Reinaldo Azevedo
AI, AI... E A HISTÓRIA VOLTOU A TER “UM SENTIDO”! A eleição de Barack Obama ressuscitou um conceito que, não sendo exclusivo da historiografia e da sociologia marxistas, é, no entanto, um seu freqüente instrumento de análise: o “sentido da história”. Marxistas os mais diversos, dos mais idiotas (muitos) aos mais ilustrados (raros), apontam uma espécie de linha evolutiva da humanidade que, acreditem leitores, não se distingue muito daquilo que o homem comum chama “destino” — só que, no caso, trata-se de um “destino” da coletividade. Assim, os eventos históricos estariam livres da causalidade e do acidente. Tudo o que acontece teria sido antecipado como realidade larvar que fosse. A vida e a história seriam como um romance policial bem-escrito em que procuramos os indícios. No romance, se eles não existem, se o autor pode nos surpreender a qualquer momento com o fortuito e o incerto, então perdemos o interesse — como aconteceu com a série Lost. A vida como ela é não rende livros. E começo a desconfiar de que há quem ache que não rende nem jornalismo. Há uma busca desesperada pelo “fato histórico” e por seu "sentido". Já acreditei nisso, confesso. Não acredito mais. Quem atribui “sentido” à história são sempre correntes militantes: com ele, criam suas utopias, futuros dourados e até escatologias. E também relêem o passado, ficando a prevalência desse ou daquele revisionismos ao sabor das maiorias influentes da hora. Sim, claro, sabemos que o estouro da bolha imobiliária decorreu, como se diz, da fragilidade da regulação (o fato antecedente), mas ninguém poderia esperar, por mais que negros e brancos nos EUA estivessem em busca de um novo sentido para a história, que tal fato contribuiria para a eleição de um “afro-americano” — que, então, está destinado a marcar, como lemos, ouvimos e vemos, um novo período histórico, equiparável, segundo o próprio Obama, à queda do muro de Berlim. Fosse eu um desses vigaristas dialéticos, poderia cinicamente dizer aos entusiasmados da hora: “Agradeçam a George W. Bush, então, a chamada desastrada guerra do Iraque, o unilateralismo, a prepotência, a arrogância...” Ele foi, por vias oblíquas, uma espécie de libertador de virtudes. A era de ouro dos anos Clinton (quando a especulação também comeu solta) não trouxe à luz um Barack Obama, com seus dotes redentores. Foi preciso um brucutu republicano para que a América percebesse que tinha um encontro marcado com a história. Mas eu não sou um vigarista dialético. A América que elegeu Barack Obama — cujo discurso seria impossível, claro, logo depois do 11 de Setembro de 2001 (Bush estava no cargo havia sete meses) — já era uma América real antes disso que agora se toma como “O Advento”. A América que elegeu Barack Obama é também a América do discurso de John McCain, reconhecendo a derrota: “Ele era meu adversário, agora é meu presidente”. O mais impressionante é que o próprio eleito reconheceu isso na fala da vitória é sua abordagem inicial: sua eleição, afirmou, é uma resposta aos que duvidavam das virtudes da democracia americana. O que estou dizendo é que a América não estava “grávida” de Obama, esperando apenas a vinda do Messias, como fazem crer os maus poetas. E, à diferença do que dá a entender o jornalismo em escala planetária (com raras exceções), não elegeu um “afro-americano”, mas um americano que soube explorar com eficiência e método os descontentamentos todos com os oito anos de gestão de George W. Bush. E o auge da crise coincidiu justamente com o período eleitoral. É claro que se está fazendo com isso uma dada história — mas ninguém sabe qual. Seu “sentido, lamento dizer, será dado posteriormente. O mundo inteiro ligou Obama à luta pelos direitos civis e, claro, a Martin Luther King. Mas essa América agora saudada como democrática e virtuosa seria essa América ainda que um mestiço não tivesse chegado lá. Sei que é chato lembrar, mas a esmagadora maioria da população americana é branca — os “afro-americanos” são cerca de 13%, superados já pelos latinos: mais ou menos 14%. Quer dizer que os EUA, agora, só provarão mesmo ser uma democracia racial se um certo Juanito substituir Obama em 2017? A cobertura jornalística, na média, é patética — e não é só no Brasil, não. Parece que a eleição de Obama corresponde ao fim de um apartheid, o que é uma cretinice. Thomas Friedman, que está longe de ser um idiota, chega a dizer que é o último capítulo da Guerra Civil americana. Ah, tenha paciência! Já demonstrei aqui a farsa lógica que sustenta o raciocínio de que só o racismo poderia tirar a eleição de Obama. Relembro. Ele ganhou porque teve mais delegados. E, dizem, isso foi um sinal de superação do racismo. Ora, sendo impossível precisar o número exato de votos dessa “superação”, é forçoso concluir que todos os votos em Obama foram votos de superação — e todos aqueles dados a seu adversário caracterizam votos da reação racista. Assim, é uma obrigação deduzir que o fim do racismo nos EUA só seria demonstrado com 100% dos votos em Obama. SE HOUVER FALHA LÓGICA AQUI, CARTAS PARA O BLOG. Mas não é só isso. Por que os quase 70% de brancos dos EUA estariam sendo necessariamente racistas se votassem em alguém da sua cor? Gostaria de conseguir ver este "Novo Tempo" como quem pudesse viajar até o futuro e olhar o passado “É, olhem lá o sentido da história”. Mas eu não vejo sentido nenhum a não ser este: os americanos repudiam o governo Bush, o país vive a maior crise econômica em 80 anos, e os eleitores acharam que era hora de mudar (CHAAANGE!!!) de rumo para não mudar de América. Tomara que Obama seja, então, o cara! Torço porque sou, como direi?, americanófilo. Conto com os EUA para darem os pipocos necessários na canalha que insiste em aterrorizar as democracias ocidentais. Até porque europeus não são muito bons nisso. Arrematando: acho, sim, que a vitória de Obama é sinal de vitalidade da democracia americana. Mas a carnavalização do “evento histórico”, uma história feita, até agora, de incógnitas, só porque se supõe que Obama seja uma espécie de desafio ao establishment, bem, isso é sintoma de que os EUA estão infiltrados pelo antiamericanismo e de que o Ocidente, mais amplamente, está infiltrado pelo antiocidentalismo. Mas fica para outro texto. |
Por Reinaldo Azevedo | 06:29 | comentários (0) |
SOBRE CONJUNÇÕES ADVERSATIVAS E CAUSAIS
Tratei ontem jocosamente o noticiário online, que preferiu reportar a queda das Bolsas com uma adversativa de cunho, digamos, histórica: “Apesar da vitória de Obama, Bolsas caem”. Bem, o que uma coisa tem a ver com a outra? Compreendo que se possa esperar que ele tome medidas para recuperar a economia americana e mundial. Mas certamente os efeitos se darão num determinado prazo, não será coisa de um dia.
Suponho que tenha caído em vários lugares do mundo por motivos diferentes. E isso quer dizer que o “Mito Obama”, na fantasia jornalística, pode fazer disparar as Bolsas, mas o Obama de verdade, nessa fase ao menos, é irrelevante para os mercados. Quando começar a anunciar nomes para a administração e se estes nomes indicarem um sentido que possa ser traduzido num preço, então, aí sim, as decisões do presidente eleito poderão ter alguma influência.
Ademais, se os mercados tinham mesmo um preço para a eleição de Obama e outro para a de McCain, vocês acham que eles esperariam o dia da votação para fazer a opção?
Tomo o cuidado, confesso, de não transferir para o presidente eleito as restrições que estou fazendo à cobertura jornalística, pouco importa o meio, que transformou o homem numa celebridade. Querem chamar a eleição de um mestiço de “histórica”? Acho exagero, mas vá lá. Ocorre que a sensação é a de que ele já fez história também como presidente. Ainda não. Há pouco pensamento no ar e muita mitificação.
Ora, se a conjunção adversativa separa a eleição de Obama da queda das Bolsas, qual seria, certo como a luz do dia, o título para a mesma ocorrência se John McCain tivesse sido eleito? Eu não tenho dúvida: “McCain vence, e Bolsas despencam”. E este “e” valeria como uma conjunção causal:
“Porque McCain venceu, as Bolsas despencaram”. Uma das tarefas a que me dedico é justamente esta: apontar o que há de ilógico e/ou autoritário no discurso político. E o obamismo, ainda que a despeito do próprio Obama, mal começou e já é um prato cheio.