Saturday, October 13, 2012

Cairam as pedras do muro, por Sandro Vaia


blog Noblat

Sim, o ex-presidente Lula tem razão: estamos preocupados com o Palmeiras ameaçado pelo fantasma da série B.
Mas ao contrário do que ele pensa e expõe na sutileza de sua metáfora, a gente sabe que se cair, levanta a cabeça, disputa a segundona com toda honra, e volta grande como sempre foi, e quem sabe com mais juízo e mais competência. Esse é o destino dos grandes.
É muito mais fácil manter a cabeça erguida com as infelicidades do futebol do que com uma condenação incontestável pela mais alta Corte do País por vários crimes de corrupção.
Por isso, a frase do ex-presidente é descabida e desrespeitosa para com a inteligência do brasileiro.
Se ele quis se referir especificamente à influência do julgamento do mensalão no resultado das eleições, pode estar lamentavelmente próximo da verdade.
Segundo uma medição da Datafolha – com todos os pés atrás que as pesquisas de opinião estão merecendo, principalmente em função da volatilidade da opinião pública- apenas 19% dos eleitores sofreria alguma influência dos resultados do julgamento do mensalão na escolha dos dirigentes municipais.
Acontece que a comprovação cabal da existência do mensalão e a consequente demolição da tese do “simples Caixa 2” por parte da Justiça, tem muito mais a ver com a construção dos fundamentos de um sistema politico ético para o futuro do que com o imediatismo do resultado eleitoral que conheceremos daqui a 20 dias.
Os comentários patéticos do ex-presidente, as cartas deprimentes dos condenados Dirceu e Genoino, as notas do partido e das suas linhas auxiliares, como a CUT, são um desrespeito às instituições democráticas e ao Estado de Direito.
O julgamento foi feito inteiramente dentro das regras do jogo democrático. Grande parte dos juízes da Corte foram nomeados pelos 3 últimos governos.
A única suspeição que pode ser arguida é exatamente sobre um dos juízes que mais absolveram.
Um juiz que trabalhou para um dos réus durante cinco anos. Foi seu subordinado funcional e esperava-se que em função disso se declarasse impedido de participar do julgamento. Mas participou e absolveu o mais vistoso dos acusados, exatamente seu ex-chefe.
A repercussão imediata do resultado do julgamento nas eleições é o que menos importa. A opinião pública, como observa César Maia, na base social, se cristaliza em ondas que requerem tempo.
Mudanças de hábitos e costumes políticos só se consolidam dentro de um tempo histórico.
Mas como as pedras do Muro de Berlim jamais serão recolocadas, os costumes políticos do Brasil, depois do episódio do Supremo, jamais serão os mesmos. A impunidade caiu, foi posta abaixo.


Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez. E.mail: svaia@uol.com.br

A omissão do Congresso - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 13/10


Como os parlamentares não decidiram até agora, e não dispõem mais de condições práticas de decidir até o fim do ano, quando termina o prazo que lhes foi dado, a Mesa do Senado Federal fará o que parecia impensável: pedir, sem nenhum fundamento legal, que o Supremo Tribunal Federal (STF) modifique uma decisão tomada há mais de dois anos e meio, pela qual a Casa deveria adotar, por lei, até 31 de dezembro, novas regras de repartição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE).

Só assim será possível evitar o congelamento, a partir de 1.º de janeiro de 2013, do dinheiro que compõe o FPE, formado por 21,5% da arrecadação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto de Renda (IR). É dinheiro essencial para manter em operação o serviço público em vários Estados. Neste ano, por exemplo, o FPE distribuirá R$ 55 bilhões aos Estados.

Ja é histórica a negligência com que o Congresso vem tratando da questão das regras para a divisão dos recursos do FPE. Esse fundo foi criado em 1965 e começou a distribuir os recursos em 1966, com o objetivo de reduzir as disparidades regionais do País. A Constituição de 1988 o incorporou. A Lei Complementar n.º 62, de dezembro de 1989, estabeleceu critérios provisórios para a reparticipação dos recursos. Novas regras deveriam ser estabelecidas até o fim de 1991, com base nos dados do Censo de 1990. Essas regras nunca foram aprovadas.

Atualmente, dos recursos do FPE, 85% vão para os Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste e 15% para os Estados do Sul e Sudeste. Estados com renda per capita menor têm direito a fatias maiores do Fundo. Descontentes com os critérios estabelecidos em 1989, por considerarem que eles não atendem mais à nova realidade econômica e social do País e prejudicam seus Estados, alguns governos estaduais entraram com Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) contra a Lei Complementar n.º 62.

Foi no julgamento dessas Adins que, em fevereiro de 2010, o STF declarou inconstitucional o artigo da lei complementar que define os critérios para a distribuição de recursos do FPE, mantendo, porém, sua vigência até 31 de dezembro de 2012, para que, até essa data, o Congresso definisse as novas regras. Se isso não for feito, o FPE não poderá ser repartido entre os Estados. A decisão do Supremo deveria forçar o Congresso a discutir e votar, com urgência, as novas regras, para evitar que alguns governos estaduais sejam obrigados a paralisar as suas atividades.

O FPE responde por cerca de 70% do orçamento de Estados como Amapá e Rondônia. Mesmo em Estados com mais recursos próprios, como a Bahia, o FPE representa quase 30% do orçamento. "É inadmissível, impensável, ficar sem o FPE", disse ao Estado (7/10) o secretário da Fazenda da Bahia, Luiz Alberto Petitinga. "O FPE não pode simplesmente acabar."

De fato, não pode, sem que seja substituído, ainda que transitoriamente, por alguma outra forma de redistribuição de recursos federais. Os parlamentares sabiam disso e sabiam que dispunham de um prazo razoável para decidir. No entanto, nada fizeram para cumpri-lo. Agora, não têm mais tempo.

"Politicamente, é impossível discutirmos um projeto, qualquer que seja ele, até o fim do ano", disse o senador Romero Jucá (PMDB-RR), coautor de um dos projetos sobre o assunto que tramitam no Senado. Há outros sete projetos modificando as regras do FPE, mas nenhum deles foi discutido nas comissões encarregadas de examiná-los. Só um já teve voto do relator escolhido por uma das comissões.

Agora, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e líderes dos partidos estão preparando uma carta na qual pedirão ao STF a prorrogação do prazo de validade das atuais regras de repartição do FPE. Um ministro do STF ouvido pelo Estado disse que a situação é "complexa" e observou que "nunca o País esteve diante de uma situação em que o Poder Legislativo solicita ao Poder Judiciário a prorrogação de uma decisão tomada com antecedência".

É a consequência prática - e vergonhosa - da irresponsável omissão do Congresso.

De quem é a culpa pelas condenações? - LEONARDO CAVALCANTI



CORREIO BRAZILIENSE - 13/10


“Quem não sofreu a servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso, não pode conceber o que são” Gabriel García Márquez, escritor colombiano

Um texto de Gabriel García Márquez trata o jornalismo como a melhor profissão do mundo. O manifesto — sim, é do que se trata — tornou-se um clássico entre os iniciados, mesmo que seja improvável algum rascunho do colombiano não ser considerado “um clássico” neste momento da vida. A carta é lida e relida nas faculdades e exaltada por quem ainda guarda entusiasmo pelo ofício de contar boas histórias. O artigo, ou pelo menos parte dele, deveria estar afixado na mesa de trabalho dos repórteres. Muitos, entretanto, o guardam na memória e são capazes de recitar alguns pedaços.

Um dos trechos do documento diz mais ou menos o seguinte: quem se aborrece em falar sobre reportagens até pode acreditar ser jornalista, mas não o é. Repórteres de verdade são quase monotemáticos, discutem apuração, comparam matérias, se desesperam quando levam um furo da concorrência, antes mesmo de serem cobrados pelo chefe. Iniciado ontem, em São Paulo, um encontro propõe o debate durante cinco dias.

O evento é o 68º promovido pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Mais do que uma discussão sobre modelos sustentáveis de negócios — a agenda tem partes empresariais, evidentemente — o encontro discutirá a importância dos jornais para a sociedade. Entre os palestrantes, a presidente Dilma Rousseff, até a noite de quinta-feira ainda sem confirmação pelo Palácio do Planalto, e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, além do ex-presidente do Peru Alan Garcia e representantes de entidades de direitos humanos. Ali, os maiores veículos de comunicação terão representantes – incluindo este Correio.

O encontro de jornalistas ocorre em meio a ataques de políticos e autoridades à imprensa. O caso mais recente é o dos mensaleiros, que, depois e mesmo antes de condenados, escolheram a mídia como uma das responsáveis pelo desfecho do julgamento. Os argumentos são fracos, por mais que defensores dos petistas considerados culpados possam considerar injusto o processo do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Não estou aqui a analisar quem deveria ou não ser condenado, por mais que a opinião fosse legítima, como pode ser a de qualquer um, sem diferença de credo ou cor partidária.

Poucos minutos depois de ser condenado pela maioria do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), naquela tarde de terça-feira, o ex-ministro José Dirceu publicou uma nota no blog. Ainda pela manhã havia uma expectativa positiva — pelo menos entre os aliados do petista — de que o homem respondesse em alto estilo à condenação, por mais que algo já não adiantasse muito, considerando o respeito pelos prazos de defesa, por exemplo. O texto publicado, entretanto, foi um tanto vago, pelo menos na parte das críticas à imprensa. Apesar de simbólico, por conta do resultado, pouco ou nada acrescentou.

Aos fatos, ou melhor, às linhas de Dirceu. O ex-ministro cita a mídia e imprensa duas vezes. Na primeira, diz ter havido uma ação orquestrada pelos que se opõem ao PT que o transformou em inimigo número um. E diz que o acusam, diariamente pela mídia, de corrupto e chefe de quadrilha. Aqui, o argumento é razoável, afinal, como um dos homens mais poderosos do país na época do governo Lula, Dirceu foi citado em artigos e declarações dos maiores jornais do país. Foi, portanto, atacado e defendido, por mais que se diga mais atacado. É a teoria do escândalo político, quanto mais evidência, mais combustão.

O outro momento do texto faço questão de citar entre aspas. “Hoje, a Suprema Corte do meu país, sob forte pressão da imprensa, me condena como corruptor, contrário ao que dizem os autos, que clamam por justiça e registram, para sempre, a ausência de provas e a minha inocência.” A generalidade aqui surpreende. Questionar a ausência de provas e clamar pela própria inocência são argumentos legítimos. Não apenas Dirceu fez isso, mas também articulistas e jornalistas da chamada “grande imprensa”. Aliás, tal discussão ainda está aberta, com gente qualificada em lados opostos.

Outra coisa, porém, é atribuir à imprensa pressão suficiente para convencer oito ministros — parte indicada por Lula e Dilma — a condená-lo. Isso é desmerecer a própria Corte ou marcar posição para a plateia, sem estabelecer elementos ao debate. O mesmo poderia ser dito sobre os ataques nas redes contra o ministro Joaquim Barbosa e a suposta perseguição a petistas. Ao afirmar ao jornal Folha de S.Paulo que votou em Lula e em Dilma, Barbosa deu um nó na cabeça dos acusadores, que o acharam com tendências tucanas. Ao escolher um candidato, não se precisa defender todos os aliados em qualquer circunstância, pois.

Nas mansões do Supremo e do Divino - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA


Era uma manhã de sol na praia deserta de Geribá, em Búzios, bem cedo. Ano 2005. José Dirceu fazia exercícios na areia. Em forma, bronzeado. Acabara de cair da chefia da Casa Civil do governo Lula, acusado de mandante do mensalão. Perguntei, como uma banhista qualquer: “Como vai a vida, ministro?”. “Vai bem”, respondeu ele com um sorriso, “enquanto a imprensa não me descobrir aqui”. 

Mesmo destituído do poder oficial, não temia cair em desgraça. Jamais suporia, em seu pior pesadelo, que sete anos depois teria de encarar a execração pública, condenado como um criminoso na mansão do Supremo. Dirceu virou Zé, um vilão do folhetim político brasileiro, o “mandante de um golpe contra a democracia”. Mas se considera uma vítima. 

Na mansão do Divino, a vilã Carminha foi condenada e chamada de vagabunda. O capítulo em que a personagem de Adriana Esteves foi desmascarada coincidiu com um imenso salto de consumo de energia elétrica. Se o ápice do julgamento na mansão do Supremo era o destino de José Dirceu, na fictícia Avenida Brasil o clímax chegou antes do fim. 

O que acontecerá agora na novela é secundário, diante da catarse nos sofás brasileiros com a execração de Carminha, a vilã que manipulava todos, filhos, amantes, marido, parentes, empregadas, amigos e inimigos. Manipulava com propina e lábia. Comprava apoio, conspirava, iludia e dava a volta por cima. Foi quase linchada. Mas se considera uma vítima. 

Tanto Dirceu quanto Carminha caíram sem abaixar a cabeça, atirando “contra a covardia moral e a hipocrisia”. O autor de Avenida Brasil, João Emanuel Carneiro, já disse que gosta de humanizar vilões, mostrar que ninguém nasce mau. Carminha repetiu mil vezes na trama: “Não sou vilã, sou vítima, vocês vão ver”. Quando percebeu que seu discurso de heroína não convencia mais, apontou o dedo para os malfeitos de toda a família. Dirceu, por enquanto, só apontou o dedo para a imprensa. Divulgou em seu blog uma carta “ao povo brasileiro”, numa clara alusão a Lula, que também escreveu, em junho de 2002, uma “carta ao povo brasileiro” como candidato do PT à Presidência da República. 

No documento, Dirceu afirma que, desde 2005, “em ação orquestrada e dirigida pelos que se opõem ao PT e seu governo”, foi transformado pela mídia em “inimigo público número 1”. Na visão de Dirceu, o Supremo o condenou como corruptor e chefe de quadrilha “sob forte pressão da imprensa”. Não foi mais longe que isso. Mais uma vez, os interesses do PT e de Lula – nas eleições, e especialmente em São Paulo – se sobrepõem a seu drama pessoal, sua reputação. Internamente, no PT, não existe o vilão Dirceu. Ele é um herói das cores do Partido com letra maiúscula. Não é dedo-duro. Foi ovacionado pelos companheiros. 

Oficialmente, Dirceu foi chefe da Casa Civil, mas essa era sua face palaciana e festiva. Na vida real, era muito mais – e continua sendo. O confidente-mor de Lula, seu companheiro mais querido, mais fogoso e poderoso. O guerrilheiro que mudou o rosto para não mudar as convicções. O que mentiu até para a família para continuar, clandestino, em seu país. Coisa de novela. No governo Lula, Dirceu era o braço direito do presidente, o homem forte, a eminência parda que falava grosso, o ideólogo do PT. 

Agora, Dirceu foi condenado pelo Supremo como “o mandante de crimes cometidos na intimidade das organizações do governo”. Como o artífice de um projeto de poder que visava sufocar críticas e se perpetuar no Brasil. Um projeto totalitário, um golpe contra a democracia apoiado por políticos de outros partidos, “propinados e corrompidos”. É forte. 
Em 2005, convencido de que suas relações e costas quentes o livrariam de um processo exemplar e épico como o de agora, José Dirceu disse textualmente sobre Lula: “Não faço nada que não seja de comum acordo e determinado por ele”. 

Alguém duvida? Carlos Lessa, economista e ex-presidente do BNDES no governo Lula, afirmou ao jornal O Globo: “Lamento por Dirceu, o mais preparado e brilhante do PT. Foi onipotente, ignorou a ética na construção de apoio. O mensalão fere a democracia. Mas sou contra crucificá-lo. E Lula, claro, sabia de tudo”. Para Lula, é bom lembrar, tudo que está sendo julgado no Supremo não passa de “uma farsa”. 

Na ficção de verdade, com atores pagos, os últimos capítulos deverão mostrar que a vilã Carminha teve um mestre, um modelo e um mentor: seu pai, Santiago, que posava de bonzinho na trama. A verdadeira face de Santiago é outra. Um ladrão de joias, um receptador. Bandidos entregam os objetos roubados dentro das bonecas que Santiago diz consertar. 

A História dirá se Dirceu pensou e agiu sozinho ou se deve sua glória e tragédia a alguém acima dele.

A Constituição não se subordina a tratados - CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO



FOLHA DE SP - 13/10



Condenados na ação penal do mensalão dizem que vão recorrer à Corte da OEA da decisão do STF, porque não lhes foi garantido o duplo grau de jurisdição.
Indaga-se: a Corte da OEA poderia interferir, no caso?
A Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, ratificada pelo Brasil e incorporada ao direito brasileiro, estatui que são competentes para conhecer de assuntos, relacionados com o cumprimento do pacto, a Comissão e a Corte Interamericanas de Direitos Humanos (artigo 33).
A comissão é como que uma primeira instância da corte. Qualquer pessoa pode apresentar a ela queixas de violação da convenção por um Estado-parte. Ao cabo do processo, a comissão apresentará relatório. Não solucionado o assunto, a comissão fixa prazo ao Estado a fim de adotar medidas para remediar a situação. Esgotado o processo de competência da comissão, Estados-partes ou a própria comissão podem submeter o caso à decisão da Corte (artigos 48-50, artigo 61).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos assenta que as pessoas têm direito de receber dos tribunais nacionais competentes remédio para os atos que violem direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela Constituição ou pela lei (artigo 8º). Nessa linha, o Pacto de São José da Costa Rica assegura aos acusados o direito de recorrer a juiz ou tribunal superior (artigo 8º, h). E que todos têm direito a recurso perante juízes ou tribunais competentes (art. 25).
Verifica-se que a Convenção preocupa-se em assegurar medidas judiciais que tolham o desrespeito aos direitos fundamentais. Todavia, o pacto não impõe o duplo grau de jurisdição, dado que há de ser observado, no ponto, o direito interno. No Brasil, há pluralidade dos graus de jurisdição, exercida na forma do disposto na Constituição e nas leis processuais.
Ora, a Constituição estabelece a competência originária do Supremo Tribunal para o processo e julgamento dos agentes públicos que ela menciona (artigo 101, b, c). O Pacto de São José assegura o direito de recorrer a juiz ou tribunal superior. No caso, entretanto, tem-se julgamento pela Corte Suprema, que é mais do que tribunal superior.
O entendimento de que o pacto, nos artigos 8, h e 25, obrigaria os Estados a prover, no caso, duplo grau de jurisdição, constituiria interpretação extensiva da Convenção. A doutrina internacional, porém, adota, de regra, a interpretação restritiva dos tratados, principalmente quando a interpretação extensiva tiver como consequência limitações à soberania estatal ou a submissão do Estado a uma jurisdição internacional, arbitral ou permanente.
Observa Francisco Rezek (em "Direito Internacional", p. 95), do que não destoa C. Rousseau ("Droit International Public" p. 64), que existe um "reconhecimento geral de que a interpretação restritiva impõe o respeito às cláusulas que limitam, de algum modo, a soberania dos Estados."
É certo, escrevi alhures, que o Brasil aceitou a jurisdição da Corte de Direitos Humanos da OEA. Todavia, o Brasil, cônscio de sua soberania, não se comprometeu, no Pacto de São José, a subordinar os órgãos do seu governo à Comissão ou à Corte da OEA.
No caso, a pretensão seria, na verdade, de subordinação da Constituição à convenção, quando é de elementar saber que aquela constitui o ápice da pirâmide legal (Kelsen).
É fácil concluir, portanto, pela resposta negativa à indagação formulada

Novas regras para sindicatos - EDITORIAL O ESTADÃO



O Estado de S.Paulo - 13/10


Com o estabelecimento de regras mais rigorosas para a concessão do registro de novos sindicatos, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) tentará corrigir uma anomalia por ele mesmo criada e que, por facilitar o funcionamento regular de novas entidades de representação de empregados e empregadores, vinha causando mais deformidades à estrutura sindical brasileira.

Por causa da leniência com que o MTE tratou da questão em gestões anteriores, houve uma farra de reconhecimentos de organizações sindicais. Nos últimos cinco anos, foram registrados 1.378 novos sindicatos, a imensa maioria representante de categorias profissionais, isto é, de empregados, numa média de um registro por dia útil.

É possível que parte das novas organizações atenda uma parcela dos trabalhadores que não estava adequadamente representada. Mas é certo que boa parte delas veio acentuar um dos aspectos mais nocivos da estrutura sindical brasileira, que é a existência de sindicatos fantasmas. São os sindicatos sem sindicalizados, sem vínculo com os trabalhadores e que existem apenas para permitir que seus dirigentes se apropriem de uma fatia do imposto sindical, sem necessidade de prestar contas a suas bases nem a órgãos públicos.

Agora, parece que o próprio Ministério quer mudar isso, para que os novos sindicatos nasçam da decisão de um número mínimo de trabalhadores da base e não apenas do pedido de um grupo restrito de pessoas, como ocorre no momento - que os sindicatos, enfim, tenham representatividade e cumpram o papel para o qual serão criados.

A mudança não será simples, pois envolve questões constitucionais e políticas. No plano político, o ministro do Trabalho, Brizola Neto, vem mantendo encontros com dirigentes de organizações sindicais de trabalhadores e de empresários para discutir as novas regras do registro sindical, por ele prometidas pouco depois de assumir o cargo, em maio último. A ideia de mudança foi bem recebida, pois as regras atuais estão sendo questionadas por patrões e empregados, até mesmo por meio de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) em tramitação no STF. Mas as propostas de novas regras que agradam a uma parte das entidades sindicais poderão ser contestadas por outras.

Embora assegure a liberdade de associação profissional ou sindical, estabeleça que a lei não poderá exigir autorização do Estado brasileiro para a fundação de um sindicato e vede a interferência e a intervenção do Poder Público na organização sindical, a Constituição de 1988 estabelece também que, para funcionar, o sindicato precisar ter "o registro no órgão competente".

Assim, o surgimento de uma entidade sindical ocorre em dois momentos, o da criação, livre, e o de seu registro, que compete a um órgão do governo. Como não há lei específica para sanar dúvidas, em 2003 o STF aprovou a Súmula 677, dando ao MTE a incumbência de "proceder ao registro das entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da unicidade" (isto é, da existência de apenas um sindicato por categoria profissional na mesma base territorial), "até que lei venha a dispor a respeito".

Para desincumbir-se dessa tarefa, o MTE baixou, em 2008, a Portaria 186, que abriu caminho para a onda de criação de sindicatos, ao permitir a existência de várias entidades sindicais de uma mesma categoria na mesma base. A portaria foi contestada no STF por 11 confederações de trabalhadores e por várias confederações patronais. Para os autores das Adins, a portaria fere princípios constitucionais como o da não interferência na organização sindical, o da unicidade sindical e do sistema de representação sindical e o da legalidade.

Além de eliminar as falhas da portaria atual, o MTE quer estabelecer critérios mais rigorosos para o registro de novos sindicatos, como a exigência de comprovação de que a entidade foi criada em assembleia de trabalhadores e sua diretoria, eleita. Deverá ser elaborada uma nova tabela de categorias profissionais, para limitar o desmembramento de sindicatos ou a criação de sindicatos da mesma categoria na mesma base.

Eleições - SÉRGIO TELLES


O Estado de S.Paulo - 13/10


À primeira vista, pode-se pensar que chegar ao poder e usufruir suas benesses sejam desejos universais compartilhados por todos. Freud não pensava assim. Para ele, a maioria das pessoas gosta de obedecer a ordens e poucos são os que querem a posição de liderança e exercer o mando. Uma explicação possível seria o desejo de reconstituir a situação infantil, na qual pais fortes e poderosos tomam as decisões, cuidam, protegem e amam os filhos num ambiente seguro por eles construído. A maioria ocupa inconscientemente o lugar de filhos indefesos. A minoria que gosta de mandar está identificada com os pais poderosos e, assim, não tem medo de assumir e exercer o poder.

Além de se apoiarem, é claro, num forte aparelho repressivo que garante pela violência a imposição de suas deliberações, os regimes totalitários e as ditaduras contam com a secreta anuência das massas alienadas nessa posição infantil, motivo pelo qual prazerosamente se deixam guiar pelo Führer (Hitler), pelo Paizinho (Stalin), por generais, aiatolás e outras figuras que ostentam de forma excessiva as insígnias paternas, ultrapassando os limites do grotesco, do caricato.

Por ter raízes inconscientes, esse desejo das massas permanece inalterado mesmo nas democracias, apenas se expressando de outra forma devido às fundamentais diferenças entre os regimes. Aqui, os "pais" não se impõem pela força bruta. Pelo contrário, são escolhidos pelas massas, que antes de fazê-lo são submetidas por eles a um cuidadoso processo de sedução.

Em nossos dias, a propaganda política adota as técnicas de vendas próprias da sociedade de consumo. Nas campanhas eleitorais, as propostas de governo passam a ter um peso relativo, pois o que importa são as sondagens de opinião pública. Através delas, os candidatos descobrem os desejos, as expectativas e fantasias do eleitorado e moldam suas imagens de modo a satisfazer tais anseios. Instala-se um circuito especular, no qual o eleitor termina por escolher uma figura fictícia criada por ele mesmo, uma construção imaginária, ideal.

Constatamos que o processo democrático não é regido exclusivamente pela suposta e desejada racionalidade, seus procedimentos são infiltrados pela irracionalidade dos desejos inconscientes. Como vimos, a própria disposição para participar ativamente nos processos democráticos esbarra no desejo infantil de obedecer e cumprir ordens, que vai condicionar também a escolha dos que vão ocupar o poder. A isso se acrescentam os engodos criados pela imagem dos candidatos plasmada pelas pesquisas de opinião. A fantasia inconsciente também pode comprometer a elaboração dos programas de governo e das leis a serem estabelecidas, afastando-os do razoável ou da realidade, com resultados danosos para todos.

A irracionalidade dos elementos inconscientes que permeia os processos democráticos é um problema que não deve ser negado, mas tampouco deve surpreender ou assustar. A irracionalidade é uma característica inerente do ser humano e pode se manifestar em todos os seus atos. É justamente tomando consciência dessa peculiaridade e analisando os fatores que a desencadeiam que podemos combatê-la com os recursos racionais que também dispomos. Somente assim teremos eleitores maduros e responsáveis, cientes de terem delegado temporariamente a seus representantes um poder do qual eles terão de prestar conta em um determinado momento, e não figuras paternas que irão assumir definitivamente a gestão da coisa pública.

É por reconhecer a democracia como a forma mais avançada de organização política já alcançada que se faz necessário defendê-la, aperfeiçoá-la, procurando sanar essas e demais dificuldades que a constranjam, visando a deixá-la mais forte e resistente contra seus inimigos.

Entre esses inimigos é necessário mencionar a plutocracia. Ela corrompe e perverte os procedimentos democráticos ao financiar representantes que defendem seus interesses, quase sempre contrários aos da sociedade como um todo.

Vejo-me pensando nas vicissitudes da democracia em meio do processo eleitoral de São Paulo, quando se arma uma espécie de batalha do Armagedon entre o PT e o PSDB, esses dois partidos que, por seu ideário, poderiam ter somado suas forças no fim da Ditadura, mas que, num típico episódio de narcisismo das pequenas diferenças, voltaram as costas um para o outro e se aliaram com o mais retrógrado e arcaico no panorama político do País.

A disputa pela Prefeitura adquire uma dimensão simbólica em função da histórica atuação do STF ao condenar os réus do mensalão. Perplexo, o PT se volta para a conquista de São Paulo como uma forma de resgatar um pouco de autoestima.

O homem, esse mistério - DOM ODILO P. SCHERER


O Estado de S.Paulo - 13/10


No dia 11 de outubro passado, a Praça de São Pedro recordou um dos momentos memoráveis da história da Igreja Católica no século 20: a abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II, realizada nesse mesmo dia de outubro em 1962. Um dos pontos salientes do concílio foi a sua rica antropologia, que recolheu o pensamento cristão amadurecido durante séculos e que desejo retratar aqui, com breves acenos.

Entre as primeiras perguntas da filosofia estão as que se referem ao próprio homem. Quem, afinal, é o homem? Que sentido tem sua vida? Quanto vale cada ser humano em particular?

As guerras e as tragédias humanitárias da primeira metade do século 20 haviam ferido e desfigurado profundamente a imagem do ser humano, que precisava ser restaurada. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, da ONU, representou uma síntese do esforço comum feito pela comunidade política, para afirmar a dignidade e os direitos humanos; para ela contribuíram varias correntes do pensamento filosófico e religioso da humanidade, incluindo o pensamento católico.

O Concílio Vaticano II, porém, deu origem a uma verdadeira "virada antropológica" na reflexão teológica e filosófica católica e na própria vida prática da Igreja; e isso foi traduzido numa atenção muito especial para com o ser humano. Não é que a Igreja Católica, enquanto religião, tenha deixado de lado Deus como referencial primeiro e último da religião: ao contrário, foi por causa de sua convicção sobre Deus, e por levar Deus plenamente a sério, que a Igreja passou mais às consequências de sua fé no trato com o ser humano. O próprio ensinamento de Jesus já resumiu toda a Lei de Deus no duplo e inseparável amor: a Deus e ao próximo. E o apóstolo São João questionava com veemência quem já o havia esquecido: "Irmãos, como pode alguém dizer que ama a Deus, a quem não vê, se não ama ao próximo, que vê?"

A antropologia decorrente da fé cristã vem dos textos bíblicos, nos quais se aprende que Deus tem um olhar de predileção por todo ser humano; tendo-o criado "à sua imagem e semelhança", confiou-lhe também parte da responsabilidade sobre o "jardim", onde se encontra toda sorte de criaturas. O próprio homem, tomando consciência da distinção com que é tratado pelo Criador no meio das demais criaturas, cheio de estupor, numa noite de céu estrelado, exclama: "Senhor, como é grande o vosso nome em todo o universo! Que é o homem, para que dele vos lembreis? Um filho de homem, para que vos ocupeis com ele tanto assim?!" (cf. Sl 8).

A síntese da antropologia cristã foi expressa de maneira singular na Constituição Pastoral Gaudium et Spes (n.º 22), do Concílio Vaticano II, e recebeu grande contribuição de filósofos, como Jacques Maritain e Edith Stein, e teólogos, como Henri Delubac e Hans Urs Von Balthasar. Nela foi trazida novamente à tona a sua fonte inspiradora e referência primeira, que é o mistério da "humanidade de Deus", manifestado ao mundo em Jesus Cristo. Já perguntavam os teólogos antigos: por que o Filho de Deus se fez homem? E a resposta mais extraordinária é esta: por puro amor ao homem e para lhe mostrar quanto valor ele tem.

O papa João Paulo II gostava de repetir esta afirmação do concílio: "Em Jesus Cristo, Deus revelou plenamente o homem ao próprio homem!". A fé cristã, por isso, tem um conceito muito elevado do ser humano, base para a afirmação de sua dignidade e de seus direitos inalienáveis.

Nada do que é autenticamente humano deixa de ter importância para a relação do homem com Deus; e os seus anseios de liberdade, paz, felicidade e realização plena devem ser levados plenamente a sério.

Cada ser humano é pessoa, é única e irrepetível. E cada pessoa é uma consciência, uma liberdade, uma individualidade, uma subjetividade. Nada mais contrário à visão cristã do ser humano do que a massificação despersonalizante, em que os seres humanos somam números, em vez de rostos, e são apenas representados em estatísticas. Nem corresponde à visão cristã do homem que sua força motivadora maior seja a inimizade contra o outro homem - "homo homini lupus".

Cada ser humano tem uma história pessoal e uma contribuição a dar ao bem comum. O amor é, de fato, a força maior que une e harmoniza as relações humanas.

Algumas vertentes do pensamento moderno e contemporâneo têm Deus como o grande obstáculo à felicidade do homem, que, por isso, deveria tirá-lo de seu caminho para ser feliz. Para a antropologia cristã, ao contrário, Deus é a condição de possibilidade para o sentido da existência humana; sem a referência a Deus o homem permanece um enigma, fechado na estreiteza de seu próprio horizonte, nunca suficientemente largo e luminoso para justificar suas aspirações e sua busca de felicidade.

O homem não é fruto de um acaso cego, mas deve sua origem a um querer amoroso de Deus; nem é prisioneiro de forças externas que o enredam em tramas favoráveis ou adversas, das quais ele não se pode livrar. Ele é livre e capaz de viver com sentido e de alcançar a felicidade e a paz, quando acolhe o desígnio de Deus e colabora de maneira responsável na sua obra, quer na vida pessoal, quer na vida social e no cuidado do mundo. O homem é chamado a ser colaborador livre e responsável com Deus, e aqui está o fundamento último da vida moral.

A vida do homem não se esgota neste mundo, feito ainda de realidades contingentes e precárias - ele próprio também está sujeito a essa precariedade -, mas é chamado à vida em plenitude, junto de Deus. De fato, desde agora, o homem já é capaz de acolher a manifestação de Deus, conhecendo de alguma forma o seu ser, o seu desígnio de amor e salvação, e de se sintonizar com ele.

E aqui está o fundamento maior de sua dignidade.

Na mira da OMC - EDITORIAL O ESTADÃO



O Estado de S.Paulo - 13/10


Nem todas as medidas adotadas pelo governo brasileiro para proteger a produção nacional ferem as regras do comércio internacional, mas nem todas estão inteiramente de acordo com as normas e, assim, livres de contestações formais na Organização Mundial do Comércio (OMC) que podem resultar em alguma forma de sanção. Todas, porém, têm sido alvo de críticas cada vez mais acerbas dos principais parceiros comerciais do Brasil, pois afetam o livre fluxo de bens e serviços, o que tem forçado o governo brasileiro, em alguns momentos, a elevar o tom para tentar justificar suas decisões. Nem assim, porém, o Brasil tem conseguido convencer os críticos.

"A atitude do Brasil manda um sinal negativo e deve afetar o fluxo de investimentos diretos para o País", advertiu a União Europeia na reunião do Comitê de Investimentos da OMC realizada em Genebra. A crítica - acompanhada da ameaça velada de suspensão de investimentos - se referia ao fato de que medidas de proteção da indústria brasileira anunciadas como temporárias e de emergência tendem a se perenizar.

Uma das decisões do governo brasileiro mais criticadas na OMC foi a imposição de alíquotas diferenciadas do IPI para os automóveis, com aumento de até 30 pontos para aqueles com menos de 65% de conteúdo nacional. Essa medida, de acordo com seus críticos, é discriminatória e, por isso, passível de sanção pela OMC.

Também representantes dos Estados Unidos, do Japão e da Austrália na OMC criticaram o aumento da taxação dos automóveis estrangeiros no mercado brasileiro, bem como a exigência de pelo menos 60% de conteúdo nacional para as empresas poderem participar dos leilões para telefonia de quarta geração (4G), o primeiro dos quais foi realizado em junho.

Em geral, o governo brasileiro tem respondido às críticas com acusações. Tem dito, por exemplo, que os países ricos também são protecionistas, sobretudo na agricultura. Quanto aos Estados Unidos, a crítica da presidente Dilma Rousseff - e repetida por ela no discurso de abertura da Cúpula América do Sul-Países Árabes realizada em Lima, no Peru - é ao que chamou de "tsunami monetário", que desvaloriza o dólar e, assim, torna os produtos americanos mais competitivos, constituindo o que ela considera um "protecionismo disfarçado".

Já a diplomata Márcia Donner Abreu, respondendo às críticas na reunião do Comitê de Investimentos da OMC, afirmou que as medidas tomadas pelo governo brasileiro não são discriminatórias, atendem às regras do comércio internacional e se destinam a melhorar a competitividade do Brasil. O representante americano reagiu com ironia, perguntando se conteúdo nacional implicava uma "tecnologia brasileira", e como seria definida essa tecnologia.

São variadas as medidas protecionistas que o Brasil passou a utilizar nos últimos tempos, sob a alegação de que elas são necessárias para evitar danos à economia decorrente do súbito aumento das importações. Entre elas estão o aumento das tarifas de IPI, das tarifas do Imposto de Importação para 100 produtos (ainda que dentro dos limites permitidos pela OMC), a inclusão proximamente de mais 100 itens na lista dos que terão sua taxação elevada e aumento do rigor dos controles administrativos e da fiscalização, que retardam a entrada de produtos estrangeiros no País.

A prática deverá demonstrar que medidas como essas não compensam as dificuldades crescentes que, por causa delas, o País enfrenta no relacionamento com seus principais parceiros comerciais nem são eficazes para melhorar a produção interna. Por enquanto, o descontentamento dos principais parceiros com as medidas protecionistas tomadas pelo Brasil tem se limitado aos questionamentos cada vez mais frequentes e mais enfáticos na OMC. No plano interno, porém, o aumento do protecionismo torna o setor produtivo mais acomodado e cada vez menos disposto a se modernizar, buscar mais eficiência e oferecer ao consumidor brasileiro bens de qualidade internacional.

O País já viu isso acontecer - e pagou caro

Joaquim Barbosa: presidente - WALTER CENEVIVA


Joaquim Barbosa: presidente - WALTER CENEVIVA

FOLHA DE SP - 13/10


A auspiciosa nomeação de um presidente negro para o STF é ótima como simbologia das transformações sociais


O ARTIGO 5º da Constituição começa com o enunciado de uma verdade jurídica, mas uma inverdade material: "todos são iguais perante a lei". Será verdadeiro se o lermos como esperança de um vir a ser, compondo programa igualitário para todos os que aqui vivem, com "inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade". O artigo 5º é mais do que ordem jurídica -é uma "norma programática", conforme ensinam os mestres. Retrata a esperança de aprimoramento das condições sociais dos que vivem aqui, para alcançarem realização plena.

Nesse quadro a auspiciosa nomeação de um presidente negro para o STF (Supremo Tribunal Federal) é boa em si mesma, pelas qualidades que o ministro Joaquim Barbosa já demonstrou no tratamento do direito e no trabalho que tem desenvolvido. É, porém, ótima na simbologia das transformações sociais pelas quais estamos passando. Seu acesso à presidência dá o indício fundamental: a substituição dos dirigentes do STF, segundo o tempo na mesma função permite, no restrito grupo de 11 magistrados, com revezamento de estilos, convicções e mando.

É evidente, porém, que o caso do ministro Barbosa acrescenta, além do toque da novidade, o preenchimento de um lugar que, desde a criação da Constituição imperial, sob Pedro 1º, foi submetido a duas reservas específicas: só para homens e só para brancos. A lei de então incluiu na capital brasileira (o Rio de Janeiro) um "Supremo Tribunal de Justiça, composto por 11 juízes letrados...", sem fazer referência à cor.

"Letrado" caiu em desuso, mas no começo do século 19 indicava o grande conhecedor do direito. A exigência constitucional de hoje requer "notável saber jurídico e reputação ilibada", permitida a escolha pelo presidente da República, sem distinção de sexo, com aprovação do candidato pelo Senado Federal.

É confortante ver a evolução, embora lenta. Nas dezenas de tribunais brasileiros, tanto na área federal quanto na estadual, o número de presidentes negros é muito pequeno. Ainda predomina o sexo masculino, mas já se está no ritmo do equilíbrio entre homens e mulheres. As antigas resistências à presença feminina nos serviços da Justiça, que pareciam irremovíveis até a segunda metade do século 20, hoje são encaradas como passadismo pré-histórico.

Nesse perfil histórico, o ingresso de Joaquim Barbosa na Corte Suprema se fez credenciado por títulos de pós-graduação no país e no exterior, tendo feito carreira no Ministério Público Federal. É o 44º presidente do STF, depois da proclamação da República, sendo o oitavo mineiro a chegar ao cargo, conforme o decano do tribunal, ministro José Celso de Mello Filho, informou no discurso de saudação. A conduta de Barbosa no processo do "mensalão" sugere que está pronto para os embates da presidência.

A escolha simultânea do ministro Ricardo Lewandowski para vice-presidente gerou alguma preocupação, pois ele e Barbosa tiveram discordâncias ásperas no exame dos processos. A preocupação está abrandada, pois ambos receberam nove votos de dez votantes, a indicar que cada um dos eleitos escolheu o outro. Foi bom prenúncio, da parte de ambos, para os ajustes das responsabilidades recíprocas na chefia do tribunal.

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