Saturday, December 12, 2009

Míriam Leitão Geopolítica do clima

e Alvaro Gribel -
12.12.2009
|
15h00m
COLUNA NO GLOBO


A reunião mais esperada da semana começou de forma inesperada. Foi a Austrália e o Japão que bloquearam a negociação do primeiro documento proposto pela estrutura oficial da COP-15. Os dois países provam que insensatez não tem limites: o Japão é um arquipélago e a Austrália já está fazendo testes de evacuação da costa e teve quatro anos de seca.

Foi mais uma surpresa numa semana de novidades nas negociações da Conferência do Clima das Nações Unidas (COP-15), em Copenhague. Depois da guerra de papéis, ontem saiu a primeira versão de um documento que pode ser o oficial. Redigida pela noite adentro da quinta para sexta-feira, continuará em debate neste fim de semana.

Temia-se a reação dos Estados Unidos, mas quem reagiu mesmo foi o Japão, que fez algumas restrições ao texto. A pior reação veio da Austrália, um país que tem sofrido distúrbios ambientais fortes. Brasil e China disseram na reunião que gostaram do texto. A Europa disse que era uma boa base para se trabalhar. Os Estados Unidos disseram que aceitam trabalhar com o texto, mas que o tratamento dado às metas para países ricos não é base para negociação. Quem encrencou mesmo foi o Japão. Disse que o texto não dava nem para começo de conversa. Esse relato me foi passado por duas fontes, uma delas estava dentro da reunião.

O texto que está em debate tem ousadias, mas é incompleto. É ambíguo, mas avança. Sugere metas mais pesadas para os países ricos do que tudo o que eles propuseram até agora. Inclui os objetivos voluntários dos países em desenvolvimento como parte do texto, o que acabará levando a compromissos mais sólidos. Ricos têm que cortar emissões em relação a 1990, os em desenvolvimento vão cortar na tendência de aumento de emissões. Aos ricos, a exigência é de que eles emagreçam; aos emergentes, que engordem menos.

O documento foi divulgado todo cheio de colchetes. Nos colchetes, fica registrado o que não está decidido. Num deles, há três opções para o nível de emissão de gases de efeito estufa que os ricos terão que ter em 2020. A opção mais fraca é de corte de 25% a 30% em relação a 1990. Ou seja, propõe como o mínimo mais do que eles se comprometeram. A Europa até agora tem como meta 20%. Caminha para 30%. Os Estados Unidos, no entanto, não aceitam nem o ano de 1990 como base, mas sim o de 2005, e sua meta é 17%. O negociador americano, Todd Stern, disse que essa parte do texto é "desequilibrada".

Há outro trecho em que os colchetes dizem tudo do dilema aqui na COP. Trata de quem vai pôr dinheiro para o fundo de longo prazo que vai ser criado para combater as mudanças climáticas. Primeiro colchete: só os países ricos contribuem; segundo colchete: todos os países menos os mais pobres terão que pôr dinheiro no fundo. Se ficar valendo a segunda opção, Brasil, China, Índia, África do Sul, países petrolíferos terão que contribuir com o fundo. Mas, sinceramente, é possível imaginar que uma China possa escapar de ajudar a financiar os mais pobres?

O Brasil não escapará de contribuir financeiramente para o combate às mudanças climáticas do mundo; cumprir metas internacionalmente fiscalizadas e mudar políticas internas. É só uma questão de tempo. Na primeira semana da COP-15, caiu a ilusão de que tudo se resume a uma luta entre pobres e ricos. A geopolítica do clima é complexa e desafiadora.

É inaceitável que na mesma semana em que aqui, em Copenhague, o Brasil busca projeção e fala que tem metas ousadas de corte de emissões, o país anuncie financiamento do BNDES para termelétrica a carvão, anistia de multa aos desmatadores e mais prazo para os que desmataram ilegalmente respeitem a reserva legal. O governo brasileiro acha que tudo o que fala aqui fora é para inglês ver?

Se a luta do comércio internacional permitiu a divisão do mundo entre desenvolvidos e grupo dos 77; a do clima tem mais subdivisões. Os interesses se organizam de várias formas. Numa entrevista ontem, o negociador-chefe da União Europeia, Arthur Runge-Metzger, deu uma estocada para cada lado. Respondendo a uma jornalista da China, que queria saber se era justo exigir que países em desenvolvimento contribuíssem financeiramente para fundos de combate à mudança climática, ele disse:

— Sim é justo. Nós na Europa temos países com níveis diferentes de desenvolvimento e vamos todos contribuir para o fundo de curto prazo.

Em seguida, perguntado sobre os Estados Unidos, o europeu disse:

— Nós contribuímos com 34% para os recursos de curto prazo de US$ 30 bilhões em três anos. Esperamos que os Estados Unidos, que têm uma renda per capita maior do que da Europa, dê pelo menos isso, ou mais.

Os ricos têm divisões; os em desenvolvimento e pobres não são um grupo. São vários. Os países que realmente precisam de socorro são os pobres, os muito pobres, os pequenos países-ilha devorados pela perspectiva de elevação do nível do mar.

O Brasil se orgulha de ser parte dos BRIC, deu dinheiro ao FMI, quer uma cadeira na ONU, e é um dos maiores emissores de gases de efeito estufa. Nada disso cabe na vestimenta de país pobre, sem responsabilidades no problema mais grave enfrentado pela humanidade.

A evolução desse debate levará os emergentes a terem mais compromissos. O Brasil pode se adiantar agora, ou ser obrigado a ceder mais tarde. Esse é o preço de ter crescido. Para exigir dos outros, terá que fazer sua parte. A maior tarefa será interna. O governo precisa buscar alguma coerência entre o que diz e o que faz.

Quadro: A guerra dos mapas

Vai faltar comida?

Existir é produzir CO2

Fotos Nicky Loh/Reuters, Mike Kemp/Getty Images/RF e Istockphoto/RF

Ritmo de crescimento da população mundial

Foto Amit Dave/Reuters

Gráfico: demanda por alimentos avança num ritmo maior que a capacidade de produzi-los

Reuters/Bob Strong

A sede da COP15
O gráfico sobreposto por VEJA no símbolo da reunião mostra que a demanda por alimentos avança num ritmo maior que a capacidade de produzi-los

Quadro: O saldo da concorrência


Fotos Stochphotos

Quadro: As obras sob suspeitas


Fotos Titular Agência Fotográfica, Manoel Marques e Victor R.Caivano/AP

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