Saturday, November 14, 2009

Em gelo fino Miriam Leitão


PANORAMA ECONÔMICO

A Coca-Cola vai investir US$ 6 bilhões no Brasil nos próximos cinco anos. O Brasil é o quarto maior mercado da empresa, depois de Estados Unidos, México e China. O presidente mundial da companhia, Muhtar Kent, me disse que a economia americana vai se recuperar lentamente e que, em 2020, haverá um bilhão de consumidores a mais na classe média, a maioria de mercados emergentes.

Na entrevista que me concedeu, na Globonews, eu perguntei o que ele pretende fazer para neutralizar os danos ao meio ambiente causados pela Coca-Cola. Ela tem a maior “pegada de carbono” (carbon footprint) da indústria de consumo do mundo. Movimenta mais caminhões do que a UPS, DHL e Fedex juntas para entregar os produtos aos seus vinte milhões de pontos de revenda. Isso representa uma quantidade gigantesca de emissões de gases de efeito estufa.

— Nós determinamos uma meta clara sobre a nossa pegada de carbono. Os negócios vão crescer, mas as emissões, não. Faremos isso de três formas: primeiro, com carros híbridos. Temos a maior frota de veículos híbridos pesados do mundo. Segundo, temos 10 milhões de refrigeradores no mundo para nossos produtos, nos varejistas. Nesses aparelhos, vamos reduzir entre 30% a 40% da energia e vamos usar gases de baixo impacto ambiental.

Terceiro, vamos aumentar a reciclagem dos produtos — afirmou Kent.

Além disso, garante que será em 2020 a primeira empresa do mundo com “consumo neutro de água”, ou seja, promete devolver ao meio ambiente cada litro de água que retirar dele. Ela usa um oceano: 300 bilhões de litros por ano: — Porque estamos crescendo, usaremos em 2020 entre 500 a 600 bilhões de litros.

Mas a meta é: reduzir 20% o nosso consumo, reciclar a água que usamos, e, além disso, coletar água da chuva e armazená-la.

Um dos primeiros experimentos dessa nova forma de produzir é a fábrica inaugurada por ele, esta semana, em Curitiba. Uma fábrica da Matte Leão.

Hoje, qualquer conversa com um executivo de grande empresa global tem que ter uma grande parte dedicada ao tema das mudanças climáticas. Não é possível mais cobrar apenas dos governos. O desafio é ir além da aceitação pura e simples do marketing verde que domina a propaganda institucional de todas as empresas.

Perguntei a ele se essa ideia de “fábrica verde” era uma criatura do marketing ou um fato real. Ele disse que acredita que a empresa só será sustentável se ela tiver um papel significativo no esforço global de redução das emissões.

Sobre a crise, ele acha que a economia americana já bateu no fundo do poço, mas terá uma recuperação lenta porque a criação de empregos está muito baixa. No longo prazo, está otimista.

Disse que nos anos 80 todo mundo achava que a economia americana seria engolida pela japonesa, e ela conseguiu se recuperar. Fará de novo agora: — Os Estados Unidos vão mudar de uma economia movida a consumo e endividamento para um sistema movido a tecnologia — biotecnologia, nanotecnologia — porque o país continua tendo os maiores centros de pesquisa do mundo e os maiores centros acadêmicos do mundo.

De qualquer modo, mesmo nesse cenário de renovação da economia americana, ele acredita que o peso econômico dos países vai continuar mudando nos próximos anos.

— A demanda global não será puxada por uma única economia. Até 2020, o mundo terá um bilhão de consumidores a mais na classe média, apesar da crise global atual. E esses consumidores estarão em países como Brasil, China, Índia, México, Indonésia, Rússia.

No Brasil, a empresa investiu US$ 3 bilhões nos últimos cinco anos e vai investir US$ 6 bilhões nos próximos cinco. Criou dois mil empregos diretos por ano, todos os anos. Ao todo, tem 38 mil empregos diretos: — Acho que com os investimentos vamos criar mais empregos por ano do que criamos recentemente.

Muhtar Kent nasceu em Nova York, filho de um diplomata turco. Estudou na Turquia e na Inglaterra, entrou na Coca-Cola por um anúncio de jornal e fez carreira na empresa. Foi enviado como executivo para vários mercados, um deles, o Leste Europeu, exatamente na época da queda do muro de Berlim.

— Nós previmos um ano antes que aquilo iria acontecer e nos posicionamos.

Tínhamos apenas pequenos negócios lá. Depois da queda do muro, nós abrimos 24 fábricas em 30 meses.

Ao começar a entrevista, perguntei de que país ele vinha: — Ontem, estava no extremo norte do Canadá, a menos 10 graus, e hoje estou aqui, a mais 40 graus. Fui com a WWF ver os ursos polares.

Este ano, o frio está atrasado cinco semanas, eles não podem sair para caçar. O que no ano passado era gelo em novembro, agora é onda, dá para surfar. Não há mais dúvida científica em relação à mudança climática.

Ontem, saiu uma frase truncada aqui. “Dilma está mudando”, em relação à questão ambiental. É isso que o governo quer que acreditemos, mas é apenas uma ficção do marketing político. Portanto, o que eu quis dizer é que a sociedade brasileira está mudando, e isso é realmente animador.

oglobo.com.br/miriamleitao e-mail: miriamleitao@oglobo.com.br

COM ALVARO GRIBEL

14/11/2009 - EDITORIAIS



QUESTÃO DE CRITÉRIOS
EDITORIAL
O GLOBO
14/11/2009

O princípio da progressão do regime prisional está inscrito na legislação penal como um dos dispositivos do espírito correcional que deve nortear a relação do Estado com réus recolhidos à prisão para expiar crimes. É um direito assegurado pelo estado democrático - assim como é um dever do poder público preservar a sociedade da ameaça daqueles que atentem contra a segurança dos cidadãos.

As duas atribuições não são contraditórias. Ocorre que, ao aplicar o benefício da progressão de penas, a Justiça tem aberto a porta da cadeia para criminosos que, não tendo ainda cumprido o tempo de prisão ao qual foram condenados, continuam comprovadamente representando um perigo para a sociedade.

É o caso dos grandes traficantes de drogas do Rio, que, tendo obtido o benefício e saído da prisão, deixam de cumprir as formalidades que são pressupostos para poderem gozar da liberdade antecipada, fogem e voltam imediatamente ao comando das organizações criminosas e ao desafio à lei.

Não há nesses casos, evidentemente, justificativas para a concessão da progressão de regime - que deveria, por princípio, ser analisada do ponto de vista da individualização da pena. Tal preceito evita a generalização da aplicação do benefício e, principalmente, a ocorrência de injustiças contra aqueles que realmente estejam dispostos a rever seus antecedentes criminais.

Dois detentos podem ter sido condenados ao mesmo tempo de prisão, mas é dentro do presídio, observados critérios rigorosos, que há de se determinar quem está apto, dentro do espírito correcional, a voltar mais cedo ao convívio da sociedade.

O que está em discussão não é o princípio da progressão de pena, e sim a maneira como o dispositivo tem sido aplicado. É óbvio que a legislação precisa ser alterada, com a definição de critérios claros e o endurecimento com aqueles que representam ameaça à paz social, para evitar que perigosos bandidos sejam beneficiados; e, ao mesmo tempo, deve-se preservar um instrumento que, se bem aplicado, tem papel importante no pressuposto correcional do sistema penitenciário. Há que se distinguir entre notórios bandidos, que não raro mesmo de dentro da cadeia continuam a operar seus "negócios", e os presos efetivamente dispostos a se reintegrar à sociedade dentro das regras do jogo.

A TEORIA DO RAIO E A LEI DO TEFLON
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
14/11/2009

Na sua volta à cena, 40 horas depois do apagão da noite de terça-feira, que atingiu 18 Estados e afetou 60 milhões de pessoas, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, disse que "não se pode politizar uma coisa tão séria para o País". De fato, não se pode. Mas é exatamente isso que o governo vem fazendo. A politização do blecaute, para dissociar o presidente Lula e a sua candidata do acidente que ela considerou "muito desagradável", ficou evidente desde logo no desaparecimento da própria Dilma, para quem o Planalto vinha criando sem cessar oportunidades de exposição, tratando-a como uma espécie de "ministra de tudo" - até do Meio Ambiente, como convém aos novos tempos verdes. A politização ficou evidente também na decisão de culpar uma tempestade pelo ocorrido. E, por fim, na pressa com que o titular de Minas e Energia, Edison Lobão, secundado pela antecessora que o telecomanda, decretou que o caso estava encerrado.

O governo segue religiosamente a lei do teflon: nada que a opinião pública possa perceber como problemático ou perturbador deve aderir à imagem da irrepreensível gestora de um governo aprovado pela maioria esmagadora da população. Para o seu patrono, tudo o mais, incluindo o modo de reagir a imprevistos adversos, tem de se subordinar a esse mandamento. Eis por que Lula e Dilma esperaram por uma ocasião favorável - o lançamento de um plano de ação contra o desmatamento da Amazônia e a revelação de que o abate caiu este ano mais do que em qualquer outro período desde que vem sendo medido - para se manifestar em coro sobre o apagão e explicá-lo pelo imponderável. "A gente não sabe o tamanho do vento, o tamanho da chuva", resignou-se o presidente, depois de lembrar que "Freud dizia" que a humanidade não pode controlar tudo, as intempéries, por exemplo. "Se tem uma coisa que nós humanos não controlamos são as chuvas, raios e ventos", repetiu a ministra.

Pouco importa que subsistam dúvidas consistentes sobre a versão oficial para a causa do blecaute - raios, ventos e chuvas, na região de Itaberá, no Estado de São Paulo, teriam danificado simultaneamente três linhas separadas de transmissão da Hidrelétrica de Itaipu, desencadeando uma reação em cadeia que deixou às escuras boa parte do País. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o principal centro brasileiro de estudos atmosféricos, confirma que, na hora do apagão, uma tempestade com raios se abatia sobre a região de Itaberá. Ressalva, no entanto, que as descargas mais próximas das instalações elétricas caíram a pelo menos 10 quilômetros de distância. Não estivesse o Planalto ansioso para varrer o problema para debaixo do tapete - e prosseguir com a campanha eleitoral antecipada - promoveria a "investigação cabal" sobre o episódio, defendida pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo.

Ainda na remota hipótese de que tudo tenha começado com uma tempestade - e não com uma falha humana ou de equipamento -, o que deixa perplexos os especialistas do setor foi a disseminação do problema. Eles se perguntam por que os efeitos da pane não ficaram confinados à área de origem. "É preciso saber o que aconteceu com os sistemas inteligentes que teriam de isolar um defeito e impedir que a falha de fornecimento se alastrasse", observa o presidente da Eletrobrás, José Antonio Muniz Lopes. A questão, em outras palavras, é a da vulnerabilidade do sistema elétrico brasileiro. Mas isso aparentemente não inquieta a ministra Dilma Rousseff. Para ela, a segurança da operação é de 95%. Não está claro se o número é força de expressão ou um índice preciso. De todo modo, argumentou, chegar a 100% de segurança obrigaria a população a "pagar uma conta de luz bastante mais gorda". Por isso, "não estamos livres de blecautes".

Obviamente, nenhum país ou região do mundo está. A frase, portanto, escamoteia o essencial: saber até que ponto - a ser verdadeira a teoria do raio adotada pelo governo - o vasto sistema elétrico nacional está efetivamente "sujeito a chuvas e trovoadas", como notou com propriedade a colunista Dora Kramer no Estado de ontem. Mas no vale-tudo eleitoral em que estão imersos, nem Lula nem a sua escolhida estão interessados em tratar publicamente de um tema delicado como o desempenho do governo em gerir o setor energético. "Ao presidente Lula não apetece resolver problemas, mas se livrar deles de qualquer maneira."

BRECHA PARA NOVOS MUNICÍPIOS
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
14/11/2009

Os congressistas sabem que o período que antecede as eleições é a ocasião mais adequada para agradar a políticos estaduais e municipais, dos quais dependem para renovar seus mandatos. Por isso, uma proposta de emenda à Constituição em tramitação há seis anos no Senado e que retira da esfera federal a competência para decidir sobre a criação de municípios, transferindo-a totalmente para os Estados, agora parece encontrar as condições propícias para avançar com rapidez.

A proposta agrada aos deputados estaduais, pois restabelece o pleno poder das Assembleias Legislativas para aprovar a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios. Agrada também aos políticos interessados em ampliar o número de prefeitos ou vereadores, com o surgimento de novos municípios.

Apresentada em 2003 pelo senador Sérgio Zambiasi (PTB-RS), a proposta modifica o artigo 18 da Constituição. O parecer do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), que recomenda sua aprovação com algumas mudanças, está pronto para ser votado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado. Dali, a proposta seguirá para o plenário.

O art. 18 vigora com o texto dado pela Emenda Constitucional nº 15, aprovada em 1996. A emenda manteve com os Estados a prerrogativa de criação de municípios, mas limitou fortemente a possibilidade de criá-los. Além disso, como a lei complementar que deverá regulamentar o art. 18 ainda não foi aprovada - há um projeto em tramitação na Câmara -, a criação de municípios está suspensa desde 1996.

A limitação era indispensável para interromper a farra da criação de municípios que se seguiu à promulgação da Constituição. Entre 1988 e 1996, surgiram 1.388 municípios, como mostrou reportagem publicada terça-feira pelo Estado. Um problema fiscal já sério - a incapacidade da maioria das prefeituras de obter receita própria suficiente para sustentar os gastos com a máquina administrativa e com os serviços públicos essenciais à comunidade - se agravou com o aumento indiscriminado do número de municípios.

Estudos do geógrafo e economista François Bremaeker, que tem vários trabalhos publicados sobre o tema, constataram que, em 81% dos casos, o Fundo de Participação dos Municípios é a principal fonte de receita das prefeituras. Em mais de 70% dos 5.562 municípios, a cobrança de impostos tipicamente municipais - como o IPTU e o ISS - não responde nem por 5% da receita. Todo o resto vem de transferências compulsórias ou voluntárias da União e dos Estados.

Em estudo que enviou ao senador Eduardo Azeredo, a Secretaria do Tesouro Nacional observou que a criação indiscriminada de municípios tende a aumentar o número de microcidades (com população inferior a 5 mil habitantes) sem capacidade de gerar recursos próprios e, por isso, dependentes de transferências federais ou estaduais e de serviços oferecidos por municípios maiores. Quanto maior o número de municípios, menor a fatia que cabe a cada um do Fundo de Participação dos Municípios, por isso todos perdem com a proliferação.

O texto de Azeredo mantém a proposta original de Zambiasi - que elimina a necessidade de aprovação de lei complementar federal para a criação de novos municípios e restringe a consulta prévia, mediante plebiscito, à população da área que pretende emancipar-se (o texto em vigor exige que sejam consultadas "as populações dos municípios envolvidos") -, mas estabelece condições mínimas para a criação de novo município.

Entre essas condições estão a comprovação de área mínima de 200 quilômetros quadrados e a apresentação de estudos de viabilidade que comprovem população não inferior a 5 mil habitantes nas Regiões Norte e Centro-Oeste e a 6 mil nas demais regiões e distância mínima de 10 quilômetros da sede urbana do município de origem. O relator acrescentou ainda o limite para a remuneração dos vereadores dos novos municípios, que não deve ser superior a 2% do que ganham os deputados estaduais.

São exigências que tornam a criação de municípios mais difícil do que pelas regras aprovadas em 1988. Mas permanece o problema dos municípios que não têm condições estruturais de existência e são totalmente dependentes dos Estados e da União.

ACELERAÇÃO IMOBILIÁRIA
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
14/11/2009

Para o mercado de imóveis paulistano, setembro foi o segundo melhor mês da série histórica registrada pelo sindicato da habitação (Secovi): foram vendidas 5.049 unidades, 41,1% mais do que em agosto, quando foram comercializadas 3.578 moradias. É um sinal da recuperação do setor, visível não apenas no segmento residencial, mas também no comercial.

O setor de imóveis enfrentou um período de graves dificuldades, que começou no terceiro trimestre de 2008 e se estendeu até abril deste ano: "A crise financeira globalizada criou um clima de incerteza que, praticamente, paralisou os negócios no final de 2008", notou o economista-chefe do Secovi, Celso Petrucci. A partir de maio, o mercado paulistano apresentou uma recuperação constante.

O índice Secovi de vendas em relação à oferta (VSO) alcançou o melhor resultado histórico, 30,8%, ou seja, de cada mil imóveis oferecidos, 308 foram comercializados, contra 22,7%, em agosto. A retomada foi apoiada, em setembro, pelo crescimento dos financiamentos com recursos das cadernetas de poupança, os maiores do ano, atingindo R$ 3,6 bilhões, destinados a 30,2 mil imóveis.

Entre setembro de 2008, quando o setor já estava em crise, e setembro de 2009, quase dobrou o número de imóveis comercializados em São Paulo (aumento de 98,5%). No mesmo período, o valor das vendas passou de R$ 665,3 milhões para R$ 1,3 bilhão.

Os resultados só foram alcançados porque houve uma mudança da política das construtoras e incorporadoras, que passaram a ofertar imóveis menores e mais acessíveis aos compradores, escaldados pela crise. Em setembro, 47,7% das unidades comercializadas tinham dois dormitórios e o preço médio foi de R$ 137 mil, valor 22,6% inferior ao das moradias oferecidas no início do ano, ao preço médio de R$ 177 mil.

Mesmo as construtoras habituadas a produzir unidades para a classe de renda média e média alta procuram, hoje, lançar imóveis para as faixas de renda mais baixa, onde se concentra o déficit de habitações e maior é a demanda. Algumas empresas já desenvolvem projetos pilotos para atender à demanda das moradias previstas no programa Minha Casa, Minha Vida. Este programa, embora registre um ritmo muito inferior ao previsto pelo governo, criou um ambiente favorável para a construção civil.

Entre janeiro e setembro, foram vendidas 25.087 moradias, número 11,9% menor que o do mesmo período do ano passado. Mas a reação é tão vigorosa que os construtores já admitem a possibilidade de que o volume total de vendas deste ano alcance de 33 mil a 34 mil unidades, superando as 32,8 mil unidades vendidas no ano passado.

No segmento comercial, há grandes investimentos planejados ou iniciados na área do varejo, que se beneficiou com a recuperação das vendas. Em cidades do interior de São Paulo, como Campinas e Indaiatuba, grandes projetos de shopping centers estão sendo lançados, atraídos ou pela concentração de habitantes com elevado poder aquisitivo ou pela mobilidade social das faixas de renda mais baixa, que ascendem a níveis mais altos. Apenas dois desses empreendimentos preveem, respectivamente, a construção de 120 mil m². Também na capital e na região do ABC haverá novos centros comerciais, por exemplo, na região do Largo da Batata, em Pinheiros, para aproveitar a construção de uma estação de metrô. Uma tradicional empresa de capital aberto, a Lojas Americanas, anunciou a disposição de abrir 400 novos pontos de venda, em todo o País, nos próximos quatro anos, quase dobrando sua rede atual, de 471 lojas.

A relativa queda dos juros favoreceu a construção civil na obtenção de capital de giro. O resultado é o aumento dos lançamentos: 4.286 unidades foram lançadas, em São Paulo, em setembro, segundo a Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp), 81% mais do que no mesmo mês do ano passado. É um sinal de que voltou a haver equilíbrio entre a oferta e a procura de terrenos para edificação, objetos de forte especulação e preços muito elevados, entre 2007 e 2008.

Mas a sustentabilidade do crescimento do setor também dependerá do crescimento da oferta de recursos, não apenas no ano eleitoral de 2010. No longo prazo, tendem a ser insuficientes as verbas do FGTS e dos depósitos de poupança.

VENDAS VAREJISTAS E IMPORTAÇÃO
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
14/11/2009

Pelo quinto mês consecutivo, o comércio varejista apresentou crescimento em setembro, com ajuste sazonal. Dois fatos merecem destaque: o crescimento de 0,3% em setembro é menor do que o de agosto (0,6%) e o aumento da receita nominal, de 0,2%, é menor do que o do volume, indicando certa deflação dos preços, particularmente no setor da informática, o que pode refletir um aumento das importações a uma taxa cambial valorizada.

Dados com ajuste sazonal sempre podem apresentar margem de erros. Mas é significativo que, em relação ao ano anterior, a variação tenha sido de 4,8% em agosto e de 5% em setembro, mostrando uma consolidação da recuperação das vendas. Nos nove primeiros meses houve um aumento das vendas de 4,7%, ante uma queda de 11,6% da produção industrial, o que permite ter uma ideia do impacto das importações.

Uma análise setorial dos dados de setembro parece muito útil, mesmo com ajuste sazonal. Destaca-se a queda do volume de vendas nos supermercados e em outras lojas de alimentos e bebidas, de 0,5%. Levando em conta que se trata do setor com maior peso no levantamento do varejo, ele explica, em parte, o crescimento menor das vendas globais. Podemos atribuir esse recuo à aproximação das festas natalinas, que leva as famílias a uma redução nos gastos em alimentação.

Em compensação, há forte crescimento das vendas no setor de informática e de comunicação (8,8%), em seguida a dois meses de forte queda. É possível que as famílias tivessem esperado uma maior valorização do real, que acarreta uma queda dos bens importados.

As vendas de móveis e eletrodomésticos continuam se recuperando, efeito de um aumento das entregas de novas unidades de habitação.

Considerando o comércio varejista ampliado, que inclui veículos e material de construção, o aumento foi de 3%, ante 4,7% em agosto - crescimento menor imputável ao setor da construção, com queda de 1,6%, enquanto o de veículos, com a aproximação do fim dos incentivos fiscais, cresceu 9,1%.

A evolução do comércio varejista reflete a da conjuntura, caracterizada por redução do desemprego, ampliação do crédito e por reajustes salariais, especialmente no setor público. Apenas se pode lamentar que os bancos se aproveitem dessa situação para elevar as taxas de juros, sob o pretexto de um aumento da inadimplência que não se verificou até agora.

O NOVO CADE
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
14/11/2009

Projeto que reestrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência deverá ajudar a promover a competição no país

UM IMPORTANTE passo rumo ao aprimoramento dos mecanismos de combate a práticas anticompetitivas no país foi dado nessa semana. A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou o projeto de lei que reorganiza o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.
Pela proposta -que deverá passar por duas outras comissões no Senado antes da apreciação em plenário, para posterior retorno à Câmara -, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) passará a concentrar as funções de órgão antitruste no país.
O formato contrasta com o moroso sistema atualmente em vigor, que abrange três autoridades distintas: o próprio Cade e as Secretarias de Direito Econômico, do Ministério da Justiça, e de Acompanhamento Econômico, da Fazenda. Os três órgãos estão incumbidos de se manifestar nos processos de fusão e aquisição de empresas e de investigação quanto à formação de cartéis.
Além de concentrar as decisões, o "novo Cade" deverá julgar os processos de aquisição e fusão antes de sua realização efetiva, o que é vital para aumentar o grau de segurança jurídica das transações. Pela sistemática atual, a reversão de atos que resultam em concentração excessiva do poder econômico pode se dar anos após a sua efetivação, com óbvios prejuízos aos consumidores e às próprias empresas.
Outro ponto positivo da reorganização proposta é o fato de que o Cade terá que trabalhar com prazos definidos, a fim de assegurar celeridade aos processos. O projeto, embora no caminho correto, deveria ter sido mais ousado, aglutinando num só órgão as três agências hoje existentes. Embora esvaziadas de poder decisório e de pessoal, as secretarias ligadas à Justiça e à Fazenda continuariam a coexistir com o Cade no novo modelo.
O projeto prevê o reforço do quadro técnico do Cade, de forma a tornar a agência compatível com a ampliação de seu papel. Sem melhorar bastante a capacidade de análise especializada prévia, o órgão de defesa da concorrência não poderá cumprir os prazos exíguos previstos nas etapas dos julgamentos.
Aprimorar o sistema de defesa da concorrência é passo crucial para a criação de um ambiente institucional favorável ao investimento. Diante dos desafios que se apresentam à economia brasileira, não há como prescindir de um sistema de mercado que combine regras claras de atuação do setor privado com a garantia dos direitos fundamentais dos consumidores.
Se não há como fugir da tendência de concentração do capital em alguns setores da economia, será sempre possível condicionar essas fusões a normas que evitem os efeitos deletérios da oligopolização.

QUEM NÃO SE COMUNICA...
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
14/11/2009

CELULARES gratuitos para os beneficiários do Bolsa Família. A ideia, capaz de provocar inveja no mais delirante marqueteiro, foi apresentada ao presidente Lula pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa, e conta com a previsível simpatia das empresas do setor.
Fechando um circuito de generosidades que interliga a sucessão presidencial, as aspirações de Hélio Costa ao governo de Minas Gerais, a população pobre e os interesses das telefônicas, a ideia -nestes tempos de apagão- terá parecido luminosa.
Tão luminosa que salta aos olhos o seu intuito eleitoreiro, do qual só o ministro aparenta duvidar. Se a atitude de "atender às pessoas mais pobres" tem alguma função eleitoral, declarou Costa, "alguém vai ter que me mostrar isso, e nós, evidentemente, vamos atrasar o projeto até depois das eleições."
Alcançando quase 12 milhões de famílias, o programa de transferência de renda do governo Lula tem evidente efeito eleitoral -aspecto que, aliás, não o desqualifica. Trata-se de oferecer, em troca de assiduidade escolar e aos postos de saúde, uma base mínima de sobrevivência para o estrato mais carente da população, necessidade incontestável num país como o Brasil.
De recurso paliativo, o Bolsa Família vai seguindo entretanto um roteiro de desvirtuamento. Em vez de medir o sucesso do programa pela diminuição do número dos que dele necessitam, o Executivo tem se empenhado em estendê-lo ainda mais.
Mesmo para os padrões do populismo, a ideia dos celulares gratuitos chama contudo a atenção pelo que tem de bizarro, de extravagante, de inessencial. Por que não cimento e tijolos, iogurte ou dentaduras, chinelos ou computadores, filtros de água ou cápsulas de vitamina?
O próprio ministro das Comunicações explica: é que o mercado de telefonia móvel já atingiu seus limites de expansão nas faixas de maior renda. Trata-se de ampliar a freguesia, nas classes D e E. As empresas agradecem.
"Vocês querem celular?", poderia perguntar o ministro Hélio Costa, a exemplo do Chacrinha, aos beneficiários do Bolsa Família. A resposta só pode ser: "Sim, é claro". Afinal, quem não se comunica se trumbica.

O PREÇO DO APAGÃO
EDITORIAL
A GAZETA (ES)
14/11/2009

O pós-apagão exige que todos os órgãos envolvidos adotem, o quanto antes, três providências essenciais: determinar a causa exata do desastre; anunciar o que será feito para reduzir as possibilidades de repetição; ressarcir com menos burocracia e melhor espírito de cidadania os consumidores lesados.

O primeiro passo está sendo dado pelo presidente da República. Lula reabriu o caso que autoritariamente havia sido dado por encerrado pelos ministros da Casa Civil, Dilma Rousseff, e das Minas e Energia, Edison Lobão.

Simplesmente dizer que o país não está livre de novos blecautes, e ponto final, como o fez a pré-candidata à Presiência, serve apenas para espalhar intranquilidade. A segurança energética é direito da população, pois ela paga por isso, e condição básica para decisão de investimentos na economia. Há desconexão entre o governo estimar que o Brasil pode crescer 5% em 2010 e anunciar a possibilidade de apagões.

De outro modo, culpar um raio pela paralisação do fornecimento de energia a 18 Estados, como fez o ministro Lobão, soa como chutometria para encobrir desinformação. Técnicos de diversas instituições do setor elétrico descartam essa ocorrência.

O aparato brasileiro de detecção de raio é apontado como o terceiro maior do mundo, depois dos Estados Unidos e do Canadá. As informações transmitidas por essa rede, que possui 53 sensores, é que derrubaram a tese de que uma descarga elétrica teria deixado o país às escuras na terça-feira.

O presidente Lula também não acredita na culpa do raio. Ele pediu investigação aos órgãos da área de energia para esclarecer o que determinou o blecaute. “Temos instrumentos para isso, para descobrir exatamente o que houve”, disse.

As condições de geração e distribuição de corrente elétrica no país também estão sendo questionadas por Lula. “Se o sistema é robusto como nós acreditamos que seja [...] por que então tivemos esse desastre?”. Faz sentido a cobrança.

Espera-se que o inconformismo do presidente da República o motive a anunciar o que será feito para reduzir o risco de novos apagões. Nesse sentido, a primeira explicação cabível é sobre os motivos da escassez de investimentos do governo em setor tão importante, como o de energia.

O Grupo Eletrobrás, o maior do setor energético do Brasil, investiu, de janeiro a agosto, R$ 2,77 bilhões em geração e transmissão de energia, de acordo com dados do Dest (Departamento de Coordenação das Empresas Estatais). O montante equivale a apenas 38% dos R$ 7,24 bilhões previstos para 2009. Nesse ritmo, o percentual a ser realizado até dezembro será o mais baixo dos últimos dez anos. As circunstâncias que levaram a essa situação também deveriam ser explicadas à sociedade.

Por fim, os consumidores que tiveram prejuízo com o blecaute também são merecedores de melhor atenção. O recebimento pelos prejuízos com aparelhos danificados é lento e burocratizado, conforme mostrado por A GAZETA em reportagem veiculada ontem.
“Consumidor pode esperar até 35 dias por ressarcimento”, diz a manchete de uma das páginas do jornal, denunciando situação incômoda. E quem precisa de solução rápida, seja por motivo comercial ou outro qualquer? Há que haver sensibilidade para os casos de real urgência. Além, disso, deve ser observado o aspecto do lucro cessante para profissionais e empresas.

Os procedimentos para reparação de perda são estabelecidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), mas aí está uma oportunidade para melhoria das normas.

PREFEITURAS SEM CAIXA
EDITORIAL
ESTADO DE MINAS
14/11/2009

Falta de caixa de prefeitos não justifica mudar a lei que limita o gasto público

De todas as leis que compõem a herança bendita que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu de seu antecessor, há aquelas que compõem a ossatura da política econômica implantada nos últimos nove anos e que permitiu ao Brasil ultrapassar sem maiores problemas a crise mundial do crédito. Antes disso, foi graças à manutenção pelo governo petista desses instrumentos que modernizaram a gestão pública em todos os níveis da administração que o país ganhou credibilidade internacional. Tapinhas nas costas ou a troca sorrisos e de gentilezas diplomáticas não teriam garantido sucesso ao Brasil no jogo pesado dos interesses econômicos mundiais. O que pesou mesmo foram o desempenho das contas nacionais, o controle da inflação e o pagamento antecipado da dívida externa. Um bom exemplo de resultado obtido antes do início da crise foi a obtenção, por agências internacionais de classificação de risco, da certificação como destino preferencial e confiável para as aplicações de investidores de peso e de mobilidade mundiais. São conquistas que custaram sacrifício e perseverança durante anos e que, seja qual for o grupo político a ocupar o poder a partir de 2011, o governo não deverá colocá-las em risco.

É o caso da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – Lei Complementar 101/2000 –, que muitos especialistas consideram o marco definitivo da moderna administração pública. É essa a lei que fixou limites para os gastos com o pessoal em todos os poderes da União, estados e municípios, novidade que estancou velha hemorragia produzida por favores concedidos sob a pressão eleitoral. Era comum o comprometimento quase total das receitas de alguns estados e da maioria dos 5,5 mil municípios com a folha do funcionalismo, o que acabava provocando uma outra dificuldade: o endividamento a ser pago pela administração seguinte. Ao fixar não apenas os limites mas também as penas para quem deixar de respeitá-los, essa lei desagradou e ainda sofre muitas resistências de governadores e prefeitos, inconformados por terem chegado ao poder depois do fim de antigas farras. Mas vem produzindo verdadeira revolução silenciosa em todo país, ao funcionar como instrumento neutro e de fácil fiscalização do uso caneta que assina cheques ou assume compromissos que não podem ser cumpridos.

É dentro desse contexto que se espera sejam encontrados mecanismos transitórios para amenizar a situação de milhares de prefeituras que tiveram o caixa afetado pela crise. Mas que não se avance na perigosa proposta de flexibilização da LRF. É perfeitamente compreensível a situação a que chegaram os prefeitos, depois de a União ter sido obrigada a reduzir as cotas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Eles programam ir a Brasília para pressionar o governo e o Senado Federal, em 9 de dezembro. Mas também é de se esperar que os municípios tenham tido a prudência de segurar custos, postergar projetos e renegociar prazos. De sua parte, a União não pode deixar de cumprir a promessa de aportar recursos em apoio aos prefeitos. Ao final, terão todos participado de um esforço ainda mais valioso para manter a administração pública brasileira no rumo certo.

FIM, SIM, DA CONVERSA MOLE SOBRE APAGÃO
EDITORIAL
CORREIO BRAZILIENSE
14/11/2009

Numa democracia, um assunto só é encerrado quando deixa de interessar à sociedade. Nem o governo nem ninguém têm o direito de decretar o fim do debate sobre o apagão que, na noite de terça-feira e madrugada de quarta, atingiu 18 estados e o Distrito Federal, além de parte do Paraguai. As explicações oficiais estão longe de satisfazer a população. O discurso de que o blecaute foi um incidente provocado por fenômenos naturais não convence. Também é preciso esclarecer as dúvidas quanto à segurança do sistema elétrico nacional.

À parte o trocadilho, as tergiversações iniciais e a tentativa posterior de pôr uma pedra sobre o problema revelam a opção governamental por manter o país na escuridão, quando o Brasil clama por luz. O próprio presidente da República manifestou insegurança quanto às informações disponíveis até agora. Diante da exposição do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, apontando raios e chuvas como culpados, Luiz Inácio Lula da Silva indagou se havia convicção quanto a isso. A resposta foi afirmativa, mas especialistas são quase unânimes em descartar a hipótese sustentada pelas autoridades. Preferem acreditar em falha humana, erro de gestão.

A prevalecer a dúvida, prevalecerão a insegurança e o risco de novos colapsos, como esse que paralisou Itaipu e mergulhou — especialmente, mas não só — São Paulo e Rio de Janeiro nas trevas esta semana. Portanto, o que é preciso encerrar, e já, é a conversa mole. Só com investigações isentas, conduzidas com boa-fé, será possível vencer o ceticismo. A hidroeletricidade é uma vocação nacional — representa em torno de 85% da matriz energética brasileira. Essencial à soberania do país, precisa ser tratada com mais respeito. Resumir o apagão a um “microincidente”, como fez o ministro da Justiça, Tarso Genro, é desconhecer o tamanho da responsabilidade do governo.

É fato que a vida começa a voltar à rotina, apesar dos prejuízos financeiros e sociais e dos danos irreparáveis que ficam para trás. Mas o futuro incerto não interessa a ninguém. Se está difícil contar com a ação do Executivo para trazer à tona a verdade e definir procedimentos de maior proteção ao sistema, o Ministério Público Federal não foge de suas obrigações. Já notificou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o Operador Nacional do Sistema (ONS), o Ministério de Minas e Energia e Itaipu Binacional com pedidos de informações para, em 15 dias, apontar as causas e os responsáveis. É o que se espera dos entes públicos: providências reais, com a devida urgência, em vez de hesitações e desculpas esfarrapadas.

GABRIEL MÜLLER
EDITORIAL
DIÁRIO DE CUIABÁ (MT)
14/11/2009

Mato Grosso despediu-se ontem de um de seus filhos mais ilustres e honrados. Porém, o adeus a Gabriel Júlio de Mattos Müller não significa ruptura, pois seu legado continuará como parte da argamassa da construção deste estado e inspirando gerações.

A vida humana tem um ciclo curto que faz da existência uma fagulha na luminosidade do universo. Gabriel Müller foi um desses fachos de luz, mas com o diferencial que o deixava sempre à frente de seu tempo, na condição de transformador do ontem, construtor do agora e picadeiro do amanhã.

Homem público probo, Gabriel Müller exerceu relevantes funções sem jamais de deixar levar pela corrupção ou oportunismo. Sua herança maior é moral e Mato Grosso é beneficiário de seu inventário calcado nas incontáveis obras realizadas sob sua administração. Tentar enumerá-las é temeroso, porque certamente muitas acabariam esquecidas, mas a título de exemplos basta mencionar os estádios Verdão e Morenão, ambos construídos na década de 1970 e que transcorridos 30 anos ainda superam folgadamente a demanda das torcidas de Cuiabá e Campo Grande, onde se localizam.

Engenheiro agrônomo, político, sindicalista e servidor público qualificado, Gabriel Müller será lembrado por muitas de suas obras, mas a principal, certamente foi aquela que mais marcou sua vida: a abertura da Rodovia-Parque Transpantaneira Zelito Dorileo (MT-060), que foi o primeiro passo no Centro-Oeste para o estabelecimento de um multimodal de transporte.

A meta com a Transpantaneira era utilizar o trem de São Paulo a Corumbá, a Hidrovia Cuiabá-Paraguai entre Corumbá e Porto Jofre, e essa estrada entre Porto Jofre e Poconé - e daquela cidade por seu prolongamento até Cuiabá.

A Transpantaneira ou Rodovia do Tuiuiú – apelido carinhoso dado a Gabriel Müller por seus companheiros de trabalho, em razão de sua estatura e porte avantajados – foi concebida pela reduzir distância e frete entre os centros industriais de São Paulo e Cuiabá. Esse audacioso projeto avançou em Mato Grosso, mas esbarrou na indiferença governamental na região onde mais tarde seria Mato Grosso do Sul.

Dirigindo a extinta Companhia de Desenvolvimento de Mato Grosso (Codemat) presidindo a Federação da Agricultura e Pecuária (Famato), administrando o município de Várzea Grande e em outras funções e cargos Gabriel Müller deixou suas digitais na construção deste estado e entra para a galeria que reverencia os grandes vultos da Terra do marechal Cândido Mariano da Silva Rondon.

Com o adeus de Gabriel Müller Mato Grosso perde uma figura humana ímpar, mas ganha uma lenda, que o tempo não apaga e a morte não nos rouba. Descanse em paz!

“Transformador do ontem, construtor do agora e picadeiro do amanhã”

FISCALIZAÇÃO QUE INCOMODA
EDITORIAL
GAZETA DO POVO (PR)
14/11/2009

As críticas do presidente Lula ao Tri¬¬bunal de Contas da União (TCU), por suposta responsabilidade da instituição no atraso de obras públicas executadas pelo atual governo, despertou a atenção da opinião pública para uma instância do poder federal que, até então, parecia inatacável. A reação presidencial foi uma aparente resposta ao fato de que, no início de outubro, o TCU entregou ao Congresso Nacional uma relação contendo 41 obras públicas com “graves indícios de irregularidade”, como superfaturamento, licitações ilegais e problemas am¬¬bientais. Dentre esses empreendimentos, fo¬¬ram encontrados 13 do Programa de Acele¬¬ração do Crescimento (PAC), que representam quase R$ 7,4 bilhões.
O presidente considera injusto o órgão fiscalizador determinar a paralisação de obras, mesmo quando há algo errado, porque, como argumentou, seus custos ficam muito mais elevados para os cofres públicos. Entre os exem¬¬plos de obras e compras retidas pelo órgão, o presidente citou o caso em que o tribunal demorou dois anos para permitir que houvesse uma licitação para a aquisição de 350 mil computadores destinados a escolares. Considerou este fato um grave prejuízo para os estudantes e a nação.
A verdade é que, pela importância que tem na liberação e aprovação de obras e contas, o TCU há muito é objeto de pressão por parte de empreiteiros, ministros, governadores, prefeitos e dirigentes dos executivos em todos os níveis – um combate antigo travado nos bastidores, que envolve grandes escritórios jurídicos de Brasília. A situação de agora, contudo, foi diferente. O pronunciamento de Lula ex¬¬pôs para a mídia batalhas que geralmente são travadas nos bastidores do poder. Para atingir o que e quem, exatamente?
Por serem críticas inusitadas de um presidente ao TCU, as especulações em torno do verdadeiro alvo de Lula foram além do relatório de obras irregulares entregue ao Congresso, envolvendo o PAC. Alguns analistas, como Cláudio Weber Abramo, diretor-executivo da organização não governamental Transparên¬¬cia Brasil, disseram que assessores próximos do presidente acreditam que o tribunal tem uma grande influência dos Democratas, partido de oposição, responsável por antigas nomeações de ministros da casa quando estava no poder. E estes estariam promovendo uma ação contra o governo. Outros enxergaram a predileção de Lula por certos grupos de em¬¬presas, que fazem obras governamentais, que estariam sendo prejudicados pela rigidez da fiscalização do órgão.
Seja qual for o motivo da irritação do presidente, a nação não pode se render à levianda¬¬de nela contida. Afinal, para cumprir bem seu papel o TCU precisa ter poder de ação. Não de¬¬ve, ao contrário do que parece querer Lula, ficar submetido às vontades dos ocupantes do Executivo, cujas atuações públicas são justamente o alvo de sua fiscalização.
A atenção às contas de obras públicas, com o necessário rigor, ainda é um fato muito re¬¬cente no Brasil: apenas a partir dos anos 1990 é que foram criadas estruturas mais eficientes nos tribunais de contas. Aceitar que essa prática submeta-se a interesses de ocasião é retroceder em matéria de transparência e de boa administração pública.

REVISIONISMO
EDITORIAL
GAZETA DO POVO (PR)
14/11/2009

Parece piada, mas não é. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva andou declarando, nesta semana, durante a gravação de um entrevista de tevê, que o mensalão foi uma tentativa de golpe para derrubá-lo e que Marcos Valério foi “plantado” no PT justamente para esse fim. Lula parece contar com a passividade dos brasileiros para fazer prevalecer essa visão. O fato real é que o mensalão não é a única prática condenável do governo petista. Para garantir os recursos usados na compra de votos de congressistas da oposição, a máquina partidária montou sofisticados – e clandestinos – esquemas de arrecadação, tendo o mais conhecido deles envolvido o banqueiro Daniel Dantas. Todo o quadro ajusta-se à luta sem limites que os petistas travam para manter-se no poder. Mas Lula quer que o Brasil esqueça o que considera mero detalhe. Faz sentido para o representante de um grupo que, sem separar os bons dos maus métodos, acha que tudo terá valido a pena se a meta de seguir no controle da máquina pública for alcançada. Como é óbvio, o que falta a Lula não é memória. Falta-lhe a noção de que seu vale-tudo corrói a vida pública do país.

UM RECORDE APAVORANTE
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
14/11/2009

O Presídio Central de Porto Alegre, a cinquentenária instituição que carrega a má fama de ser a pior das cadeias brasileiras, não cessa de mostrar os motivos pelos quais ganhou essa condição. Nesta semana, conquistou mais um de seus recordes negativos: ultrapassou a marca de 5 mil detentos. Segundo o repórter Humberto Trezzi, de Zero Hora, nunca antes uma prisão gaúcha abrigou tantos detentos, num recorde que talvez seja até mesmo brasileiro. A superlotação pode ser vista, sob o prisma da segurança pública, como a demonstração de eficiência e de trabalho da Polícia Civil e da Brigada Militar, que realizam ações sistemáticas de captura de foragidos da Justiça e autores de delitos em flagrante.

Do ponto de vista da qualidade do sistema penitenciário, a presença de 5 mil detentos numa única instituição é, claramente, o sinal de que pioram ainda mais padrões que tornaram o Presídio Central um exemplo de degradação humana. Se presídios menores e com mais condições fracassam no objetivo primeiro de qualquer casa prisional, que é o de preparar para a volta ao convívio social os que a sociedade segregou por terem cometido crimes, tal objetivo é praticamente impossível nas condições superlotadas dos 10 pavilhões do Presídio Central.

A questão interessa ao Rio Grande e é, por isso, objeto de preocupação para os governantes e os demais cidadãos. Todos sabem que a situação penitenciária, com sua explosividade e sua absurda falta de condições para abrigar os detentos com dignidade, precisa ser objeto de ações urgentes. Em 10 anos, de novembro de 1999 até agora, o número de presidiários do Central passou de 2.163 presos, um número que já superava a lotação para o qual a instituição fora construída, para 5.074 no último dia 12. Tais números não podem deixar de ser considerados senão como um estridente sinal de alerta.

LIMITAÇÕES NA ENERGIA
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
14/11/2009

O blecaute registrado nesta semana em boa parte do país não se deveu a uma única razão, e os brasileiros ainda aguardam que o governo federal forneça explicações mais convincentes. Bastou um arrefecimento nas discussões de âmbito político, com visões antagônicas sobre o problema por parte de integrantes da situação e da oposição, porém, para que começassem a ficar claras algumas possíveis razões para o fato. Entre elas, estão desde a excessiva politização nessa área, uma das mais cobiçadas na partilha por cargos de indicação essencialmente política, até a necessidade de mais investimentos de fato e de maior diversificação na chamada matriz energética. O país não pode continuar dependendo de boas chuvas e da ausência de tempestades para gerar e distribuir energia com um mínimo de eficiência.

Sob o ponto de vista político, é pouco provável, ainda que necessária, a possibilidade de o Brasil passar a contar com um comando essencialmente técnico no setor energético. O fato de englobar algumas das maiores empresas na área de infraestrutura fará com que o setor energético seja sempre um dos mais disputados para abrigar apadrinhados políticos. Mas é totalmente viável que o país passe a tratar a área energética com mais rigor técnico e com investimentos em volumes adequados do que com discursos políticos que, quando a luz apaga, servem apenas para irritar consumidores lesados pela falta de energia.

Levantamento realizado pelo jornal O Globo no sistema de acompanhamento das finanças públicas Contas Abertas demonstra que a Eletrobrás, responsável por 56% das linhas de transmissão no país, investiu apenas 38% do previsto para este ano nos sistemas de geração e transmissão sob sua responsabilidade. No ritmo registrado até agora, que o mais recente blecaute tende a acelerar a partir de agora, o percentual deveria chegar a dezembro como o mais baixo dos últimos 10 anos, o que se constitui numa temeridade.

Além de investir mais e de se estruturar melhor para contornar desafios como a superação de entraves de ordem ambiental, o país tem que apostar mais na diversificação da matriz energética. Mesmo com as facilidades oferecidas pelas hidrelétricas, o Brasil precisa investir mais em termelétricas, em usinas eólicas e nas movidas a biomassa. No caso da transmissão, que foi onde teve origem o problema desta semana, o Brasil até que vem ampliando o volume de recursos nos últimos anos. No mínimo, porém, as obras nesta área devem merecer mais rapidez e maior rigor nos controles sobre seu andamento.

Passado o período mais crítico provocado pela falta generalizada de energia, a própria ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, reconheceu que o Brasil não está livre de novos blecautes. Nenhum país pode se considerar totalmente imune a apagões, mas todos, incluindo o Brasil, têm o dever de fazer o máximo possível para evitar a concretização desse tipo de ameaça.

A BAGUNÇA NAS PRAIAS
EDITORIAL
JORNAL DO COMMERCIO (PE)
14/11/2009

Denunciamos, com fotos que não podem ser desmentidas, a grande bagunça que caracteriza praias da Zona Sul do Recife, especialmente a festejada Boa Viagem. A única conclusão decorrente do que ali foi visto e dito é que por falta de uma política pública mais consistente um dos nossos cartões-postais vive um processo de degradação sinalizando para a irreversibilidade. Isso é muito grave, até porque a tolerância – ou incapacidade de enfrentar o problema – termina criando sentimentos de direitos adquiridos que sensibilizam e se tornam mais difíceis de arrancar.
O problema fica ainda mais complexo quando se faz uma leitura do conjunto e dos detalhes, das partes. O cenário completo é de balbúrdia, mesmo. Uma grande e descontrolada farra de parte da sociedade, tirando proveito do que a natureza nos proporciona. Visto de longe, nada a condenar, como não se condena o Carnaval. Todos estamos cansados de saber que essa grande festa popular traz para as praias e ruas do Recife a abertura total de usos e costumes, com a quebra de quase tudo que se deve exigir no cotidiano.
E aí é onde entra a avaliação do que acontece nas praias da Zona Sul do Recife. Não estamos no Carnaval, não vivemos períodos de permissividade, nada justifica que sejam quebrados os rigores com questões como higiene, segurança pessoal e do trânsito, direito de ir e vir. De todas essas necessidades diárias para a coexistência das pessoas é que decorre o poder de polícia das autoridades para fazer cumprir as regras mais elementares.
Na quebra dessas regras, passamos à leitura dos detalhes: o que se vê em Boa Viagem e no Pina, principalmente, contraria todas essas regras. São barracas sem o mínimo de higiene, o espaço dos banhistas invadido até por automóveis, lixo, bancos de concreto ocupados por latinhas de cerveja, peixe sendo preparado nas barracas, utensílios lavados em bacias, em águas com incrível resistência para mais de uma limpeza, e por aí vai.
Justiça se faça, a Prefeitura do Recife baixou decreto, em dezembro passado, com ânimo de disciplinar essa bagunça, mas infelizmente não saiu do papel, e esse é um dos detalhes de um novo ângulo da questão: a crise social que implica na necessidade de sobrevivência de boa parte da população através de improvisações, mas que não pode passar por cima de tudo. O argumento é um só: precisamos sobreviver, garantir o pão de nossos filhos, um apelo que impressiona e intimida. Mas é preciso considerar que faz parte do compromisso e das obrigações de qualquer governante encontrar saída para desafios desse porte, ou, então, para que precisaríamos pagar tributos e entregá-los a autoridades eleitas por todos exatamente para encontrar soluções?
A bagunça nas praias do Recife tem solução, sim. Precisa apenas de determinação política para fazer cumprir normas municipais, estaduais, federais. Até princípios como os direitos humanos, que falam de preocupação com a saúde e a segurança das pessoas. Com a desordem que toma por pretexto a sobrevivência, mesmo esta fica ameaçada. De outro lado, há de se considerar a maior parte da população – também pobre e carente de lazer – que busca as praias principalmente nos finais de semana e vê o espaço coletivo tomado pelo comércio desordenado.
Em alguns casos até se formam pequenas máfias para a ocupação de cadeiras alugadas, vinculadas à venda de refrigerantes, água gelada, água de coco, organizando passarelas para o desfile de vendedores de picolés, sorvetes, salgadinhos, camarões, ostras amendoins, castanhas, sanduíches, até óculos escuros, bonés, chapéus e uma infinidade de bugigangas, fazendo das praias grandes feiras. Parece-nos, diante disso tudo, que estamos passando do limite tolerável para a cobrança da ação pública, dentro da lei, exigindo que se cumpra a lei.

ILUMINAÇÃO PÚBLICA
EDITORIAL
DIÁRIOM DO NORDESTE (CE)
14/11/2009

Um programa de investimentos na iluminação pública da cidade está sendo anunciado pela Autarquia Municipal de Trânsito, Serviços Públicos e de Cidadania (AMC). Diante do expressivo valor pago pelo contribuinte para manter as vias públicas iluminadas, o volume das aplicações, de R$ 1 milhão, este ano, revela-se bem abaixo das carências de Fortaleza, neste segmento, embora seja o prenúncio das melhorias coletivas reclamadas pela comunidade.
Comparada com capitais de menor porte, como Aracaju (SE), a iluminação pública local, com a exceção formada por algumas poucas avenidas, mais parece um ambiente de boate, tão precária é a prestação desse serviço, embora seja tarifado todo mês, com baixo índice de inadimplência. O programa arquitetado tem como um de seus objetivos aumentar a iluminação das áreas deficientes, incluindo mudanças no estilo dos postes até aqui usados, para combater os efeitos da maresia.
Este é o tipo de serviço essencial de grande relevância para qualquer cidade, pouco interessando o seu tamanho. Como vem sendo prestado, de forma descentralizada, seus custos são insignificantes, diante do retorno em segurança dos cidadãos e do realce emprestado à arquitetura urbana. Mais do que nunca, tornar ruas, avenidas, praças, travessas, becos e pontes bem iluminadas é uma providência preventiva capaz de evitar a violência disseminada pelos logradouros.
A burocracia do serviço público municipal - ainda bem - não se lançou na formatação de um órgão com estrutura pesada para gerenciar esse programa. A receita originária da taxa de iluminação pública é processada pela própria empresa concessionária do fornecimento da energia elétrica, ficando a manutenção e expansão das redes, postes e luminárias a cargo de empresas terceirizadas.
Se houver, de fato, o propósito de erradicar a má iluminação das áreas periféricas da cidade, os focos de violência tenderão a arrefecer. Esta será uma grande contribuição aos planos preventivos e proativos de segurança pública, há muito recomendada pelos consultores norte-americanos, quando o Estado decidiu ouvir especialistas em sistema de segurança de cidades bem-sucedidas nessa área como Nova York.
A AMC projeta, ainda, inovar a iluminação em algumas áreas, como a Praça Portugal, as Avenidas Raul Barbosa, Desembargador Moreira, Castello Branco (Leste-Oeste) e o Bairro da Varjota, incluindo a Avenida Virgilio Távora e as Ruas Ana Bilhar, Frederico Borges, Frei Mansueto e Canuto de Aguiar. Como há um projeto para consolidar o polo gastronômico da área, serão instaladas lâmpadas brancas, com maior intensidade, para garantir a segurança dos transeuntes na região.
A Autarquia de Trânsito tem pela frente outra tarefa ingente: compatibilizar seus recursos de engenharia de tráfego com o sistema viário de Fortaleza para suportar, a cada mês, o ingresso de cinco mil novos veículos. A cidade, de ruas e avenidas estreitas, já não suporta o volume de veículos por elas circulando, além do agravamento provocado pelos guiadores com baixa educação de trânsito. O equacionamento desse problema exige a ação urgente de uma força-tarefa.

MEDICINA E FORMAÇÃO
EDITORIAL
A CRÍTICA (AM)
14/11/2009

É promissora e oportuna a decisão tomada pelo colegiado da Faculdade de Medicina, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), em buscar um novo perfil para o curso. A nova proposta determina que seja dada ênfase à formação generalista dos futuros médicos e atende a um compromisso firmado entre a Ufam e o Ministério da Educação quanto ao Termo de Saneamento de Deficiências do curso. Mais que isso, a busca por um outro perfil do profissional de Medina, produz expectativas positivas à sociedade amazonense e amazônida, principalmente as populações mais carentes.

A formação de profissionais sintonizada com as necessidades sociais é um dos grandes desafios na atualidade para as áreas essenciais. Não dá para desconhecer a presença forte do mercado conformando um perfil cultural muito parecido de profissionais. No caso da medicina, os efeitos dessa prática são observáveis em várias direções e não raro prejudiciais à clientela. Um dos aspectos dessa influência mercadológica é o olhar departamentalizado do profissional sobre o paciente. Este tem sido obrigado a um esforço gigantesco na busca pelo socorro médico para assegurar um atendimento que o veja como uma pessoa e não em pedaços sem interligação.

Um outro aspecto que, em alguma medida, tem amparo nesse modelo de formação, é o tempo e recurso financeiro consumidos para o paciente garantir o atendimento. Na ponta, essa modelagem é ruim para a maioria das pessoas e atua na fragilização do Sistema Único de Saúde, pois multiplica situações e procedimentos que poderiam ser evitados, como encaminhar a especialistas casos que um generalista pode resolver.

Há um esforço antigo de uma corrente de profissionais de medicina em investir numa formação mais sólida dos recursos humanos que vão atuar nesse campo. O projeto pedagógico ora gestado se insere em um esforço maior que pretende, em um determinado momento, ver construída uma base de formação nacional em Medicina que contemple fortemente o olhar policlínico tão em falta na atualidade. Há um sentimento de animação em torno dessa notícia. Nele, a população espera ver revitalizado o elo entre o curso, a universidade, os médicos e a comunidade. Para que essa dimensão seja realizada, é preciso fazer valer o projeto aprovado, sem perder de vista a permanente obrigatoriedade de revisão.

Lua Nova, uma sequência de Crepúsculo

Descabeladamente romântico

Lua Nova, o segundo filme da saga Crepúsculo, quer atrair agora também os garotos, com lobisomens superpoderosos e cenas de ação. Mas, para manter fiéis as meninas que a-do-ram a série, reforça ainda mais o drama de amor adolescente entre o vampiro cavalheiresco Edward e a adolescente casta Bella


Jerônimo Teixeira, de Los Angeles

Fotos Divulgação
CORAÇÕES PARTIDOS
Bella (Kristen), desesperada com a perda de seu vampiro, é socorrida pelo lobisomem Jacob (Lautner): tentativas de suicídio e muitos peitorais nus, apesar do frio

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Como tantos adolescentes do ensino médio, os enamorados Edward (Robert Pattinson) e Bella (Kristen Stewart) estão mais interessados no seu ti-ti-ti íntimo do que naquilo que os professores tentam ensinar. O professor de literatura, irritado com a desatenção de Edward, pede que ele reproduza a fala do Romeu, de Shakespeare, pouco antes do suicídio – e Edward o surpreende. Conhece o trecho de cor e o recita com sentimento: "A morte, que sugou o mel do teu hálito, não teve poder contra tua beleza". "Foi esquisito fazer aquela cena", disse o ator inglês Robert Pattinson, de 23 anos, a VEJA. "Toda a sala, cheia de extras, olhava para mim. Errei e tive de recomeçar várias vezes." Dificilmente essa será a sequência mais lembrada de Lua Nova (The Twilight Saga: New Moon, Estados Unidos, 2009), a continuação de Crepúsculo, que estreia no país na próxima sexta-feira. As garotas – público primordial dos filmes baseados nos best-sellers de Stephenie Meyer – vão suspirar diante do inefável Pattinson. Um novo ímã para seus olhares é o pedaçudo Taylor Lautner (que interpreta o lobisomem Jacob), exibindo seus peitorais malhados. No esforço de incrementar o apelo para os rapazes, há mais sequências de ação e muita computação gráfica. A citação de Romeu e Julieta, porém, dá o tom do filme, em tudo fiel ao espírito do livro original. Stephenie Meyer, mórmon praticante, dispensa o ardor sexual do jovem casal criado por Shakespeare – mas, nos quatro romances que já venderam mais de 80 milhões de exemplares ao redor do mundo, não tem pudor de retratar, com as tintas mais encarnadas, o drama desesperado que é o amor adolescente.

Dirigido por Catherine Hardwicke, Crepúsculo, o primeiro filme, trazia o início do amor entre o vampiro Edward, virtualmente imortal, dotado de força e velocidade sobre-humanas e capaz de ler mentes, e a humana Bella, uma desajeitada garota que se muda do ensolarado Arizona para o frio estado de Washington (as locações não são lá: no primeiro filme, foram no Oregon; em Lua Nova, em Vancouver, no Canadá). Com o orçamento relativamente modesto de 40 milhões de dólares, o filme teve bilheteria mundial de 350 milhões de dólares e projetou Kristen e Pattison como o casal mais queridinho do cinema (sim, eles namoraram fora das telas, mas agora estão aparentemente dando um tempo). Lua Nova é sobre rompimento e dor. No seu aniversário de 18 anos (a atriz tem 19), Bella começa a se angustiar com o fato de que está envelhecendo, enquanto seu namorado, que tem 108 anos, estacionou na aparência de 17. Edward, cioso dos perigos que a companhia dos vampiros traz à amada, acaba se afastando de Bella, na tentativa de protegê-la. Ele tem sede do sangue de Bella, mas contém-se: não quer transformá-la no monstro que ele mesmo julga ser. Essa abstinência tem sido interpretada como uma pregação da contenção sexual para os jovens, muito de acordo com o ideário religioso da autora. A menina entra em desespero, até encontrar consolo na companhia do lobão Jacob.

Edward – quase um deus, mas acessível para a prosaica Bella – inflama a imaginação das fãs. Depois de Crespúsculo, fotos de Pattinson ganharam as paredes dos quartos de adolescentes e pré-adolescentes de todo o mundo. "Nunca imaginei algo assim. No meu tempo de escola, eu não era nem de longe o garoto mais desejado da classe", diz o encabulado ator de cabelos desgrenhados, enquanto seus dedos de unhas um tanto sujas atarraxam e desatarraxam ansiosamente a tampa de sua garrafa de água mineral.

Com Edward ausente em grande parte da história, tudo indica que chegou a hora de Taylor Lautner, 17 anos. Sua participação no primeiro filme era pouco mais do que uma ponta. Em Lua Nova, o papel cresceu – e Lautner também: ameaçado de ser substituído, o ator franzino malhou e engoliu meses de dieta proteica. "Eu tinha de comer a cada duas horas. Não era agradável", diz ele. Seu torso esculpido tornou-se um recurso dramático primordial para o novo filme. "Era meio esquisito trabalhar o tempo todo sem camisa no frio de Vancouver, onde todo mundo anda encasacado", diz o ator. Lautner está namorando a cantora country Taylor Swift (mais um casal dos sonhos...), que recentemente lhe mandou um recadinho carinhoso no monólogo de abertura do programa cômico Saturday Night Life (para em seguida estrelar uma hilária paródia deCrepúsculo, com Frankensteins no lugar dos vampiros).

Nas entrevistas que o elenco concedeu em Los Angeles, todos se fecharam ferreamente contra "perguntas pessoais". "Kristen é uma ótima atriz", diz Pattinson quando lhe perguntam sobre a química que os dois demonstram na tela. Dá-se como certo que a situação entre ambos é o inverso daquela representada no filme: teria sido Kristen a responsável pelo fim do namoro. Na entrevista, a atriz filosofou sobre a tristeza mortal de Bella ao ser abandonada pelo namorado hematófago: "A dor de Bella ao perder Edward, embora metaforicamente represente algo muito real, é colocada em um mundo com o qual não temos como nos relacionar. Eu acho que a história se sustenta sem os aspectos míticos, tem uma dinâmica sólida entre os personagens, mas... Eu me perdi totalmente. O que você perguntou mesmo?".

Os aspectos míticos e a dinâmica dos personagens são o de menos: o enredo é descabeladamente romântico. O torturado Edward dá o fora em Bella e, ato contínuo, Bella perde-se, alucinada, na floresta, até desabar entre as árvores. Edward, exilado em um Rio de Janeiro de fancaria, recebe a notícia equívoca de que alguém morreu, logo conclui que foi Bella – e parte para tentar o suicídio (muito difícil de conseguir entre os vampiros). Até os lobisomens são hipertrofiados: no lugar da criatura tradicional, meio canina, meio humana, são lobos enormes – do tamanho de um cavalo. Tudo isso é um tanto indigesto para o público maduro. Mas Lua Nova deve abocanhar a bilheteria com dentões enormes – de vampiro ou lobisomem, agora tanto faz.

EUROPEUS — E, PORTANTO, MALVADOS

APAVORANTE OU PAVOROSO?
Sheen (à esq.) como o líder dos Volturi, o clã de vampiros europeus, que, ao contrário dos hematófagos americanos, como Edward (Pattinson, à dir.), não abdicam de morder inocentes: olhos vermelhos, perucas escorridas e muito fru-fru

Os vampiros imaginados por Stephenie Meyer são diferentes daqueles consagrados em clássicos como Drácula, de Bram Stoker. Expostos ao sol, não viram cinza, mas brilham. Não são necessariamente maus – podem escolher o caminho do bem, como fizeram Edward e sua família. Em Lua Nova, porém, surgem personagens mais clássicos: nas ruas sinuosas de Volterra, na região italiana da Toscana (substituída, nas locações, pela cidade próxima de Montepulciano), vive o clã dos Volturi, a realeza do mundo dos vampiros. Fazem parte desse núcleo os dois atores mais experientes do elenco: o galês Michael Sheen, 40 anos, que interpretou o primeiro-ministro britânico Tony Blair em três produções, e a americana Dakota Fanning, que, apesar dos tenros 15 anos, acumula uma filmografia respeitabilíssima. Os Volturi representam a visão mais tradicional desses monstros: europeus, aristocráticos, sofisticados e muito perversos. Mas, com suas perucas compridas e o figurino cheio de fru-frus, o bando resulta mais pavoroso do que apavorante. Sheen tem uma filha de 10 anos que, leitora apaixonada de Stephenie Meyer, exultou ao saber que o pai iria trabalhar em Lua Nova. Dakota, que cursa o ensino médio, faz parte do público típico dos livros. "Li todos os quatro livros em uma semana. E depois fiquei triste por ter acabado tão rápido", diz, com seu sorriso ainda infantil, de dentes pequenos. É seu primeiro papel de vilã – ela interpreta Jane, uma vampira que tem o poder de, apenas com o olhar, submeter suas vítimas a uma dor excruciante. Seus grandes olhos claros aparecem ocultos por lentes de contato, de um vermelho bizarro. "Dakota fica assustadora com as lentes vermelhas. Já eu fico parecendo um coelho", afirma Sheen, com seu humor britanicamente autoderrisório.


Trailer

O Símbolo Perdido, de Dan Brown

Uma ciência oculta

Como Dan Brown, em O Símbolo Perdido, mistura de novo os ingredientes – sociedades secretas, códigos enigmáticos, os subterrâneos de monumentos famosos e alguma elucubração filosófica – que o tornaram o maior best-seller da ficção adulta


Jerônimo Teixeira, de Exeter

Universo paralelo
O Capitólio, o afresco que o adorna

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As estantes envidraçadas no último andar da biblioteca da Academia Phillips Exeter exibem obras escritas por ex-alunos dessa tradicional instituição de ensino médio americana, fundada no século XVIII. É uma coleção heterogênea, com livros de história e de culinária, guias para criação dos filhos e biografias de personagens como o general Ulysses S. Grant. Escritores como Gore Vidal e John Irving destacam-se nas prateleiras. E também está lá um thriller com cores meios esotéricas que vendeu mais de 1 milhão de cópias nas suas primeiras 24 horas no mercado americano, em setembro – e que nesta semana chega às livrarias brasileiras. O Símbolo Perdido (tradução de Fernanda Abreu; Sextante; 496 páginas; 39,90 reais) é o quinto romance de Dan Brown, 45 anos, autor de um dos maiores fenômenos editoriais do século – O Código Da Vinci, que vendeu 80 milhões de exemplares no mundo todo (1,6 milhão só no Brasil).

Brown nasceu em Exeter – uma charmosa cidadezinha de cerca de 15.000 habitantes em New Hampshire, na Nova Inglaterra – e até hoje mora, com a mulher, em uma localidade próxima. Estudou na Academia Phillips, onde seu pai era professor de matemática. E, antes de se tornar o maior best-seller internacional da ficção adulta, chegou a dar aulas de inglês na escola. Foi, portanto, por razões afetivas que ele escolheu essa biblioteca como local para conversar com VEJA. Brown veste uma calça esporte e uma blusa Polo Ralph Lauren. Sobre a mesa da sala de conferências da biblioteca, deixou seu casaco de tweed, item obrigatório do figurino de seu herói, o professor de Harvard Robert Langdon. Também como Langdon, ele possui um relógio do Mickey Mouse – mas não o estava usando na entrevista. "Langdon tem muitas características minhas: tem um grande interesse intelectual por símbolos e códigos, estudou em Exeter, sofre de claustrofobia. Mas ele é mais inteligente e corajoso. E, claro, leva uma vida bem mais interessante", diz Brown.

Muito interessante, de fato: nos dois livros e filmes anteriores, Langdon – interpretado no cinema por Tom Hanks – sobreviveu à explosão de uma cápsula de antimatéria (nem pergunte o que é isso) e desvendou o mistério da descendência de Jesus Cristo. Em O Símbolo Perdido, ele se envolve em uma espécie de caça ao tesouro metafísica: tem de desvendar códigos e símbolos projetados pela maçonaria, para chegar ao esconderijo que abriga os Antigos Mistérios – a sabedoria ancestral que promete dar poderes sobre-humanos a seu detentor. Langdon e sua co-heroína, Katherine – uma pesquisadora da chamada "ciência noética", que pretende estudar os efeitos da mente sobre o mundo físico –, são acossados pelo vilão mais tenebroso já concebido por Brown: Mal’akh, um satanista alucinado cujo corpo musculoso é completamente tatuado com símbolos místicos.

Toda a história se passa em Washington, mas essa não é a capital americana que costuma aparecer no noticiário. "Não há política no livro. Mostrei a cidade que ninguém vê, repleta de mistérios, segredos e locais estranhos", diz o escritor. O Capitólio, sede do Congresso americano, transfigura-se em templo dos Antigos Mistérios. Uma mão amputada, com um anel maçônico e símbolos esotéricos tatuados na ponta dos dedos, é encontrada em um de seus salões. E, nos porões do Congresso, esconde-se uma pirâmide maçônica cujas inscrições crípticas são o centro da narrativa.

Essa é a fórmula que Brown experimentou em Anjos e Demônios e calibrou em O Código Da Vinci: uma história de mistério envolvendo uma sociedade secreta, códigos e enigmas, ação acelerada e o lado "oculto" de monumentos públicos famosos. Além de alguma especulação filosófico-religiosa. "Anjos e Demônios é sobre o embate entre ciência e religião. O Código Da Vinci apresenta uma perspectiva alternativa sobre a vida de Jesus e o Santo Graal. Já O Símbolo Perdido é sobre o poder da mente humana. É o mais filosófico dos meus livros", diz o autor. E há quem ache que os romances só pretendem distrair o leitor em suas horas de espera no aeroporto...

A ordem secreta de O Símbolo Perdido é a maçonaria. Muitos fundadores da nação americana – como George Washington, seu primeiro presidente – eram maçons, e os símbolos esotéricos da irmandade até hoje estão presentes na vida do país (o exemplo mais proeminente é a pirâmide com olho na nota de 1 dólar). Brown é bom em coletar miudezas históricas que se relacionam com seu tema central. O Símbolo Perdido faz referência, por exemplo, a uma das representações mais estranhas que já se fizeram de Washington: uma estátua de mármore esculpida por Horatio Greenough no século XIX representava o presidente como o deus grego Zeus, de toga, espada em uma das mãos, peito desnudo – e com os músculos salientes de um lutador de vale-tudo. A estátua esteve alguns anos no Congresso, mas acabou retirada de lá, segundo Brown (ou Langdon) porque seu ostensivo paganismo ofendia os congressistas cristãos. Um afresco do Capitólio, A Apoteose de Washington, também representa o primeiro presidente como uma espécie de Deus, alçando-se aos círculos celestes mais elevados. E está dado o mote para Brown desenvolver um dos temas mais caros ao novo livro: a divindade intrínseca de todo ser humano.

Divulgação

Herói de ação
Hanks como Langdon: o simbologista é um grande achado


Brown ainda dá um tremendo crédito à tal da "noética", com seus duvidosos estudos sobre poder mental. O escritor diz que demorou a aceitar as conclusões da nova disciplina, e que seu ceticismo é parcialmente responsável pelo tempo alongado – seis anos desde a publicação de O Código Da Vinci – que levou para escreverO Símbolo Perdido. Hoje, porém, está convencido: "A noética é uma ciência de verdade. Está estudando quantitativamente a influência do pensamento sobre o universo físico". Mais adiante na entrevista, porém, ele admite que os resultados ainda são escorregadios. "As grandes questões da filosofia são difíceis e etéreas", diz. Sim. De fato.

No geral, não é preciso comprar as teses esotéricas de Brown para divertir-se com O Símbolo Perdido. É um bom thriller, com algumas das melhores cenas de ação já escritas pelo autor, como o eletrizante jogo de gato e rato entre o bandido Mal’akh e Katherine dentro de um galpão fechado, sem nenhuma fonte de luz. "É uma cena curta, mas levei uma semana para escrevê-la. No final, estava com dores na mandíbula – percebi que estava apertando os dentes, por causa da tensão", diz Brown.

Robert Langdon, herói de ação e professor da inexistente disciplina da simbologia em Harvard, é um grande achado. O próprio Brown não se deu conta imediatamente do potencial do personagem: depois de apresentá-lo em Anjos e Demônios, abandonou-o no livro seguinte,Ponto de Impacto. Mas teve a sorte de ter mudado de agente na mesma época. "Li umas vinte páginas de Anjos e Demônios e disse para Brown: ‘Você tem de escrever mais livros com Langdon. Ele é seu grande personagem’", conta Heide Lange, o atual agente do escritor. Depois de O Código Da Vinci, outros tentaram a mesma fórmula do "thriller acadêmico", sem tanto sucesso. Brown parece de fato conhecer alguma ciência oculta.



A Nova Era de Dan Brown

As opiniões do autor de O Símbolo Perdido sobre Deus, o futuro da humanidade
e outras coisinhas mais

UMA MUDANÇA IMINENTE
Estamos nos movendo, astrologicamente, para uma nova era, e não é no sentido etéreo e vago que essa expressão costuma ter. Como espécie, nós, humanos, estamos no limiar de algumas escolhas cruciais. Nossa evolução moral e filosófica vai ser ultrapassada por nossos avanços científicos? Vamos evoluir filosoficamente, a ponto de dominar de fato a ciência que estamos desenvolvendo, ou vamos destruir a nós mesmos? Essas decisões serão tomadas, eu creio, nos próximos quinze anos. Teremos problemas sérios se não evoluirmos filosoficamente. Mas sou otimista. Sinto que há uma mudança iminente.

CIÊNCIA E RELIGIÃO
Estudei muito religião e ciência. E, de início, a ciência fazia mais sentido para mim do que a religião. Não conseguia conciliar o Gênesis com o Big Bang. Mas, quanto mais você se aprofunda na ciência, mais percebe que os cientistas buscam respostas para perguntas filosóficas, e mais a ciência se aproxima da religião. São duas linguagens contando a mesma história. Sou uma pessoa espiritual. Considero minha religião uma obra em aberto.

OS PERIGOS DA RELIGIÃO
Um dos perigos da religião é quando as pessoas começam a encarar a mitologia como fatos literais. Muitas histórias antigas não têm pé nem cabeça, e você precisa torcer a lógica para que façam sentido. É por isso que O Código Da Vinci incomodou tanto: era uma nova versão da história de Jesus, que para mim fazia mais sentido do que aquela que eu ouvi na escola dominical. Mas isso ameaça as pessoas cujo poder depende da manutenção da história original como verdade absoluta. Para minha sensibilidade, O Código Da Vinci não era um livro blasfemo. O fato de Jesus ter se casado não altera a verdade da sua mensagem. Não sou uma ameaça para a religião. Acho que ela tem apenas um inimigo: a apatia. Quer você goste dos meus livros, quer você os deteste, creio que são bons remédios contra a apatia. Levam as pessoas a pensar no que elas acreditam e em por que acreditam.

POLÍTICA, NÃO
Não gosto de falar de política. A política é contingente, temporal. Vai e vem, muda sempre com a última onda. Tenho mais interesse nas questões duradouras do universo, ocontinuum, o pulso da humanidade, que atravessa os séculos.

UMA IDEIA LINDA
Sou um tremendo patriota. Como qualquer país, cometemos erros. Nossa história está repleta deles. Mesmo assim, a ideia original dos Estados Unidos – uma nação iluminista, que aceita pessoas de todas as raças e crenças e deixa que elas tentem realizar seus sonhos – é uma ideia linda.

O DEUS AMERICANO
A maçonaria teve muita influência na origem dos Estados Unidos. É interessante que muita gente pense que os Estados Unidos são um país cristão. Talvez sejam, hoje. Mas não o eram na sua fundação. Os pais da nação eram deístas, não teístas. Os teístas acreditam que Deus interfere no mundo, que, se você rezar, Deus vai consertar as coisas para você. Os deístas acreditam que um ser poderoso colocou o universo em movimento – mas a partir daí é tudo conosco.

SUCESSO E RIQUEZA
Ganhei muito dinheiro, mas não penso muito nisso. Não tenho um iate e ainda dirijo um Toyota híbrido. Não estou interessado nos símbolos convencionais de riqueza. Tenho interesse, sim, em arte e arquitetura. Minha mulher e eu estamos construindo uma casa que será uma verdadeira obra de arte. É nossa grande extravagância. E o sucesso de O Código Da Vinci não mudou minha rotina de escritor. Ainda me levanto às 4 da manhã para escrever. Os meus personagens não se impressionam com o número de livros que eu vendi.

"Meu símbolo preferido"

Em O Símbolo Perdido, o circumponto tem papel fundamental. Segundo o livro,
representa tudo e mais um pouco: "a iluminação do deus-sol egípcio, o triunfo do ouro
alquímico, a sabedoria da pedra filosofal, a pureza da rosa dos Rosa-Cruzes, o instante da criação, o Todo
". Na casa nova que Brown e sua mulher estão construindo, haverá um circumponto em uma janela.
"Dependendo do dia e do ângulo do Sol, ele vai projetar seu ponto de sombra em azulejos específicos, com inscrições. Nossa casa vai ser cheia de códigos", diz o autor


LIVROS

O Símbolo Perdido, de Dan Brown

Capítulo 1

O elevador Otis que subia a coluna sul da Torre Eiffel estava lotado de turistas. Em seu interior abarrotado, o austero executivo de terno bem passado baixou os olhos para o menino ao seu lado.

- Você está pálido, filho. Devia ter ficado lá embaixo.

- Estou bem… - respondeu o garoto, esforçando-se para controlar a própria ansiedade. - Vou descer no próximo andar. - Não consigo respirar.

O homem chegou mais perto.

- Pensei que a esta altura você já tivesse superado isso. - Ele acariciou com afeto a bochecha do filho.

O menino estava com vergonha por desapontar o pai, mas mal conseguia escutar qualquer coisa, tamanho o zumbido em seus ouvidos. Não consigo respirar. Preciso sair de dentro desta caixa!

O ascensorista estava dizendo alguma coisa tranquilizadora sobre os pistons articulados e a estrutura de ferro forjado do elevador. Muito abaixo deles, as ruas de Paris se estendiam em todas as direções.

Estamos quase chegando, disse o menino para si mesmo, esticando o pescoço e erguendo os olhos para a plataforma de desembarque. Aguente firme.

À medida que o elevador se aproximava num ângulo acentuado do deque de observação, o poço se estreitava, e seus enormes tirantes se contraíam formando um túnel apertado, vertical.

- Pai, eu acho que não…

De repente, um estalo abrupto ecoou acima dele. O elevador deu um tranco e pendeu para um dos lados, desequilibrado. Cabos esgarçados começaram a chicotear em volta do compartimento, agitando-se feito cobras. O menino estendeu a mão para o pai.

- Pai!

Durante um segundo aterrorizante, seus olhares se cruzaram.

Então o fundo do elevador se soltou.

Robert Langdon teve um sobressalto, despertando assustado daquele sonho diurno semiconsciente. Estava sentado sozinho em sua macia poltrona de couro na imensa cabine de um jatinho corporativo Falcon 2000EX que atravessava aos solavancos uma área de turbulência. Ao fundo, ouvia-se o zumbido constante dos dois motores Pratt & Whitney.

- Sr. Langdon? - O alto-falante chiou acima dele. - Estamos na fase final de aproximação.

Langdon se endireitou no assento e tornou a guardar as notas da palestra dentro da bolsa de viagem de couro. Estava no meio de uma revisão da simbologia maçônica quando havia cochilado. Desconfiava que o sonho sobre o pai já falecido tivesse sido causado pelo inesperado convite, recebido naquela manhã, de seu antigo mentor, Peter Solomon.

O outro homem que nunca vou querer decepcionar.

O filantropo, historiador e cientista de 58 anos havia se tornado o protetor de Langdon quase 30 anos antes, preenchendo sob muitos aspectos o vazio deixado pela morte do pai. Apesar da influente dinastia familiar e da imensa fortuna de Solomon, Langdon encontrou humildade e calor humano em seus suaves olhos cinzentos.

Do lado de fora da janela, o sol havia se posto, mas Langdon ainda podia distinguir a silhueta esguia do maior obelisco do mundo, erguendo-se acima do horizonte como a coluna de um antigo relógio de sol. O obelisco de quase 170 metros de altura revestido de mármore marcava o centro daquela nação. A partir dele, a meticulosa geometria de ruas e monumentos se espalhava por todas as direções.

Mesmo vista de cima, Washington exalava um poder quase místico.

Langdon adorava aquela cidade e, quando o jatinho tocou o solo, sentiu uma animação crescente em relação ao que o dia lhe reservava. A aeronave taxiou até um terminal privado em algum lugar em meio à vastidão do Aeroporto Internacional Dulles e parou.

Langdon juntou suas coisas, agradeceu aos pilotos e emergiu do interior luxuoso do jatinho para a escada dobrável. O ar frio de janeiro dava uma sensação de liberdade.

Respire, Robert, pensou ele, apreciando os grandes espaços abertos. Uma manta de bruma branca cobria a pista de pouso e, ao descer para o asfalto enevoado, Langdon teve a sensação de estar pisando em um pântano.

- Olá! Olá! - chamou uma voz melodiosa com sotaque britânico. - Professor Langdon?

Langdon ergueu os olhos e viu uma mulher de meia-idade, de crachá e com uma prancheta na mão, caminhando apressada em sua direção, acenando alegremente enquanto ele se aproximava. Cabelos louros cacheados despontavam de baixo de um estiloso gorro de lã.

- Bem-vindo a Washington, professor!

Langdon sorriu.

- Obrigado.

- Meu nome é Pam, do serviço de atendimento a passageiros. - A mulher falava com uma exuberância quase perturbadora. - Se quiser me acompanhar, seu carro está aguardando.

Langdon a seguiu pela pista em direção ao terminal exclusivo, cercado por reluzentes jatinhos privados. Um ponto de táxi para os ricos e famosos.

- Sem querer constrangê-lo, professor - disse a mulher, um pouco encabulada -, o senhor é o Robert Landgon que escreve livros sobre símbolos e religião, não é?

Langdon hesitou, mas assentiu com a cabeça.

- Bem que eu achei! - disse ela, radiante. - Meu grupo de leitura leu o seu livro sobre o sagrado feminino e a Igreja! Ele provocou um escândalo delicioso! O senhor gosta mesmo de soltar a raposa no galinheiro!

Langdon sorriu.

- Criar escândalo não foi bem a minha intenção.

A mulher pareceu perceber que Langdon não estava disposto a conversar sobre o próprio trabalho.

- Desculpe. Olhe eu aqui falando. Sei que o senhor provavelmente está cansado de ser reconhecido… mas a culpa é toda sua. - Com ar brincalhão, ela indicou as roupas que ele usava. - O seu uniforme o entregou.

Meu uniforme? Langdon baixou os olhos para examinar as próprias roupas. Estava usando seu suéter grafite de gola rulê, um paletó de tweed Harris, uma calça cáqui e sapatos fechados de couro de cabra… seu traje padrão para aulas, palestras, sessões de fotos e eventos sociais.

A mulher riu.

- Essas golas rulês que o senhor usa são muito fora de moda. O senhor ficaria bem melhor de gravata!

De jeito nenhum, pensou Langdon. Pequenas forcas.

Quando Langdon estudava na Academia Phillips Exeter, o uso da gravata era obrigatório seis dias por semana e, apesar da visão romântica do diretor, segundo a qual a origem da gravata remontava à fascalia de seda usada pelos oradores romanos para aquecer as cordas vocais, Langdon sabia que, do ponto de vista etimológico, gravata na verdade vinha de um bando de cruéis mercenários croatas que amarravam lenços em volta do pescoço antes de partir para a batalha. Até hoje, esse antigo traje de combate é usado por guerreiros corpo - rativos modernos, que esperam intimidar os inimigos nas batalhas diárias das salas de reunião.

- Obrigado pelo conselho - disse Langdon com uma risadinha. - Daqui para a frente, vou pensar em usar gravata.

Por sorte, um homem de aspecto profissional vestindo um terno escuro desceu de um Lincoln estacionado junto ao terminal e chamou seu nome.

- Sr. Langdon? Sou Charles, da Beltway Limusines. - Ele abriu a porta traseira. - Boa noite. Bem-vindo a Washington.

Langdon deu uma gorjeta a Pam para lhe agradecer pela hospitalidade e, em seguida, entrou no interior luxuoso do carro. O motorista lhe mostrou os controles da calefação, a água mineral e o cesto de muffins quentinhos. Segundos depois, o Lincoln já seguia por uma rua de acesso exclusivo. Então é assim que vive a outra metade.

Enquanto disparava pela Windsock Drive, o motorista consultou a lista de passageiros e deu um telefonema rápido.

- Aqui é da Beltway Limusines - disse ele, com eficiência profissional. - Recebi instruções para confirmar quando meu passageiro tivesse aterrissado. - Ele fez uma pausa. - Sim, senhor. Seu convidado, Sr. Langdon, já chegou e eu o estou levando para o prédio do Capitólio. Devemos chegar lá antes das sete. De nada, senhor. - E desligou.

Langdon teve de sorrir. Ele pensou em todos os detalhes. A atenção que Peter Solomon dedicava às minúcias era uma de suas maiores qualidades, algo que lhe permitia administrar com aparente facilidade seu considerável poder. Alguns bilhões de dólares no banco também não fazem mal.

O professor se acomodou no confortável assento de couro e fechou os olhos à medida que o ruído do aeroporto ia ficando para trás. A viagem até o Capitólio demoraria meia hora, e ele ficou satisfeito por ter esse tempo sozinho para or - ganizar os próprios pensamentos. Tudo havia acontecido tão depressa naquele dia que só agora Langdon tinha começado a pensar a sério na incrível noite que tinha pela frente.

Chegando sob um véu de mistério, pensou ele, divertindo-se com a ideia. A pouco mais de 15 quilômetros do Capitólio, uma figura solitária se preparava ansiosamente para a chegada de Robert Langdon.


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