Friday, June 10, 2011

É apenas o intervalo - José Márcio Camargo

Estadão
A taxa de inflação começa a dar sinais de queda. Nos próximos três meses, teremos uma trégua na evolução dos preços na economia brasileira. A redução da taxa de inflação tem um componente sazonal (o fim da entressafra da cana-de-açúcar, que elevou os preços do álcool e, portanto, da gasolina; e a queda dos preços de alguns alimentos) e um componente estrutural (as políticas monetária, fiscal e de crédito mais contracionistas). Entretanto, quando excluímos o fator sazonal, o cenário parece bem menos positivo.

Os preços dos serviços estão crescendo a uma taxa próxima de 9% ao ano. Como representam aproximadamente 25% do IPCA, caso esses preços continuem nessa trajetória, já teríamos 2,25 pontos de porcentagem na inflação no próximo ano. Mas essa hipótese parece otimista. Reajustes do salário mínimo têm um efeito direto sobre a taxa de variação dos serviços. E, em janeiro de 2012, ele será reajustado em 14%, o que deve acrescentar mais um ponto porcentual à taxa de inflação dos serviços.

O problema não para aí. A taxa de desemprego está nos níveis mais baixos desde os anos 80. As negociações salariais estão difíceis, com reajustes acima da inflação passada e forte atividade grevista. A questão é que a inflação passada caminha para a marca de 7,0% ao ano. Se os trabalhadores conseguirem apenas repor a inflação dos últimos 12 meses, teremos um reajuste salarial que estará 2,5 pontos porcentuais acima do centro da meta para o ano que vem. E, para que seja obtida, as empresas terão de se contentar com menores margens de lucro para acomodar salários reais maiores. E a experiência mostra que isso só é obtido em momentos de retração da atividade econômica.

Mas ainda não é tudo. A partir de 2012, para se preparar para os dois eventos esportivos mais importantes do mundo, a Copa e a Olimpíada, o Brasil terá de investir na construção de estádios e ginásios esportivos, aeroportos, infraestrutura de transporte, logística e hotelaria. Dado o volume de investimentos, devemos esperar um período de forte demanda por mão de obra, num momento em que, a se manter o cenário atual, o mercado de trabalho ainda estará aquecido.

Dado o baixo nível médio de escolaridade e o elevado grau de desigualdade do sistema educacional no País, quando o mercado de trabalho está aquecido as empresas são obrigadas a contratar trabalhadores com produtividade cada vez menor. E, com produtividade menor e salários mais elevados, os custos unitários do trabalho tendem a subir e as pressões inflacionárias a se exacerbar. Para evitar que as pressões se materializem em aceleração da inflação, uma retração da atividade econômica e um aumento do desemprego poderão ser necessários.

Em suma, estamos diante de um quadro de crescimento da economia acompanhado de forte aquecimento do mercado de trabalho. Com duas agravantes: primeiro, há uma parte do investimento que não pode ser reduzida e, segundo, a regra de reajuste do mínimo irá pressionar o custo do trabalho e a demanda.

Isso tem dois efeitos importantes para a política monetária. Primeiro, o mercado de trabalho é, em geral, o último a reagir a aumentos das taxas de juros. A primeira consequência é uma redução da demanda. As empresas reagem à esse processo diminuindo a produção. E, quando o arrefecimento do nível de atividade persiste, começam a demitir trabalhadores. Como os primeiros a serem dispensados são os menos produtivos, essa produtividade aumenta, os reajustes de salários diminuem e o custo unitário do trabalho cai, minimizando a pressão inflacionária.

Segundo, como parte do investimento não poderá ser reduzido, a queda da demanda terá de ser concentrada no consumo e no restante dos investimentos. Apesar dos apertos monetários e de crédito já realizados pelo Banco Central, não será fácil conseguir chegar ao centro da meta em 2012, a menos que ocorra uma queda substancial nos preços das commodities - o que não é provável, dado o excesso de liquidez vigente no mundo desenvolvido. Mas, caso esse seja o objetivo, ainda é cedo para cantar vitória contra a inflação. Estamos apenas no intervalo.

Rumo à saída JANIO DE FREITAS

FOLHA DE SÃO PAULO - 09/06/11
Se o despacho do procurador-geral viesse contra Palocci, bastaria para seu afastamento; se o beneficiasse, favoreceria sua substituição

A DECISÃO DE AFASTAR Antonio Palocci e a escolha da substituta nem foram tão cedo quanto o pronunciamento da então senadora Gleisi Hoffmann, pelo afastamento do ministro ainda que temporário; nem feitos por Dilma Rousseff já tão perto de concretizá-los, como consta de grande parte do noticiário.
A recusa pelo procurador-geral Roberto Rangel ao pedido de inquérito encabeçado por PPS, PSDB e DEM por não apresentação de indícios para investigação também não foi determinante para o afastamento de Palocci.
Quando se acirravam as críticas de imobilismo da presidente, com cobranças até no PT, e depois vinham as considerações sobre possíveis substitutos, já a solução se consolidava nas consultas e conversas necessárias. Em sigilo fechado entre três pessoas. É sugestivo lembrar, a propósito, um despacho de Paulo Bernardo, ministro das Comunicações e marido de Gleisi Hoffmann, com Dilma, noticiado antes da semana passada como coisa de rotina. Não era.
A firmeza com que Palocci sustentou ter todas as explicações que os órgãos de controle desejassem, para efeitos legais e para tranquilizar a opinião pública, fez com que Dilma decidisse dar-lhe tempo. Como desejado também por Lula. Mas afinal, diante da intensidade política assumida pelo caso, pressionou-o para antecipar de público as explicações que disse ter.
Nas entrevistas à Folha e à TV Globo, Palocci mal repetiu o pouco que dissera em nota, quando noticiados os sinais do seu suspeito enriquecimento, para instruir os petistas do Senado em sua defesa. As entrevistas confirmaram a impossibilidade de Palocci demonstrar a licitude do veloz enriquecimento como deputado e coordenador da campanha presidencial de Lula/Dilma.
Palocci tornou dispensável a decisão do procurador-geral para a decisão da presidente. Se o despacho de Roberto Rangel viesse contrário ao ministro, bastaria por si mesmo para o afastamento. Se favorável, como o teor insuficiente da petição induzia, favoreceria a substituição do ministro em nome do seu desgaste e das condições políticas do governo, sem no entanto sobrecarregá-lo moralmente. Palocci pode dizer que saiu, vá lá, inocentado. E que a demissão foi de iniciativa sua. Não faz diferença, para o que importa.
Em tempo: o título do artigo de terça-feira ("Nem mais um dia") e sua origem no final do texto não foram propriamente premonição ou acaso, no dia da queda de Palocci. Eram o pesaroso limite do possível, para as percepções mais aguçadas. A escolha de Gleisi Hoffmann foi surpresa geral, e uma aposta interessante de Dilma Rousseff, desde logo vitoriosa ao menos do ponto de vista estético.

Dilma e Palocci, um enigma ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SÃO PAULO - 09/06/11
Brasília - O ato de despedida de Antonio Palocci no governo deixou uma dúvida: por que a presidente Dilma Rousseff passou três semanas sem defender com garra o ministro e ontem, abatida e emocionada, o elogiou calorosamente?
"Eu estaria mentindo se dissesse que não estou triste. Tenho muitos motivos para lamentar a saída de Palocci. Motivos de ordem política, pelo papel que desempenhou na minha campanha; administrativa, pelo papel que tinha e teria no meu governo, e motivo de ordem pessoal, pela amizade que construímos", disse, com voz embargada.
De duas, uma:
1 - Palocci ganhou R$ 20 milhões no ano eleitoral com sua empresa de uma funcionária só, metade deles já como coordenador da transição, mas Dilma acha que isso não tem nada demais. Iniciativa privada é iniciativa privada...
2 - Ou Palocci não ganhou para si, mas sim para o partido, a campanha, a causa, um esquema de poder. Neste caso, Dilma não o condena e é até grata a ele.
É possível que a opinião pública nunca saiba a solução desse enigma de ordem ética. Dilma e Palocci trataram de debitar a crise a "embates políticos" e à oposição, enquanto a nova chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, estendia a mão ao Legislativo. "Não sou trator."
Gleisi é uma mulher muito bonita, mas isso é só um detalhe. Ela é também inteligente, preparada, com experiência em gestão e gosto pela política. Pode ser de grande serventia num governo em busca de personalidade, organicidade e interlocução política -até, ou especialmente, com os próprios aliados.
Mais do que assumir o principal cargo da República depois da Presidência, ela tem o desafio de ser uma boa conselheira e um marco do recomeço do governo Dilma.
Um porém: Gleisi é uma peça importante, mas só uma peça. Quem mexe o tabuleiro é Dilma, o que exige jeito, tática, estratégia e liderança. Ela precisa treinar mais.

Síndrome de Fukushima CONTARDO CALLIGARIS

FOLHA DE SÃO PAULO - 09/06/11

A realidade dos dias de hoje é uma meleca maluca: quando você aperta a mão, ela foge entre os dedos

EM 12 e 13 de junho, os italianos votarão, num referendo, a favor ou contra o uso da energia nuclear.
Portanto, em Veneza, na semana passada, o assunto corria pelas ruas. Tanto mais que, entre as possíveis sedes de uma usina nuclear, há Chioggia, numa das duas entradas da laguna, a 20 km da Piazza San Marco.
Por um momento, imaginei um futuro em que hordas de turistas deambulariam pelos "campi" da cidade de macacão branco e capacete de astronauta. Não é novidade: também já imaginei como seria fazer esqui náutico nas águas de Angra vestindo o mesmo macacão e o mesmo capacete.
Em Veneza, durante a Bienal, é frequente que casas e comércios vazios hospedem uma obra ou uma exposição. Num desses espaços, bem perto de um estande da campanha antinuclear, visitei "Memory of Books" (memória de livros), de Chiharu Chiota, uma artista japonesa que mora na Alemanha.
A obra apresenta um escritório, com cartas e livros cobertos por uma gigantesca teia de aranha: é como se enxergássemos nossa vida (inclusive os esforços de nosso pensamento) na nostalgia, depois de nosso sumiço da face da terra, pessoal ou coletivo.
Veja em http://migre.me/4JyrK.
Bom, esse era meu estado de espírito quando assisti à primeira palestra de "The State of Things" (o estado das coisas), uma série de conferências que é uma das contribuições da Noruega à Bienal de Arte. Na introdução, Marta Kuzma, diretora da entidade norueguesa que se ocupa de arte contemporânea, falou da "síndrome de Fukushima" como traço específico de nossa época. Logo, tomou a palavra Jacques Rancière, filósofo francês que aprecio e leio; o título da conferência era "In What Time Do We Live?" (em que tempo vivemos?). Rancière falou muito rapidamente e num inglês de sua invenção própria (ao menos foneticamente). Não entendi nada, mas acabei gostando, justamente porque não foi uma palestra, foi uma performance artística, uma demonstração lúdica de que nosso melhor pensamento, diante da complexidade do tempo em que vivemos, não passa de uma agitação sonora no dia depois da queda de Babel.
De repente, a expressão de Marta Kuzma me pareceu adquirir um novo sentido. A síndrome de Fukushima não designa os problemas dos quais padeceríamos por escolher o nuclear; ela designa a condição geral de nossos esforços discursivos e intelectuais (e também de nossa ação, claro) num mundo que apresenta sempre (e no mínimo) a mesma complexidade do acidente da usina nuclear japonesa.
Você se lembra da valsa de notícias e explicações depois do acidente? Teve um reator que vazou, mas está contido; não, parece que tem outro que está pior; por sorte, o resfriamento está funcionando; não, não está; a população não corre perigo; a população está sendo evacuada; não tem vazamento; só tem um pouco de radiações na terra ao redor da central; tem também nos legumes; tem no mar; não foi o terremoto, foi o tsunami; não foi o tsunami, foi o terremoto; é Tchernobil, de novo; não, é mais tipo Goiânia etc.
Certo, houve uma vontade de não alarmar excessivamente as populações, quem sabe negando a gravidade do que estava acontecendo, mas não acredito em nenhum plano explícito de ocultação. A ideia de um complô do silêncio seria, aliás, uma grande consolação, pois, se houvesse complô, haveria um desvendamento possível da verdade dos fatos e das responsabilidades. Quem dera.
De fato, a dificuldade contemporânea (mas que eu não trocaria por nenhuma volta ao passado) não é tanto o silêncio imposto (de fora ou de dentro) quanto o excesso de variáveis. E quanto maior for o número de variáveis que contam na nossa visão da realidade, tanto mais vão será o trabalho de entender e inventar conceitos.
"Conceito", aliás, vem do latim "cum capio", que sugere a ideia de conseguir pegar várias coisas ao mesmo tempo, num punho. Talvez a culpa seja nossa, por querermos e sabermos levar em conta demasiados fatores (ingredientes?) na hora de entender e decidir, mas o fato é que a realidade contemporânea se parece com uma meleca maluca: quando você aperta a mão, ela passa entre os dedos e foge da presa.
É isso que fiquei com vontade de chamar de síndrome de Fukushima, o efeito de uma complexidade (nas coisas e na gente) que pode transformar os discursos teóricos em performances sonoras.

Gerência e política MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 09/06/11

A ministra Gleisi Hoffmann demonstrou ontem nos seus discursos que vai tentar manter a tradição de ser uma chefe da Casa Civil que una as duas funções tradicionais do órgão: a articulação política dos grandes temas e a função gerencial. Na definição da presidente Dilma Rousseff nos tempos em que era candidata a Casa Civil é o segundo cargo da governo.
Quando na campanha presidencial era cobrada por não ter experiência administrativa para postular o cargo que estava postulando, Dilma Rousseff sempre dizia que tinha ocupado por cinco anos "o segundo cargo mais importante do governo". Na época, foi até criticada por estar supostamente desconsiderando a função de vice-presidente. Mas no dia a dia o ocupante da Casa Civil seria uma espécie de primeiro-ministro, se fosse parlamentarista, ou um chefe da equipe, no presidencialismo americano (chief of staff).
Com a estudada cortesia com que se despediu no Senado, cumprindo todo o ritual do clube, com referência a todos os líderes e principais senadores, inclusive da oposição, ela está dizendo que quer continuar fazendo uma parte da articulação. Sua frase "estou mudando de instância, mas não de caminho" é também um claro recado da tentativa de dar à Casa Civil essa dupla função, mesmo que o ministro Paulo Bernardo tenha dito que o cargo será de gestão.
Seu currículo político é modesto. Foi assessora de partido, secretária estadual e alguns poucos meses no mandato de senadora. É portanto extremamente novata na política para a dimensão do cargo que vai assumir; mas neste campo está até melhor que Dilma Rousseff, que não tinha exercido mandato algum.
A Casa Civil tem a característica de assumir o formato que lhe quer dar seu ocupante. Pode ser gerencial, como foi na época de Pedro Parente, Clóvis Carvalho e até Dilma Rousseff, ou pode ser o coordenador político do governo, como foi com José Dirceu. Até nos regimes militares houve ocupantes da pasta com extraordinário poder, como Golbery do Couto e Silva, no governo Geisel, e Leitão de Abreu, no governo João Figueiredo.
Gleisi é desconhecida tanto administrativa quanto politicamente. O cargo de diretora financeira que assumiu na Itaipu Binacional foi por indicação política - ela havia trabalhado na equipe de transição e é mulher do ministro Paulo Bernardo, na época no Planejamento. O fato de ser indicação política não a desmerece porque a ministra teve bom desempenho na empresa binacional.
A dúvida que recai sobre ela é que não foi testada, não teve tempo de amadurecer na articulação política, não teve qualquer experiência administrativa federal e assumiu a chefia da Casa Civil num momento de crise. Ela dava sinais de que teria uma carreira meteórica, mas foi catapultada sem ter tempo nem de cumprir as primeiras etapas da ascensão que começava a ter no debate parlamentar. Se a tensão fica menor após a saída de Palocci, continuam as dúvidas sobre várias questões. A crise revelou que o governo Dilma não tem articulação política e está com sua base de 75% dos deputados e 77% dos senadores em conflito direto para saber quem vai de fato ser mais determinante: se o PT ou o PMDB; e dentro de cada partido que ala será mais influente. O governo também não tem a agilidade administrativa que garantiu que teria na campanha. Os projetos do PAC ou do Minha Casa, Minha vida estacionaram; a maquiagem que alguns receberam na campanha para parecerem mais robustos do que de fato eram já se desgastou. O que se vê é um governo que investe pouco e demora a tomar decisões.
O governo desperdiçou sua lua de mel sem ter tocado um único projeto de reforma ou de superação dos obstáculos ao crescimento sustentado. Em 2010, quando o Brasil estava crescendo a 7,5%, era mais fácil superar esses obstáculos; com a queda do nível de atividade, a lentidão do governo está provocando mais estragos. Setores empresariais que sondam o nível de confiança dos seus associados no governo já começam a perceber a queda acentuada do otimismo. Isso pode acabar se transformando em postergação de decisões de investimento.
Os empresários têm questões urgentes para resolver diariamente na confusão tributária do país - que ficou ainda mais incompreensível depois da decisão do Supremo Tribunal Federal contra incentivos estaduais - ou nos gargalos enormes de infraestrutura. O dólar baixo deixa cada vez mais setores expostos à competição de produtos chineses que chegam com a vantagem desleal do câmbio artificialmente desvalorizado. A monumental burocracia torna o ambiente empresarial um campo minado. Tudo isso era assim no ano passado, só que na transição para um ritmo de crescimento menor as dificuldades passaram a ser mais pesadas para as empresas.
Este é um momento decisivo para o governo Dilma Rousseff. Ela tem a chance de aprender com os erros, dar mais agilidade às decisões, estar mais presente nas articulações políticas, ter mais comando sobre a própria administração, afastando o fantasma de um governo sob controle remoto na mão do ex-presidente Lula. Ainda há tempo de pôr o governo nos trilhos, afinal este é apenas o sexto mês do mandato.

Gerência política MERVAL PEREIRA

 O Globo - 09/06/2011

Se não houvesse outro motivo, tudo indica que o estilo- trator da nova chefe da Casa Civil seria razão suficiente para que o governo reforce suas relações institucionais, pondo no ministério algum político de mais peso e habilidade de negociação do que os exibidos nestes cinco meses pelo ministro Luiz Sérgio.

Os relatos dos que conviveram com Gleisi Hoffmann no Senado confirmam que ela realmente é "a Dilma da Dilma", sobretudo pela maneira áspera com que interagia com os colegas.

Aquela suavidade de falar esconderia, segundo esses relatos, uma atitude arrogante no trato com a divergência que lembra muito relatos sobre a atuação da própria presidente Dilma quando coordenava a ação dos diversos ministérios na Casa Civil

Desse ponto de vista, o governo parece que estará bem servido, pois os principais programas estão precisando de quem os gerencie de perto e com energia.

Mas a questão central hoje é de gerência política, sem o que a ampla base partidária continuará travando a ação governamental, paralisando a administração e criando embaraços políticos ao governo.

Mesmo tendo atribuído sua escolha a uma homenagem ao Congresso, a senadora licenciada Gleisi Hoffmann já anunciou que sua tarefa será de gestão interna do governo, na coordenação de diversos programas interministeriais.

Alguns desses grupos terão à frente ninguém menos que o vice-presidente Michel Temer, num sinal de que o governo despertou para a necessidade de incluir mais o PMDB em seu processo decisório.

A desconfiança recíproca é tamanha, porém, que no PMDB se perguntava se o fato de colocar Temer para coordenar um programa de fronteiras significa a vontade da presidente de tê-lo mais dentro do governo ou mais longe de Brasília.

Além do mais, a especialidade do vice não tem a ver com fronteiras físicas, mas com fronteiras políticas.

De fato, o PMDB não está confortável com o aumento de poder petista dentro do governo, já que a substituição de Palocci por Gleisi não foi uma simples troca de petistas, mas o deslocamento para o centro do governo de uma política dos quadros partidários, enquanto Palocci deixou de ser um petista originário da máquina partidária para se tornar com o tempo um representante do lulismo, que dá mais importância ao pragmatismo da manutenção do poder do que às disputas partidárias.

Desse ponto de vista, Palocci era mais flexível na relação com os aliados, especialmente com o PMDB, e menos propenso a lutar pelos interesses petistas imediatos

Quando entrou em rota de colisão com o vice Michel Temer, ele o fez por pressão da presidente Dilma, que, segundo consta, ficou ouvindo no viva- voz Palocci ameaçar Temer com a demissão de todos os ministros peemedebistas.

Quer dizer, quando deixou de ser o político maneiroso para se transformar num trator, por determinação presidencial, Palocci perdeu a parada política para Temer, que gritou com ele e ameaçou retirar todos os ministros do PMDB do governo em protesto ao tratamento recebido.

Acontece que Temer também tinha vários correligionários ouvindo no viva-voz a discussão, e esse embate em tempo real acabou levando o confronto entre governo e PMDB a um impasse que não era do interesse de ninguém

Não foi por acaso, portanto, que o PMDB como partido uniu-se na defesa da permanência de Palocci, pois identificava nele um político cordial que dava valor às alianças políticas, em vez de ser um petista ortodoxo, como a nova ministra Gleisi Hoffmann, um quadro petista cuja tarefa prioritária no Senado foi a defesa do governo, sem condicionantes.

Sua indicação corresponde também ao fortalecimento do PT, e não foi à toa que ontem o ex-ministro José Dirceu recebeu ministros e políticos em Brasília, identificado como o canal de influência política fortalecido com o aumento de poder petista no governo.

(Por falar nisso, quanto não estará valendo hoje uma "consultoria" de Dirceu?).

Com o PT fortalecido no Ministério, alas do PMDB tentam emplacar um correligionário nas Relações Institucionais, o que sob Dilma parece mais difícil do que sob Lula, que já colocou no mesmo lugar deputados do PTB (José Mucio e Walfrido Mares Guia) e do PCdoB (Aldo Rabelo).

Houve até quem pensasse que o próprio Michel Temer poderia assumir o cargo, o que seria uma temeridade a pôr em risco a autoridade natural do vice eleito.

Também Nelson Jobim chegou a ser cogitado nas especulações, mas essa seria uma mexida complicada no xadrez político, já que ele está bem entrosado no Ministério da Defesa, uma posição delicada para ser preenchida.

Mas Jobim teria a vantagem de, sendo do PMDB, ter trânsito muito bom tanto na máquina partidária petista - não esquecer que ele teve a ousadia de pôr José Genoino como seu assessor especial - como com a oposição.

Seu maior problema é mesmo no PMDB, onde nunca foi íntimo da cúpula do partido.

O mais provável é que o ministro Luiz Sérgio permaneça no cargo por mais algum tempo, por uma razão singela: a presidente Dilma não quer tirar um ministro que a chamada mídia está criticando, depois de ter tirado seu principal assessor em decorrência de denúncias dessa mesma mídia.

Mas como Luiz Sérgio, um protegido de José Dirceu - outro obstáculo à sua substituição -, é muito fraco para assumir essa coordenação política ampliada pela saída de Palocci, a realidade se imporá com o tempo. A crise continuará até que se ponha na coordenação política um ministro de peso reconhecido por aliados e oposição.

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