Saturday, May 29, 2010

Carta ao Leitor


Uma Copa interativa

Vitale, Júlio César e Altman
No estúdio em Milão, onde o goleiro foi filmado defendendo os pênaltis que você vai cobrar

Esta revista que você tem em mãos é a primeira edição interativa de VEJA. Ela oferece o tradicional conteúdo impresso para ler e ver, mas traz também sinais gráficos como o estampado aqui, na capa e na página 91. Esse selo é a chave que abre as portas para uma série de atividades interativas na internet. Para aproveitá-las, é preciso ter um computadorcom conexão de internet e, idealmente, uma webcam. Depois basta entrar no site de VEJA.com, clicar neste símbolo e apontar a capa da revista para a webcam. Alternativamente, pode-se navegar direto para o endereço www.veja.com/capa. Mesmo quem não dispuser de webcam poderá usar versões de alguns dos programas interativos.

Tendo Júlio César, goleiro da Seleção Brasileira de Futebol, como mestre de cerimônias, você dará um mergulho digital e interativo no mundo de sensações da Copa da África do Sul. Júlio César vai defender suas cobranças de pênalti, em que as chances de acerto foram calibradas de acordo com as mais completas e recentes estatísticas colhidas por cientistas da Universidade Ben-Gurion, de Israel. Se preferir, o programa permite que você tenha seu dia de camisa 1 e defenda os pênaltis. Sopre no microfone do seu computador e simule o som das insuportáveis cornetas plásticas, as "vuvuzelas", da torcida sul-africana. Vista os diversos uniformes históricos da seleção brasileira, tire uma foto sua com cada camisa e passeie pela galeria dos craques do passado assistindo a vídeos em que eles contam histórias das Copas.

Neste número de VEJA, você recebe também um guia impresso completo para acompanhar a seleção brasileira – que estreia no próximo dia 15, terça-feira, em Johannesburgo – e avaliar a força dos nossos adversários nos gramados sul-africanos. Esta edição interativa começou a ser produzida no ano passado. Houve alta tensão antes da sessão de fotos, feitas pelo experiente Paulo Vitale, e da gravação das cobranças de pênalti com o goleiro Júlio César em um estúdio de Milão, onde ele defende a equipe da Internazionale, campeã da Europa. "Estava tudo acertado quando soubemos que o Júlio César batera sua Lamborghini e o acidente o deixara com o rosto machucado e inchado", conta Fábio Altman, editor de Especiais de VEJA e responsável pela edição interativa. "Adiamos as filmagens por quatro dias e contratamos um maquiador de cinema que retocou o rosto do nosso craque sob as traves." Foi um golaço.

Entrevista: Jamie Oliver


A cozinha é para todos

O chef-celebridade inglês diz que, mais do que um traço de genialidade ou uma habilidade fora do comum, cozinhar bem requer esforço e paciência


Roberta de Abreu Lima

Lynn Goldsmith/Corbis/Latinstock
"Os erros ao fogão são
tão comuns quanto frustrantes.
A maioria dos novatos
que desistem não resistiu
às primeiras decepções"


Com treze livros publicados e um programa de TV exibido em mais de quarenta países, nenhum chef de cozinha é tão conhecido no mundo inteiro quanto o inglês Jamie Oliver, 35 anos. Há quase duas décadas no ramo, ele começou a se interessar por culinária quando ajudava os pais no pub da família, em Clavering, o vilarejo onde passou a infância. O que o alçou à celebridade não foi exatamente a excelência técnica, marca registrada dos chefs estrelados, mas sua capacidade de ensinar a cozinhar de forma simples e realista. Ele diz: "Não é preciso ser um grande gênio para produzir pratos excepcionais". Sempre em viagem pelo mundo na busca por novos ingredientes, Oliver falou a VEJA de Londres, onde vive com a mulher e as três filhas.

O senhor defende em seus livros e na TV a ideia de que qualquer um pode se tornar um bom cozinheiro. Como, exatamente?
Há muitos mitos em torno da figura do cozinheiro. É como se fosse alguém de posse de um talento sobrenatural capaz de promover milagres ao fogão. Isso não apenas não corresponde à verdade como espanta muita gente da cozinha por não se achar à altura da função. Pois, mais do que um traço de genialidade ou uma habilidade fora do comum, cozinhar bem requer esforço e paciência em graus elevados. O segredo está na repetição. É preciso executar uma mesma receita dezenas de vezes, até ela funcionar, para depois começar a modificá-la aqui e ali. Cozinhar exige também completa ausência de frescura e alta dose de sangue-frio na hora de sujar as mãos e manusear toda sorte de ingrediente – coisa que nem todo mundo está disposto a encarar. São pré-requisitos que, definitivamente, não têm nada a ver com a imagem do glamour tão difundida por aí.

Os grandes chefs são obcecados pelas técnicas culinárias, mas o senhor parece não dar muita importância a elas...
Qualquer um que se pretenda bom cozinheiro precisa dominar um conjunto básico de técnicas, sim, mas elas não são de alta complexidade. Ao contrário. Para quem não ambiciona se tornar um profissional da área, as técnicas necessárias para produzir pratos excepcionais em casa são tão simples que um autodidata tomado de determinação e com tempo pode assimilá-las sem grandes traumas nem sobressaltos. Quem acha que culinária é só coisa de artista vai discordar de mim, mas impressiona como as mãos se acostumam às tarefas da cozinha, até elas se tornarem puramente mecânicas. A gastronomia pode ser uma atividade altamente penosa.

Em que sentido?
Os erros na cozinha são tão frequentes quanto frustrantes. Minha experiência mostra que a maioria dos novatos que acabam desistindo de cozinhar o faz justamente porque não resistiu às primeiras decepções diante de uma receita que desandou ou de um prato que, depois de horas a fio de trabalho árduo, saiu queimado do forno. A questão central é que qualquer um com um mínimo de determinação e inteligência pode seguir em frente. Não é exagero afirmar que em nenhum outro período da história foi tão fácil tornar-se um bom cozinheiro.

Por que cozinhar bem se tornou mais fácil?
Houve grandes avanços em duas frentes. Primeiro, os utensílios nunca foram tão funcionais. Isso poupa o tempo antes gasto com tarefas enfadonhas, como picar legumes – um trabalho hoje executado por processadores que são verdadeiras Ferraris da cozinha. Melhor ainda: eles proporcionam tais cortes com a mesma maestria de um bom cozinheiro. Também pesa em favor dos iniciantes a incrível variedade de ingredientes encontrados nos supermercados e feiras livres. Eles costumavam ser bem raros e caríssimos, restritos às rodas dos chefs profissionais. Na última década, porém, a globalização vem tratando de popularizar os azeites de alto padrão e os temperos exóticos. Eles têm um peso decisivo na excelência de um prato – talvez até maior que o da mão do próprio chef.

O senhor, afinal, não acredita em genialidade na cozinha?
Como em qualquer área, existe na gastronomia um grupo de profissionais capazes de romper com as velhas fórmulas e inovar de forma surpreendente. Estes criam técnicas e servem de inspiração para os colegas. Mas isso não quer dizer que sejam os melhores do ramo. Uma espuma produzida sob os pilares da tão celebrada cozinha molecular é sempre interessante, e ninguém discorda disso – mas não será necessariamente saborosa. E pagar caro por ela pode não valer a pena. Muitas vezes, não é num restaurante estrelado sob o comando de um chef de renome que se encontrará a melhor comida, mas sim num bistrô mais simples e despretensioso. E quem costuma sair para comer fora já entendeu isso. Nas grandes cidades do mundo, os habitués de restaurantes compõem um grupo bastante ciente daquilo que quer.

As pessoas se tornaram mais exigentes em relação à comida?
É um fato inquestionável. Há evidências de que o próprio paladar das pessoas está mais apurado do que no passado. Elas estão mais críticas. Essa evolução se dá, justamente, à medida que se popularizam os temperos e a culinária de diferentes países. O paladar vai sendo educado. Nas grandes metrópoles do mundo, a oferta de bons restaurantes também cresceu exponencialmente. E, num cenário de nível elevado, espera-se que as pessoas se tornem ainda mais criteriosas e exigentes. O dado bom é que elas podem escolher à vontade.

É mais difícil hoje prosperar no ramo da gastronomia?
Sem dúvida, a sobrevivência ficou mais dura para donos de restaurante como eu. Para se ter uma ideia, os mais chiques precisam concorrer hoje com aqueles bistrôs comandados por chefs estrelados, como os franceses Yves Camdeborde e Christian Constant. São profissionais que desceram um degrau na escala do luxo por uma mudança de comportamento que vem se acentuando nos últimos anos.

A que mudança o senhor se refere?
Sempre haverá espaço para o luxo e a alta gastronomia, especialmente quando se trata de boa comida – mas as pessoas estão mais ciosas e conservadoras na hora de gastar fortunas comendo fora. Esse é um consenso entre meus colegas. Evidentemente que a ida a um restaurante de alto padrão proporciona uma experiência que transcende a da própria comida, e isso tem seu preço. O ambiente é impecável. Há a liturgia dos vários pratos. O chef-celebridade passeia pelas mesas. Isso ninguém vai ter num bistrô. Só que hoje quem oferece comida mediana cobrando preço alto já está tendo mais dificuldade de sobreviver. Também está saindo de moda aquele grupo de restaurantes em que é preciso esperar dois meses para conseguir uma mesa, e, ao terminar o tão almejado jantar, você tem de passar numa pizzaria porque ainda está com fome. Ou até completar a refeição em casa mesmo, onde a comida é muitas vezes mais fresca.

O senhor está dizendo que a comida nos restaurantes não é fresca?
Não é segredo que mesmo bons restaurantes compram comida em grande quantidade, para ganhar na escala, e congelam. Cozinhando em casa, não só essa variável é mais controlável como também a do próprio preparo dos pratos, que pode se dar em bases mais saudáveis do que num restaurante. Em minha terra natal, a Inglaterra, até hoje as pessoas saem para comer fora o tradicional fish and chips (peixe frito com batata frita), boiando em gordura. É horrível. Felizmente, a gastronomia inglesa já evoluiu muito. Temos, no entanto, um atraso histórico – difícil de recuperar.

Qual é a razão para o atraso inglês na gastronomia?
Depois da II Guerra, os ingleses canalizaram todos os esforços para recuperar a economia e abandonaram a cozinha, que até aquele momento não estava entre as piores da Europa. Sem o hábito de cozinhar, a comida foi decaindo até se tornar péssima, tal qual a dos americanos. Quando ingressei no ramo, na década de 90, o cenário gastronômico da Inglaterra se restringia a alguns poucos – e caros – restaurantes e a muito peixe frito. Hoje, a comida voltou a ser um assunto que desperta não apenas o interesse como a ambição dos ingleses de fazer frente a outros países europeus. Causa comoção, por exemplo, o fato de chefs como Heston Blumenthal, do festejado The Fat Duck, serem reconhecidos mundialmente. Mas estamos ainda a anos-luz dos franceses, o que para um inglês típico não é exatamente algo agradável de constatar.

Nenhum país reúne tantos restaurantes com estrelas no Guia Michelin, a bíblia da gastronomia, quanto a França. O senhor concorda que a comida fran-cesa ainda é imbatível?
No quesito "culinária tradicional", aquela pre-parada ao longo dos séculos não apenas nos restaurantes mais badalados de Paris como também nos pequenos vilarejos do interior, os franceses são insuperáveis – assim como no rigor técnico. O problema é a inflexibilidade dos chefs de lá diante das novi-dades. O efeito disso se vê no prato. É a culinária, afinal, que perde.

Por que o senhor diz isso?
Fechados à influência de outras culturas, os chefs franceses acabam se privando daquilo que tem feito com que tantos países avancem na gastronomia: a mistura de técnicas e ingredientes de muitas origens e variedades. A cultura gastronômica se reinventa no ritmo da globalização. Cozinheiros de todos os continentes trocam experiências a toda hora e até on-line. O fluxo de ingredientes intensificou-se. Nesse cenário, os chefs mais conservadores são justamente os franceses. A culinária da Espanha é hoje tão forte quanto a da França e é também infinitamente mais inventiva justamente porque soube se beneficiar dessa abertura para o mundo.

Em seu novo programa, exibido na televisão americana, o senhor trava uma guerra contra o fast-food. É possível mudar os hábitos alimentares nos Estados Unidos?
Mexer com hábitos alimentares tão arraigados requer tempo, mas acho que é factível. Quando iniciei uma campanha por lanches mais saudáveis nas escolas inglesas, por exemplo, muita gente me tachou de louco, mas as crianças aos poucos começaram a trocar as frituras por opções mais saudáveis. Basta para isso que as trocas se deem em bases realistas. Não dá para esperar que as pessoas abandonem, de uma hora para outra, aquilo que gostam de comer – mas elas podem sempre tornar esses pratos um pouco mais saudáveis. Nessa linha e para desgosto dos mais xiitas, eu ensino receitas à base de produtos congelados e enlatados, sem preconceitos. Tão enfronhados na cultura gastronômica moderna, não dá simplesmente para bani-los da mesa. Nossos maiores inimigos são, na realidade, as redes de fast-food.

Mas até em seu novo livro, A América de Jamie Oliver (Editora Globo), o senhor ensina a preparar pratos calóricos típicos das redes de fast-food. Não é um contrassenso?
Minha guerra não é contra os alimentos calóricos, mas contra os produtos processados, cheios de gordura e desprovidos de qualquer nutriente – ou sabor. Um hambúrguer pode ser saudável e até pouco engordativo, se for preparado à base de carne magra de boa qualidade e servido ao lado de legumes grelhados e de uma salada de folhas, não de batata frita. O problema é que você não vai encontrar um hambúrguer assim no McDonald’s. E a maioria dos americanos só quer saber de comer nesse tipo de lugar. Por isso atingem índices tão elevados de obesidade desde a infância.

Alguns críticos já declararam que seus restaurantes são ruins. Como o senhor lida com eles?
Só tenho uma coisa a dizer aos críticos: meus restaurantes não têm estrelas no Guia Michelin, é verdade, mas estão sempre com fila na porta. Não é esse, afinal, o melhor indicador de que a comida agrada?

Maílson da Nóbrega


O Banco Central erra, mas...

"É assim que funciona. O BC mira o ‘balanço de riscos’.
Quando o risco é de inflação, aumenta a taxa de juros;
se é de crescimento, diminui"

Compostos de seres humanos, os bancos centrais erram. O americano Federal Reserve cometeu equívocos famosos. Errou após o colapso da bolsa em 1929, contribuindo para a Grande Depressão. Errou durante a Guerra do Vietnã, provocando forte inflação. Diz-se que causou a crise de 2007-2008 ao manter a taxa de juros baixa por muito tempo.

É difícil antecipar com segurança esse tipo de erro, mesmo porque os acertos dos bancos centrais são muito maiores. Por exemplo, antes da crise muitos apontavam o suposto erro do Fed, mas isso nunca foi pacífico. Economistas de renome sustentam que outras causas seriam as responsáveis maiores pelo desastre.

Recentemente, o ex-governador José Serra fez duras críticas ao Banco Central. "Não baixar os juros num contexto em que não tinha inflação simplesmente foi um erro." Assim, o presidente da República "tem de fazer sentir sua posição" se houver "erros calamitosos". A autonomia do BC deveria ser exercida "dentro de certos parâmetros".

Ora, é assim que funciona. O BC mira o "balanço de riscos". Quando o risco é de inflação, aumenta a taxa de juros; se é de crescimento, diminui. O Fed deve, por lei, promover a estabilidade de preços e o crescimento, mas não busca um objetivo em detrimento do outro. Também adota o princípio do "balanço de riscos".

A autonomia operacional de um banco central se funda na ideia de que a estabilidade dos preços é um bem público essencial para o crescimento, para os avanços sociais e para a estabilidade política. Isso implica recrutar gente altamente qualificada, capaz de acertar ao máximo a identificação daqueles riscos.

A autonomia do BC ainda é uma criança se comparada à do Fed (1913). Esse status começou a ser construído nos anos 1980, com medidas que incluíram o fim de suas funções de desenvolvimento, incompatíveis com as de autoridade monetária. A autonomia se firmou com a criação do Comitê de Política Monetária, o Copom (1996).

O BC dispõe de amplas informações e experiência para evitar erros. O acervo de boas decisões já é vasto. Técnicos bem treinados se dedicam à tarefa de assessorar os membros do Copom. O bom nível de transparência e previsibilidade é reconhecido aqui e no exterior. Claro, o BC não é uma unanimidade, nem isso é desejável.

O controle político do BC, sugerido por Serra, não existe em outros países. Nas democracias, o chefe do governo está limitado por normas e práticas – as instituições – que inibem a ação voluntarista. O êxito da democracia e da economia de mercado deriva da criação de inibidores institucionais à ação discricionária e imprevisível dos governantes.

Se o presidente pode "fazer sentir sua posição", a autonomia do BC inexiste. E se for ele o equivocado? O potencial de erros diminui com o nível de qualificação profissional da diretoria. Se o BC puder receber ordens, somente os pouco qualificados aceitarão o convite. Os agentes de mercado se sentirão inseguros. O BC perderá a capacidade de coordenar expectativas. O custo de combater a inflação será mais alto.

Serra disse que os diretores do BC não são eleitos. Esse é um velho ponto. Quem não foi escolhido pelo povo tem legitimidade para decidir sobre a taxa de juros? Onde a autonomia do banco central é legal, a legitimidade deriva da delegação de autoridade, concedida pelos que foram eleitos. O objetivo é manter o banco à margem de interesses políticos imediatos, preservando um bem valorizado pela sociedade.

Em geral, a contrapartida da delegação de poder é a prestação de contas ao Parlamento. No Brasil, a autonomia do BC costuma ser questionada, mas a instituição não tem obrigação de prestar contas ao Legislativo. Melhor seria colocar em lei a autonomia e o comparecimento regular ao Congresso. De quebra, isso lembraria aos nossos políticos o papel que lhes cabe na manutenção da estabilidade. Em vez de críticos, partícipes.

Serra é um grande líder político, culto e experiente. Parece imaginar que, na Presidência, consertaria um "erro calamitoso" do BC sem que isso significasse "virar a mesa". Creio que não cometeria a temeridade. Falariam mais alto o bom senso e o peso do cargo. Ele não confundiria ousadia com irresponsabilidade.

Radar



Paulo Celso Pereira
papereira@abril.com.br

JUSTIÇA

Batata quente no STJ
Chegou ao STJ o inquérito da Polícia Federal que investiga se houve tráfico de influência na milionária compra da Gamecorp, a empresa de Fábio Luís, filho de Lula, pela Telemar (hoje Oi), em 2005. Por que foi para lá? Porque ninguém na primeira instância quer ficar com a batata quente. A apuração começou em junho de 2007 no Rio de Janeiro, mas a Justiça Federal do estado remeteu-a para São Paulo, onde fica a sede da Gamecorp. A Justiça paulista, porém, discordou da decisão e em novembro de 2008 devolveu o processo para o Rio. Em agosto do ano passado, os cariocas quiseram novamente se livrar do problema e devolveram os autos para São Paulo. Desta vez, para acabar com a ponte aérea, a Justiça paulista enviou a investigação ao STJ, a instância responsável por resolver esse tipo de impasse. O caso está nas mãos do ministro Jorge Mussi.

ELEIÇÕES

PTB fora da guerra na TV
Roberto Jefferson conseguiu uma forma de colocar José Serra no programa do PTB sem correr o risco de o TSE cassar a propaganda do partido em 2011. Jefferson pedirá ao marqueteiro tucano Luiz Gonzalez que use apenas imagens da convenção do partido. A cerimônia que sacramentará oficialmente o apoio a Serra será realizada cinco dias antes de o programa ir ao ar. Esse formato já foi utilizado pelo PTB em 2002 com sucesso.

Pio Figueiroa/Valor/Folha Imagem
Ministro Meirelles
Não deu para Henrique Meirelles ser vice na chapa de Dilma Rousseff, como Lula e ele próprio queriam. Beleza. Mas Meirelles agora trabalha com toda
a discrição possível para ser ministro da Fazenda num eventual governo Dilma Rousseff. Ou ministro do Planejamento, em um ministério com mais atribuições que o atual. Meirelles tem tudo para levar o que deseja.
Guarda-chuva
Meirelles não conseguiu a vice,
mas luta por ministério

GOVERNO

Um bilhão e meio à deriva
O TCU descobriu que o Banco do Nordeste deixou de cobrar nada menos que
1,5 bilhão de reais de empréstimos concedidos com recursos de um fundo de fomento do Nordeste. Cerca de 29 000 clientes teriam se beneficiado da negligência. Há casos de empréstimos contraídos faz mais de dez anos e que não foram cobrados uma vez sequer.

MENSALÃO

Rodrigo Clemente/Pagos
Nas asas de Valério
O Ministério Público Federal conseguiu novos e fortes indícios de que Marcos Valério corrompeu o procurador da Fazenda Nacional Glênio Sabbad para ajudar empresas do esquema do mensalão a se livrar de dívidas. O MPF já sabia que contas bancárias de companhias e familiares de Glênio haviam sido abastecidas com 1,5 milhão de reais do valerioduto. Agora, o MP descobriu que a SMP&B, de Valério, bancou cerca de sessenta passagens aéreas e hospedagem para o procurador ir encontrar-se com o carequinha em Belo Horizonte, São Paulo e Brasília. Muitas vezes, as reuniões aconteciam no período em que Glênio deveria estar dando expediente na Fazenda Nacional.
O corruptor
MP descobriu que Valério dava passagens aéreas a procurador

ECONOMIA

Liderança inabalável na publicidade
O ano de 2009 começou para as Casas Bahia com a tensão da grave crise internacional e terminou com a truncada fusão com o Pão de Açúcar. Mas nada disso tirou da empresa a liderança no ran-king de maiores anunciantes do país que será divulgado nos próximos dias peloMeio & Mensagem e Ibope Monitor. A rede varejista gastou 1,18 bilhão de reais em anúncios no ano, apenas 2% a menos que o investido em 2008. É mais que a soma do que despenderam a segunda e a terceira colocadas do ranking, Unilever e AmBev, respectivamente.

Nike na corrida
A febre das corridas no Brasil atiçou a Nike. O gigante americano estima que, até o primeiro semestre do próximo ano, pode dobrar seu faturamento vendendo equipamento a corredores.

ESPORTE

Sem patrocínio
A pouco mais de um ano da realização no Rio de Janeiro de sua quinta edição, os Jogos Mundiais Militares ainda não têm um patrocinador sequer. Os organizadores do maior evento esportivo militar mundial juram que não estão preocupados. Mas deveriam estar – tanto eles quanto os contribuintes. O evento custará cerca de 1,1 bilhão de reais e receberá 6 000 atletas de 110 países. Sem o apoio de empresas, todas as despesas ficarão nas costas largas da União.

CULTURA

A insuperável marchinha

Oscar Cabral
Muito se falou do Rebolation, mas, entra ano, sai ano, a febre do Carnaval são mesmo as marchinhas. Levantamento realizado pelo Ecad mostra que, das vinte músicas mais tocadas em fevereiro nas casas de festas e eventos de rua país afora, dezoito eram do gênero. As duas exceções são o frevo Vassourinhas,na 14ª posição, e, aí sim, o intragávelRebolation, em vigésimo. O pódio ficou para Mamãe Eu Quero, Cabeleira do Zezé e Me Dá um Dinheiro Aí. Entre os compositores, os cariocas João Roberto Kelly, Braguinha e Lamartine Babo foram os mais tocados.
Balancê
O Carnaval ainda se faz com Braguinha e as marchinhas

Pelos bens de Collor

Anderson Schneider
Ex-primeira-dama
Rosane muda estratégia para conseguir parte dos imóveis
de Collor


Rosane Collor já dá como quase certa a derrota no julgamento do processo de partilha de bens contra Fernando Collor, previsto para junho. Mas se engana quem pensa que ela desistirá de brigar na Justiça pelo patrimônio do ex-marido. O que vai mudar é a estratégia. Seu novo advogado pretende entrar com outra ação alegando que a ex-primeira-dama colaborou para a projeção política de Collor. Em vez de pleitear a divisão total dos bens, como Rosane faz desde a separação, em 2005, pedirá uma cota de participação nas Organizações Arnon de Mello, que é legalmente a dona da maioria dos imóveis de Collor. A defesa de Rosane também está convencida de que é preciso tirar o caso da Justiça de Alagoas, onde o ex-presidente tem grande influência, e levá-lo para Brasília.


Colaboraram Ricardo Brito e Thiago Prado

Ordem na casa do Lago Sul


O comando da campanha do PT à Presidência teve de intervir pesado para evitar que companheiros afoitos reeditassem o escândalo dos "aloprados" de 2006


Policarpo Junior e Daniel Pereira

Fotos Sergio Dutti e Ronaldo de Oliveira/CB/D.A Press
NOS OLHOS DOS OUTROS
O ex-prefeito Fernando Pimentel, coordenador da campanha de Dilma, desconfiou de grampos na casa, mas para ele nenhum telefone é seguro


"Campanha é lama, irmão!" Este era o bordão usado por um operador de terceiro escalão do PT de São Paulo quando seu chefe-candidato perguntava se ele e a turma não estariam indo longe demais nas atividades de coleta de evidências potencialmente desastrosas para os adversários. O candidato foi aceitando a justificativa até que a lama estourou mesmo foi no colo dele. O PT nacional agiu de forma bem mais rígida com os companheiros sinceros mas radicais que estavam tentando montar em Brasília um esquema de espionagem de adversários e até de correligionários rivais baseados na ideia de que campanha é lama. Os companheiros mais afoitos foram ao mercado em busca das competências necessárias à execução das missões planejadas. Profissionais para esse tipo de trabalho abundam em Brasília, e eles foram contatados. São policiais, ex-agentes dos serviços de espionagem do governo e detetives particulares especializados em obter provas de adultério ou fazer varreduras ambientais e telefônicas para afastar a possibilidade de grampos. A turma começava a exercitar os músculos e testar suas rotinas subterrâneas quando o pessoal do andar de cima soube do que se passava naquela casa do Lago Sul protegida por muros altos e vigiada por seguranças. Desceu sobre eles então uma rajada de bom senso vinda do comando da campanha mandando parar com toda atividade de inteligência que se valesse de métodos ilegais. Houve gritos de "é para parar com isso já" e ameaças de demissão dos envolvidos nos planos.

Fotos Sergio Dutti e Jose Varella
ESTRANHOS NO NINHO
O delegado Onésimo (à dir.), que foi convidado para chefiar o grupo de "inteligência" do PT, e o "contador" que cuida dos pagamentos do comitê (à esq.)


"Já tivemos problemas demais com esse tipo de coisa no passado, deixando que fosse muito longe. A ordem agora foi cortar tudo pela raiz de uma vez por todas", diz um dos mais próximos colaboradores de Dilma Rousseff, candidata do PT, de quem partiu a ordem irada para alagar os porões que, de outra forma, iniciariam suas operações. Dilma deixou claro a outro colaborador próximo sua posição sobre a questão: "Não é para fazer nada disso. Se fizer, demito. Mesmo assim, se aparecer sobre minha mesa, jogo no lixo sem ler". Bill Clinton, ex-presidente dos Estados Unidos, dizia com amargura que algumas vezes ele se sentia de pés e mãos amarrados no exercício do cargo, como se desse ordens em um cemitério: "Ninguém embaixo ouve". Se na Presidência é assim, o que não seria em uma campanha presidencial?

Em outras palavras, será que a estrutura montada na casa de Brasília, alugada por 18 000 reais, onde trabalham dezenas de pessoas, deu marcha a ré na linha de montagem de ilegalidades e passou a funcionar apenas como o braço de comunicação e internet da campanha? Ninguém pode responder com toda a certeza. O que se sabe é que a linha justa foi dada por Dilma Rousseff - e é sobejamente conhecida sua disposição, demonstrada no cargo de ministra, de garantir que abaixo dela as pessoas não se finjam de mortas para descumprir ordens.

O HOMEM DA GRÁFICA
Benedito (no detalhe), dono de empresas que negociam com o governo e ajudam o PT


A casa do Lago Sul não deve assombrar mais durante a campanha se depender da atividade e - diga-se - competência da turma dos porões contatada pelos companheiros mais afoitos. Antes que viesse a ordem de cima para interromper as ações bem e mal-intencionadas, porém, foi uma festa de trapalhadas. Os espiões foram a campo bisbilhotar a vida de adversários políticos e até de petistas. Rui Falcão, vice-presidente do PT e deputado estadual paulista, entrou no radar da arapongagem amiga. Ele ficou sabendo e deu um espalho geral na turma da casa do Lago Sul. Falcão foi informado de que não se tratava de espionagem, mas de contraespionagem - ou seja, ele estava sendo investigado para seu próprio bem. Falcão não se convenceu. Até os telefones do coordenador da campanha, Fernando Pimentel, ex-prefeito de Belo Horizonte, podem ter sido grampeados. Não se sabe bem se por espiões da casa ou do lado adversário. Pimentel não deu ao episódio muita importância. Diz ele: "Eu trabalho sempre com a hipótese de que todos os meus telefones estão grampeados. Isso não me preocupa, pois, como dizia o doutor Tancredo Neves, ‘telefone é para marcar reunião no lugar errado e não comparecer’".

Os repórteres de VEJA procuraram quem parece ser o responsável pela casa do Lago Sul. Ele se chama Luiz Lanzetta e é dono da Lanza Comunicação, uma das empresas contratadas pelo PT para coordenar a área de produção dos programas de Dilma Rousseff. Lanzetta nega as intenções, mas não nega que recrutou gente da pesada com experiência em espionagem - ex-agentes dos serviços de inteligência, um delegado aposentado da Polícia Federal e até um ex-jornalista que teria conhecidos dotes investigativos. O grupo se reuniu pela primeira vez na área reservada de um tradicional restaurante de Brasília, ocasião em que se discutiram finanças e a maneira como seria feito o trabalho. Os pagamentos variavam de 15 000 a 30 000 reais por mês e seriam feitos em dinheiro vivo. Todos receberiam verba extra para custear as despesas operacionais. Do encontro saiu uma lista de "alvos", da qual constavam o ex-governador José Serra, candidato tucano à Presidência, e o deputado Marcelo Itagiba (PMDB), identificado pelos presentes à reunião como o "espião-chefe" da candidatura tucana. Mas como explicar que entre os alvos estava o companheiro Rui Falcão? Um dos participantes da reunião contou que Falcão era apontado como líder em uma conspiração interna para sabotar o trabalho do grupo que comandava a campanha. Nada mais se falou na sala reservada do restaurante.

O NOVO RICO BANCOU
O marqueteiro americano Scott Goodstein (entre os petistas Marcelo Branco e André Vargas): viagem ao Brasil paga pelo empresário Benedito


VEJA procurou saber por que Lanzetta montou um time com sujeitos com aquelas características. Assessores dele explicaram que tudo o que se falava aqui acabava saindo nos jornais. Foi feita, então, uma varredura, e ela encontrou evidência de grampos nos telefones de Fernando Pimentel e de três funcionários contratados. Pimentel corrobora a versão da contraespionagem interna e benigna sustentada por Lanzetta e reconhece que nem tudo são flores quando se monta uma campanha eleitoral complexa como a presidencial. Diz ele: "Houve de fato um atrito entre quem já estava na campanha e quem estava chegando. Além, é claro, de uma disputa empresarial". Qual a intensidade do atrito? Não se sabe, mas as fontes de VEJA que presenciaram os eventos mais de perto contam que, a certa altura, Luiz Lanzetta deu a dimensão da encrenca ao se referir ao ex-secretário de Marta Suplicy na prefeitura de São Paulo, Valdemir Garreta, como "gordinho sinistro" e "ladrão dos Bandeirantes". Garreta seria a opção paulista para dirigir a campanha caso o grupo de Lanzetta fosse defenestrado. Depois da intervenção de cima, essas disputas terão de ser resolvidas sem arapongagem. Até porque mesmo o pessoal do ramo contatado pressentiu que não haveria um futuro muito glorioso na empreitada. "Aquilo ia acabar numa nova versão dos aloprados. Foi bom o negócio não ter dado certo", explica o ex-delegado Onésimo de Souza, convidado para chefiar a equipe que, segundo ele, nunca chegou a trabalhar de fato. Onésimo de Souza se referiu aos "aloprados", como ficaram conhecidos os trapalhões que se meteram a espionar adversários do PT na campanha estadual paulista de 2006.

Jose Cruz/Ag. Senado
CONTRAESPIONAGEM
Luiz Lanzetta, um dos responsáveis pela comunicação da campanha: foi em defesa própria


Talvez o contato com espiões trapalhões que não conseguem ficar de boca fechada seja um problema menor para a campanha do PT do que explicar o real papel de um misterioso frequentador diário da casa do Lago Sul - o empresário Benedito de Oliveira Neto. Ele não tem vínculos formais com o PT e oficialmente não faz parte da campanha do partido. Segundo informa o próprio comitê de campanha, Benedito custeou a vinda ao Brasil dos especialistas em internet que trabalharam na campanha vitoriosa do presidente americano Barack Obama. Meses depois do favor feito por Benedito, os luas pretas digitais americanos foram contratados oficialmente pelo PT. Até 2005, Benedito era diretor da pequena empresa do pai, a Gráfica e Editora Brasil - que naquele ano prestou serviços ao governo no valor de 494.000 reais. Nos dois anos seguintes, o faturamento da gráfica saltou para 50 milhões de reais ao ano. Benedito é agora também dono da Dialog, uma companhia de eventos que nos últimos dois anos se transformou em potência do ramo em Brasília. A Dialog faturou 40 milhões de reais em contratos com ministérios, agências reguladoras e a Presidência da República. A ascensão meteórica das empresas de Benedito chamou a atenção do Tribunal de Contas e da Controladoria-Geral da União, que passaram a investigá-la por suspeitas de manipulação e fraudes nas licitações. As investigações ainda estão em curso. Foi de Benedito a escolha da casa do Lago Sul para sediar o comitê de comunicação da campanha petista. Como se vê, toda a vigilância é pouca quando o objetivo é evitar que a campanha vire lama.

Eles não deixam a floresta em paz


Em Mato Grosso, uma quadrilha que incluía funcionários
da Secretaria do Meio Ambiente derrubou ilegalmente ipês
e jatobás em quantidade que daria para lotar 50 000 caminhões


Vinícius Segalla

Fotos Araquém Alcântara, Sérgio Dutti e Joab Barbalho/AE
O COLECIONADOR
Presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, José Riva (ao centro) tem avião, mais de uma dezena de carros e cinquenta processos na Justiça. Sua mulher, Janete, foi uma das presas na Operação Jurupari


Pobres florestas de Mato Grosso. Os cupins da corrupção não lhes dão trégua. A última operação da Polícia Federal na região culminou com mandados de prisão de 91 quadrilheiros acusados de derrubar ilegalmente o equivalente a 1,5 milhão de metros cúbicos de madeira desde 2008. São ipês, jatobás, angelins e itaúbas em quantidade suficiente para lotar 50 000 caminhões. Como já vem se tornando uma triste tradição no estado, entre os principais acusados de liderar o assalto à mata figuram indivíduos pagos para fiscalizá-la. Entre os presos no último dia 21 – todos já soltos por ordem do Tribunal Regional Federal – estavam funcionários do alto escalão da Secretaria do Meio Ambiente do Estado (Sema). A operação, batizada de Jurupari, prendeu ainda engenheiros florestais, fazendeiros, donos de madeireiras, o chefe de gabinete do governador do estado (Silval Barbosa, do PMDB) e a mulher do presidente da Assembleia Legislativa.

Em 2005, a Operação Curupira – como a Jurupari, executada pela PF em parceria com o Ministério Público Federal (MPF) – deparou com quadro semelhante. As investigações apontaram que no comando do roubo da floresta estava ninguém menos do que o número 1 do Ibama em Mato Grosso, Hugo Werle. Então membro do conselho fiscal do PT no estado, Werle havia sido o arrecadador extraoficial de fundos de campanha do partido nas eleições municipais de Cuiabá, em 2004. Ele foi absolvido em primeira instância, mas o MPF recorreu da decisão e o processo continua tramitando no TRF. Na ocasião, outros funcionários do Ibama, incluindo dois gerentes regionais, também foram acusados de envolvimento com a quadrilha. A situação fez com que o instituto perdesse o controle fiscalizatório da extração de madeira no estado, responsabilidade que passou para a Sema, criada em 2006 para esse fim. A corrupção, longe de acabar, só mudou de endereço.

A Operação Jurupari identificou três tipos de fraude. O primeiro envolvia laudos falsos encomendados a engenheiros florestais por comerciantes interessados em extrair madeira de determinada propriedade. Contando com a cumplicidade e a falta de fiscalização da Sema, os engenheiros adulteravam os dados de forma a autorizar o corte de uma quantidade maior de árvores do que a que seria permitida por lei. A autorização vem na forma de "créditos florestais", documentos que indicam o volume e a espécie de madeira que podem ser extraídos daquela propriedade. O segundo tipo de fraude era uma continuação da primeira. Consistia no comércio dos tais créditos florestais que – indevidamente alterados por funcionários da Sema – eram vendidos a donos de fazendas que não tinham o direito de explorar madeira nas suas propriedades. Ou pelo fato de elas estarem em áreas de preservação ambiental ou por estarem próximas a reservas indígenas, como era o caso da fazenda em nome de Janete Riva, mulher do presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, o deputado José Riva (PP). Janete foi presa sob a acusação de ter causado um prejuízo ambiental de 38 milhões de reais por meio da venda de créditos florestais adulterados.

Com dez propriedades em seu nome, avião particular e uma frota de mais de uma dezena de carros, o marido de Janete coleciona também processos: só no Supremo Tribunal Federal o deputado tem cinco, por crime contra a administração pública e peculato. Já no Tribunal de Justiça de Mato Grosso, Riva responde a outras 45 ações penais – todas, segundo afirmou a VEJA, em consequência da "malvadeza" do MP estadual. Para o procurador federal Mário Lúcio Avelar, que comandou as investigações pelo MPF, Riva é um dos parlamentares que mais exercem influência política nas decisões – que deveriam ser técnicas – da Sema. "A secretaria é hoje um órgão destinado a atender aos interesses dos parlamentares", diz. O terceiro tipo de embuste identificado pela Operação Jurupari consistia na adulteração e comercialização de um documento, a chamada GF (Guia Florestal). A GF, emitida pela Sema para comerciantes, relata a quantidade de toras autorizadas a ser vendidas a determinada madeireira. Esses papéis são "esquentados" e repassados a exploradores de madeira ilegal.

A aumentar o grau de descaramento dos crimes flagrados pela Jurupari está o fato bizarro de que alguns dos encarregados de fiscalizar a floresta eram, ao mesmo tempo, os que deveriam ser objeto de fiscalização. Apontado como um dos idealizadores das fraudes, Afrânio Migliari era secretário adjunto da Sema até o mês de abril (quando foi transferido para a direção florestal da Secretaria de Desenvolvimento Rural). No exercício do cargo, era ele o responsável pelo fornecimento de licenças para exploração de madeira. Ocorre que Migliari é também dono de uma grande madeireira – o que significa que ganhava dinheiro vendendo árvores cujo corte dependia da sua própria aprovação. Quando se trata de criar mecanismos de prevenção para evitar a derrubada das matas, o estado de Mato Grosso leva 10 em criatividade. E zero em honestidade.

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