Thursday, November 06, 2008

Reinaldo Azevedo



AI, AI... E A HISTÓRIA VOLTOU A TER “UM SENTIDO”!
A eleição de Barack Obama ressuscitou um conceito que, não sendo exclusivo da historiografia e da sociologia marxistas, é, no entanto, um seu freqüente instrumento de análise: o “sentido da história”. Marxistas os mais diversos, dos mais idiotas (muitos) aos mais ilustrados (raros), apontam uma espécie de linha evolutiva da humanidade que, acreditem leitores, não se distingue muito daquilo que o homem comum chama “destino” — só que, no caso, trata-se de um “destino” da coletividade.

Assim, os eventos históricos estariam livres da causalidade e do acidente. Tudo o que acontece teria sido antecipado como realidade larvar que fosse. A vida e a história seriam como um romance policial bem-escrito em que procuramos os indícios. No romance, se eles não existem, se o autor pode nos surpreender a qualquer momento com o fortuito e o incerto, então perdemos o interesse — como aconteceu com a série Lost. A vida como ela é não rende livros. E começo a desconfiar de que há quem ache que não rende nem jornalismo. Há uma busca desesperada pelo “fato histórico” e por seu "sentido".

Já acreditei nisso, confesso. Não acredito mais. Quem atribui “sentido” à história são sempre correntes militantes: com ele, criam suas utopias, futuros dourados e até escatologias. E também relêem o passado, ficando a prevalência desse ou daquele revisionismos ao sabor das maiorias influentes da hora. Sim, claro, sabemos que o estouro da bolha imobiliária decorreu, como se diz, da fragilidade da regulação (o fato antecedente), mas ninguém poderia esperar, por mais que negros e brancos nos EUA estivessem em busca de um novo sentido para a história, que tal fato contribuiria para a eleição de um “afro-americano” — que, então, está destinado a marcar, como lemos, ouvimos e vemos, um novo período histórico, equiparável, segundo o próprio Obama, à queda do muro de Berlim.

Fosse eu um desses vigaristas dialéticos, poderia cinicamente dizer aos entusiasmados da hora: “Agradeçam a George W. Bush, então, a chamada desastrada guerra do Iraque, o unilateralismo, a prepotência, a arrogância...” Ele foi, por vias oblíquas, uma espécie de libertador de virtudes. A era de ouro dos anos Clinton (quando a especulação também comeu solta) não trouxe à luz um Barack Obama, com seus dotes redentores. Foi preciso um brucutu republicano para que a América percebesse que tinha um encontro marcado com a história.

Mas eu não sou um vigarista dialético. A América que elegeu Barack Obama — cujo discurso seria impossível, claro, logo depois do 11 de Setembro de 2001 (Bush estava no cargo havia sete meses) — já era uma América real antes disso que agora se toma como “O Advento”. A América que elegeu Barack Obama é também a América do discurso de John McCain, reconhecendo a derrota: “Ele era meu adversário, agora é meu presidente”. O mais impressionante é que o próprio eleito reconheceu isso na fala da vitória é sua abordagem inicial: sua eleição, afirmou, é uma resposta aos que duvidavam das virtudes da democracia americana.

O que estou dizendo é que a América não estava “grávida” de Obama, esperando apenas a vinda do Messias, como fazem crer os maus poetas. E, à diferença do que dá a entender o jornalismo em escala planetária (com raras exceções), não elegeu um “afro-americano”, mas um americano que soube explorar com eficiência e método os descontentamentos todos com os oito anos de gestão de George W. Bush. E o auge da crise coincidiu justamente com o período eleitoral.

É claro que se está fazendo com isso uma dada história — mas ninguém sabe qual. Seu “sentido, lamento dizer, será dado posteriormente. O mundo inteiro ligou Obama à luta pelos direitos civis e, claro, a Martin Luther King. Mas essa América agora saudada como democrática e virtuosa seria essa América ainda que um mestiço não tivesse chegado lá. Sei que é chato lembrar, mas a esmagadora maioria da população americana é branca — os “afro-americanos” são cerca de 13%, superados já pelos latinos: mais ou menos 14%. Quer dizer que os EUA, agora, só provarão mesmo ser uma democracia racial se um certo Juanito substituir Obama em 2017?

A cobertura jornalística, na média, é patética — e não é só no Brasil, não. Parece que a eleição de Obama corresponde ao fim de um apartheid, o que é uma cretinice. Thomas Friedman, que está longe de ser um idiota, chega a dizer que é o último capítulo da Guerra Civil americana. Ah, tenha paciência!

Já demonstrei aqui a farsa lógica que sustenta o raciocínio de que só o racismo poderia tirar a eleição de Obama. Relembro. Ele ganhou porque teve mais delegados. E, dizem, isso foi um sinal de superação do racismo. Ora, sendo impossível precisar o número exato de votos dessa “superação”, é forçoso concluir que todos os votos em Obama foram votos de superação — e todos aqueles dados a seu adversário caracterizam votos da reação racista. Assim, é uma obrigação deduzir que o fim do racismo nos EUA só seria demonstrado com 100% dos votos em Obama. SE HOUVER FALHA LÓGICA AQUI, CARTAS PARA O BLOG. Mas não é só isso. Por que os quase 70% de brancos dos EUA estariam sendo necessariamente racistas se votassem em alguém da sua cor?

Gostaria de conseguir ver este "Novo Tempo" como quem pudesse viajar até o futuro e olhar o passado “É, olhem lá o sentido da história”. Mas eu não vejo sentido nenhum a não ser este: os americanos repudiam o governo Bush, o país vive a maior crise econômica em 80 anos, e os eleitores acharam que era hora de mudar (CHAAANGE!!!) de rumo para não mudar de América. Tomara que Obama seja, então, o cara! Torço porque sou, como direi?, americanófilo. Conto com os EUA para darem os pipocos necessários na canalha que insiste em aterrorizar as democracias ocidentais. Até porque europeus não são muito bons nisso.

Arrematando: acho, sim, que a vitória de Obama é sinal de vitalidade da democracia americana. Mas a carnavalização do “evento histórico”, uma história feita, até agora, de incógnitas, só porque se supõe que Obama seja uma espécie de desafio ao establishment, bem, isso é sintoma de que os EUA estão infiltrados pelo antiamericanismo e de que o Ocidente, mais amplamente, está infiltrado pelo antiocidentalismo. Mas fica para outro texto.
Por Reinaldo Azevedo | 06:29 | comentários (0)

SOBRE CONJUNÇÕES ADVERSATIVAS E CAUSAIS
Já escrevi aqui algumas vezes que a pior coisa que poderia acontecer para o “Mito Obama” seria a vitória do “Verdadeiro Obama” — emprego “verdadeiro” aqui no sentido do “Obama de verdade, de carne e osso”. Não estou sugerindo que exista um falso, com uma agenda secreta. Vivemos tempos em que tudo tem de ser devidamente explicado, se possível com notas de rodapé. Ou você é um porco racista que não está percebendo o sentido da histórica. A história, quem diria?, voltou a ter um sentido (ler acima)...

Tratei ontem jocosamente o noticiário online, que preferiu reportar a queda das Bolsas com uma adversativa de cunho, digamos, histórica: “Apesar da vitória de Obama, Bolsas caem”. Bem, o que uma coisa tem a ver com a outra? Compreendo que se possa esperar que ele tome medidas para recuperar a economia americana e mundial. Mas certamente os efeitos se darão num determinado prazo, não será coisa de um dia.

Suponho que tenha caído em vários lugares do mundo por motivos diferentes. E isso quer dizer que o “Mito Obama”, na fantasia jornalística, pode fazer disparar as Bolsas, mas o Obama de verdade, nessa fase ao menos, é irrelevante para os mercados. Quando começar a anunciar nomes para a administração e se estes nomes indicarem um sentido que possa ser traduzido num preço, então, aí sim, as decisões do presidente eleito poderão ter alguma influência.

Ademais, se os mercados tinham mesmo um preço para a eleição de Obama e outro para a de McCain, vocês acham que eles esperariam o dia da votação para fazer a opção?

Tomo o cuidado, confesso, de não transferir para o presidente eleito as restrições que estou fazendo à cobertura jornalística, pouco importa o meio, que transformou o homem numa celebridade. Querem chamar a eleição de um mestiço de “histórica”? Acho exagero, mas vá lá. Ocorre que a sensação é a de que ele já fez história também como presidente. Ainda não. Há pouco pensamento no ar e muita mitificação.

Ora, se a conjunção adversativa separa a eleição de Obama da queda das Bolsas, qual seria, certo como a luz do dia, o título para a mesma ocorrência se John McCain tivesse sido eleito? Eu não tenho dúvida: “McCain vence, e Bolsas despencam”. E este “e” valeria como uma conjunção causal:
“Porque McCain venceu, as Bolsas despencaram”. Uma das tarefas a que me dedico é justamente esta: apontar o que há de ilógico e/ou autoritário no discurso político. E o obamismo, ainda que a despeito do próprio Obama, mal começou e já é um prato cheio.

BARACK OBAMA: O ALFA E O ÔMEGA, O PRINCÍPIO E O FIM

E vi um novo céu e uma nova terra. Porque já se foram o primeiro céu e a primeira terra, e o mar já não existe. E vi a santa cidade, a nova Jerusalém, que descia do céu da parte de Deus, pronta como uma esposa preparada para o seu marido. E ouvi uma grande voz, vinda do trono, que dizia: “Eis que o tabernáculo de Deus está com os homens, pois com eles habitará, e eles serão o seu povo, e Deus mesmo estará com eles. Ele enxugará de seus olhos toda lágrima; e não haverá mais morte, nem haverá mais pranto, nem lamento, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas." E o que estava assentado sobre o trono disse: “Eis que faço novas todas as coisas." E acrescentou: "Escreve; porque estas palavras são fiéis e verdadeiras." . Disse-me ainda: "Está realizado: eu sou o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim. A quem tiver sede, de graça lhe darei a beber da fonte da água da vida. Aquele que vencer herdará estas coisas; e eu serei seu Deus, e ele será meu filho”.

Acima, muita gente já percebeu, vai um trecho do Apocalipse de São João (21,1-21,7). Já se passaram todas as tormentas e todos os tormentos, e a Nova Jerusalém surge da tragédia e da morte.

Poderia ser assim. Mas não será. A quarta-feira, que já vem rondando por aí, rasgará o céu, e tudo estará no mesmo lugar de antes. A exemplo do que escrevi aqui, de certo modo, é o pior que pode acontecer para o jovem mito Barack Obama: entrar na vida. Sua presidência, anotem as minhas profecias, hehe, será marcada pela decepcionante humanização de um deus. “Decepcionante para quem?”, perguntarão alguns. E eu lhes direi: não para mim, para os republicanos e para todos os que torciam para John McCain. Também não vai decepcionar os democratas profissionais. Já chego ao ponto.

Sarah Palin é carola, martelou o jornalismo. Ela é mesmo uma criacionista estúpida, a exemplo dos eleitores daquele meião avermelhado dos Estados Unidos, uma gente bronca, tendente a levar a Bíblia ao pé da letra... Bem, vocês conhecem a abordagem. Curiosamente, no entanto, foram os partidários de Obama, sobretudo a imprensa, que emprestaram à disputa os tons de uma guerra religiosa. De um lado, levantaram-se os bons; de outro, os maus. O governo Bush foi descrito e entendido justamente como as terríveis antevisões de João. Ficaram com McCain, para continuar no Apocalipse, “os medrosos, aos incrédulos, os abomináveis, os homicidas, os adúlteros, os feiticeiros, os idólatras e todos os mentirosos”. A eles estará reservado “o lago ardente de fogo e enxofre, que é a segunda morte."

Mas do que é feita esta Nova Cidade?

Obama vai tirar as tropas do Iraque? Quando der. Vai aumentar a presença americana no Afeganistão? Quando for possível. Tem a resposta para a crise econômica mundial? Todos sabem que não — nem ele nem ninguém. Vai conseguir conter o programa nuclear iraniano? Tem uma resposta para crise do Oriente Médio? Obviamente, não. Seus planos de combate ao terrorismo prevêem uma revolução metódica? Negativo. Sua trajetória, como político ou administrador, acenam com uma abordagem realmente inédita dos problemas que hoje assolam a América e o mundo? Qual trajetória? Obama é dono de um discurso, isto sim, que a muitos, na era Bush, parece iluminista. Especialmente porque, mestiço que é — “afro-americano” para o padrão do racialismo... negro dos EUA —, preferiu ignorar o assunto, colocando-se com um candidato, vamos dizer, “pós-racialista”. A questão foi habilmente trabalhada por seus partidários. Votarei a este ponto mais tarde. Antes, falarei um pouco da “humanização” de Obama e das decepções.

DECEPÇÃO
Eu não me alinho entre aqueles — e já escrevi isso aqui há dois dias — que acreditam que Obama é o verdadeiro conservador dos Estados Unidos, recuperando o discurso que já foi um dia dos republicanos ilustrados, que teria sido degradado pela era Bush. John McCain, ele, sim, um republicano reformista (ao menos antes de a campanha esquentar), poderia representar claramente esse papel. Mas também não vejo, reitero, no presidente eleito, um esquerdista antiamericano ou um inimigo do seu país.

É que são tais e tantas as esperanças de “mudança” depositadas em Obama, que ele, evidentemente, não poderá satisfazê-las. Uma parte imensa do seu eleitorado e a larga maioria dos seus admiradores mundo afora contam com ele para que os Estados Unidos deixem de ser os Estados Unidos. Isso não acontecerá. Se viesse a acontecer, e Obama passasse a atentar contra os interesses do país (é o que muitos esperam), o homem sucumbiria. De um jeito ou de outro.

Indica a lógica do processo, depois do “We can” de toda aquela gente que realmente crê estar vislumbrando a Nova Jerusalém, que Obama terá de mostrar a um grupo muito mais restrito — o establishment — o seu “I can”. Aquele “we” resume esperanças difusas de “progressismo”, de um país que renunciaria a boa parte do que o faz ser a América. E com o “i” ele vai ter de provar que, além de ser um deles, é o melhor de todos eles — e por isso é o presidente. Já na campanha, aproximou-se Colin Powell, um republicano ilustre, e teve o apoio de Paul Volker, uma espécie de emblema dos homens que são, vamos dizer, o esteio da América.

Amigos que admiram Obama não gostam, por razões que já explicitei aqui, quando faço uma associação entre o presidente eleito dos EUA e Lula. Sim, são em tudo diferentes — a começar da formação intelectual e da modernidade do discurso. Refiro-me, já deixei claro, ao fenômeno eleitoral, de massa e de opinião pública. É inegável que um lá e outro cá representam um feixe de esperanças de mudança que têm muitos quês de adesão irracional — o que, deixo claro, em nenhum momento, põe em questão a democracia. Quero dizer com isso que o “candidato Obama”, a exemplo do candidato Lula em 2002, fez-se figura invencível, fosse qual fosse o adversário. A resistência de McCain não deixa de ser heróica — e, como se vê, nos votos totais, bem mais forte do que indicavam as pesquisas. Mas por que ninguém conseguiria vencê-lo?

QUESTÃO RACIAL
A história se encarregará, claro, de dissecar o fenômeno Obama, também um primor de organização de campanha, que soube aproveitar todos os recursos da moderna tecnologia, inclusive para arrecadar dinheiro. Mas é evidente que a questão racial, praticamente ausente de seu discurso, a não ser por alusões indiretas — E JUSTAMENTE PARA DESCARACTERTIZAR O RACISMO —, foi uma das chaves do seu sucesso. E continuou a sê-lo até o último momento. Até o seu discurso de vitória.

Suspeitava-se de um racismo envergonhado numa América que, desde as primárias do Partido Democrata, demonstrava, sim, apreço e respeito por Barack Obama. Criou-se a tese de que só esse racismo poderia derrotá-lo. E isso o transformou num candidato intocável. Obama só perderia a eleição se fosse sabotado! Um analista falava ontem na TV — já com a vitória democrata consolidada. E fez o seguinte raciocínio: no começo da campanha, Obama teve de enfrentar as acusações de que era inexperiente, mas, na verdade, elas eram apenas uma forma de mascarar o racismo. Como assim? E então ele não é mesmo inexperiente? A um branco com a sua mesma trajetória, tal indagação seria ou não legítima? A cor da pele de Obama foi a sua armadura.

Vejam só: um candidato ganha se tem mais delegados, certo? Para tanto, precisa contar com mais votos em cada estado. Estamos diante da seguinte situação:
1 – a maioria obtida por Obama lhe foi garantida pelos não-racistas;
2 – se perdesse, seguindo a tese, teria perdido, então, para o racismo;
3 – logo, a minoria que ficou com McCain é, obviamente, racista;
4 – com zero de racismo, Obama teria 100% dos votos, superando as marcas das eleições de Saddam Hussein no Iraque e de Putin na Chechênia.
E, ainda agora, consolidada a vitória, há certo esforço para provar que, embora racistas, os americanos elegeram um negro... Faz sentido? Não faz.

Volto ao Apocalipse, agora no último capítulo:

E [o anjo das sete taças] mostrou-me o rio da água da vida, claro como cristal, que procedia do trono de Deus e do Cordeiro. No meio da sua praça, e de ambos os lados do rio, estava a árvore da vida, que produz doze frutos, dando seu fruto de mês em mês; e as folhas da árvore são para a cura das nações. Ali não haverá jamais maldição. Nela estará o trono de Deus e do cordeiro, e os seus servos o servirão, e verão a sua face; e nas suas frontes estará o seu nome. E ali não haverá mais noite, e não necessitarão de luz de lâmpada nem de luz do sol, porque o Senhor Deus os alumiará; e reinarão pelos séculos dos séculos. (22,1-22,5).

Não será assim. E que ninguém caia na tolice de achar que a pauta dos inimigos dos Estados Unidos ou do Ocidente, esse grande cão infiel, vai mudar por causa de Obama. Eles, aliás, torciam justamente pela vitória democrata porque o consideram “ruim” para o Grande Satã. Publiquei aqui trechos da parte mansa do Apocalipse, mas não tenho, sobre o resultado, uma perspectiva apocalíptica, escatológica. Se me perguntarem: “O que você acha que Obama fará de muito especial?” Minha resposta: “Nada!” Até corre o risco, a depender da provocação que receba, de reagir com excessiva dureza porque sabe que tem um certo déficit de credibilidade na área de segurança.

Então por que McCain? Minha resposta talvez surpreenda algumas pessoas — e, de certo modo, está posta naquele texto sobre Edward Hopper: em primeiro lugar, Obama e todo esse movimento de opinião, acho eu, podem tornar a América um país onde os fracos, unidos, fazem a força, entendem? Isso serve pra cabo de guerra, mas não para as nações. O melhor dos Estados Unidos está no fato de os americanos não darem muita bola uns aos outros. Em segundo lugar, se ele fizer um bom governo, será algo realmente surpreendente: sua experiência política é ridiculamente pequena. O fenômeno Obama tem muito, creio, de reativo. Em muitos sentidos, encarna o anti-Bush, tornado o senhor do Apocalipse. Se Obama quiser, dá até para ensaiar o discurso da “herança maldita”...

Aquele que é o Alfa e o Ômega começou a se tornar homem ontem à noite. Vamos ver como ele se sai no novo papel. Acho que os eleitores de McCain e eu vamos nos decepcionar menos do que os eleitores de Barack Obama e a imprensa americana e mundial. Afinal, ainda não é o doce fim da história que encerra o Apocalipse. É só o começo.
Por Reinaldo Azevedo | 05:57 | comentários (180)

APELO CONSERVADOR NO DISCURSO DA VITÓRIA

"Se há pessoas lá fora que ainda têm dúvidas de que a América é o lugar onde as coisas são possíveis, que duvidam que os sonhos dos nossos fundadores ainda estão vivos, se ainda questionam o poder da nossa democracia, esta noite, elas tem a sua resposta". Assim Barack Obama abriu o seu discurso da vitória.

É o Obama do apelo conservador, discurso que soube usar sempre com extrema habilidade ao longo da campanha. Ninguém mais do que ele — incluindo o republicano que foi à guerra John McCain — apelou tanto na campanha aos “fundadores”, aos “pais da pátria”. Ao falar de uma América onde “as coisas são possíveis”, é evidente que está se referindo, de forma oblíqua e exitosa, àquilo que muita gente achava impossível: um “afro-americano”, como dizem por lá, chegar à Presidência. Ele chegou. E sabe que o seu país ama os vencedores — e quem haverá de negar que ele é, hoje, o mais notório deles?

Era o Obama — protegido e paparicado pela imprensa americana e mundial porque é negro — falando acima das divisões impostas pelo racialismo vigente nos Estados Unidos. Mas não só isso: também falou de um país separado em estados “vermelhos” (republicanos) e “azuis” (democratas) para disparar, com os olhos severos e um olhar muito bem treinado para dar a impressão de que enxerga alguma coisa no horizonte: “Somos e seremos sempre os Estados Unidos da América”. E falou em "curar" as divisões do país.

O pacifista prometeu retomar o diálogo com o mundo, não porque os Estados Unidos tenham mais riqueza e mais armas, mas porque têm a força da convicção para poder dialogar. E todos os que detestam a guerra — quem gosta dela? — aplaudiram comovidos. Mas também fez um alerta àqueles que querem “derrubar” o mundo — e, nesse caso, fazia uma alusão aos terroristas: prometeu combatê-los. Ninguém deu muita bola.

O vencedor da noite investe na tal conquista histórica. Citou o caso de uma mulher de 106 anos que votava pela primeira vez. E observou que ela vira coisas como a chegada do homem à Lua e a queda do Muro de Berlim. E, agora, fizera questão de votar porque sabe que o país pode mudar. E exortou: “Nós vamos reconstruir a América, com mão calejada, tijolo por tijolo, para refazer o nosso país". Vitória, reconstrução, superação, triunfo...
Por Reinaldo Azevedo | 06:03 | comentários (15)

A HORA DOS TONTOS

É inacreditável!

A canalhada invadiu o blog de madrugada, com a delicadeza de sempre, sustentando que errei; que previ a vitória de John McCain. Não. Não previ. No artigo da VEJA do mês passado, eu disse que Barack Obama venceria. Escrevi que até o republicano deveria considerá-lo o favorito. EU TORCIA POR MCCAIN, O QUE É COISA BEM DIFERENTE.

Segue abaixo o trecho do artigo, com link para a íntegra. E, com a vitória de Obama, eu o assinaria hoje ainda mais do que antes. Ao longo desta quarta, direi por quê. E a petralhada fique tranqüila: eu sei muito bem o que escrevo.

* O mal-estar dos "progressistas"
A exemplo de todo mundo e do mundo todo, considero Barack Obama o favorito nas eleições presidenciais americanas – desconfio que até o republicano John McCain pense o mesmo. Com o tsunami que colheu a economia, a todos parece impensável, e a mim também, que o democrata perca a disputa. Até o dia em que escrevo este artigo, as pesquisas indicam, no entanto, um empate técnico entre ambos. Na contagem dos delegados, dada a tendência dos estados, McCain leva ligeira vantagem. O chamado "pensamento progressista" tem reagido de modo um tanto estranho aos fatos – especialmente depois da indicação de Sarah Palin para vice na chapa republicana.

O mal-estar dos "progressistas" com o persistente McCain chega a relativizar o valor da própria democracia – que só provará a sua força se Obama vencer. As virtudes e fraquezas dos postulantes deixam de ser debatidas na terra. O confronto é transferido para uma esfera abstrata, que o poeta Bruno Tolentino (1940-2007) chamava de "o mundo como idéia" – título de um formidável livro seu. Nesse lugar-nenhum, dá-se, então, o choque entre o velho e o novo, a mudança e a reação, os modernos e os reacionários. Como um dos lados da disputa advoga uma natural e intrínseca superioridade moral, resta evidente que uma eventual vitória de McCain poria em dúvida as virtudes do próprio sistema.

Há dias, um articulista do jornal inglês The Guardian escreveu que, por enquanto, considera injusto o antiamericanismo presente em boa parte do mundo. Mas, alertou, se Obama não for eleito, ele começará a achar que o ódio faz sentido. E aqui lhes deixo uma dica do que eu chamaria "modo de ler": percebam como o candidato democrata, com alguma freqüência, é apresentado como a chance que os americanos têm de se redimir perante a história, de se desculpar por todos os seus malfeitos, de fazer um ato de contrição. Bem, eu não creio que eles devam desculpas a ninguém.
Assinante lê mais aqui

Reinaldo Azevedo

O mal-estar dos "progressistas"

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