "perplexa" nem o mundo político tem autoridade para denunciar uma "armação".

No mínimo, por causa da prática do caixa 2. Admitida por todos e praticamente oficializada pelo presidente Luiz Inácio da Silva quando, em 2005, corroborou a tese do delito eleitoral com a qual o PT pretendia negar crimes de corrupção, dizendo que o partido fazia "o que sistematicamente se faz no Brasil".

Não há surpresa, portanto. Muito menos razão para tanta indignação.

Conceito de ética

O novo presidente do Conselho de Ética da Câmara é um homem em consonância com seu tempo e espaço.

O deputado José Carlos Araújo acha que há diversos graus de compostura e defende penas mais leves no caso de quebra do decoro parlamentar, hoje punida com cassação de mandato.

Se a quebra for só um pouco indecorosa, advertência. Se for mais ou menos indecorosa, seis meses de suspensão.

O deputado Edmar Moreira, defensor da extinção pura e simples de julgamentos no Parlamento, está em vias de ser julgado pelo conselho ora presidido pelo deputado que tenta revogar um conceito que não admite meio-termo. Decoro, ou a pessoa tem ou não tem. E quem dá uma ideia dessas, obviamente não tem.

Avesso do avesso

Dirão que contra os ricos vale tudo, mas nem por isso deixa de ser racista a declaração do presidente Lula atribuindo a culpa da crise econômica à "gente branca, loura, de olhos azuis".

Aqueles olhos azuis Clóvis Rossi

FOLHA DE S. PAULO

LONDRES - Conotação racista à parte, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem razão ao dizer que a crise é culpa dos "brancos de olhos azuis". O diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional, o socialista francês Dominique Strauss-Khan, comentou ontem a frase e a análise, com mais classe. Disse, primeiro, que gosta da maneira como Lula faz certos comentários, para emendar que, de fato, a crise "surgiu no coração do sistema".

E o coração do sistema, como todo o mundo está cansado de saber, é branco, se por branco se entender a hegemonia de um setor da sociedade majoritariamente branco. OK, o presidente tem razão. E daí? Daí, nada, rigorosamente nada.

Apenas divertiu por uns minutos os bajuladores de plantão, que riem de tudo o que Lula diz, e a mídia britânica, que reproduziu o dito abundantemente nos minutos seguintes. Depois, sumiu completamente, pois não leva a nada, a não ser que Lula entenda que a crise vai desaparecer porque Obama, um negro, é agora o piloto da crise dos brancos.

Ou que pretenda ressuscitar Leonel Brizola e seu "socialismo moreno". Ou entronizar Evo Morales e seu indigenismo como o novo padrão universal de comportamento. Ou demitir o branco Henrique Meirelles e transferir o ministro dos Esportes, Orlando Silva, para o lugar.

Tolices e racismo à parte, o importante nessa história não é a cor dos olhos ou da pele de quem provocou a crise, mas a desídia, a impotência ou a conivência, ou tudo isso junto, que de fato levaram a ela. Um modelo, supostamente branco, que Lula, aliás, adotou com todo o furor habitual nos recém-conversos.

A sociologia e a antropologia universais sobreviverão sem sustos às gracinhas do presidente brasileiro. Ainda bem que os negociadores brasileiros do G20 falam a sério com seus pares brancos e de olhos azuis, o que eventualmente pode ajudar a melhorar o ambiente geral, risadas à parte.

Lula em dia de Chávez EDITORIAL

O ESTADO DE S. PAULO

É extremamente positiva a imagem projetada pelo presidente Lula, no mundo, desde que assumiu o governo. Alvo de interesse e curiosidade compatíveis com a singularidade de sua biografia e trajetória política, dele se sabia que era o primeiro dirigente de um país do porte do Brasil a vir de muito baixo na escala social e que ascendera pela força de sua determinação e o impulso de seu invulgar talento para liderar. Pesava contra ele, no entanto, a imagem de radical raivoso, construída na condução de um partido que propunha "acabar com tudo isso que está aí". Não faltava quem desconfiasse de que a América Latina produzira mais um populista falastrão, cuja falta de preparo explicava a sua hostilidade à democracia liberal e à economia de mercado. E não faltava quem deplorasse, antes de conhecê-lo, o contraste com o seu antecessor.

Surpreendendo os céticos e desarmando os pessimistas, em pouco tempo Lula adquiriu junto aos dignitários, investidores e formadores de opinião do mundo desenvolvido um prestígio e até uma simpatia que beneficiaria imensamente o Brasil. De fato, não havia na cena internacional, nesse começo de século, um chefe de governo que combinasse como ele duras experiências pessoais, escassa escolaridade, aguda sensibilidade social, mas também instintiva facilidade para estabelecer improváveis relacionamentos calorosos - que o diga o ex-presidente George W. Bush - e, principalmente, capacidade de ouvir e assumir posições razoáveis no trato das questões que o levavam a correr o mundo. Esse notável Lula que aqui se evoca é como se não tivesse existido perto do Lula que acaba de se destacar na grande imprensa estrangeira por soltar uma bobajada que ninguém estranharia se tivesse saído da boca de um Hugo Chávez ou de um Mahmoud Ahmadinejad. E, o que é pior, na mais inapropriada das circunstâncias.

Ao lado do primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, na entrevista que se seguiu ao encontro de ambos, no Palácio da Alvorada, Lula dissertou sobre a crise mundial, atribuindo-a a "comportamentos irracionais de gente branca, de olhos azuis, que antes parecia que sabia tudo e que, agora, demonstra não saber nada". Ficasse nisso, a tirada xenófoba já seria suficientemente constrangedora. Mas ele se desmoralizou de vez na resposta a um perplexo jornalista britânico que lhe perguntou se essa visão não exprimia um viés ideológico. "Como eu não conheço nenhum banqueiro negro ou índio", emendou num raciocínio trôpego, "só posso dizer que não é possível que essa parte da humanidade que é a mais, eu diria, vítima do mundo (sic) pague por uma crise." De fato, ele não conhece, nem de ouvir falar, o negro Stan O?Neil, ex-presidente do Merrill Lynch, ou o negro Frank Raines, ex-presidente da Fannie Mae, duas instituições financeiras americanas cujo comportamento irracional ajudou a desencadear o colapso de Wall Street. E, se fossem brancos de olhos azuis, que diferença faria?

Não é preciso muita imaginação para adivinhar o que terá pensado nessa hora o premier britânico, que fez uma parada no Brasil a caminho de um evento no Chile, para tratar com Lula da reunião dos líderes dos países que integram o G-20, a se realizar na próxima quinta-feira, em Londres - e que poderá ser um marco na busca de soluções para a crise. Brown, um dos mais ativos líderes mundiais da atualidade, foi um dos primeiros a valorizar a participação do Brasil nessa espinhosa empreitada, respaldando o protagonismo do presidente brasileiro. Não havia no encontro entre ambos, portanto, ambiente para tiradas populistas ou estocadas inoportunas como a alusão de Lula ao "preconceito contra os imigrantes nos países desenvolvidos". Esse é um problema crescente na Grã-Bretanha, mas nada tem que ver com a crise, muito menos com o empenho de Brown em reavivar o comércio mundial - ele anunciou em Brasília que proporá na cúpula do G-20 a criação de um fundo de US$ 100 bilhões para financiar a retomada do intercâmbio de bens e serviços.

Quando sobe aos palanques, Lula se compraz em dizer o que lhe dá na telha, sem se preocupar com as consequências. Desta vez, a queda pela demagogia o traiu e envergonhou o País, que, aliás, sob o seu governo, se beneficiou mais do que qualquer outro dos resultados fabulosamente positivos do "comportamento irracional da gente branca de olhos azuis", para a economia global, até o estouro da bolha.

OS OLHOS AZUIS DA CRISE Merval Pereira

O GLOBO

O presidente Lula sempre gostou de simplificar as coisas, o que o leva a fazer constantes metáforas de fácil compreensão para a média dos brasileiros. Mas leva também ao pé da letra certas simplificações. Para ele, o mundo se divide entre ricos e pobres, entre paises do Norte contra países do Sul, entre os brancos de olhos azuis e os paises explorados por eles, e essa visão estreita do mundo se reflete em muitas das tomadas de posição na nossa política externa.

E acaba se voltando contra nós, como na rodada de Doha, que acabou sendo abortada por posições de países como China e Índia, que não aceitaram um acordo que o Brasil havia fechado com a União Européia e os Estados Unidos.

Exatamente porque os interesses brasileiros no comércio internacional às vezes coincidem mais com os dos ricos do que com o dos emergentes. Foi assim que ele deu uma das maiores gafes de um chefe de Estado, com a declaração racista de que a crise internacional foi provocada por brancos de olhos azuis.

A simplificação das disputas, sejam elas internas ou internacionais, vai muito bem para o objetivo de Lula, que obviamente estava querendo dar uma demonstração de que não se intimida diante de representantes do primeiro mundo, no caso o primeiro ministro inglês, Gordon Brown.

E ele aparece diante de seus eleitores de baixa renda como aquele que defende os pobres e os desvalidos diante dos colonizadores. Mas, quando se está num encontro internacional, preparando o próximo encontro do G-20, em que o país pretende ter uma atuação proeminente, querendo lugar de destaque nos grandes organismos internacionais como o Conselho de Segurança da ONU, não se pode simplificar as questões dessa maneira.

Ele, com uma tirada dessas, se aproxima mais do seu colega Hugo Chávez do que do estadista que pretende ser. O presidente Lula, quando leva a discussão pra um campo ideológico reduzido, perde a capacidade de influenciar a política internacional. Lembra Chávez, que, na tribuna da ONU, disse que sente cheiro de enxofre porque o presidente dos Estados Unidos acabara de sair.
Não é preciso nem mesmo lembrar que quando perguntado se o que dizia tinha sentido ideológico, ele tentou minimizar dizendo que não conhecia nenhum banqueiro negro, ou índio. Além de mostrar desinformação – o ex presidente do Merrill Lynch, Stanley O Neal, era negro e foi dos banqueiros mais influentes em Wall Street, e o atual presidente do Citibank é o indiano Vikram Pandit -, o presidente Lula tenta mais uma vez jogar as perdas da crise internacional no colo dos estrangeiros, sem assumir nossas culpas, como se o pais estivesse em perfeitas condições.

Mas essa crise é importada ou fabricada. No ultimo trimestre do ano passado, o PIB brasileiro teve uma queda de 3.6%, mas, se adotarmos o critério da maioria dos países, inclusive os europeus e os Estados Unidos, que anualizam as perdas, a queda do PIB brasileiro seria de extraordinários 15,2%.


Por essa mesma metodologia, o PIB americano caiu 6,8%, a Europa caiu 6%. Na mesma faixa do Brasil caíram Singapura, com 16,4%, Coréia, com 20%, Taiwan, com 22% e Japão, com 12%. O problema é que os paises asiáticos têm um grau de abertura da economia muito maior do que o brasileiro.

Enquanto naquela região o grau de abertura – a soma de importações com exportações – pode chegar a 100% do PIB, no Brasil não passa de 20%, semelhante aos Estados Unidos. Na Malásia, passou mesmo dos 100% do PIB. Portanto, eles são muito mais expostos a crises internacionais do que nós.

Quando o comercio exterior é afetado, como agora, esses países sentem muito mais do que nós. E porque, se somos uma economia fechada, tivemos uma queda na economia no mesmo patamar das economias mais abertas?O que derrubou nosso país, segundo a análise de muitos economistas, foi a taxa dos investimentos internos, que despencou no ultimo trimestre de 2008.

O investimento no Brasil, mesmo sendo pequeno em relação ao que seria necessário, caiu tanto que teve importância decisiva na queda do PIB. Os empresários pararam de investir, sobretudo por falta de confiança, mas também porque perderam o acesso ao crédito. As consultas ao BNDS, um indicador antecedente de tendência , caíram 40%. A demanda externa chegou a subir 0,6%, mas a demanda interna caiu 2,8%, sendo que a formação bruta de capital – a compra de máquinas e equipamentos que indica investimentos das empresas – caiu 1,7% , mais que o consumo das famílias, que caiu 1,2%.

Essa queda do consumo das famílias brasileiras, aliás, mostra um outro fator. Ele caiu mais que o consumo das famílias americanas, que viviam dependentes do crédito, o que indica que a economia brasileira depende muito mais do crédito do que a americana.

A crise, portanto, foi mais fabricada do que importada, e o problema é que o governo não está fazendo nada para mudar esse modelo econômico, baseado no crédito, que desapareceu, e na massa salarial.

Mas, como o desemprego está aumentando, e não há indicio de que vai haver aumento da massa salarial tão cedo, fica difícil ver por onde sairemos da crise.

(Amanhã: O crédito sumiu)

Partidos vazios Marco Aurélio Nogueira

Se prestarem atenção nos dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) semana passada, os partidos políticos têm bons motivos para se preocupar.

Em janeiro de 2008, cerca de 90% dos eleitores brasileiros não pertenciam a nenhuma legenda. Um ano depois, esse índice subiu para 91,6%. São 119,7 milhões de eleitores sem vínculos partidários. A comparação chama ainda mais a atenção quando se vê que o colégio eleitoral cresceu cerca de 2,9 milhões nesse período, ao passo que o número de não filiados aumentou 4,3 milhões.

A tendência é consistente. Afeta todas as legendas e ocorre em todas as unidades da Federação. A única exceção foi o PRB, partido próximo à Igreja Universal do Reino de Deus, que conseguiu passar de 121 mil para 157 mil filiados. Só o PMDB, maior partido do País, perdeu 14% de seus aderentes (cerca de 300 mil), porcentagem próxima à do PSDB, do DEM e do PT. Mesmo os micropartidos ideológicos, tipo PSTU e PCO, retrocederam cerca de 3%.

Como explicar isso? Estarão os partidos decepcionando os eleitores ou são estes que encontraram outra maneira de encaminhar suas reivindicações? O problema é institucional, pode ser resolvido com uma legislação eleitoral e partidária mais justa e adequada? Ou é de ordem moral, derivado do "excesso de corrupção" e dos "altos salários" que desgastariam a imagem dos políticos entre a população, como alega uma complicada corrente de opinião que vai da direita ultraconservadora à extrema-esquerda "revolucionária"?

Não há resposta cabal para o fato, mas é fácil visualizar suas consequências. O enfraquecimento da relação entre partidos e eleitores é um indício de que se afrouxaram os laços entre a sociedade e o sistema político. Pode ser que os cidadãos já não se importem tanto com o modo como são governados e prefiram se distanciar da democracia representativa. Sem eles, no entanto, a representação soluça e termina sob monopólio dos partidos, que se tornam seus únicos protagonistas, "donos" de suas regras e de seus resultados. Com isso, a política representativa se converte em atividade de profissionais que não são "vistos" pela sociedade e não se importam em trazê-la para o centro do palco.

A questão é delicada porque a democracia representativa continua sempre mais vital em sociedades complexas e multiétnicas como são as nossas. Nela, o fundamental papel de dar operacionalidade à política, às reivindicações sociais e às decisões de governo tem cabido aos partidos, que foram inventados precisamente para isso.

Os partidos se dedicam a organizar a chegada ao governo ou a oposição ao governo. Encarregam-se de criar condições para que os interesses parciais desta ou daquela classe evoluam, se encontrem com os interesses parciais de outras classes e deem origem a algum denominador comum que represente mais fielmente o conjunto. Mesmo as organizações de esquerda, que sempre se recusaram a limitar sua ação ao plano estrito do parlamento, representam grupos sociais, dão voz a eles e podem agir como construtores de hegemonia, de novas orientações culturais. São os partidos e a luta entre eles dentro e fora do parlamento que possibilitam o processamento democrático das demandas e a estruturação de uma agenda de políticas.

Se os cidadãos os ignoram, temos um sinal de alerta, que soa forte quando percebemos que são ralas as chances da sociedade se autorrepresentar ou de resolver seus problemas pela via da "participação direta".

Para entender melhor a questão, temos de olhar para o modo como se vive. O esvaziamento dos partidos tem que ver com uma mudança profunda que está abalando a ordem social. Alguns sociólogos costumam usar a metáfora da "vida líquida" para se referir a isso, salientando a exacerbação de um antigo processo de "derretimento" que estaria a afetar tudo aquilo que há de "sólido" e instituído. Em decorrência, a incerteza e a insegurança tenderiam a amortecer o desejo de participação política dos cidadãos. Outros falam de "sociedade em rede" e dão destaque às tecnologias de informação, que, ao se tornarem experiência cotidiana, alteram a comunicação, o trabalho e a formação da consciência. Embaralhando os fluxos de decisão, numa dinâmica em que o econômico se sobrepõe ao político, a "sociedade em rede" faz com que os centros (os governos, os Estados, os partidos) percam potência e não consigam mais controlar espaços e pessoas, que, frustradas, deles se desinteressam.

Tais configurações casam com a individualização e a democratização típicas da nossa época, que "soltam" os indivíduos de seus grupos de referência e os incentivam a "pensar com a própria cabeça", ou seja, a agir e a decidir autonomamente, mesmo que segundo padrões definidos pela mídia ou pelo mercado. Perversas e sutis formas de controle se generalizam num ambiente onde tudo parece fora de controle. A obsessão por controlar (das pessoas à própria vida) convive paradoxalmente com o desejo ilimitado de liberdade.

As sociedades deixam assim de produzir adesões e lealdades simples, automáticas, tumultuando as identidades. Dá para imaginar como isso rebate na política.

Não precisamos levar essas hipóteses ao pé da letra, pois as mudanças sociais são assimétricas, espalham-se por tempos longos e demoram a ser captadas pelas instituições. Mas se tais explicações têm alguma serventia, é a de nos alertar para o que ocorre nos rios profundos que movem as sociedades. Servem para nos dizer que as instituições precisam mudar, que as práticas não podem permanecer rotinizadas, que a linguagem política tem de ser renovada dia a dia, independentemente de credos, livros ou heróis.

Ou a política democrática honra seu compromisso com a secularização e abandona os deuses que porventura já não falam a língua do tempo, ou arrisca-se a perder valor inapelavelmente.

Dirigismo cultural Mauro Chaves

Os produtores de arte e cultura sempre tiveram de resistir às tentativas de seus financiadores de influenciar seu trabalho. O afeto conflituoso e explosivo que Beethoven manteve, por 12 anos, com seu generoso casal de mecenas - o príncipe Karl Lichnowsky e a princesa Marie Christiane, que até pretenderam modificar sua ópera Fidelio - é uma boa ilustração da inalienável convicção artística que preço algum pode mudar.

Mas os que investem em cultura e arte às vezes não resistem à tentação de dirigir seus criadores, seja para submetê-los aos objetivos do marketing, seja para atrelá-los de alguma forma a objetivos de governo. E esses dois dirigismos, dependendo das doses com que sejam ministrados aos "pacientes" culturais, podem se tornar letais à criatividade de uma sociedade.

Foi posto em discussão, por 45 dias, o Programa de Fomento e Incentivo à Cultura (Profic). É a nova legislação com que o governo Lula pretende substituir a Lei Rouanet. Mas se a Lei Rouanet (Lei n.º 8.313, de 23/12/91), apesar dos inegáveis benefícios que já prestou à cultura e à arte no Brasil, nos últimos 18 anos tem propiciado muitas distorções - especialmente no campo do dirigismo mercadológico, afora a prática de irregularidades condenadas pela lei, mas mal fiscalizadas -, o novo projeto cultural do governo não consegue disfarçar sua intenção intervencionista, político-ideológica e até eleitoral, a começar pelo fato de ser assinado não pelo ministro da área - o da Cultura -, mas pela ministra chefe da Casa Civil. Realmente, não sabíamos dessa súbita afinidade da presidenciável "mãe do PAC" com a área artístico-cultural.

O texto do Profic tem uma omissão clamorosa e muito suspeita. Fez desaparecer o artigo 22 da Lei Rouanet, que dizia: "Os projetos enquadrados nos objetivos desta lei não poderão ser objeto de apreciação subjetiva quanto ao seu valor artístico ou cultural." E há coerência nessa omissão, pois os critérios de avaliação dos projetos culturais, pela nova lei, não são nada objetivos. Fazem uma hierarquização dos projetos, estabelecendo seis faixas de dedução do Imposto de Renda devido - as de 30% e 100% (como atualmente), mais as intermediárias, de 60%, 70%, 80% e 90% - por meio de julgamento descabido, porque facilmente influenciável por viés político ou patrulhológico.

O Profic mantém os três mecanismos já existentes de financiamento cultural, que são o Fundo Nacional de Cultura (FNC), os incentivos a projetos culturais via renúncia fiscal e o Fundo de Investimento Cultural e Artístico (Ficart). Cria, como maior novidade, o vale-cultura - algo como o vale-refeição e o vale-transporte -, um valor mensal a ser distribuído aos trabalhadores, com o qual possam frequentar cinemas, espetáculos teatrais, shows musicais, exposições, comprar livros, etc. A ideia pode ser interessante, desde que a distribuição de vales-cultura seja bem administrada e não se contamine de agrados eleitorais. Mas quanto ao FNC, chama a atenção sua pulverização em cinco fundos setoriais, e apenas um deles - o Fundo Setorial das Artes - se destina a apoiar, "dentre outras" programações específicas, o teatro, o circo, a dança, as artes visuais e a música (cf. artigo 8 do Projeto).

Assim, teatro, circo, dança, artes visuais e música - portanto, praticamente a totalidade dos espetáculos artísticos, já que o Fundo Setorial do Audiovisual (em que está o cinema) integra o FNC por lei à parte (Lei n.º 11.437, de 28/12/2006) -, para obterem, em conjunto, recursos do FNC, têm de competir com: o Fundo Setorial da Cidadania, Identidade e Diversidade Cultural; o Fundo Setorial da Memória e Patrimônio Cultural Brasileiro; o Fundo Setorial do Livro e Leitura; e o Fundo Global de Equalização. Quer dizer, é muito "setorial" para pouco fundo.

Será que os recursos do FNC canalizados para os projetos de "cidadania", "identidade", "diversidade cultural" ou "equalização" (como serão eles?) deixarão alguma sobrinha para financiar algum espetáculo de teatro, de circo, de dança, algum concerto, alguma ópera ou alguma exposição?

No artigo 17, parágrafo 3 do Projeto está que "o FNC alocará parte de seus recursos em seu Fundo Global de Equalização, a ser utilizado em investimentos setoriais e ações transversais..." Ainda que mal perguntemos: o que significa o financiamento de "ações transversais" na cultura? No artigo 18, parágrafo 1 está que "nos casos em que houver alta relevância cultural (...) o financiamento do projeto cultural poderá ser integral". O problema é que determinado projeto poderá ter "alta relevância cultural" para alguns (especialmente seus proponentes), mas não para outros (especialmente seus concorrentes). É aí que também entra a "apreciação subjetiva", que é vedada pela Lei Rouanet, mas permitida (porque não proibida) pela futura Lei Rousseff.

As entrevistas do ministro da Cultura sobre as distorções propiciadas pela Lei Rouanet dão grande ênfase ao volume bem maior de recursos, via renúncia fiscal, canalizados para produções culturais do chamado eixo Rio-São Paulo. Certamente o ministro não leva em conta que consome e produz mais projetos culturais uma Região do País que representa 73% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional e é o maior mercado para os produtores culturais de todo o País.

Que é preciso valorizar e incentivar a arte e a cultura de cada Região do Brasil não há a menor dúvida. Mas que não se tolha a criatividade da sociedade brasileira, como um todo, adotando-se outro abominável sistema de cotas - agora para a nossa produção artístico-cultural, por meio de uma descabida seletividade com base em discriminações regionais.

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