Wednesday, December 02, 2009

PAULO RABELLO DE CASTRO O modelo de alta gastança em 2010

Folha de S Paulo


Na raiz do defeito de fabricação do modelo de crescimento brasileiro está o disparate dos gastos públicos correntes

COM A virada de 2009, Lula e o Brasil vêm de fato merecendo a exclamação histórica de Obama: "Esse é o cara!". Os mercados também estão repetindo: "Essa é a bola da vez!". E as seguidas valorizações de papéis e ativos produtivos, desde o início do ano, parecem comprovar que a boa fase da economia brasileira veio para ficar.
Há, de fato, razões objetivas para o otimismo reinante. Primeiro, o fator diferencial: enquanto muitos vão péssimo, o Brasil se destaca por ter retomado a marca do PIB pré-crise.
Segundo, pelo fator China, pois, enquanto esta continuar pedalando sua torrente de empréstimos e o sistema bancário deles resistir, estará assegurada a demanda que sustenta os preços de nossas commodities. E lá vamos nós!
Terceiro, a bolhinha do nosso crédito doméstico. Pelo quarto ano consecutivo, a expansão do crédito pessoal, público e para empresas crescerá pelo menos o dobro do ritmo da produção interna. Consumo e importações crescem em escalada.
Por último, sobe o gasto público, também ao dobro da expansão do PIB, com ênfase na despesa corrente. O Congresso aproveitou para contratar despesas de pessoal que acrescentam entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões anuais aos futuros Orçamentos. É uma festa contagiante.
Os fiscalistas de plantão, mal-humorados, querem estragar o ambiente, lembrando que esse "modelo" de gastança pode estar contratando novo estancamento da economia mais à frente. Essa é a última coisa que gostaríamos de ver no horizonte. Entretanto, alguns sinais desalentadores indicam a importância do alerta. A dívida bruta do setor público voltou à casa dos 70% do PIB. Como os atuais juros são de um dígito, o reflexo financeiro sobre o endividamento é moderado.
Mas, se o BC precisar elevar a taxa básica, o custo da dívida subirá rapidamente, comprometendo o minguante superavit primário. Este, por sua vez, ficou praticamente zerado com as medidas, corretas, aliás, de correção anticíclica. A má notícia é a forte elevação do deficit fiscal total para mais de 4% do PIB. Foram gastos correntes, estéreis do ponto de vista de ganhos futuros, os responsáveis pelo avanço do desequilíbrio das contas públicas. Os investimentos públicos ficaram para trás.
Nada mais de negativo conseguirá se grudar à imagem do presidente Lula, que terminará seu mandato com glórias de um Luís 17, tendo sobrevivido à guilhotina política para encerrar um ciclo de ressurreição da fama externa e da autoestima interna do Brasil. Passadas, porém, as festas da realeza e a estreia do filme do pressagiado, com direito a choro até de cabra-macho, é de esperar um pouco mais de humildade pelos desafios que herdamos da atual fase.
Com uma taxa de poupança cadente, ou seja, a economia guardando cada vez menos recursos para seu futuro, e um "modelo", como cunhou Raul Velloso, especialista no assunto, de alto consumo presente e baixo investimento, estaremos condenando o Brasil ao mesmo tipo de dependência ao capital estrangeiro, sob forma de poupanças externas, que virão, sim, explorar o nosso pré-sal, o pós-sal, a siderurgia, a petroquímica, o grande varejo, a banca de investimentos, com todos os riscos de volatilidade historicamente associados à nossa crônica carência de poupança nacional.
Na raiz desse defeito de fabricação do modelo de crescimento brasileiro, está o disparate dos gastos públicos correntes, cuja demanda permanente de mais carga tributária impede o brasileiro de investir mais, comandando assim seu próprio destino.

Por que agora? CÉSAR BENJAMIN

ESPECIAL PARA A FOLHA


DEIXO de lado os insultos e as versões fantasiosas sobre os "verdadeiros motivos" do meu artigo "Os Filhos do Brasil". Creio, porém, que devo esclarecer uma indagação legítima: "por quê?", ou, em forma um pouco expandida, "por que agora?". A rigor, a resposta já está no artigo, mas de forma concisa. Eu a reitero: o motivo é o filme, o contexto que o cerca e o que ele sinaliza.
Há meses a Presidência da República acompanha e participa da produção desse filme, financiado por grandes empresas que mantêm contratos com o governo federal.
Antes de finalizado, ele foi analisado por especialistas em marketing, que propuseram ajustes para torná-lo mais emotivo.
O timing do lançamento foi calculado para que ele gire pelo Brasil durante o ano eleitoral. Recursos oriundos do imposto sindical -ou seja, recolhidos por imposição do Estado- estão sendo mobilizados para comprar e distribuir gratuitamente milhares de ingressos. Reativam-se salas pelo interior do país e fala-se na montagem de cines volantes para percorrerem localidades que não têm esses espaços. O objetivo é que o filme seja visto por cerca de 5 milhões de pessoas, principalmente pobres.
Como se fosse pouco, prepara-se uma minissérie com o mesmo título para ser exibida em 2010 pela nossa maior rede de televisão que, como as demais, também recebe publicidade oficial. Desconheço que uma operação desse tipo e dessa abrangência tenha sido feita em qualquer época, em qualquer país, por qualquer governante. Ela sinaliza um salto de qualidade em um perigoso processo em curso: a concentração pessoal do poder, a calculada construção do culto à personalidade e a degradação da política em mitologia e espetáculo. Em outros contextos históricos isso deu em fascismo.
O presidente Lula sabe o que faz. Mais de uma vez declarou como ficou impressionado com o belo "Cinema Paradiso", de Giuseppe Tornatore, que narra o impacto dos primeiros filmes na mente de uma criança. "O Filho do Brasil" será a primeira -e talvez a única- oportunidade de milhões de pessoas irem a um cinema. Elas não esquecerão.
Em quase oito anos de governo, o loteamento de cargos enfraqueceu o Estado. A generalização do fisiologismo demoliu o Congresso Nacional. Não existem mais partidos. A política ficou diminuída, alienada dos grandes temas nacionais. Nesse ambiente, o presidente determinou sozinho a candidata que deverá sucedê-lo, escolhendo uma pessoa que, se eleita, será porque ele quis. Intervém na sucessão em cada Estado, indicando, abençoando e vetando. Tudo isso porque é popular. Precisa, agora, do filme.
Embalado pelas pré-estreias, anunciou que "não há mais formadores de opinião no Brasil". Compreendi que, doravante, ele reserva para si, com exclusividade, esse papel. Os generais não ambicionaram tanto poder. A acusação mais branda que tenho recebido é a de que mudei de lado. Porém os que me acusam estão preparando uma campanha milionária para o ano que vem, baseada em cabos eleitorais remunerados e financiada por grandes grupos econômicos. Em quase todos os Estados, estarão juntos com os esquemas mais retrógrados da política brasileira. E o conteúdo de sua pregação, como o filme mostra, estará centrado no endeusamento de um líder.
Não há nada de emancipatório nisso. Perpetuar-se no poder tornou-se mais importante do que construir uma nação. Quem, afinal, mudou de lado? Aos que viram no texto uma agressão, peço desculpas. Nunca tive essa intenção. Meu artigo trata, antes de tudo, de relações humanas e é, antes de tudo, uma denúncia do círculo vicioso da extrema pobreza e da violência que oprime um sem-número de filhos do Brasil. Pois o Brasil não tem só um filho.
Reitero: o que escrevi está além da política. Recuso-me a pensar o nosso país enquadrado pela lógica da disputa eleitoral entre PT e PSDB. Mas, se quiserem privilegiar uma leitura política, que também é legítima, vejam o texto como um alerta contra a banalização do culto à personalidade com os instrumentos de poder da República. O imaginário nacional não pode ser sequestrado por ninguém, muito menos por um governante.
Alguns amigos disseram-me que, com o artigo, cometi um ato de imolação. Se isso for verdadeiro, terá sido por uma boa causa.

CÉSAR BENJAMIN, 55, militou no movimento estudantil secundarista em 1968 e passou para a clandestinidade depois da decretação do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro desse ano, juntando-se à resistência armada ao regime militar. Foi preso em meados de 1971, com 17 anos, e expulso do país no final de 1976. Retornou em 1978. Ajudou a fundar o PT, do qual se desfiliou em 1995. Em 2006 foi candidato a vice-presidente na chapa liderada pela senadora Heloísa Helena, do PSOL, do qual também se desfiliou. Trabalhou na Fundação Getulio Vargas, na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, na Prefeitura do Rio de Janeiro e na Editora Nova Fronteira. É editor da Editora Contraponto e colunista da Folha.

Miriam Leitão -Trilha errada

Trilha errada

O Brasil pode mais do que triplicar a capacidade de geração de energia a carvão mineral até 2017 e multiplicar por quatro as emissões de CO2 dessa fonte de energia. O governo incentiva o negócio com crédito do BNDES, redução de Imposto de Renda, PIS/Cofins e ICMS de importação de carvão. O presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, admite apenas que a geração a carvão vai dobrar.

Segundo Tolmasquim, o Brasil tinha, em 2007, 1.415 MW de potência instalada a carvão e chegará a 2017 com 3.175 MW:

— Vai dobrar mas continuará sendo pequena na nossa matriz. É hoje 1,4% da energia e será 2,1%.

O Brasil possui nove termelétricas a carvão mineral em funcionamento, com capacidade de geração de 1.530 MW, segundo a Aneel. Quatro estão em construção e vão dobrar a capacidade até 2013. Sozinhas, elas poderão gerar mais 1.790 MW de energia. Três delas estão sendo construídas pela MPX, no Nordeste, e outra pela Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica, no Sul do país. Outros oito projetos já receberam licença para a construção. Serão mais 4.117 MW. Tudo somado pode levar a 7.437 MW de energia movida a carvão. Aumento de 386%.

Tolmasquim diz que os números da EPE são outros, e vão ser revistos no novo Plano Decenal.

— Uma coisa é ver todas as possibilidades possíveis, outra é planejar. Estamos planejando menos.

O Plano Decenal de Expansão de Energia registra que as emissões de CO2 dessas térmicas poderão saltar de cerca de 5 milhões de toneladas para 22 milhões em 2017 (veja o gráfico abaixo tirado do estudo).

O leilão de dezembro, como já registrado aqui na coluna, deve ser vencido pelas térmicas a carvão.

— Isso não é razoável, mas há mais facilidade de concessão de licença para térmicas do que para hidrelétricas — diz ele.

O que leva uma empresa a investir em energia com alto teor de emissão que será cada vez mais taxada no futuro? O presidente da MPX, Eduardo Karrer, diz que o carvão é inevitável:

—- Não podemos descartar o carvão, mas podemos torná-lo menos poluente. Vamos investir R$ 1,2 bilhão em pesquisa de ponta para reduzir as emissões de carvão — afirmou Karrer.

Pode ser. No mundo inteiro há pesquisas para tentar limpar o carvão, mas os especialistas admitem que não há qualquer garantia de que isso será possível. Karrer diz que sua linha de estudo é usar microalgas que reduziriam entre 10% e 15% o volume de emissões de CO2. A Tractebel, que sozinha responde por quase 1.000 MW da produção atual a carvão, foi procurada insistentemente pela coluna mas não se pronunciou.

Na verdade, as empresas são incentivadas pelo governo a entrar no negócio. Somente para a construção da termelétrica de Pecém I, da MPX, houve financiamento de cerca de R$ 1,4 bilhão do BNDES. Já as usinas de Pecém II e Itaqui, que integram o PAC, ganharam desconto de 75% em Imposto de Renda, isenção de PIS/Cofins, abatimento de 59% de ICMS na importação do carvão que virá da Colômbia. Além disso, se as três usinas que estão sendo construídas pela MPX no Nordeste não precisarem entrar em operação, elas terão uma rentabilidade assegurada de R$ 715 milhões anuais de subsídio tarifário. Elas recebem mesmo quando não produzem. Fazem parte do sistema de complementação de energia. Por isso, Tolmasquim disse que não se pode calcular o volume de emissões, a partir do aumento da capacidade instalada das térmicas fósseis. Porque elas só funcionarão quando faltar água nos reservatórios.

O Ibama não explica por que concede licença com mais facilidade para térmica do que para hidrelétrica. Diz que não é o órgão que define a política energética do país e não pode negar licenças se elas atenderem ao Termo de Referência. Como a legislação permite o uso de térmicas a carvão, considera que há pouco que possa fazer.

Para mitigar a emissão, o Ibama exigiu a compensação através do plantio de árvores, mas as empresas foram à Justiça e a exigência foi derrubada. É assim, com incentivos e falhas regulatórias, que o Brasil vai sujando sua matriz.

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