Sunday, August 29, 2010

Suely Caldas O Estado privatizado na eleição

Jornal: O Estado de S.Paulo
Domingo, 15 de agosto de 2010
Caderno: Economia
Seção: Opinião
Página: B2


              "Ministro tem que ser ministro. Se alguém quiser fazer campanha política depois do expediente, faça, em carro particular. Façam o que quiser, mas quero eles trabalhando", avisou o presidente Lula aos seus ministros e à imprensa na segunda-feira. Aí eles obedeceram, não foram às ruas nem a comícios e trabalharam trancados em seus gabinetes... para ajudar na campanha de Dilma Rousseff, em escancarado uso eleitoral da estrutura do Estado e da máquina pública - que pertence aos brasileiros, não a partidos políticos - em defesa de um candidato.
            Na terça-feira o ministro Guido Mantega dispensou seu secretário de Política Econômica e decidiu ele próprio divulgar para a imprensa o rotineiro boletim Economia Brasileira em Perspectiva, que desta vez trazia uma empolgante novidade: comparava os desempenhos dos governos FHC e Lula com números (alguns errados) cuidadosamente fisgados para mostrar fracasso e sucesso de um e de outro. Assim, sem sair do gabinete, o militante Mantega socorria Dilma que, em entrevista à TV Globo na noite anterior, culpou o governo FHC pelas baixas taxas de crescimento nos sete anos do governo Lula. Horas depois os números viraram manchete no site da campanha da candidata.
            Não foi só Mantega. Atento à entrevista do oposicionista José Serra à TV Globo, na quarta-feira à noite, seu colega José Gomes Temporão ordenou aos funcionários imediata e urgente resposta às críticas feitas pelo tucano na entrevista. Agiu rápido: às 22h30 o Ministério da Saúde disparava e-mails para a imprensa contestando os dados apresentados por Serra e glorificando a atual administração na Saúde. Grudada e dependente de Lula nesta eleição, o maior trunfo de Dilma é a gestão do padrinho. Por isso mesmo Lula orientou os ministros a reagirem imediatamente, menos para exercer o direito de defender seu governo e mais para impedir que críticas da oposição prejudiquem sua candidata. Novamente, a versão do Ministério da Saúde foi parar no site de Dilma.
            O ministro dos Transportes, Paulo Sergio Passos, não foi tão rápido. Só no dia seguinte divulgou nota explicando a falta de investimento em estradas e as falhas denunciadas pelo tucano nas rodovias paulistas. Já o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que traiu sua tradição histórica de órgão técnico para se transformar num apêndice político a serviço do governo Lula, não poderia ficar de fora da campanha eleitoral. Na quinta-feira divulgou estudo sobre a influência dos municípios no PIB, defendendo a ampliação de programas do governo Lula, incluídos nas propostas de Dilma, para reduzir desigualdades regionais. Sob o comando do petista Marcio Pochmann, seus economistas não precisam ir às ruas gritar pelo nome de Dilma. É mais eficaz usar suas horas de trabalho, funcionários de apoio, estrutura e computadores do Ipea.
            Com Lula à frente, seguido pelos petistas trazidos para ajudá-lo a governar, há quase oito anos o País passou a ser administrado com o bastão do interesse político-partidário-eleitoral comandando ações e decisões do governo. O PT passou 20 anos na oposição contestando todos os governantes que o antecederam, com o único e obsessivo propósito de derrotá-los. No Congresso não avaliava as propostas pelo interesse da população e do progresso do País. Era contra por pura selvageria, pela oposição "a tudo o que está aí", sem definir o quê. E pronto. Foi contra a política econômica de FHC, que depois adotou; contra o Bolsa-Escola, que preservou e rebatizou de Bolsa-Família; contra até o Plano Real, que derrubou a inflação.
E, quando finalmente chegou ao poder, trouxe para o governo sua prática de 20 anos: o interesse político-partidário-eleitoral passou a comandar as decisões do governo. Para isso aparelhou o Estado com seus militantes e os de partidos aliados loteando milhares de cargos públicos. Nesse jogo de poder, e ainda mais nesta eleição, Lula e o PT misturam público e privado, abusam do uso do Estado, ofendem e desrespeitam os brasileiros. Como já disse o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga: "É preciso reestatizar o Estado."
JORNALISTA, É PROFESSORA DA PUC-RIO E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR

Quebra de sigilo é fruto de 'banditismo', diz Gilmar Mendes-folha 29/08

FELIPE SELIGMAN

DE BRASÍLIA

Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, 54, afirmou que a quebra de sigilo fiscal de pessoas vinculadas a tucanos é fruto de "banditismo político" e revela "paradigmas selvagens da política sindical".

Em entrevista anteontem à Folha, ele disse que "o servidor público não pode usar button", numa referência àqueles que usam o cargo em benefício de seus partidos.

Mendes criticou o aparelhamento político do serviço público brasileiro, ao dizer que se trata de "uma anomalia que se normalizou". "Os funcionários públicos precisam entender que não estão a serviço de uma instituição partidária", declara.

Segundo ele, o episódio do vazamento da Receita Federal é algo típico de "partidos clandestinos que utilizavam dessas práticas como um instrumento de defesa contra um regime ditatorial".

No comando do STF (2008-2010), o ministro ficou conhecido por críticas que fez ao que chamou de Estado policial e "espetacularização das prisões" pela Polícia Federal, que, segundo ele, estava fora de controle.

Folha - Como o sr. avalia esse vazamento de informações sigilosas da Receita Federal?

Gilmar Mendes - É algo assustador e lamentável. Sobretudo quando ocorre em uma instituição profissionalizada e profissional como a Receita Federal.

O sr. vê alguma relação com o grande número de cargos em comissão?

Claro. O aparelhamento de instituições é algo grave e nocivo ao serviço público do país. Os funcionários públicos precisam entender que não estão a serviço de uma instituição partidária. Quando fazem isso, estão descumprindo o princípio democrático.

Esse aparelhamento é tratado como algo natural no Brasil?

O servidor não pode usar button e isso é algo que se transformou em cultura ao longo do tempo. É uma anomalia que se normalizou.

Mas não existe só na Receita. É algo que se generalizou?

Para atender a interesses partidários, os interesses democráticos são desrespeitados. Isso acontece em qualquer órgão [aparelhado]. É o funcionário da Receita que quebra sigilo fiscal. É o funcionário de um banco que quebra o sigilo bancário.

Como combater isso, já que, como o sr. mesmo diz, se normalizou?

É preciso punir gravemente essa cultura de dossiês no país. Os partidos que se utilizaram disso têm que pedir desculpa. Têm que fazer um mea culpa. Porque isso é típico de partido da clandestinidade e não pode ocorrer em um regime democrático.

O aparelhamento é uma característica genuinamente brasileira?

Em outros países democráticos é pequeno o número de funcionários com ligações partidárias porque existem poucos cargos em comissão. Aqui costumamos ver funcionários públicos a serviço de siglas partidárias. É coisa de partido clandestino que atuava contra regimes autoritários. Mas é preciso entender que não vivemos mais sob tais condições. Vivemos em um regime democrático e isso é inadmissível.

O sr. atribui o vazamento na Receita apenas à cultura de clandestinidade partidária?

Não. A cultura do vale-tudo da política sindical também pode estar ligada a tudo o que vem acontecendo. Não se pode transpor ao mundo político institucional os paradigmas selvagens da política sindical. Também vejo isso como outra fase do patrimonialismo. Aqueles que estão no poder acham que podem fazer tudo por estarem lá.

E eles podem?

Hoje a Receita pode, por exemplo, quebrar sigilo bancário em procedimentos administrativos sem autorização judicial. Isso é permitido por uma lei complementar [105 de 2001] que inclusive foi contestada no Supremo [Ação Cautelar 33, atualmente sob um pedido de vista da ministra Ellen Gracie]. Mas quem confiará em um órgão que age dessa maneira?

Por episódios como esse, é possível que o Supremo derrube essa lei?

O Supremo pode discutir isso e deve fazer. Mas, como eu venho dizendo, é preciso que se edite uma lei de abuso de autoridade para punir quem age dessa maneira. Neste caso, porém, o fenômeno é ainda mais grave. É preciso punir tanto aquele que passa as informações como aquele que recebe. Porque quem pega essas informações e as utiliza está estimulando esse tipo de prática.

E como é possível punir aquele agente partidário que recebe as informações?

É como no crime de receptação. Tanto participa do crime aquele que furta como aquele que compra o objeto furtado. Por isso que as agremiações políticas também devem ser responsabilizadas por receber essas informações. Ou então devem ir a público e repudiar esse tipo de prática de banditismo político. Porque isso não tem nada a ver com política partidária.

O sr. vê o PT envolvido nesse vazamento?

Isso eu não posso dizer, mas é preciso verificar quem está por trás disso. Se for partido de governo é algo ainda mais grave. Quando a Receita é aparelhada, os Correios são aparelhados, quem é que vai confiar nessas instituições? E quando elas ficam desacreditadas, abre-se espaço para aventuras antidemocráticas.

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