Thursday, December 03, 2009

União que divide - Mírian Leitão

O Globo - 03/12/2009


Parece uma briga apenas do Rio, mas é do Brasil.

O que está em questão nessa nova rodada de disputa em torno dos recursos do pré-sal é respeito aos contratos e justiça federativa. Estão querendo desfazer jogo já jogado, licitação feita. A ministra Dilma Rousseff se reuniu com dois governadores para decidir a divisão de um bolo tributário coletivo. A reunião em si é um acinte.

A ministra Dilma reuniu na tarde da segunda-feira, em sua sala, os governadores do Ceará, Cid Gomes, e de Pernambuco, Eduardo Campos, e os ministros Edson Lobão, da Energia, e Alexandre Padilha, das Relações Institucionais. Eles discutiram como dividir a arrecadação tributária do petróleo a ser extraído em mares do Rio, Espírito Santo e São Paulo. Concluíram, do alto do poder que não lhes foi conferido, que o melhor a fazer é retirar mais dos municípios produtores para engordar o caixa de municípios não produtores. E fazem isso porque os estados e municípios produtores são poucos; os outros são muitos e têm mais votos.

É preciso entender o autoritarismo e o desrespeito de uma reunião como essa.

Por que o governador de Pernambuco? Porque foi dele a ideia de incluir áreas já licitadas nas novas regras de partilha. Por que isso se discute sem a presença dos maiores interessados? Só um profundo desrespeito às unidades federativas explica uma situação estranha como essa, em que os produtores estão fora da mesa da ministra Dilma. Quem deu a essas cinco pessoas o direito de decidir uma questão que atravessa a Federação? O governador do Rio, Sérgio Cabral, que na semana passada estava gritando "querem roubar o Rio", está em silêncio. O presidente Lula mandou, e ele obedeceu.

Se o governador não souber que a sua primeira lealdade é com o estado que governa, o Rio vai ser mesmo prejudicado.

Mais relevante do que quantos reais dos impostos irão para o caixa de cada estado é entender o que está em jogo em toda essa discussão. O governo propôs um novo marco regulatório para o petróleo do pré-sal. O modelo é ruim, mas regulará o futuro ainda não explorado. O problema é que agora se quer mudar o passado, alterar as regras do que já foi licitado.

O Brasil tem uma distribuição desigual dos recursos fiscais com uma centralização excessiva. Nos últimos governos, a União criou várias contribuições exatamente para não ter que dividir a receita com os estados.

Isso agravou a centralização.

Pelo novo modelo de exploração de petróleo, a União arrecadará mais, e os estados perdem um dos impostos, a participação especial.

O petróleo, como todos sabem, é o único produto que é tributado no estado de destino e não na origem. Os estados produtores não podem cobrar ICMS. Eles já estavam sendo lesados pela falta do imposto sobre valor agregado e então foi criada a participação especial. Royalties evidentemente os estados têm o direito de cobrar.

Os não produtores reclamam que as riquezas pertencem a todos. De fato, e é por isso que uma grande parte dos impostos sempre ficou nas mãos da União, que pode, ou deve, repassar uma parte aos estados na razão inversamente proporcional à riqueza de cada um.

Caso se conclua que é preciso redividir a receita, que se faça de modo a respeitar a democracia federativa.

É uma anomalia juntar dois governadores e três ministros, numa sala fechada, para discutir o que fazer com recursos provenientes de riquezas que pertencem a todos. Por isso, a reunião em si é um absurdo. A negociação deveria juntar todas as partes, ser transparente e justa. O governo federal, desde o início desse conflito do pré-sal, tem mantido uma posição ambígua em público e, nos bastidores, incentiva um conflito federativo jogando estados não produtores contra estados produtores.

Não é aceitável mudar o passado, quebrar contrato para retirar receita de quem tem direito a ela. No Espírito Santo, um terço do pré-sal já foi licitado. Isso criou uma expectativa de receita no estado que é mais do que justa que ele recolha.

O petróleo tem má fama.

Onde ele aparece, surgem conflitos. No Brasil até hoje já houve desentendimentos, mas não uma situação dessas: estados não produtores ameaçam impor sua maioria aos estados que têm essas reservas em suas costas. O papel do governo federal é encontrar fórmulas de compor os interesses de todos. Mas da sua base é que saem as ideias que fomentam a briga federativa.

Esse definitivamente não é o papel da União.

O modelo de regulação do pré-sal, que o governo propôs e que está sendo aprovado no Congresso, dá poderes e vantagens indevidas à Petrobras, beneficiando seus acionistas em detrimento dos contribuintes em geral, cria uma estatal com poderes regulatórios, esvazia a ANP e troca a transparência do leilão pelo sistema opaco de partilha. É ruim, piora o que está funcionando, elimina um dos impostos recolhidos pelos estados produtores. Mas o que está em debate agora é ainda pior pelo que significa e pela maneira como está sendo feito. O governador Sérgio Cabral gritou para ver se conseguia um bom acordo.

Nenhum acordo é bom se é feito sobre os destroços dos contratos, e do respeito federativo.

Responsável de plantão - Dora Kramer

O Estado de S. Paulo - 03/12/2009
Quando o primeiro escândalo de corrupção do governo Luiz Inácio da Silva emergiu das imagens de Waldomiro Diniz, então braço direito do então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, extorquindo o dito empresário Carlos Augusto Ramos, também conhecido como o bicheiro Carlinhos Cachoeira, de imediato todas as vozes se levantaram em defesa de uma reforma política "profunda".

A tese por trás da proposta era a de que a culpa é do sistema político, eleitoral e partidário daninho.

De lá para cá, repete-se a mesma cantilena a cada novo caso escabroso de corrupção, conferindo-se à reforma política o status de solução de plantão para todos os males.

Por esse raciocínio, o "sistema" é que seria o grande corruptor de pessoas inocentes, cujo desejo de governar para fazer o bem só se realiza ao custo da adesão à realidade nefasta fazendo política com as mãos sujas, não obstante o coração permaneça imaculado. Seria o preço a pagar.

Essa lógica sustentou o discurso de quem queria uma justificativa para apoiar a reeleição de Lula, mas não tinha coragem de dizer que estava pouco ligando para a ética. Esta servira como bandeira de oposição, mas atrapalhava a execução do projeto de poder.

Isso no caso do PT. Nos partidos que não haviam feito nenhum trato explícito com a ética na política, nem se apresentam justificativas.

Muito embora também se agarrem com veemência na defesa da reforma política na hora em que a assombração transita por seus terreiros.

Depois da manifestação espontânea ao modo de Pôncio Pilatos - "as imagens não falam por si"-, orientado por sua assessoria sobre a ultrapassagem do limite do aceitável, o presidente Lula passou a considerar "deplorável" o que todo mundo viu sobre as atividades da quadrilha que atuava no governo de Brasília.

E, claro, atribuiu tudo à ausência da reforma política, acrescentando desconhecer as razões pelas quais ela não é aprovada. Levantou, porém uma suspeita: "Provavelmente porque os parlamentares seriam afetados pelas mudanças."

Para um gênio da política, Lula se mostra um tanto ingênuo. E esquecido. O primeiro enterro da reforma, ainda no primeiro mandato, ocorreu porque os partidos de sua base trocaram o arquivamento por votos a favor do projeto - fracassado - da reeleição do então presidente da Câmara, o petista João Paulo Cunha.

O funeral seguinte deu-se agora em 2009 pela conjugação de interesses dos partidos do governo e da oposição que, no lugar da reforma, aprovaram uns remendos que facilitaram sobremaneira o uso do caixa 2 e encurtaram os prazos para punições, na prática impedindo cassações de eleitos, inclusive os deputados de Brasília agora pegos com as mãos imundas na botija.

Isso quer dizer que o defeito primordial não é das regras - de fato defeituosas - é da deformação das pessoas, da permissividade geral e da impunidade de que desfrutam.

Vice versa

Se mesmo antes do escândalo de Brasília a composição da chapa presidencial do PSDB com o DEM na vice já era uma possibilidade para lá de remota, agora virou algo fora de cogitação.

No mês passado mesmo o tucano presidente do partido, senador Sérgio Guerra, dizia pública e textualmente que a dupla do governo Fernando Henrique "já deu o que tinha de dar".

Nem a ala do DEM, liberada pelo presidente, o deputado Rodrigo Maia, que ressuscitou a proposta recentemente a levava muito a sério. Apenas achou que não devia "entregar os pontos" e usar a exigência da vice para se valorizar.

A fatura do DEM para o apoio em 2010 já fora cobrada e paga anteriormente: a eleição de Gilberto Kassab para a Prefeitura de São Paulo.

Sabem de tudo

Em relação a José Roberto Arruda, nem o DEM nem eleitorado de Brasília nem os partidos que faziam parte do governo podem alegar que a cigana os enganou.

O DEM aceitou a filiação, o eleitor votou e o PSDB se juntou a um reincidente. No caso dos tucanos é ainda mais grave, porque Arruda havia sido convidado a sair do partido no episódio da violação do painel do Senado.

Sempre estiveram todos cientes de que grande quantidade de políticos, já eleitos ou candidatos, processados são potenciais criadores de casos e crises.

Não só eles, claro. Os de boa reputação também podem vir a prevaricar, mas seria um grande avanço se a Nação aderisse ao lema de que é melhor prevenir do que remediar.

Começando por pressionar o Congresso a aprovar a emenda constitucional de iniciativa popular que proíbe o registro de candidaturas de gente condenada em pelo menos uma instância judicial.

Aliás, Parlamento que continua ignorando a emenda que está nas mãos dos líderes dos partidos na Câmara não pode se espantar com nada nem tem moral para censurar ninguém.

Notadamente se o presidente da Casa figura em lista secreta de empreiteira.

Decepções - Merval Pereira

O Globo - 03/12/2009

A “decepção” que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, está sentindo em relação a Lula, aquele que ele definiu como “o cara” para o mundo, dandolhe um upgrade internacional, parece ser a mesma que o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, detectou recentemente em relação a Obama. “Lula ainda tem grandes expectativas, mas o fato é que hoje há um certo sabor de decepção”, disse Garcia.

A crescente influência na América Latina do Brasil, líder regional inconteste, que tem dado demonstrações de ser pelo menos condescendente com líderes de países claramente antiamericanos como o Irã e a Venezuela, decepciona Obama. Certamente ele esperava que o presidente Lula levasse o Brasil a ser um parceiro mais próximo dos Estados Unidos, e está se mostrando mais próximo do Chávez do que se poderia supor.

O governo americano ficou muito preocupado com a passagem do Mahmoud Ahmadinejad pelo Brasil, Bolívia e Venezuela, onde consideram que o presidente do Irã teve apoio a seu programa nuclear que, dias depois, foi condenado pela Agência Internacional de Energia Atômica, ligada à ONU.

Também a crise política de Honduras anda afastando os Estados Unidos do Brasil, que estiveram próximos no início dela. Honduras é um país sem importância alguma para a geopolítica brasileira, e está sob a esfera de influência do México e dos Estados Unidos.

A crise de destituição do presidente eleito Manuel Zelaya só entrou no radar da diplomacia brasileira por instância da Venezuela, já que Zelaya havia levado seu país para dentro da Alba (Aliança Bolivariana para as Américas).

Seguindo os passos de seu líder Hugo Chávez, tentou utilizar em Honduras uma “tecnologia institucional” exportada pelo bolivarismo: a alteração da Constituição por meio de um plebiscito para a permanência no poder.

Reconhecer o novo presidente eleito de maneira legítima no último domingo foi a opção dos Estados Unidos e começa a ser uma alternativa de diversos países europeus, enquanto o Brasil vai ficando isolado na sua posição.

Outra situação delicada para a nossa política externa é a extradição do terrorista italiano Cesare Battisti, condenado na Itália à prisão perpétua. Lula parece disposto a confirmar o asilo, mesmo com o governo italiano pressionando, e o Supremo Tribunal Federal tendo aprovado a extradição.

Esses percalços externos se contrapõem à imagem internacional que o presidente Lula vem cultivando. Fidel Castro, o ditador de estimação dos petistas no poder, dividiu os governantes de esquerda da região em “revolucionários” e “tradicionais”.

A esquerda “tradicional”, que seria representada por políticos como Lula ou Michelle Bachelet, do Chile, ou Tabaré Vázquez, do Uruguai, já não responderia às necessidades dos povos latinoamericanos.

Os “revolucionários” Chávez, da Venezuela; Evo Morales, da Bolívia; Rafael Correa, do Equador; ou Daniel Ortega, da Nicarágua, refletiriam as reais aspirações das populações latino-americanas.

É por isso que Lula, desde a primeira aparição para os “donos do mundo” em Davos, no Fórum Econômico Mundial, em 2003, é tratado como “o cara”, mesmo antes de o presidente Barack Obama identificá-lo como tal.

Mas foi sem dúvida depois da crise internacional que abalou o mundo e a crença na autorregulação do mercado financeiro que a figura de Lula ganhou destaque na mídia internacional, não apenas por suas posições audaciosas, como quando culpou os “louros de olhos azuis” pela crise, mas também pela performance da economia brasileira.

O governo Lula saiu-se bem da primeira grande crise internacional que enfrentou, e os “louros de olhos azuis”, cheios de culpa, o escolheram como exemplo do novo mundo que precisa ser construído dos escombros do antigo.

Lula tem o perfil necessário para se transformar no novo líder mundial: presidente de um país emergente, ele mesmo um emergente em seu país, vindo da pobreza extrema, cuida de tirar da pobreza extrema seus conterrâneos.

Ao mesmo tempo, mantém as regras fundamentais da economia, garantindo o pagamento da dívida e abrindo para o investimento estrangeiro um mercado ávido em obras de infraestrutura, além de garantir juros altos para os investidores nacionais e internacionais.

A esquerda que Lula representa dá tranquilidade à comunidade internacional, que ainda conta com sua interferência para conter os ímpetos revolucionários dos demais líderes latinoamericanos.

Mas aí entra em campo um paradoxo de difícil entendimento para estrangeiros: faz muito tempo que o governo Lula usa a política externa como um contraponto à política econômica ortodoxa que manteve do governo anterior.

Uns consideram que seria uma espécie de compensação para a militância, enquanto não há espaço internamente para uma guinada à esquerda. Outros acham que é apenas isso, uma compensação em troca de tocar a economia nos padrões internacionais.

Mas à medida que vai aprofundando seu esquerdismo na política externa, vai se aproximando mais e mais de Chávez, e se afastando da comunidade internacional, embora precise do apoio dela para se manter como interlocutor importante e, no limite, continuar sonhando com uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Mas votando na contramão do mundo ocidental, ou no máximo se abstendo, como no caso do Irã, ao mesmo tempo em que pode garantir eventuais votos desses “parceiros” terceiromundistas, vai conseguindo se tornar não confiável aos olhos das grandes potências internacionais, que, no fim, têm os votos decisivos.

Lula pode vir a ter um problema de equilíbrio entre seu prestígio interno e o externo. A importância que o Brasil ganhou nos fóruns internacionais tem mais a ver com o êxito na economia e com sua fama de ser o representante de uma esquerda civilizada do que o contrário.

O dinheiro do suborno JANIO DE FREITAS


Folha de S. Paulo - 03/12/2009


Um ato de corrupção na administração pública, como suborno, só raramente não tem conexões comparsas



COMO CONVÉM a um país sério, a regra se impõe. Outro bando de políticos e dirigentes é denunciado, exposto e moralmente condenado na sua venalidade, como convém. Mas, do outro lado, o dos subornadores, só aparecem de raspão três empresas de nomes, existência e fins comerciais obscuros. Como convém? Por certo, ou não seria assim. Mas por que ou a quê convém?
Em toda a vasta corrupção, as beneficiárias formais são empresas. O benefício real, porém, é dos diretores e acionistas. Empresas jamais negociam, autorizam e pagam subornos, que são atos de pessoas.
Já está admitido que o recém-descoberto mecanismo de corrupção no governo e na Câmara Distrital, em Brasília, atravessou os últimos cinco anos. Além do admitido, pode-se acrescentar até uns três anos, ainda que então faltassem vídeos, se faltaram. Nesses e em quaisquer anos, todo pagamento de suborno foi feito por motivo tão sórdido quanto o próprio suborno. Nenhum pagamento, porém, se fez com dinheiro legítimo da empresa subornadora, como ato benevolente. Há sempre alguma correspondência entre o que recebeu sem direito e o que paga como suborno. A corrupção é um crime em que nunca faltam duas faces.
Se de apenas um pagador (Codeplan), segundo a denúncia do intermediário e seu ex-secretário Durval Barbosa, só o governador José Roberto Arruda recebeu mais de R$ 56 milhões, de que altos negócios veio essa quantia ou que altos negócios cobriram o buraco feito pela saída, para o suborno, do dinheiro empresarial?
A relegada utilidade de questões assim não se limita à sua indagação imediata. Um ato de corrupção na administração pública, por suborno ou outra das variadas modalidades, só raramente não tem conexões comparsas. No atual caso, a diversidade ocupacional dos envolvidos demonstra bem as ramificações que se viabilizam e se protegem. Por que o dinheiro que vai parar nas meias de um deputado distrital ou no ventre de um dono jornal é idêntico, na procedência, ao posto no bolso de um ou mais secretários de governo, senão da sacola preferida pelo próprio governador?
A identificação dos negócios originários da corrupção é de importância maior, porque o dinheiro que materializa as transações corruptas nos poderes públicos sai dos cofres públicos. É dinheiro recolhido da população. É dinheiro da nação, cuja finalidade legal é única: o interesse público.

Quando?
Com tanto passado e presente para ser cético, não imagino que seja para o meu tempo, mas uma cena me parece possível em algum futuro. Simples e clara: quando um ministro duvidoso como esse Juca dito da Cultura vocifera para repórteres honestos -"Vocês são pagos para dizer mentira"-, receba ao menos uma das tantas reações apropriadas, imediatas ou não.

Mudança preocupante Joaquim Levy


O Globo - 03/12/2009

Há várias razões por que o Brasil tem passado pela crise internacional com tranqüilidade.

O presidente Lula tem sido extremamente eficaz em passar uma mensagem de confiança, sustentando as expectativas e o consumo. Sua mensagem na TV no final do ano passado, incentivando o consumo — daquelas pessoas que não tinham dívidas — porque isso protegeria os empregos, inclusive o das próprias pessoas, foi de grande sensibilidade e perspicácia econômica.

Várias outras medidas têm refletido uma política anticíclica eficaz, inclusive a ampliação do espaço de endividamento dos estados. Evidentemente, isso só foi possível por conta da consolidação fiscal executada nos anos anteriores, o aumento das reservas internacionais e a relativa estabilidade dos preços das commodities.

Outro diferencial importante em relação a períodos de turbulência anteriores é a independência energética que o Brasil goza, especialmente em relação ao petróleo. O petróleo extraído no litoral do Estado do Rio de Janeiro tem sido um fator estrutural de segurança para todo o país.

Para o Estado do Rio, o petróleo é ainda mais estrutural. Tanto pelos empregos que cria, quanto pelas receitas derivadas da compensação assegurada pelo artigo 20 da Constituição Federal — royalties e participações especiais.

Elas correspondem a aproximadamente 7,5% do preço do barril do petróleo. Esse valor é relevante, porque, enquanto operações interestaduais com outros bens geram 12% de ICMS quando se dão com vizinhos ao Sul, ou 7% quando se dão com o Norte ou Nordeste, as vendas interestaduais de petróleo produzido no Rio não geram ICMS para o estado.

O substitutivo do PL 5.938/09 em discussão na Câmara de Deputados altera esse equilíbrio para os campos a serem licitados, cortando receitas equivalentes à despesa do Estado com a Saúde, o que é preocupante.

É sabido que qualquer discussão sobre petróleo tende a incendiar a imaginação das pessoas. Mas o Rio tem sido sereno, ainda que firme.

Na questão de royalties para estados e municípios não produtores, não se trata de ser “justo” ou “injusto”, ainda que, na forma como ela tem sido conduzida, fira os direitos dos entes produtores. A real questão é que espalhar os royalties entre entes não produtores não teria nenhum efeito estrutural neles, mas teria um impacto destrutivo nos entes produtores.

Quando se observa que alguns dos estados mais estridentes no pleito de receberem royalties já recebem transferências federais extremamente vultosas, não é necessariamente para discutir a equidade dessas transferências.

Simplesmente, torna evidente que, por mais royalties que recebam, as novas receitas seriam pequenas em relação à variação anual daquelas transferências Considere-se o caso de um estado que recebe R$ 3 bilhões de FPE. Pelo substitutivo do PL da partilha, esse estado irá receber algo na faixa de R$ 180 milhões de royalties, ou seja, 5% a mais do que já recebe por conta da redistribuição do Imposto de Renda e do IPI através daquele Fundo. Cinco por cento é bem menos do que a variação positiva do FPE de 2007 para 2008 e próximo à frustração de receita em 2009.

Subtrair os royalties dos estados produtores talvez aumente a folga fiscal nos estados não produtores, mas não compensaria as flutuações cíclicas naturais das transferências federais nesses estados, e muito menos seria algo estruturante, que servisse de passaporte para a prosperidade tão aguardada.

Mas prejudicaria muito os produtores.

Pulverizar as receitas do pré-sal tira qualquer impacto que elas possam ter na transformação do país, e apenas cria uma ilusão para os cidadãos dos estados não produtores. Simplesmente, porque o valor da produção do présal será importante como fração do PIB dos estados produtores, como o Rio, mas uma parcela pequena do PIB do Brasil (3% do PIB de 2020), resultando em receitas que serão pequenas em comparação com a massa tributária do país. Portanto, essas receitas só serão efetivas se usadas de forma concentrada e, por direito, essencialmente nos entes produtores.

Juros para Dilma? Carlos Alberto Sardenberg


O Globo - 03/12/2009

As mais recentes projeções das melhores consultorias econômicas trazem para Lula e Dilma uma boa e uma má notícia.

A boa: 2010 será um período de forte crescimento. É provável que o último ano de Lula seja o seu melhor, com uma expansão do PIB acima dos 6%, como prevê, por exemplo, o competente Departamento de Pesquisas e Estudos (Depec) do Bradesco, em relatório divulgado nesta semana.

A má notícia: esse ritmo de crescimento estará acima da capacidade do país, elevando o déficit das contas externas e, especialmente, pressionando a inflação. Mantidas a política econômica e o regime de metas de inflação, o Banco Central vai aumentar os juros para conter esse excesso. E pior para Dilma: a taxa básica de juros, nesse cenário, deve começar a subir em abril próximo.

No prognóstico do Depec, o BC vai elevar os juros nas três reuniões imediatamente anteriores às eleições, de modo que a taxa básica começa a campanha nos atuais 8,75% ao ano, chegando a 10,25% no dia da votação, em 3 de outubro. Entre o primeiro e o segundo turnos, ainda haveria mais uma talagada.

Há diferenças entre analistas quanto a essas datas, mas a ampla maioria concorda que o BC estará aumentando os juros no período eleitoral.

Isso torna crucial a questão da permanência ou não de Henrique Meirelles na presidência do BC. Com Meirelles, tal é o entendimento, o BC fará o que tiver de ser feito. Ele já subiu os juros em outros momentos críticos.

Mas 2010 será o mais crítico de todos. Além do mais, Lula foi tomado pela soberba e ameaça abandonar a ortodoxia econômica que herdou de FHC e que, mantida, forneceu a base para o Brasil pegar carona na onda de crescimento mundial.

O governo, por exemplo, já está deixando de lado o superávit primário para detonar os gastos.

E então, o que fará Lula? Manterá a autonomia prática do BC, permitindo que este exerça o regime de metas de inflação e eleve os juros, ou vai mandar o banco esquecer essa coisa neoliberal? Não é pequeno o risco para a estabilidade econômica. A última vez que o governo segurou medidas duras para ganhar uma eleição foi em 1987, no pós-cruzado. O PMDB levou quase tudo e, um dia depois da votação, quebrou o país.

Custo Brasil Fernanda é dona de uma academia de ginástica em Niterói. Ano passado, além das fiscalizações de rotina, mensais, recebeu uma extra da Vigilância Sanitária, que deixou 20 exigências.

Por exemplo: as lixeiras tinham de ser daquelas com pedal, obrigatoriamente.

Fernanda fez tudo que lhe pediram, documentou tudo em mais de 50 folhas e foi à repartição. Primeira sensação: as condições de higiene ali não passariam na fiscalização. Primeira surpresa: a funcionária disse que não podia entregar nenhum documento que registrasse o recebimento da papelada.

Apenas entregou um protocolo referente a “cumprimento de exigências”.

Mas, o alvará de funcionamento foi revalidado para 2009, de modo que Fernanda entendeu estar tudo OK. Semana passada, porém, apareceu por lá um fiscal da Vigilância Sanitária, que aplicou uma multa de 890 reais. Fernanda volta à repartição e fica sabendo que no ano passado não havia entregado uma certa “justificativa”. Aquelas 50 folhas! Custo Brasil — 2 Antonio é dono de uma loja de bicicletas no Rio, legal. Dia desses, comentou com um fiscal que havia muito comércio informal de bikes. O fiscal concordou e explicou que, como sua repartição tem poucos funcionários, não há como fazer “blitz volante” para ir atrás dos ilegais.

— E se alguém denunciar? — perguntou Antonio.

— Isso pode — disse o fiscal, dando duas possibilidades: uma denúncia formal, na qual o denunciante se identifica no processo, seu nome podendo ser conhecido pelo denunciado; ou uma denúncia anônima, por telefone (mas, neste caso, explicou o solícito funcionário, serão pelo menos dois anos até o processo chegar às mãos de um fiscal).

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