Saturday, May 08, 2010

Veja Carta ao Leitor


Uma lição dos jovens

Laílson Santos
Alguns dos personagens gays da reportagem de VEJA: o começo do fim do preconceito

Uma reportagem especial desta edição de VEJA revela a existência de um fenômeno recente entre parcela considerável dos adolescentes e jovens brasileiros. Eles formam uma geração que cultiva a tolerância em um nível jamais atingido em outros períodos da nossa história. É uma 
realidade positiva em especial para os jovens homossexuais, justamente na idade em que a aprovação dos pares é mais vital para o amadurecimento emocional do que a da própria família. Fazer parte de uma turma, ser aceito sem se ver obrigado a fingir e sem ser o alvo preferencial de gozações, quando não de hostilidades, é a melhor tradução de felicidade na adolescência.

A reportagem mostra que se revelar homossexual para os pais ainda é algo tenso, complexo e sofrido para um jovem. Mas o convívio com a diferença, antes verificado apenas no ambiente de vanguardas e círculos intelectuais e artísticos, está se tornando a norma nos grandes centros urbanos brasileiros. O fato de alguém ser gay não traz mais aquela marca dominante em torno da qual orbitavam todas as demais qualidades e defeitos do garoto ou da garota. Perante os colegas e amigos, a orientação sexual de um adolescente, que até há bem pouco tempo era a característica primordial de sua essência, passa a contar apenas como uma das muitas facetas da personalidade.

Encarar a homossexualidade com naturalidade é uma bela lição que os jovens brasileiros estão ministrando aos adultos. De modo geral, quando escapa da galhofa pura e simples, a homossexualidade é tratada com hipocrisia ou usada como bandeira por grupos militantes que vitimizam sua condição e são paparicados por políticos em busca de votos. Os jovens estão demonstrando que ser homossexual não necessariamente implica que um indivíduo seja pior ou melhor, mais forte ou mais fraco do que o outro – mas apenas diferente. Isso leva a questão para longe das piadas, das bandeiras, das passeatas, das religiões, dos julgamentos morais e até das legislações, devolvendo-a ao arbítrio de cada um na confecção da imensa teia de afeição e rejeição que define a condição humana.

Lya Luft


A canção de qualquer mãe - da Veja

"Filhos, vocês terão sempre me dado muito mais do que esperei 
ou mereci ou imaginei ter"

Ilustração Atômica Studio

Que nossa vida, meus filhos, tecida de encontros e desencontros, como a de todo mundo, tenha por baixo um rio de águas generosas, um entendimento acima das palavras e um afeto além dos gestos – algo que só pode nascer entre nós. Que quando eu me aproxime, meu filho, você não se encolha nem um milímetro com medo de voltar a ser menino, você que já é um homem. Que quando eu a olhe, minha filha, você não se sinta criticada ou avaliada, mas simplesmente adorada, como desde o primeiro instante. 

Que, quando se lembrarem de sua infância, não recordem os dias difíceis (vocês nem sabiam), o trabalho cansativo, a saúde não tão boa, o casamento numa pequena ou grande crise, os nervos à flor da pele – aqueles dias em que, até hoje arrependida, dei um tapa que ainda agora dói em mim, ou disse uma palavra injusta. Lembrem-se dos deliciosos momentos em família, das risadas, das histórias na hora de dormir, do bolo que embatumou, mas que vocês, pequenos, comeram dizendo que estava maravilhoso. Que pensando em sua adolescência não recordem minhas distrações, minhas imperfeições e impropriedades, mas as caminhadas pela praia, o sorvete na esquina, a lição de casa na mesa de jantar, a sensação de aconchego, sentados na sala cada um com sua ocupação.

Que quando precisarem de mim, meus filhos, vocês nunca hesitem em chamar: mãe! Seja para prender um botão de camisa, ficar com uma criança, segurar a mão, tentar fazer baixar a febre, socorrer com qualquer tipo de recurso, ou apenas escutar alguma queixa ou preocupação. Não é preciso constrangerem-se de ser filhos querendo mãe, só porque vocês também já estão grisalhos, ou com filhos crescidos, com suas alegrias e dores, como eu tenho e tive as minhas. Que, independendo da hora e do lugar, a gente se sinta bem pensando no outro. Que essa consciência faça expandir-se a vida e o coração, na certeza de que aquela pessoa, seja onde for, vai saber entender; o que não entender vai absorver; e o que não absorver vai enfeitar e tornar bom.

Que quando nos afastarmos isso seja sem dilaceramento, ainda que com passageira tristeza, porque todos devem seguir seu caminho, mesmo que isso signifique alguma distância: e que todo reencontro seja de grandes abraços e boas risadas. Esse é um tipo de amor que independe de presença e tempo. Que quando estivermos juntos vocês encarem com algum bom humor e muita naturalidade se houver raízes grisalhas no meu cabelo, se eu começar a repetir histórias, e se tantas vezes só de olhar para vocês meus olhos se encherem de lágrimas: serão apenas de alegria porque vocês estão aí. Que quando pareço mais cansada vocês não tenham receio de que eu precise de mais ajuda do que vocês podem me dar: provavelmente não precisarei de mais apoio do que do seu carinho, da sua atenção natural e jamais forçada. E, se precisar de mais que isso, não se culpem se por vezes for difícil, ou trabalhoso ou tedioso, se lhes causar susto ou dor: as coisas são assim. Que, se um dia eu começar a me confundir, esse eventual efeito de um longo tempo de vida não os assuste: tentem entrar no meu novo mundo, sem drama nem culpa, mesmo quando se impacientarem. Toda a transformação do nascimento à morte é um dom da natureza, e uma forma de crescimento.

Que em qualquer momento, meus filhos, sendo eu qualquer mãe, de qualquer raça, credo, idade ou instrução, vocês possam perceber em mim, ainda que numa cintilação breve, a inapagável sensação de quando vocês foram colocados pela primeira vez nos meus braços: misto de susto, plenitude e ternura, maior e mais importante do que todas as glórias da arte e da ciência, mais sério do que as tentativas dos filósofos de explicar os enigmas da existência. A sensação que vinha do seu cheiro, da sua pele, de seu rostinho, e da consciência de que ali havia, a partir de mim e desse amor, uma nova pessoa, com seu destino e sua vida, nesta bela e complicada terra. E assim sendo, meus filhos, vocês terão sempre me dado muito mais do que esperei ou mereci ou imaginei ter.

Entrevista: Mara Gabrilli


"Não desisto de ser otimista"   da Veja

Tetraplégica há dezesseis anos, a vereadora paulistana 
não se vê como vítima. Ela trava batalhas diárias para 
conseguir viver o básico – e para ir sempre além dele


Anna Paula Buchalla

Laílson Santos
"Uma amiga me perguntou 
o que eu havia feito para 
melhorar minha ansiedade. 
'Quebrei o pescoço', brinquei"
 

Mara Gabrilli tinha 26 anos quando sofreu um acidente de carro que a deixou tetraplégica. Passou cinco meses internada ("meses eternos", segundo ela) – dois deles respirando com a ajuda de aparelhos. Nunca mais moveu um músculo do pescoço para baixo. Faltam-lhe os movimentos do corpo, mas sobra-lhe inquietude. Aos 42 anos, Mara é uma máquina de buscar soluções, ter ideias e fazê-las acontecer. Desde o acidente, passou a pesquisar tudo o que diz respeito a lesões medulares, envolveu-se na causa dos portadores de deficiência e fundou uma ONG de apoio a pesquisas e atletas com deficiência. Foi a primeira titular da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida de São Paulo, em 2005. "Eu me sentia cada vez mais impotente para o tipo de reclamação que ouvia dos portadores de deficiência. Chegou uma hora em que me vi compelida a entrar na vida política", disse Mara, que concedeu esta entrevista a VEJA:

Há dezesseis anos, a senhora sofreu um acidente de carro que a deixou tetraplégica. Como é a vida sobre uma cadeira de rodas?
Não seria honesto de minha parte dizer que sou uma pessoa muito melhor hoje por causa do acidente, ou que tenha sido algo inteiramente positivo. Mas posso dizer com total clareza de espírito que esse acontecimento trágico me deu a oportunidade de deixar de ser ansiosa, por exemplo. Eu sofria de ansiedade extrema e tentei de tudo para me apaziguar – até acupuntura fiz para aliviar a barra. Fumava maços e maços por dia, fazia um monte de coisas ao mesmo tempo e nada me causava satisfação. Ao sair de uma sessão de acupuntura, lembro-me de pegar um cigarro, abrir a janela do carro, tirar o acendedor do painel e, em vez de acender o cigarro, pressioná-lo contra o rádio – que queimou, é claro. Isso dá uma ideia de como eu vivia. Recentemente, ao contar essa história a uma amiga, ela me perguntou o que eu havia feito para melhorar. "Quebrei o pescoço", brinquei. Mas a verdade é que o acidente estendeu o meu tempo e a minha disposição para refletir e relaxar. Nesse sentido, às vezes tenho até um sentimento de gratidão.

Como foram os primeiros meses depois do acidente?
Nos dias imediatamente seguintes, eu me sentia apenas um par de olhos. Acordei entubada e com uma "coroa de Cristo" sobre a cabeça. Trata-se de um aro de ferro que se encaixa em quatro pontos da cabeça, como se estivesse aparafusado. Ainda tenho as marcas dele na testa. Sobre o aro, há pesos que forçam a coluna a se manter reta. É um equipamento que se assemelha a um aparelho de tortura da Idade Média. Eu o usei durante três dias. Depois de dois meses de hospital, passei a me sentir um par de ombros. Era uma sensação aflitiva: tinha medo de cair de mim. Parecia estar no parapeito de uma janela alta, na iminência de uma queda. Com o passar do tempo, fui recuperando a consciência do meu corpo. Mais do que isso, aprendi a conhecê-lo de outra forma. É um exercício diário fazer com que ele se comunique comigo.

A senhora poderia descrever seu cotidiano de exercícios fisioterápicos?
Tenho uma rotina puxada, planejada semanalmente, de acordo com a minha agenda de trabalho. Aos sábados e domingos, quando tenho mais tempo, o treino é mais intenso. Faço, entre outras atividades, um tipo de bicicleta que me permite pedalar com a força dos meus músculos. Isso é possível graças a eletrodos colocados nas minhas pernas. Eles emitem estímulos que fazem com que os músculos se contraiam e distendam. Não é o meu cérebro que manda a informação de executar os movimentos, e sim o meu corpo que trabalha de forma autônoma, por assim dizer. É dessa forma que mantenho a musculatura tonificada e reforço o sistema cardiorrespiratório. Quando comecei a treinar, em 1997, pedalava durante três minutos, no máximo, porque cansava logo. Hoje, chego a fazer dez minutos de bicicleta com 3 quilos de peso. Deliro de alegria cada vez que consigo uma melhora.

Como foi a experiência de se reapresentar aos amigos e conhecidos como portadora de deficiência?
As reações deles foram exacerbadas. Alguns amigos se afastaram para sempre, porque não conseguiram conviver com a minha situação. Outros exageravam na companhia e achavam que não podiam me largar um minuto sequer. Na minha primeira ida ao cinema, cinco meses depois do acidente, encontrei um grande amigo do período de escola, que não via fazia dez anos. Ao deparar comigo na cadeira de rodas, 15 quilos mais magra e com o cabelo raspado, ele perguntou se estava tudo bem. Antes que eu respondesse, porém, disparou a falar de si. Fez isso por dez minutos ininterruptos e despediu-se rapidamente a pretexto de não perder o filme. Foi então que, para evitar constrangimentos mútuos, eu passei a tomar a iniciativa de, a cada encontro, ir logo contando que havia quebrado o pescoço. O curioso é que eu mesma não estava sempre triste. É claro que tive momentos em que sentia um vazio enorme... Mas, nessas horas, na maioria das vezes, eu estava sozinha. Ficar presa a uma cadeira de rodas, no início, significa perder os parâmetros da própria existência. Significa ter de se reeducar emocionalmente em vários aspectos. Ao final, aprendi que, não importa a condição física, cada um é responsável pela construção de sua própria felicidade.

Depois do acidente, a senhora chegou a pensar que talvez não valesse a pena viver?
Nunca. Fui apaixonada por um cadeirante, antes de me acidentar, e também cuidei de uma menina tetraplégica, no período em que vivi na Itália. Eu pensava que, se estivesse no lugar deles, preferiria morrer. Depois que fiquei presa a uma cadeira de rodas, no entanto, jamais cogitei me matar. A minha conclusão é que só conhecemos os nossos próprios limites quando nos defrontamos diretamente com eles.

O acidente deixou sequelas emocionais insuperáveis?
Passados todos esses anos, posso dizer que, dentro do possível, superei a tragédia que se abateu sobre mim. O acidente significou a maior mudança da minha vida, mas não a maior dor. Ele não diminuiu vivências intensas e pungentes da minha adolescência, por exemplo, que considero muito mais determinantes para a formação da minha personalidade. Já o meu namorado na ocasião, que dirigia o carro e que saiu da capotagem sem nem mesmo um arranhão, carrega uma ferida emocional grande até hoje. Eu me vi várias vezes na situação de ter de animá-lo, consolá-lo, de tentar fazer com que se sentisse melhor. Um dia, ele me disse: "Sabe o que sinto? Que fiquei paraplégico na alma, e isso é irreversível".

A senhora precisa de alguém a seu lado 24 horas por dia. Perder a privacidade não a incomoda?
Encaro como uma forma de ter autonomia. Pouquíssimas pessoas na minha condição – que não conseguem mexer um único músculo do pescoço para baixo – podem ter um auxiliar à sua disposição durante todo o dia. Alguns paraplégicos e tetraplégicos passam a suar demais em partes específicas do corpo, porque o comando da regulação da temperatura do corpo fica localizado na medula, a área mais afetada em acidentes como o que sofri. No meu caso, não suo quase nada – o pouco calor que elimino sai pelas narinas. Mas preciso de alguém que as seque para mim. Meus braços também precisam ser massageados de hora em hora, porque ficam quase sempre na mesma posição. Apesar de não mover braços nem mãos, tento inserir movimentos, ainda que feitos por intermédio de outra pessoa, na minha rotina. Na hora de comer, não me contento em ser alimentada na boca. Gosto de segurar o talher que será levado até ela. Tomo banho de banheira e procuro lavar o corpo com as minhas mãos guiadas pela auxiliar. Essa foi a maneira que encontrei de entrar em contato com um corpo que ainda é meu.

A senhora sente algum tipo de preconceito em relação à sua condição?
Não diria preconceito, mas despreparo. Vou dar o exemplo de uma situação vivida pela minha amiga Leide Moreira, advogada e poeta, que sofre de esclerose lateral amiotrófica. Ela só conservou o movimento dos olhos, e é com eles que se comunica. Recentemente, fomos juntas a um show de Ney Matogrosso, cantor que ela adora. Como está ligada permanentemente a um aparelho que a ajuda a respirar, ela é transportada em uma maca. A casa de shows lhe cobrou quatro ingressos, alegando que ela ocuparia o espaço de uma mesa. Isso é absolutamente injusto. Mais um pouco e fazem o mesmo com cadeirantes ou obesos. Será que o gerente da casa imaginou que, ao abrir uma exceção, uma fila de macas se formaria à porta?

Qual sua opinião sobre a abordagem da tetraplegia na novela das 8 da Rede Globo?
Costumo brincar que, todas as noites, entra uma tetraplégica na casa da maioria dos brasileiros. Isso contribui para ampliar a reflexão. Vivem me perguntando, por exemplo, se não é uma licença ficcional a tetraplégica interpretada pela atriz Alinne Moraes mexer os braços. De fato, não é. A personagem Luciana é baseada no caso de uma amiga minha: ela é tetraplégica, mas consegue movimentar um pouco os braços. Tudo depende da vértebra que foi fraturada. A personagem criada pelo autor Manoel Carlos é uma menina rica, que sofreu um acidente e dispõe das melhores condições para enfrentar seus novos limites. Isso também é real. Recebo mensagens pelo Twitter de pessoas que questionam como seria se ela morasse na Rocinha. Respondo que, nesse caso, talvez ela não conseguisse sair da favela, mas seria uma situação tão verdadeira quanto a de quem tem acesso a uma vida com conforto.

Como a sua, por exemplo.
Sim. Sei bem a diferença que faz ter uma cadeira de 15 800 reais e uma almofada de 1 500 reais. Trata-se de um privilégio. Minha cadeira, por exemplo, fica em pé quando eu preciso. É bom porque consigo fazer xixi em pé. Como é difícil encontrar banheiros acessíveis a portadores de deficiência, com ela posso usar qualquer um.

A senhora sente dor?
Desde que quebrei o pescoço, as dores passaram a ser difusas. Por exemplo, se levo uma topada, eu a sinto, mas não consigo reconhecer a parte do corpo atingida. Recentemente, estava fazendo exercícios em uma máquina que me permite caminhar. Senti um desconforto e achei que era vontade de ir ao banheiro. Na verdade, o equipamento estava esfolando meus tornozelos, sem que eu percebesse.

Como é a sua vida amorosa?
Uma das primeiras perguntas que fiz ao médico, ainda na UTI, foi justamente o que aconteceria com minha vida sexual. Houve uma adaptação, é claro, mas não acho de forma nenhuma que a cadeira me limite. Quer saber? Ela faz até uma boa pré-seleção. Namorei durante sete anos e terminei no fim do ano passado. A minha vida sexual não é tão diferente assim. A intensidade da sensação não muda. O que muda é a maneira de sentir.

Quando sonha, a senhora se vê caminhando ou em uma cadeira de rodas?
A cadeira nunca está em meus sonhos, mas neles há a sensação de que algo em mim me segura.

Ao saber que um grupo de pesquisadores brasileiros estudava a injeção de células-tronco para a recuperação de lesões medulares, a senhora aderiu à experiência. Os resultados foram positivos?
Fiz autoimplante de células-tronco adultas, retiradas da minha medula óssea e introduzidas no local da lesão. Trinta pacientes fizeram esse tipo de autoimplante. Dezesseis tiveram uma melhora de sensibilidade. Mas só dois deles apresentaram maior evolução – eu e mais um. O que nos diferenciou do resto do grupo foi o fato de que ambos fazíamos exercícios físicos todos os dias. O médico que liderou o estudo não ficou entusiasmado com os resultados. Por via das dúvidas, todos os participantes tiveram amostras de seu sangue congeladas, para o caso de algum dia a pesquisa prosperar. Hoje, não faço tratamento nenhum. Só ginástica. Mas leio muito a respeito dos avanços nas pesquisas sobre lesões medulares. Acredito que tudo conspira a favor da reabilitação total. Eu não desisto de ser otimista.

Radar Lauro Jardim

da Veja

ljardim@abril.com.br

 

Eleições 

Jose Patricio/AE
Trunfo ou ameaça?
O Planalto já desmentiu mais de uma vez queLula pretenda licenciar-se em agosto para dar uma mãozinha a Dilma Rousseff. Só que a decisão de José Alencar de não disputar eleição ressuscitou nos petistas essa possibilidade. Na própria cúpula da campanha de Dilma, a licença voltou a ser tratada abertamente como um trunfo – ou como uma ameaça.
Lula, o instintivo
Os petistas apostam que ele se licencia 
e mergulha na campanha de Dilma. Será?

 

Lavando as mãos
Outros petistas, contudo, têm levantado uma segunda possibilidade: se a candidatura Dilma não decolar, lá pelo meio da campanha ele discretamente abandonaria o barco. Por instinto de sobrevivência, Lula sempre deixou pelo caminho companheiros de viagem muito pesados para ele carregar. A decisão de José Serra de poupar Lula na campanha facilita a saída de mansinho.

Dentes afiados
Ciro Gomes saiu de férias, mas deixou seus cães de guarda cearenses prontos para morder. Desde que ele foi escanteado, sua ex-mulher Patrícia Saboya, seu irmão Ivo Gomes e seu braço direito, Oman Carneiro, atacam o PT cearense dia e noite. Não poupam nem Dilma Rousseff.

 

Economia

Sinais trocados
No mercado doméstico, as vendas da Coteminas, a maior empresa têxtil do país, cresceram 39% no primeiro trimestre em comparação ao mesmo período do ano passado. Foi o melhor trimestre da história da empresa. Beleza. Josué Gomes da Silva, presidente da Coteminas, comemorou na última semana o surpreendente crescimento de vendas em abril da sua subsidiária americana, a Springs. Os tempos mudaram: agora, quando os EUA produzem boas notícias, elas agradam a nós também.

A explosão do 3G
Entre dezembro e fevereiro deste ano, dobrou o número de assinantes de aparelhos celulares 3G no Brasil. Passou de 4 milhões para 8 milhões de usuários.

 

Brasil

Dinheiro no ralo
A Controladoria-Geral da União (CGU) acaba de botar o ponto final num relatório em que aponta 240 casos de mau uso dos recursos públicos. É dinheiro pelo ralo que não acaba mais. Ao todo, a União vai cobrar ressarcimento de 352 milhões de reais de prefeituras, governos estaduais e pessoas físicas que usaram e abusaram irregularmente de verbas federais.

Sérgio Lima/Folha Imagem
Tentativa de drible
Como se não bastassem os muitos processos a que responde na Justiça, Romário tem mais um abacaxi pela frente. Terá de prestar depoimento à PF para esclarecer a construção de uma casa dentro de área de proteção ambiental em Angra dos Reis. O advogado de Romário, Norval Valério, nega que o ex-jogador tenha um imóvel em Angra, mas pelo menos três testemunhas o desmentem. O comerciante Antonio Maia, por exemplo, afirma que vendeu o terreno a Romário por 400 000 reais em março de 2007, mas que não o transferiu para o nome do ex-jogador a seu pedido.
Romário, o verde
Suspeito de crime ambiental,
o craque vai depor na Polícia Federal

 

 

Televisão

Só esporte

O Esporte Interativo, canal aberto de esportes que chega a 20 milhões de parabólicas Brasil afora, está assumindo a rede de televisão em UHF do jornal O Estado de S. Paulo, que cobre a capital e várias cidades do interior do estado com programação religiosa. Pelo acordo firmado, o Esporte Interativo comprará a rede do Estadão num prazo de três anos.

 

O dia em que o paranormal tentou salvar Tancredo

Vidal Cavalcanti/AE
  Iugo Koyama
Na UTI
Thomas Green Morton, depois 
de muita concentração, pediu: "Desliguem 
os aparelhos"
  Desespero
Tancredo: antes que fosse tarde, Aécio
repôs a ordem natural das coisas


Acaba de fazer 25 anos uma história ocorrida nos últimos dias de vida de Tancredo Neves, mas nunca revelada. Pela esquisitice, merece vir a público. Já em coma, Tancredo recebeu a visita do paranormal Thomas Green Morton numa madrugada. Solene, Thomas garantiu na UTI do Hospital das Clínicas (SP): "Vou curá-lo". Postou-se, então, diante da cama de Tancredo e começou a se concentrar. As poucas testemunhas da cena se mostravam ansiosas e esperançosas. Em dado momento, porém, o paranormal apontou para os aparelhos que mantinham Tancredo vivo e pediu: "Estão dando interferência. Desliguem tudo". Antes que Tancredo Neves morresse naquele momento, o bom senso voltou à UTI: nenhum fio, evidentemente, foi desligado. Aécio Neves, que assistia à cena, mandou Thomas parar com tudo aquilo. Foi, aliás, para Aécio, então com 25 anos, que Tancredo disse dias antes suas últimas palavras, referindo-se ao fato de não ter podido tomar posse: "Eu não merecia isso".

 

Com Paulo Celso Pereira. Colaborou Thiago Prado

O risco do populismo eleitoral

da Veja

Num surto demagógico, os deputados aumentam em 4 bilhões de reais 
os gastos com aposentados – e vem mais por aí


Diego Escosteguy

Fotos Pablo Valadares, Sergio Dutti/AE e Wilson Pedrosa/AE
ALIADOS NA GASTANÇA
A Força Sindical, do deputado Paulo Pereira da Silva, e o PMDB de Renan Calheiros avalizaram
a irresponsabilidade, que deve ser vetada pelo presidente Lula

Somam 323 os nobres parlamentares que, na tormentosa noite da terça-feira passada, ignoraram o equilíbrio das contas públicas, os apelos do governo e, sobretudo, o bom senso para aprovar duas medidas populistas que podem sangrar em 4 bilhões de reais por ano os cofres do estado brasileiro. Uma delas prevê um generoso reajuste de 7,7% aos aposentados que recebem acima de um salário mínimo, índice muito superior ao que o governo tem condições de pagar. A outra pôs fim ao fator previdenciário, cálculo que dificultava a aposentadoria antecipada dos trabalhadores e, com isso, minimizava a insolvência do sistema de aposentadoria público. O ruinoso projeto segue agora para o Senado. Lá, os peemedebistas Romero Jucá e Renan Calheiros, capitães do mato do governo, avisaram aos patrões que a proposta também passará docilmente. Caberá então ao presidente Lula a impopular porém necessária tarefa de vetar a medida – e ele já mandou dizer que, para preservar a solidez dos alicerces econômicos do país, assim o fará. Não se esperava menos do presidente. Nem, por outro lado, se esperava mais dos congressistas. Cedendo gostosamente às tentações populistas que grassam em tempos eleitorais, eles ainda preparam a votação de um bilionário pacote de tungas – que, se aprovadas pelo Congresso, podem causar uma inconcebível cratera de 26 bilhões de reais nas contas públicas.

Esse pacote compõe-se de projetos que estão prontos para ir a votação no plenário da Câmara e, não por acaso, beneficiam somente funcionários públicos, uma privilegiadíssima casta de 1 milhão de pessoas, que custam cerca de 100 bilhões de reais por ano ao país. Há criação de cargos de carreira e de confiança, funções comissionadas, reajustes, equiparações salariais – enfim, contempla-se todo o vernáculo burocrático que faz brilhar os olhos dos sindicalistas, que faturam politicamente esses ganhos junto aos seus filiados, mas que apavora os demais brasileiros – aqueles que acabam pagando a conta do lucro da companheirada. Está pronta para ir a plenário, por exemplo, a criação de quase 17 000 cargos no Judiciário e 5 000 no Executivo. Outros dois projetos estipulam reajustes fabulosos para todos os burocratas do Ministério Público e do Judiciário. Se essas propostas vierem a prosperar, para arcar com elas o país gastará a extraordinária quantia de 11 bilhões de reais por ano – o mesmo valor investido pelo governo em 2009 no Bolsa Família, o principal programa de distribuição de renda do país. Diz o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília: "O problema não é só criar novas despesas sem receita, mas também criar as despesas erradas. Devem-se privilegiar investimentos em áreas como infraestrutura, saúde, educação".

Entre os sortilégios prestes a se materializar no plenário da Câmara, constam aberrações indefensáveis, como a emenda à Constituição que acaba com os limites para o cálculo do adicional por tempo de serviço, proposta que pode sugar quase 10 bilhões de reais dos cofres públicos. Revela-se alarmante o fato de que os autores dessas propostas não são deputados radicais de partidos nanicos, nem opositores dispostos a prejudicar o governo de qualquer maneira: são parlamentares que compõem a base aliada. O fim do fator previdenciário resultou do esforço do senador Paulo Paim, do PT do Rio Grande do Sul. O deputado Arnaldo Faria de Sá, do PTB de São Paulo, patrocina a emenda que aumenta o salário dos policiais. Regis de Oliveira, outro governista, assina a proposta que ressuscita o adicional por tempo de serviço.

A autoria desses projetos, assim como a tranquila aprovação na semana passada do reajuste dos aposentados, reforça que a dita base aliada no Congresso só é aliada quando lhe convém – ou seja, na hora de nomear apadrinhados no governo e exigir a liberação de emendas ao Orçamento. Nos momentos em que a coerência programática deve prevalecer, prevalece, ao contrário, a lei da selva política: cada um faz o que melhor for para os seus interesses. Perto das eleições, quando os interesses dos parlamentares se resumem a manter-se no poder, as prioridades deles, naturalmente, aliam-se às prioridades de quem pode elegê-los. É nesses instantes que assoma a força das categorias articuladas politicamente, como os funcionários públicos. Eles formam a plateia que dobra o Congresso, porque dobrado o Congresso se deixa ser, de modo a continuar onde está.

De um modo ou de outro, a conta dessa farra será quitada pelos brasileiros que trabalham e pagam impostos. Se o Congresso aprovar essas medidas e o presidente sancioná-las, duas coisas poderão acontecer: o governo cortar investimentos necessários para o desenvolvimento do país ou aumentar impostos – ou, ainda pior, promover ambas. "Essa tendência de aprovar mais despesas é extremamente preocupante", afirma o economista José Matias Pereira, da Universidade de Brasília. "A conta não fecha. Não se pode gastar mais do que se ganha. Simples assim."

Sergio Lima/Folha Imagem/Folhapress
BEZERRA POLÍTICA
O líder do governo na Câmara,
Cândido Vaccarezza, berrou alto, 
mas foi incapaz de conter o aumento


Eraldo Peres/AP

Uma muambazinha não dói

da Veja

Grampos mostram o secretário da Justiça Romeu Tuma 
Júnior tentando comprar videogame em reduto de pirataria 
e revelam sua amizade com chinês acusado de contrabando


Laura Diniz

Andre Dusek/AE
"ASSESSOR ESPECIAL"
Paulo Li (de costas), com Lula e o ministro Tarso Genro: o convite para ir à solenidade partiu do amigo
Tuma Júnior, de quem o chinês era "assessor especial", segundo anuncia seu cartão de visita

O que acontece quando um secretário nacional de Justiça é pego em flagrante intimidade com alguém acusado de viver da pouco honrosa atividade de importar celulares baratos, etiquetá-los com marcas famosas e revendê-los como se legítimos fossem? E o que acontece se esse secretário, que é também presidente do Conselho Nacional de Combate à Pirataria, é gravado cotando o preço de uma muamba com a ajuda do mesmo amigo suspeito? A resposta é: não acontece nada. Ao menos até o presente momento, o delegado Romeu Tuma Júnior segue sua função como presidente do conselho cuja principal atribuição é definir os caminhos pelos quais o estado brasileiro vai combater o crime da pirataria. Não há dúvida de que ele entende do assunto.

Em 2008, a Polícia Federal começou a investigar uma quadrilha de contrabandistas chefiada pelo chinês Lee Kwok Kwen, conhecido como Paulo Li. A quadrilha movimentaria pelo menos 12 milhões de reais por ano. Ao longo dos trabalhos, os policiais depararam diversas vezes com telefonemas e e-mails para Li vindos de Tuma Júnior. Algumas dessas conversas, publicadas pelo jornal O Estado de S. Paulo, mostram o apreço que o secretário tinha pelo chinês, preso em setembro de 2009. Em um dos diálogos interceptados pela polícia, ele chega a convidar o amigo para dividir o mesmo quarto de hotel, numa viagem ao interior de São Paulo. "Assim, você não gasta em hospedagem", diz. Em outra gravação, Tuma Júnior aparece perguntando a Li se o videogame Wii está à venda "lá na Vinte e... lá na Paulista". O secretário se refere à Rua Vinte e Cinco de Março, em São Paulo, reduto de produtos piratas e contrabandeados, o mesmo tipo de comércio praticado numa conhecida galeria da Avenida Paulista. Tuma Júnior prossegue: "Dá pra saber quanto é que é? Eu preciso comprar pra Renata (sua filha), mas na Europa tava caro". Li diz que vai passar na loja para olhar, ao que Tuma responde: "Tá bom (...) Daí me fala, aí eu já levo o dinheiro pra você". Outras conversas sugerem também que o secretário prestava favores a Li, facilitando ou agilizando a liberação de vistos para imigrantes chineses. Em e-mails endereçados a Tuma Júnior, Li relaciona números de processos e lhe pede providências. Em julho passado, na cerimônia de sanção da lei de anistia a imigrantes ilegais, Tuma Júnior levou o amigo a Brasília. Li posou para foto ao lado do presidente Lula e do então ministro da Justiça, Tarso Genro.

Li não é íntimo apenas de Tuma Júnior, mas também de seu pai, o senador Romeu Tuma. Na década de 80, quando Tuma era superintendente da PF em São Paulo, ele dava aulas de kung fu aos policiais federais. Foi quando conheceu Tuma Júnior. Mais tarde, participou da eleição do amigo para deputado estadual e tornou-se seu assessor parlamentar. No dia em que Li foi preso, os policiais encontraram no escritório dele um cartão de visita que o apresentava como "assessor especial" da Secretaria Nacional de Justiça. O escândalo veio à tona na quarta-feira. No mesmo dia, o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, chamou o diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa, para lhe pedir um relatório sobre a participação do secretário no episódio. Parte da conversa foi presenciada pelo próprio Tuma Júnior. No dia seguinte, o ministro declarou que não iria "sair rifando as pessoas, condenando e executando a condenação em público".

O fato de o secretário continuar até agora no cargo pode ter outra explicação além da notória candura com que o governo do PT trata aliados flagrados em situações pouco republicanas. Tuma Júnior foi nomeado para a Pasta da Justiça mediante uma barganha que envolveu a ida de seu pai para o PTB, da base governista. Ocorre que, nestas eleições presidenciais, o partido ainda não definiu se vai ficar ao lado da candidata petista, Dilma Rousseff, ou se bandear para a arena do tucano José Serra – no nível estadual, o apoio ao PSDB já está praticamente acertado. Assim, quando o governo se empenha em blindar Tuma Júnior – "um homem que tem uma folha de serviços prestados a este país", nas palavras do presidente Lula –, está de olho no peso que Romeu Tuma tem dentro do PTB e na possibilidade de que o cacique o utilize em favor de Dilma Rousseff. Enquanto as negociações não se definem, a Secretaria Nacional de Justiça e o Conselho Nacional de Combate à Pirataria continuarão sob o comando de alguém que não vê nenhum problema em dividir um quarto com um sujeito enrolado com a Justiça e comprometido com a pirataria. Parece deboche? Pois é mesmo.

Fotos Sergio Dutti/AE e Ailton de Freitas/Ag. O Globo
BLINDAGEM
O governo sai em defesa de Tuma Júnior para tentar atrair Tuma pai (à esq.) e seu PTB para o palanque petista. Para o ministro Barreto (à esq), não se pode "sair rifando as pessoas"

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