Sunday, January 10, 2010

O prédio de quase 1 km de altura

O prédio de quase 1 km de altura

Burj Khalifa, o edifício mais alto do mundo, inaugurado em Dubai,
pode ser visto a 100 quilômetros de distância


Alexandre Salvador e Nathália Butti

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Nos últimos quinze anos, o mundo viveu uma corrida pela construção de prédios cada vez mais altos. A maioria desses recordistas fica na Ásia, em países ávidos por chamar a atenção do mundo e atrair investimentos, como China, Malásia e Taiwan. Na semana passada, foi a vez de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, entrar na briga com a inauguração da estrutura mais alta já erguida pelo homem – o edifício Burj Khalifa. Com 828 metros de altura, o prédio supera em 320 metros o campeão anterior, o Taipei 101, localizado em Taiwan. A altura do Burj Khalifa é maior que a altitude da cidade de São Paulo em relação ao nível do mar – 750 metros. A nova torre tem vários outros superlativos. Entre eles estão o mirante mais alto do planeta (no 124º andar) e o elevador que percorre a maior distância no mundo (504 metros, do térreo ao 138º andar).

As dimensões espantosas do Burj Khalifa suscitam uma questão: considerando-se os recursos da engenharia moderna, haverá um limite de altura na construção de um edifício? Segundo os engenheiros ouvidos por VEJA, entre eles o americano William Baker, um dos projetistas do Burj Khalifa, esse limite é hoje de 1,2 quilômetro. Num futuro próximo, com o advento de novas tecnologias, essa marca poderá ser facilmente superada. Um dos principais desafios na construção do Burj Khalifa era como neutralizar a ação do vento na área mais elevada da torre. Em Dubai, a quase 1 quilômetro de altura, ele pode chegar a 150 quilômetros por hora – o equivalente a um furacão de nível 1. O engenheiro Baker explica o princípio que rege a construção do Burj Khalifa: "Sua fundação tem o formato de um Y deitado. As pontas do Y funcionam como escoras para o centro da torre, mantendo o prédio firme. O princípio é semelhante ao de um tripé. Por mais que o vento incida sobre uma das faces do prédio, as outras duas lhe dão sustentação".

Mesmo assim, em decorrência do vento, o topo do Burj Khalifa pode oscilar até 1 metro para os lados. Como essa movimentação é muito lenta, os ocupantes do edifício não a sentem. "Em regiões de vento muito intenso, é impossível construir prédios uniformes da base até o topo, com grande superfície de contato com o ar, como era o World Trade Center de Nova York", diz o engenheiro Fernando Henrique Sabbatini, professor da Universidade de São Paulo.


Cura e entretém


Usado com bons resultados em hospitais como fisioterapia para recuperar a
força e o equilíbrio de pacientes, o videogame tem a vantagem de ser divertido


Juliana Cavaçana

Alexandre Schneider
GAMETERAPIA
Fisioterapia com videogame no Instituto Lucy Montoro, em São Paulo, e Lucas jogando beisebol virtual na UTI, em Curitiba: boa também para a autoestima

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Duas vezes por dia, pela manhã e pela tarde, o aparelho de videogame era instalado no quarto de Lucas Savaris Morcelli, 14 anos, na unidade de terapia intensiva do Hospital Vita, em Curitiba. Durante as sessões de meia hora cada uma, o garoto jogava beisebol ao mesmo tempo em que fazia exercícios sob orientação do fisioterapeuta. Ele precisava sincronizar a respiração com o movimento de rebater a bola virtual. A gameterapia se estendeu pelas duas semanas que Lucas permaneceu na UTI. O adolescente sofre de fibrose cística, doença genética crônica que causa excesso de secreção nos pulmões. O jogo ajudou Lucas a ampliar sua capacidade pulmonar e também lhe fortaleceu os músculos e a autoestima. "Melhorei muito no beisebol. Agora, faço mais de 10 pontos. Meu pai não joga comigo porque sabe que vai perder", diz.

Hoje, uma dezena de pacientes da UTI do hospital paranaense frequenta sessões de gameterapia. Quando surgiram, nos anos 80, os videogames eram acusados de incentivar o sedentarismo. Essa visão sofreu uma reviravolta nos últimos três anos, com o lançamento de jogos equipados com sensores de movimento, que transformam o corpo do jogador em joystick. Como eles transferem os movimentos do jogador para a ação do game na tela, é preciso deixar o sofá para dar raquetadas em bolas de tênis ou chutar bolas virtuais. Por isso o console Wii, da Nintendo, e o jogo Eye Toy do Playstation 2, da Sony, são bons exercícios físicos. A utilização terapêutica desses games começou dois anos atrás no Canadá. Hoje ocorre em pelo menos cinco outros países como complemento na reabilitação de pacientes com sequelas de derrames cerebrais ou vítimas de doenças degenerativas, como Parkinson (veja o quadro).

O pioneiro no Brasil foi o Hospital Vita, em março. A reação dos pacientes foi entusiástica. "Nunca tinha visto pacientes tão afoitos para fazer exercícios", diz Esperidião Elias Aquim, chefe do serviço de fisioterapia do hospital. As primeiras experiências, por sinal, foram realizadas com o console de Wii que o fisioterapeuta trouxe de casa. Depois de dez meses de uso, Aquim não tem dúvida sobre os benefícios da gameterapia para pacientes internados na UTI. Ele descobriu igualmente alguns riscos. "O esforço físico, somado à empolgação dos pacientes, pode fazer a pressão sanguínea subir perigosamente", diz Aquim. Um dos jogos mais usados nos hospitais de todo o mundo é o Wii Fit. Ele tem 48 exercícios, orientados por um treinador virtual, para a tonificação de músculos, atividades aeróbicas, ioga e treinos de equilíbrio. O jogador fica numa pequena plataforma e dirige seu personagem virtual com movimentos do corpo.

No início de dezembro, o Instituto de Reabilitação Lucy Montoro, em São Paulo, começou a testar o Wii na terapia com hemiplégicos, pessoas com os movimentos de um lado do corpo limitados por um derrame. Muitas vezes os problemas para andar decorrem da dificuldade enfrentada pelos pacientes quando é preciso transferir o peso de uma perna para a outra - exatamente o que eles aprendem a fazer sobre a pequena plataforma do jogo. Os resultados no Lucy Montoro têm sido animadores, sobretudo pela capacidade do game de estimular a determinação do paciente. Na fisioterapia tradicional, os hemiplégicos realizam movimentos repetitivos e monótonos com pesos e aparelhos especiais. O videogame não substitui essas técnicas, mas faz com que os exercícios fiquem mais divertidos. Em Israel, o Eye Toy do Playstation 2 está sendo usado como uma espécie de analgésico para vítimas de queimaduras extensas. "Os pacientes ficam de tal forma hipnotizados pelo jogo que a sensação de dor diminui", disse a VEJA o cirurgião plástico Josef Haik, do Sheba Medical Center, próximo a Tel-Aviv. "Como o videogame é um passatempo divertido, os fisioterapeutas conseguem exercitar os pacientes por mais tempo e atingir melhores resultados", completa. Uma vantagem adicional do videogame é que a terapia pode continuar em casa, com a assistência de um fisioterapeuta, depois de o paciente ter alta do hospital.

Quadro: O jogo da vida

As filiais do rock


Músicos que constituíram fama e carreira em uma banda cansam
de tocar as mesmas canções com os mesmos parceiros. Nascem
assim alguns dos projetos mais criativos do pop atual


Sérgio Martins

Onze anos depois de ter anunciado sua dissolução, o Faith No More - cujo híbrido de funk e rock pesado exerceu grande influência, nos anos 90, sobre outras bandas, como Korn e System of a Down - voltou a se reunir no ano passado para uma série de shows, inclusive no Brasil. Mas será temerário afirmar que o grupo está mesmo de volta à ativa: o vocalista Mike Patton se dedica a tantos projetos simultâneos que se torna difícil (até para ele) apontar qual o principal. "Sou um artista que gosta de variar", declarou Patton a VEJA. É dizer pouco: o cantor é integrante do Fantômas, que recria temas de filmes de horror e quadrinhos, do Tomahawk, que faz uma mescla meio experimental de rock e soul, e neste ano vai lançar o trabalho de estreia do Mondo Cane, no qual interpreta canções pop italianas (ele foi casado com uma artista italiana e morou em Bolonha por sete anos). No Brasil, acaba de sair o disco do Peeping Tom, projeto de Patton que combina música eletrônica e hip-hop, com participações das cantoras Bebel Gilberto e Norah Jones. Embora poucos sejam tão ecléticos quanto Patton, muitos roqueiros investem em projetos paralelos aos grupos que constituíram sua fama. É uma estratégia segura para o músico que está desgastado ou entediado em sua banda original.

A oportunidade de trabalhar com um amigão do peito é um grande motivador para que os músicos montem suas filiais. O Little Joy nasceu da amizade do baterista do grupo americano Strokes, Fabrizio Moretti, e do guitarrista e vocalista do brasileiro Los Hermanos, Rodrigo Amarante, que se conheceram durante a gravação do disco de um amigo em comum, o cantor Devendra Banhart. O Raconteurs define-se como uma banda de "amigos de longa data" - no caso, os guitarristas Brendan Benson e Jack White, este do White Stripes. Com a colaboração de mais músicos, a banda permite que Jack se exercite fora do enquadramento minimalista do White Stripes, formado apenas por ele e pela (péssima) baterista Meg White. Jack participa ainda de uma terceira banda, o Dead Weather, e tem planos para um disco-solo - mas, prudente, não anunciou o fim do White Stripes.

O desgaste natural de tocar anos ao lado das mesmas pessoas é o fator mais premente para novas experiências. Cantor, guitarrista e líder do Foo Fighters, Dave Grohl teve uma crise durante as gravações de um disco do quarteto, em 2002. Largou as sessões no meio para tocar bateria com o Queens of the Stone Age e para criar o Probot, um grupo de heavy metal. Grohl voltou ao Foo Fighters - mas, no fim do ano passado, embarcou no seu mais ambicioso projeto paralelo, como baterista do Them Crooked Vultures, ao lado do guitarrista Josh Homme (Queens of the Stone Age) e do baixista John Paul Jones (ex-Led Zeppelin). Em todas essas frentes, Grohl faz sempre rock. Outros músicos desviam-se de suas formações originais para tentar novos gêneros. Uma banda, afinal, acaba por se tornar uma marca, uma empresa que não pode ignorar as expectativas que criou. O Blur ajudou a definir, nos anos 90, o som que se tornou conhecido como britpop, reciclando os timbres de guitarras roqueiras dos anos 60. Associando-se ao amigo cartunista Jamie Hewlett, Damon Albarn, cantor do Blur, criou uma banda fictícia muito diferente: o Gorillaz, integrado por personagens de desenho animado, tem mais elementos do hip-hop do que do rock. Albarn - que mantém outra banda paralela, The Good, The Bad & The Queen - deve lançar o terceiro disco do Gorillaz em março. O Blur fez uma turnê no ano passado, registrada no filme No Distance Left do Run - mas, por ora, está em compasso de espera, sem planos de novos trabalhos. Uma brincadeira que deu certo (vende mais que o Blur), o Gorillaz talvez seja o caso mais exemplar de projeto paralelo. Descompromissadas, as filiais muitas vezes se mostram mais criativas do que a casa matriz.

Costurando para fora

Os projetos paralelos de alguns grandes nomes do rock quase sempre resultam melhores do que suas bandas originais

THEM CROOKED VULTURES

Redferns/Getty Images


É o que se costuma chamar de "superbanda", integrada por estrelas de grupos famosos: Dave Grohl (foto), do Foo Fighters, Josh Homme, do Queens of the Stone Age, e John Paul Jones, ex-Led Zeppelin
Melhor que os originais? Sim e não. O CD de estreia supera os lançamentos mais recentes de Foo Fighters e Queens of the Stone Age. Mas não chega perto do Led Zeppelin

PEEPING TOM

David Atlas/Corbis/Latinstock


Um dos vários traballhos de Mike Patton (à dir. na foto), ex-vocalista do Faith No More, a banda toca música eletrônica e hip-hop, com participações de cantoras suaves como Norah Jones e Bebel Gilberto - é o oposto do som pesado do grupo que consagrou o cantor
Melhor que o original? Em termos. Faz boa música para dançar, mas faltam a agressividade e o humor do Faith No More

GORILLAZ

Fotos divulgação


Brincadeira de Damon Albarn, vocalista e líder do quarteto inglês Blur, o Gorillaz é um grupo integrado por personagens de desenho animado
Melhor que o original? Sim. Com canções pop mais acessíveis, seu primeiro CD vendeu, nos Estados Unidos, mais do que todos os sete discos do Blur juntos

The RACONTEURS


Projeto do guitarrista Jack White, do White Stripes (que também atua - como baterista - na banda Dead Weather), faz um rock de garagem com levada pop
Melhor que o original? Sim. Jack White faz o que sabe - toca guitarra - sem as limitações musicais da sua banda de origem (leia-se: sem a batucada medíocre de Meg White, baterista do White Stripes)

THE LAST SHADOW PUPPETS

Brian Ritchie/Rex Features


Dois jovens músicos de bandas badaladas do rock inglês - Alex Turner, guitarrista e vocalista dos Arctic Monkeys, e Miles Kane, guitarrista dos Rascals - fazem um tributo ao pop mais melódico dos anos 60 e 70
Melhor que o original? Sim. No lugar das manjadas guitarras distorcidas, Turner e Kane valeram-se de bons arranjos orquestrais

O diabo ri por último


Escrito no período mais férreo do stalinismo, O Mestre e Margarida, de Mikhail Bulgákov, satiriza o comunismo - e a condição humana


Nelson Ascher

Fotos Ria Novosti/AFP e AGK/Latinstock
DEMÔNIO EM MOSCOU
Bulgákov (à esq.) e um cartaz de propaganda stalinista: "Os manuscritos não ardem"


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O Mestre e Margarida (tradução de Zoia Prestes; Alfaguara; 456 páginas; 59,90 reais), de Mikhail Bulgákov - que volta às livrarias depois de mais de uma década, em nova tradução -, está para a ficção russa do século XX como Almas Mortas, de Nikolai Gógol, estava para a do século anterior. Como este, o romance mais recente retrata, pelo viés da sátira, seu país e época de um modo que realismo nenhum seria capaz. Não foi à toa que, principiado em 1928, quando o tempo se fechava na URSS, concluído em 1938, no apogeu do Grande Terror stalinista, e em processo de polimento quando, em 1940, o autor morreu pouco antes de completar 49 anos, o livro permaneceu oculto, em estado de manuscrito, até ser serializado numa revista moscovita nos anos 60. Mesmo assim, sua publicação integral e definitiva teve de esperar até a década de 90. A certa altura da narrativa, o demônio em pessoa afirma que "manuscritos não ardem". A frase confirmou-se no caso do romance.

Nascido em Kiev, na Ucrânia, filho de um professor de teologia, Bulgákov estudou medicina e participou da I Guerra como voluntário da Cruz Vermelha. Após a revolução, o jovem médico teve o azar de servir do lado perdedor, o dos "brancos" (ou "contrarrevolucionários"), contingência que o tornaria suspeito aos olhos dos vitoriosos. Isso, bem como traumas de batalha, hipocondria e ataques de pânico, resultou em crises que o impediam frequentemente de trabalhar e até de sair de casa. A carreira literária de Bulgákov (que, em vida, era mais conhecido como dramaturgo) só começou de fato depois dos 30 anos, com um romance sobre a guerra civil que, apesar de, até certo ponto, simpático aos derrotados, agradou, numa versão dramatizada, ao próprio Stálin. Seu talento beneficiou-se da efervescência criativa na Rússia dos anos 20 e 30, a qual, a despeito de ter sido esmagada pelo estado, contou com prosadores geniais como Isaac Bábel, Evgueny Zamiátin e Andrei Platónov. Mas, como escreveu sua obra mais ambiciosa e realizada ciente de que não a veria publicada, o autor pôde dedicar-se a ela sem ter de se preocupar com as restrições oficiais nem se submeter à autocensura.

Por mais que se enraíze num lugar e período específicos, O Mestre e Margarida é uma fantasia de alcance universal. A sua trama, ou melhor, tramas, tem como ponto de partida a aparição, num entardecer quente de primavera, do diabo em Moscou, a capital, então, de uma pretensa utopia racionalista que promovia o ateísmo. O demo, acompanhado de figuras esquisitas que incluem um imenso gato preto adepto do xadrez, da vodca e das armas de fogo, ingressa nos círculos literários locais. Serpenteando com humor magistral entre tamanhos e tão diversos despropósitos, o romancista multiplica sabás de feiticeiras num perpétuo carnaval que não apenas satiriza o comunismo e a ideia de uma sociedade perfeita, como põe em xeque toda a condição humana.

Como mina que explode décadas após ter sido enterrada, a obra e seu autor conquistaram postumamente uma celebridade que, além de merecida, transpôs as fronteiras de sua terra natal. Consta que Mick Jagger se inspirou em O Mestre e Margarida para compor Sympathy for the Devil. E Salman Rushdie, que, sob sua influência, escreveu Os Versos Satânicos, descobriu, ao ser condenado à morte pelo líder supremo da República Islâmica do Irã, o aiatolá Khomeini, que mexer com o diabo desperta as iras tanto de ateus convictos quanto dos que agem em nome de algum deus.

Ácido e carinhoso


Um documentário afetivo celebra Paulo Francis - o jornalista
que desancava o senso comum esquerdista e nacionalista


Marcelo Marthe

Nellie Solitrenick
CONTRA A MIOPIA
Paulo Francis: "O Brasil é o único país do mundo em que se leva o comunismo a sério"


Paulo Francis (1930-1997) maneja, desajeitado, uma câmera amadora no seu apartamento em Nova York. Entre closes de seus gatos e de bibelôs kitsch, pontifica: "Estamos aqui fazendo um vídeo caseiro que será bem melhor do que qualquer filme brasileiro feito até hoje". Parte do material de arquivo revelado no documentário Caro Francis (Brasil, 2009), a tirada doméstica ilustra o que fez do personagem o jornalista mais brilhante de sua geração. Em suas colunas nos jornais e comentários na Rede Globo, Francis desancava as falácias do senso comum esquerdista e nacionalista - incluindo aí o culto ao cinema financiado pela Embrafilme. Em cartaz em São Paulo às vésperas do 13º aniversário de sua morte, no mês que vem, Caro Francis tem imperfeições como documentário. A maior delas: sonega informações básicas para o espectador se situar sobre certas passagens da trajetória de Francis. Mas isso não obscurece seus méritos. Dirigido por Nelson Hoineff, amigo do jornalista (e que recentemente abordou o apresentador Chacrinha em Alô, Alô Terezinha), Caro Francis é um filme afetivo. Apresenta o sujeito generoso, algo tímido e sempre gentil com os amigos que havia por trás do comentarista desabusado.

Francis começou sua carreira no teatro, nos anos 50. Ator, diretor e, finalmente, crítico, rompeu com a amenidade então vigente no meio teatral. "Toda cultura tem de ter conflito. É preciso haver gente que ataque autores e atores", dizia. Francis era, àquela altura, um trotskista. No fim dos anos 60, foi preso pela ditadura militar. Mas o fato fundamental de sua trajetória foi a mudança para os Estados Unidos, em 1971. A partir daí, passaria por uma conversão à racionalidade, processo para o qual contribuiu também uma viagem à União Soviética. "Em um dia, você compreendia que aquilo só funcionava na base da polícia", concluiu. Exasperava-se com a miopia da esquerda nacional: "O Brasil é o único país do mundo em que se leva o comunismo a sério".

O filme traz depoimentos até de gente que esteve em sua mira, como o pernambucano Gustavo Krause. Ao ser nomeado ministro da Fazenda, em 1992, ele foi xingado de "jeca" e "provinciano" - para ira de muitos nordestinos. Hoje, o próprio Krause reconhece o valor da incorreção política de seu algoz. "Figuras como Paulo Francis fazem muita falta no Brasil", diz. O documentário se debruça também sobre o embate final de Francis. Em 1996, quando suas intervenções intempestivas movimentavam o programa Manhattan Connection (GNT), ele declarou que a diretoria da Petrobras formava "uma quadrilha" e tinha "contas na Suíça". A leviandade motivou uma ação judicial do então presidente da estatal, Joel Rennó, e outros seis diretores. Para pessoas próximas ouvidas em Caro Francis, como a viúva Sonia Nolasco, o estresse desencadeado pelo processo contribuiu para o ataque cardíaco que o levaria à morte, aos 66 anos. Ele estava no auge da carreira. E, havia um bom tempo, já tinha extrapolado a condição de jornalista. Paulo Francis convertera-se em um personagem da cultura brasileira, tão fundamental quanto divisivo: ou se era contra ou a favor de suas posições. O documentário é uma oportunidade de se deliciar de novo com sua acidez.

A idade da solidão


Baseado em um clássico da literaturainfantil, Onde Vivem os Monstros explora o lado maluco — e também o melancólico — da imaginação de um menino


Jerônimo Teixeira

Divulgação
ILHA DA FANTASIA
Carol, o monstro, e Max: as utopias infantis também fracassam

"Que comece a bagunça", grita o menino fantasiado de lobo e com uma coroa na cabeça. Ao seu redor, os monstros – gigantes balofos e peludos, feiosos mas simpáticos – aprovam a ordem do novo rei e disparam a correr pela floresta, derrubando uma ou outra árvore no caminho. É nesse momento anárquico que Onde Vivem os Monstros (Where the Wild Things Are, Estados Unidos, 2009) – filme do diretor esquisitão Spike Jonze, que estreia nesta sexta-feira no país – segue mais fielmente a obra que o inspirou, o clássico infantil homônimo do americano Maurice Sendak. É uma contagiante exaltação das pulsões mais primitivas – perigosas, até – da infância. Parte do fascínio do livro de Sendak vem do modo como ele mimetizou a imaginação de uma criança em toda a sua autossuficiência: a ilha onde vivem os monstros é um universo à parte, no qual os caprichos e vontades do menino Max (no filme, interpretado com cativante sinceridade por Max Records, de 12 anos) reinam soberanos, libertos das exigências adultas de responsabilidade e bons modos. Em seus filmes anteriores, Quero Ser John Malkovich e Adaptação, protagonizados por adultos cheios de angústias e veleidades artísticas, Jonze já transitava por esses recessos isolados da consciência humana. Onde Vivem os Monstros põe a mesma carga existencial sobre os ombros de um garoto. A bagunça que Max e os monstros promovem na sua floresta – significativamente situada em uma ilha – serve para afugentar a solidão. Em teoria um filme para crianças, Onde Vivem os Monstros é, na verdade, um filme sobre a infância, que será mais bem compreendido e apreciado por adultos.

Lançado nos Estados Unidos em 1963 – e só no ano passado publicado no Brasil, pela Cosac Naify –, Onde Vivem os Monstros vem encantando sucessivas gerações de crianças. Vendeu 18 milhões de exemplares no mercado americano. É o livro de um ilustrador, com imagens de um surrealismo exuberante amparadas por uma narrativa simples que se desenvolve em poucas frases. Vestido com uma inexplicável fantasia de lobo, Max promove a arruaça em sua casa e, repreendido pela mãe, ameaça devorá-la, como faria um lobo de verdade. De castigo, é mandado para o quarto, sem jantar – mas o quarto se transfigura em outro mundo, no qual Max veleja em um barco até a ilha onde é coroado rei dos monstros. Ele acaba se cansando da ilha e dos monstros e resolve voltar para "algum lugar onde alguém gostasse dele de verdade". Indiferente às súplicas dos monstros para que fique, navega de volta para casa – e eis aí toda a história.

A solidão da fantasia infantil já se encontrava bem representada no livro, no qual só figuram Max e seus monstros (a mãe não aparece nas ilustrações). Escrito a quatro mãos por Jonze e pelo escritor Dave Eggers, o roteiro expande esse enredo enxuto. Os monstros, que no livro não têm personalidades distintas, ganham cada qual seu perfil psicológico – para ficar em três exemplos, Carol (com a voz de James Gandolfini, ator de Os Sopranos) é caloroso mas instável, KW (Lauren Ambrose) se mostra compassiva e maternal com Max, e Judith (Catherine O’Hara) é autocentrada e mesquinha. Essas criaturas são visualmente notáveis – uma conjugação de técnicas "analógicas" (atores vestidos com fantasias peludas) com a mais eficiente tecnologia digital (utilizada para conferir expressividade ao rosto). Esses seres às vezes se comportam realmente como monstros: ameaçam devorar Max ou se desmembram uns aos outros (não, não é um filme para crianças miudinhas). Como rei da ilha, Max tenta pacificá-los com a promessa de construção de uma cidade-modelo, feita de acordo com maquetes construídas, com insuspeita delicadeza, por Carol. Mas essa utopia pueril segue o caminho de suas congêneres adultas: redunda em fracasso e violência. A imaginação, afinal, também conhece seus limites melancólicos.

As picuinhas entre Carol e KW soam como as discussões de um casal humano separado por um fosso de ressentimento. Reproduzem, pode-se supor, os desentendimentos dos pais divorciados de Max. O filme às vezes se desvia da fantasia que o inspira para demorar-se nesses conflitos domésticos vulgares (tendência que Eggers levou ainda mais longe, até o limite da trivialidade, em Os Monstros, romance baseado no filme, que a Companhia das Letras lançou no Brasil). Também há um momento de constrangedor psicologismo: KW engole Max para escondê-lo do enfurecido Carol e, depois, regurgita o menino através de um canal estreito, do qual ele sai todo melecado. Trata-se de uma alegoria óbvia e desajeitada do parto. A despeito desses defeitos,Onde Vivem os Monstros, com suas criaturas mal-educadas e barulhentas, oferece ao espectador a chance de revisitar o lado mais indômito da infância. Toda a sua alegria selvagem, porém, esbarra em uma conclusão meio tristonha: não se pode viver para sempre nas ilhas da imaginação.

Newscom
ENCANTO FEROZ
Os monstros no traço de seu criador, o americano Maurice Sendak:
"que comece a bagunça"


Trailer

O sucesso de bilheteria de Avatar

O rei da cocada

James Cameron só tem um rival na bilheteria: James Cameron


Isabela Boscov

Divulgação
AO INFINITO E ALÉM
Avatar: no segundo lugar na bilheteria, mas ainda longe do campeão Titanic

O diretor James Cameron planejou a ficção científica Avatar como uma revolução – uma amostra de que o cinema em 3D está pronto para se tornar um formato utilizado em larga escala e, um dia, vir a substituir o 2D convencional. Serão necessários anos ainda para aferir se essa profecia vai se realizar. Mas a revolução tem uma imensa acolhida popular: com apenas vinte dias em cartaz, Avatar bateu em 1,132 bilhão de dólares arrecadados e saltou para o posto de a segunda maior bilheteria mundial (veja o quadro ao lado). Agora, porém, Cameron terá um rival literalmente à sua altura na disputa pela liderança: o próprio Cameron. Seu Titanic não apenas está cerca de 700 milhões à frente do segundo posto, como abriria distância bem maior ainda caso sua bilheteria fosse ajustada pela inflação – tomando-se como base só sua renda nos Estados Unidos, isso significaria uma elevação de seu total para algo como 2,2 bilhões.

Com apenas cinco integrantes, o "clube do bilhão" é restritíssimo: para alcançar tal cifra, é preciso suscitar antecipação extraordinária, cunhando o que hoje se chama de "filme-evento". De preferência, deve-se também partir de material já testado (por exemplo, continuações). Só Titanic e Avatar fogem a essa regra. Seguem outra, peculiar a Cameron: a oferta de uma experiência cinematográfica nunca antes vivida. Esse é um dos dois motivos pelos quais é impossível projetar uma renda final para Avatar. O outro é a própria exibição em 3D, que nos Estados Unidos responde por 75% da arrecadação do filme e, no Brasil, por metade dela (os ingressos são mais caros que para a versão 2D). Esse é um mercado novo. E, pela primeira vez, está sendo testado com um fenômeno de tal magnitude

Mini-hortas para pequenos espaços

Hortinha em casa

Em vasos, jardineiras ou canteiros, as mini-hortas funcionam muito bem em varandas e jardins. Além de serem livres de agrotóxicos, elas deixam o ambiente mais alegre e cheiroso. VEJA selecionou cinco temperos de fácil manejo em casa - todos requerem pelo menos quatro horas de sol por dia, rega de, no mínimo, três vezes por semana e solo adubado

Fotos Roberto Setton/Lailson Santos
Alecrim
Como plantar: como na fase adulta se torna um arbusto, escolha um vaso de pelo menos 30 centímetros de altura. A colheita dos galhinhos deve ser feita com uma tesoura de jardinagem, para não tirar lascas nem machucar a planta
Quanto tempo dura em média: dez anos
Uso na cozinha: com um sabor acentuado e seco, não é apropriado para temperar pratos suaves, como peixes, por exemplo. Pelo mesmo motivo, combina com alimentos como cordeiro, porco e ovelha. Serve também para incrementar batatas rústicas (com casca) e vinagres aromatizados


Cebolinha
Como plantar: mais suscetível ao ataque de pulgões, adapta-se a solos bem drenados e ricos em matéria orgânica. Pode ser colhida até quatro vezes, rebrotando fácil e rapidamente
Quanto tempo dura em média: seis meses
Uso na cozinha: vai bem em sopas, consomês, molhos, saladas e pratos de carne e de peixe com legumes crus


Manjericão
Como plantar: prefira vasos grandes, com no mínimo 30 centímetros de altura. Como as flores roubam o aroma das folhas, a dica é cortar seus botões
Quanto tempo dura em média: dois anos
Uso na cozinha: combina com massas, sopas, molhos, saladas, linguiças e vinagres aromatizados


Salsinha
Como plantar: prefira vasos ou canteiros pequenos. Na hora de colher, o segredo é cortar o galho e não apenas as folhas, deixando-o a um ou dois dedos de distância do solo. Rebrota até quatro vezes
Quanto tempo dura em média: seis meses
Uso na cozinha: perfeita em molhos, sopas e consomês. Fica bem na decoração de pratos


Hortelã
Como plantar: colha sempre as pontas em crescimento para estimular os brotos. Não pode ser plantada com outras ervas no mesmo vaso, pois suas raízes agressivas matam as outras espécies. Depois de quinze dias do plantio, já pode ser colhida
Quanto tempo dura em média: um ano
Uso na cozinha: pode ser adicionada à água, durante o cozimento de batatas e ervilhas, na preparação de molho para cordeiro e em bebidas frias, sucos e chás

Cinco regras de plantio

1. Use pedaços de telha no fundo de vasos ou jardineiras para evitar o entupimento dos furos por onde a água escoa. Em seguida, coloque uma camada fina de argila e outra de areia. Complete com terra misturada a compostos orgânicos

2. A terra precisa receber adubo a cada quarenta dias ou toda vez que for feita a poda. Use compostos orgânicos como húmus de minhoca, bokashi, farinha de osso ou torta de nim

3. Para não errar na quantidade de água, coloque o dedo na terra antes de regá-la. Plantas encharcadas não se desenvolvem e ficam mais suscetíveis à ação de pragas

4. Prefira canteiros a vasos: eles têm melhor drenagem devido ao solo vivo e à profundidade. Se optar pelo vaso, faça furos embaixo dele

5. Use, a cada quinze dias, repelentes à base de extrato de citronela, alho ou pimenta-malagueta. Eles são encontrados em lojas de jardinagem, mas podem ser feitos em casa. A receita é simples: basta misturar 100 gramas de um desses ingredientes a 1 litro de água, depois de fervida. Uma vez fria, borrife a mistura sobre a planta. O óleo de nim também é ótimo repelente natural

Especialistas consultados: o engenheiro agrônomo Marcelo Noronha, da consultoria Minha Horta; a chef de cozinha Valérie Lafay e as consultoras Silvia e Sabrina Jeha, do viveiro Sabor de Fazenda; e as empresas Regatta Tecidos, Mac, Casual, Saccaro e Brasil Post

Com reportagem de Daniela Macedo e Gabriella Sandoval


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