Saturday, February 27, 2010

Bonjour, Quebec

Com escassez de mão de obra e baixa taxa de natalidade,

a província canadense lança um programa para atrair ainda
mais imigrantes brasileiros


Thiago Mattos

Alexandre Schneider
ADIEU, BRASIL
O casal Octávio e Carolina Paixão, que embarca em breve para o Canadá (o labrador também
vai emigrar)

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Ao menos em alguns aspectos, é certo dizer que Brasil e Canadá guardam muito pouco em comum. O segundo maior país do mundo em extensão territorial tem invernos de temperaturas glaciais, um esporte nacional que não poderia parecer mais exótico aos brasileiros (o hóquei no gelo) e tão poucos problemas que a escapada de um urso da floresta costuma ser considerada uma notícia eletrizante por lá. Pois nenhum desses fatores tem impedido que brasileiros que emigram para aquele país se adaptem muito bem nele, obrigado. Prova disso é que só em Quebec, a parte francesa do território canadense, o número de brasileiros com status de residente permanente aumentou cinco vezes desde 2004. Em todo o Canadá, eles são 11 000. Já formam a quarta comunidade latino-americana, depois dos colombianos, mexicanos e jamaicanos. E esse contingente vai crescer. O recém-aberto escritório do governo de Quebec em São Paulo prepara o lançamento de uma campanha com o objetivo de divulgar os encantos da província francófona e convencer brasileiros das vantagens de trocar os ares tropicais por uma paisagem de geleiras – mais a possibilidade de viver e aposentar-se em um país cuja renda per capita é de 41 000 dólares e cujos indicadores de criminalidade são de dar inveja até a finlandês (a taxa de homicídios foi de 1,8 por 100 000 habitantes em 2006).

Sim, Quebec quer os brasileiros, mas não qualquer um. Basicamente, interessa à província recrutar homens e mulheres capazes de ajudá-la a resolver dois problemas: o risco de encolhimento da população (a taxa de fecundidade em Quebec é de 1,7 por mulher, abaixo, portanto, do nível mínimo de reposição, de 2,1) e a escassez de mão de obra qualificada em áreas estratégicas, como tecnologia e química (veja no quadro o perfil do imigrante ideal). São problemas que atingem não apenas Quebec, mas todo o Canadá. A diferença é que a província colonizada por franceses tomou a dianteira no trato do problema. "Foi a primeira a escolher seus imigrantes, mas agora as outras já estão seguindo o seu exemplo e aumentando o investimento nos programas de recrutamento", diz David Foot, professor de economia da Universidade de Toronto, ele mesmo um imigrante britânico.

Com uma densidade demográfica de 4,6 habitantes por quilômetro quadrado – pouco mais povoada do que a Região Norte do Brasil –, Quebec tem espaço de sobra e precisa preenchê-lo. Para isso, oferece o que tem de melhor. Os candidatos aprovados no programa de recrutamento da província ganham visto de residente permanente. Assim que chegam ao destino, passam a ter todos os direitos de um cidadão canadense, incluindo o acesso ao sistema gratuito de saúde e educação. No caso de permanecerem no Canadá por mais de três anos, ganham ainda direito a voto e a passaporte. Para muitos candidatos, porém, o mais atraente do pacote é a possibilidade de trabalhar na própria área de formação. "Mandei duzentos e-mails procurando emprego no Brasil e não tive sequer uma resposta. Mandei quarenta a empresas de Quebec e recebi quarenta respostas", afirma Octávio Paixão, de 42 anos, técnico em manutenção de aeronaves. Ele e a mulher, Carolina, de 29, formada em hotelaria, embarcam neste ano para Quebec – levando, inclusive, o labrador de estimação. "Não pretendemos voltar mais", diz.

A campanha "Você tem um lugar em Quebec" será lançada em abril. Além do Brasil, está programada para ocorrer em apenas outros dois países, França e México. A presença do Brasil no rol das nações preferenciais da província canadense tem a seguinte explicação, segundo Soraia Tandel, diretora do escritório de imigração de Quebec em São Paulo: "Os brasileiros são culturalmente flexíveis, qualificados e se integram facilmente tanto na sociedade quanto no mercado de trabalho canadense. Brasileiro não forma gueto", afirma. E, a contar pelo número crescente de emigrantes, também não teme entrar numa gelada.

Quem quer Quebec


Sexo tem cura?


É possível. Sendo sexo, nesse caso, não aquele que traz prazer físico
e satisfação emocional, mas o que foge ao controle e provoca
atitudes autodestrutivas

Jennifer Mitchel/Splash News
CAMINHO SUAVE WOODS: desculpas
ao mundo inteiro e volta para a clínica de reabilitação

Um acidente, uma mulher enfurecida e mais de dez amantes reveladas, tudo em menos tempo do que um torneio de golfe leva para começar e acabar, e o prodigioso campeão Tiger Woods, reputação jogada na lama, tomou o caminho mais natural nesses casos, pelo menos nos Estados Unidos: internou-se numa clínica de reabilitação de viciados em sexo. Saiu, reencontrou a mulher, a sueca Elin Nordegren, e protagonizou um patético pedido de desculpas ao mundo inteirinho. "É difícil admitir, mas preciso de ajuda. Durante 45 dias, do fim de dezembro ao começo de fevereiro, fiquei internado e recebi orientação sobre meus problemas. Ainda tenho um longo caminho a percorrer", declarou, antes de voltar para a clínica. É mais fácil saber como ele dava suas muitas escapadas do que ter detalhes do tratamento. Mas, à medida que essas clínicas vão ampliando sua clientela – existem hoje uns dez estabelecimentos que oferecem programas de rehab para sexo compulsivo nos Estados Unidos –, mais se conhece sobre os métodos de tratamento. Como saber se sexo faz mal é uma resposta que só pode ser dada por quem está prejudicando a própria vida a ponto de procurar ajuda terapêutica. Os métodos, em geral, consistem em meditação, terapia individual, de grupo e familiar (Elin tem participado de algumas sessões) e adesão a programas passo a passo. O mea-culpa de Woods foi justamente um desses passos. É tudo muito parecido com o sistema popularizado pelos Alcoólicos Anônimos.

Especialistas calculam que de 2% a 3% da população mundial sofra de algum tipo de comportamento compulsivo em relação ao sexo, sendo 90% homens. No Brasil, onde não existem clínicas como as dos Estados Unidos, o Projeto Sexualidade (ProSex) do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo é dos poucos a tratar de transtornos da sexualidade, entre eles a compulsão sexual – diagnóstico de pouco mais de 1% dos pacientes. "O período crítico do tratamento dura em média um ano, com atendimento por psiquiatra, acompanhamento psicoterápico e reeducação sexual", explica a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do projeto. Outro serviço, gratuito e de frequência voluntária, é o Dependentes de Amor e Sexo Anônimos (Dasa), que atua desde 1993 como a versão brasileira de uma adaptação dos Alcoólicos Anônimos criada há mais de trinta anos nos Estados Unidos. "Rico", pseudônimo usado pelo presidente da Dasa no Brasil, explica que as sessões são em grupo, para fortalecer o espírito de ajuda mútua, com programa de doze passos e discussão de experiências entre os participantes.

No prospecto distribuído pela Pine Grove Behavioral Health & Addiction Services, a clínica no Mississippi onde Woods se internou (com cerca esticada por painéis de plástico preto para aumentar a privacidade), o programa Gentle Path, ou Caminho Suave, é específico para "ajudar homens e mulheres a se livrar de relações e comportamentos sexuais compulsivos". Quem se interna acorda às 6h30, vai para o quarto às 22h30 e tem um colega mais experiente em regime de acompanhamento permanente. Celular e laptop são proibidos, telefonemas e visitas controlados. Namoros entre pacientes estão fora de cogitação e os quartos podem passar por revista a qualquer momento. Exigem-se sapato o tempo todo (chinelo, só dentro do quarto), camisa com manga e pijama para dormir. Televisão, só no centro comunitário e em horários e canais preestabelecidos. O programa completo custa quase 40 000 dólares. Durante o tratamento, o paciente tem de remexer em traumas passados, admitir que se permite pornografia, masturbação e outros atos sexuais, todos excessivamente ("Podemos não mudar o comportamento, mas estragamos o prazer", garante o especialista americano Rob Weiss), e descobrir estratégias para evitar recaídas – ou, como dizem, permanecer sóbrio. "A questão não é praticar a abstinência pelo resto da vida, mas aprender a reencontrar a felicidade no sexo", explica Benoit Denizet-Lewis, ex-compulsivo e autor de um livro sobre viciados em sexo.

Fotos Chris Trotman/Getty Images, Jeff Kravitz/Getty Images e Dan Dion/Corbis/Latin Stock
GESTÃO APROVADA
A escola Rita Pinto de Araújo, em São Paulo: salto de qualidade com metas e um currículo organizado


Antes de Woods, outros famosos internaram-se pelo mesmo motivo. O ator Michael Douglas passou temporada numa clínica no Arizona em 1990, quando ainda era casado com Diandra, e até hoje jura que foi por excesso de bebida. O casamento com a atriz Catherine Zeta-Jones parece ter resolvido o problema, não pelos motivos que todo mundo está pensando, mas pelo acordo pré-nupcial prevendo, em caso de divórcio, multa de 3 milhões de dólares para cada infidelidade dele que ela documentar. Em 2008, depois de negar durante anos que tivesse problemas nesse departamento, o ator David Duchovny, da extinta série Arquivo X e da atualCalifornication, internou-se para tratar de sua compulsão e assim salvar o casamento com a atriz Téa Leoni. Já o abusadíssimo comediante inglês Russell Brand, hoje caidinho pela cantora Katy Perry, transformou os vícios em piada: publicou um livro contando suas passagens por rehabs tanto de drogas quanto de sexo. "Muita gente acha que é uma desculpa inventada para ajudar estrelas de Hollywood a não assumir a responsabilidade por seus excessos priápicos. Mas eu acredito nelas", disse sobre as clínicas para viciados em sexo. "Certo dia, tive de fazer uma lista das minhas vítimas, com os nomes de todas as mulheres que havia prejudicado com meu vício sexual. Eu me senti como Saddam Hussein tendo de escolher vítimas entre os curdos."

Rogelio V. Solis/AP
POR TRÁS DO MURO
Para proteger Woods, a clínica Pine Grove ergueu a cerca

O óleo da massa


O azeite conquista os emergentes – mas não apenas para alimentação


Renata Betti

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Ao lado do vinho, a região do Mediterrâneo tem uma cesta de produtos nobres cujo consumo nos países em desenvolvimento, até recentemente, era restrito às classes altas. Nos últimos cinco anos, porém, artigos como frutas secas, vinagre balsâmico, nozes e castanhas começaram a ganhar mercado nos emergentes. Nos quatro maiores, os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), nenhum avançou mais rápido que o azeite. Desde 2005, as vendas do produto nesses países tiveram, em média, crescimento de 235%. Nos Estados Unidos, o segundo maior mercado mundial de azeite, atrás apenas da União Europeia, o número ficou na casa dos 20%. Dois fatores ajudam a entender a difusão do óleo de oliva nos Brics. O primeiro é a expansão da renda: uma classe média maior gasta mais, tanto em volume quanto em qualidade. Tão importante quanto isso, no entanto, foi o fato de que os fabricantes de azeite entenderam que cada lugar tem as suas especificidades(veja o quadro). Na Índia, por exemplo, o produto passou a ser vendido na seção de produtos de beleza dos supermercados. Além de nutrir os cabelos das indianas, ele é usado na pele, para prevenir estrias.

Entre os integrantes dos Brics, o Brasil é o que tem, de longe, o maior mercado de azeite: o consumo deverá atingir 50 000 toneladas em 2010. Como o país tem forte influência espanhola, italiana e portuguesa (os mais importantes produtores mundiais), o hábito de usar o óleo em pizzas e saladas é mais comum do que nos outros do grupo – e as empresas do ramo praticamente não mudam suas táticas de venda no mercado brasileiro. Na China, o comércio do produto varia conforme o calendário. Em datas festivas, as pessoas trocam vidros de azeite como presente. As empresas se preparam para essa época e fazem embalagens especiais, já que a finalidade do produto é enfeitar as estantes das casas. "Os chineses quase não comem salada. Tivemos de encontrar maneiras alternativas para vender lá", diz David Prats, presidente do grupo espanhol Borges, um dos maiores fabricantes de azeite do mundo. A companhia, que há quinze anos vende seus produtos no Brasil por meio de importadoras, decidiu no ano passado abrir uma filial no país. "O mercado brasileiro está fervilhando. Enquanto as nossas vendas ficaram estáveis em alguns países, no Brasil elas subiram 30% em 2009", completa o espanhol

Os Brics e o azeite


Ilustração Gisele Libutti

Eles fazem diferença


Com criatividade, disposição para o trabalho e experiência
no atendimento às doenças típicas das regiões pobres,
os brasileiros ganham destaque na organização
Médicos Sem Fronteiras e viram referência nas missões
espalhadas pelo mundo


Naiara Magalhães, de Maputo


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Com 20 milhões de habitantes, Moçambique, na costa oriental da África Subsaariana, é um dos mais preocupantes focos do vírus HIV em todo o mundo. Nos grandes centros, como a capital, Maputo, ou a cidade de Tete, a aids se faz presente em toda parte. Nas ruas, é raro cruzar com pessoas mais velhas. A expectativa de vida no país é de 47 anos para os homens e de 49 para as mulheres. Ao lado de outras doenças epidêmicas, os outdoors não deixam esquecer: "O que tiveste na tua última relação sexual: amor, sexo ou HIV?". Cartazes sobre cuidados com as crianças não reforçam apenas a importância da vacinação contra as afecções típicas da infância. Num deles, na legenda da fotografia de uma garotinha acompanhada pelos pais, lê-se: "Eu já vou fazer o teste do HIV". Um em cada sete adultos moçambicanos está contaminado – o equivalente a 15% dessa população. Em algumas regiões, como a de Maputo, o índice é de um em quatro habitantes. Para se ter uma ideia do tamanho da tragédia, no Brasil, a taxa de contaminação pelo HIV é de menos de 1%. Até pouco tempo atrás, muitos moçambicanos nunca haviam ouvido falar em aids. Para eles, seus parentes e amigos morriam vítimas de alguma feitiçaria. Ainda hoje é comum que os doentes recorram aos curandeiros na esperança de cura.

Em um país dilacerado pela miséria e por quase trinta anos de guerra encerrada apenas em 1992, a precariedade do acesso aos cuidados básicos de saúde e a falta de informação sobre prevenção e tratamento compõem o cenário ideal para a disseminação do HIV. Metade dos quase 100 000 mortos pela doença todos os anos tem entre 30 e 44 anos – está na plenitude produtiva. O país padece da falta de profissionais qualificados. O número de médicos em Moçambique não ultrapassa os 500. O de curandeiros, entretanto, supera os 70 000. Por isso, a ajuda estrangeira é crucial na luta contra a aids – tanto do ponto de vista financeiro quanto da mão de obra especializada.

A primeira e maior organização humanitária a desenvolver projetos de combate ao HIV em Moçambique foi a Médicos Sem Fronteiras (MSF), em 2001. Prêmio Nobel da Paz de 1999, a MSF foi fundada em 1971, por médicos e jornalistas franceses, e hoje conta com 27 000 profissionais, entre médicos, enfermeiros, psicólogos, arquitetos, administradores, economistas e engenheiros. Ela atua em 65 países conflagrados ou em situação de emergência sanitária (veja o mapa). Atualmente, a equipe da MSF em Moçambique é composta de 31 profissionais – sete dos quais brasileiros. Esses médicos e enfermeiras têm um perfil ideal para o trabalho desenvolvido pela instituição, porque ainda lidam por aqui com doenças típicas de países pobres, como tuberculose, malária e leishmaniose visceral. "No Brasil, muitos médicos não apenas estudaram tais moléstias como tiveram a experiência de tratá-las", diz Simone Rocha, diretora executiva da MSF-Brasil. Soma-se a isso o traquejo dos brasileiros para atender as populações mais carentes, de baixo nível educacional. "Eles sabem como transmitir uma mensagem de jeito simples para que o paciente consiga seguir o tratamento", diz o coordenador de um dos projetos da MSF em Moçambique, o enfermeiro inglês Christopher Peskett. Moçambique não é apenas o país com o maior número de brasileiros atuando na MSF, mas é também onde o Brasil faz escola.

Um dos projetos mais bem-sucedidos é o da médica paulista Raquel Yokoda, de 29 anos. O programa desenvolvido pela jovem vem ajudando a mudar um dos cenários mais cruéis da aids em Moçambique – o das crianças portadoras do HIV. Atualmente, 147 000 meninos e meninas de até 14 anos estão contaminados. As crianças entre zero e 4 anos mortas pela aids chegam a inacreditáveis 19% de todos os óbitos registrados pela doença. Com uma ideia extremamente simples, em seis meses Raquel conseguiu reduzir a taxa de mortalidade infantil em 80% no Hospital Dia de Moatize, nos arredores da cidade de Tete, no centro do país. Ela transformou a sala de espera num lugar acolhedor para as crianças – uma espécie de brinquedoteca, decorada com motivos infantis. Com isso, ir ao médico passou a ser uma diversão para meninos e meninas que vivem em estado de miséria. Ajudada por moradores locais, Raquel adaptou histórias e jogos infantis à cultura moçambicana para explicar às crianças que elas são portadoras de uma doença que requer cuidados para toda a vida. Como o idioma oficial, o português, é falado por apenas 40% da população, as cartilhas de Raquel tiveram de ser traduzidas para o dialeto nhungue, característico da região.

Numa das histórias para as crianças de 5 anos, a aids é simbolizada pela mudança da cor do pelo dos leões. Doente, uma leoa vai atrás dos conselhos de um velho hipopótamo. O tratamento prescrito: a água de um mar vermelho, as folhas verdes das árvores e os raios de sol, todos os dias, para sempre. Ela morre, mas recomenda a seu filhote, o simpático leãozinho Bekhi, que siga à risca as orientações do sábio hipopótamo. Ele obedece e consegue crescer forte e feliz. "Os pais têm muita dificuldade para contar a seus filhos que eles são portadores do HIV, e que terão de seguir um tratamento até o fim da vida", diz Alain Kassa, coordenador-geral da missão da MSF em Moçambique. "O projeto de Raquel mudou esse processo, aumentando a participação das crianças no tratamento." As cartilhas da jovem médica servem hoje de referência em todos os países de atuação da MSF. "Nós só conseguimos fazer um bom trabalho quando entendemos e usamos a cultura local para nos aproximar dos pacientes", explica Raquel. Ela voltou para o Brasil no fim de 2007, e agora cabe à historiadora goiana Wânia Correia, de 33 anos, dar continuidade ao projeto.

Uma das grandes inspirações para Raquel foi Laura Lichade, enfermeira moçambicana de 56 anos, com quem trabalhou ao longo de sua estada na África. Durante a guerra civil, enquanto fugia de um tiroteio, Laura pisou no estilhaço de uma mina. Por causa das complicações do ferimento, em 1994, teve o pé esquerdo amputado. Apesar de todas as adversidades, ela se dedica a cuidar de 56 bebês, crianças e adolescentes órfãos. Seis deles vivem na casa de Laura, com paredes de barro e chão de terra batida. Os demais, em um orfanato próximo. Laura fez com que todos fossem testados para o HIV e recebessem o tratamento adequado. Em Moçambique, 1 milhão de crianças não têm mãe. Delas, 400 000 ficaram órfãs por causa da aids. "Costumo dizer às crianças com HIV que os remédios são como as minhas muletas, que me mantêm de pé", conta ela. "Se elas acharem que podem parar o tratamento porque estão se sentindo bem, cairão, como eu caio sem as minhas muletas."

Cerca de 70% dos moçambicanos estão nas áreas rurais. Vivem da agricultura de subsistência nas machambas, como são chamadas as pequenas propriedades agrárias. Os centros de saúde e os hospitais ficam longe e a condução de ida e volta é cara – 200 meticais, o equivalente a 12 reais. Curandeiros, por sua vez, há por toda parte. Um dos rituais mais comuns no caso de doentes graves é a tatuagem. São feitos cortes de meio centímetro de comprimento nos braços e pernas dos pacientes, e uma mistura de raízes trituradas é aplicada sobre os ferimentos. As lâminas são reutilizadas e os potes de ervas compartilhados entre várias pessoas. Ou seja, a tatuagem é fonte de disseminação do HIV.

Somente quando se dão conta de que as ervas e os banhos dos curandeiros não funcionam, os moçambicanos recorrem aos médicos. Algumas pessoas chegam a caminhar 15 quilômetros até o hospital mais próximo, muitas vezes descalças, sob temperaturas impiedosas. Ao circular pela área rural de Tete, no início de uma tarde de verão, tem-se a sensação de que há alguma queimada por perto. Mas não há vegetação em incêndio, apenas o sol que arde sobre a terra batida. Até resolver ir ao hospital, o militar aposentado Kaneti Chavunda, de 67 anos, sofreu durante quase um ano com uma tosse persistente e uma lesão dolorida nos pés e nas pernas – quadro característico do sarcoma de Kaposi, o câncer mais comum entre os soropositivos. De sua casa ao Hospital Provincial de Tete, ele viajou duas horas na boleia de um caminhão. Em 25 minutos, Chavunda recebeu o diagnóstico positivo para o HIV. Não demonstrou angústia nem desespero. Olhar parado, em voz baixa, ele comentou: "Vou fazer o que os médicos mandam". Essa é uma reação comum. Como a maioria das pessoas da zona rural, ele parecia não ter a dimensão da gravidade da notícia que acabara de receber.

Os testes rápidos de HIV e as orientações sobre prevenção e tratamento são conduzidos pelos chamados conselheiros – moradores locais treinados pela equipe da MSF. Dessa forma, os poucos enfermeiros e médicos disponíveis podem se dedicar a atividades de maior exigência técnica. Uma das enfermeiras responsáveis pela formação dos conselheiros é a paulista Eliana Arantes, de 33 anos, há nove meses em Moçambique. Um de seus parceiros de trabalho mais experientes é o local Felisberto Dindas, de 36 anos. Ele lembra com precisão a data em que entrou para a MSF, a fim de trabalhar como segurança: 23 de outubro de 2001. Naquele dia, sua vida mudaria em vários aspectos. A princípio, representava a conquista de um bom emprego. Um ano depois, Dindas foi convidado a se tornar conselheiro. "Eu tenho facilidade para me comunicar e conheço muita gente", diz, com orgulho. Foi também graças ao trabalho na MSF que ele foi diagnosticado como soropositivo. Conselheiros com o perfil de Dindas são sempre bem-vindos. Só quem tem o vírus sabe como é receber a notícia do HIV. Só quem vive em Moçambique conhece as dificuldades de seguir o tratamento. Só quem consegue conviver com a infecção, sem cair doente, é capaz de passar a importância da prevenção e do tratamento.

A precariedade do sistema de saúde em Moçambique é aterradora. Acompanhar um dia de trabalho da enfermeira paranaense Janaína Carmello é recuar meio século na história da medicina. Aos 28 anos, ela é responsável pelo atendimento a grávidas no Centro de Saúde de Domué, na zona rural do distrito de Angónia, no noroeste do país. Sua principal missão é diminuir os riscos da transmissão vertical: a contaminação do bebê por sua mãe. Em suas consultas, não há aparelho de ultrassom ou sonar. A enfermeira tem de trabalhar com a fita métrica e o estetoscópio de Pinard. A fita serve para medir a barriga da mãe e calcular a idade gestacional do feto, já que a maioria das gestantes não tem ideia de quando engravidou. Em geral, elas só procuram assistência médica no sexto mês de gravidez. O estetoscópio, desenvolvido no início do século XIX, que Janaína só conhecia dos livros de história da medicina, é usado para medir os batimentos cardíacos do feto. Janaína encosta a boca do instrumento na barriga da gestante, aproxima o ouvido na outra ponta do estetoscópio e ouve o coraçãozinho na barriga da mãe. Enquanto nos países desenvolvidos uma mãe soropositiva é desaconselhada de amamentar seu bebê, de modo a reduzir o risco de infecção da criança, em Moçambique Janaína recomenda que o aleitamento materno seja feito até os 6 meses. "Aqui, as mães não têm condições mínimas de higiene para preparar o leite artificial, ainda que você o forneça. As crianças ficam com diarreia, perdem peso, adoecem e podem até morrer", diz ela. Ainda assim, quando as mulheres soropositivas seguem o tratamento à risca, a transmissão vertical do HIV é reduzida.

É dessa forma, com pequenas vitórias, que se trava o combate contra a aids em Moçambique. Desde a chegada da MSF, o número diário de novas contaminações caiu de 500 para 440. Pode parecer pouco, mas é uma grande conquista em se tratando de um país da África Subsaariana. E os brasileiros, como Raquel, Wânia, Eliana e Janaína, fazem a diferença em um universo tão esquálido.

Fotos Gilberto Tadday

O peso de uma criança
Para que seus filhos tenham acesso aos cuidados mais elementares de saúde, nas áreas rurais de Tete, muitas mulheres têm de percorrer a pé, descalças, sob um sol inclemente, até 15 quilômetros


Resposta imediata


"Resolvi entrar para os Médicos Sem Fronteiras porque me realizo no atendimento em situações de emergência. A resposta dos pacientes, nessas ocasiões, é muito rápida.
Para um enfermeiro, que é quem cuida dos doentes mais de perto, isso é muito gratificante. Em minha primeira missão na organização, ajudei a conter um surto de cólera no Zimbábue. Agora, em Moçambique, me dedico às gestantes soropositivas, na tentativa de evitar
que elas contaminem seus bebês. É um trabalho difícil, disponho de poucos recursos. Para calcular a idade gestacional do feto, por exemplo, tenho de medir a barriga da paciente com uma fita métrica. Num cenário como esse, cada pequena conquista é motivo de orgulho."
Janaína Carmello, enfermeira obstetra

Apoio emocional


"Uma das minhas tarefas é dar continuidade ao trabalho iniciado pela médica Raquel Yokoda. Nossa intenção é estender o projeto de atendimento às crianças soropositivas a todos os centros de saúde e hospitais da capital Maputo. É importante trabalhar a questão da aids com as crianças, porque ainda hoje é muito difícil fazer com que os adultos mudem de hábitos por causa da doença. Muitos moçambicanos só agora começam a tomar conhecimento da existência do HIV."
Wânia Correia, historiadora

Profissão: mãe

"Há 25 anos, fui gravemente ferida ao pisar no estilhaço de uma mina terrestre e fiz um voto de ajudar todas as pessoas que chegassem a mim pedindo auxílio. A vida me mandou crianças órfãs. Cheguei a ter cinquenta delas em casa. Hoje consegui que um orfanato fosse construído para abrigá-las. Muitas delas perderam mãe e pai por causa da aids. Por isso, além de cuidar para que elas se alimentem bem e estudem, eu faço questão de que todas passem pelo teste de HIV e, se necessário, recebam o tratamento adequado."
Laura Lichade, enfermeira

Sem fronteiras


Foto Philippe Renault/Corbis Latinstock

O teste das fraldas


Ao completar 2 anos e meio, uma criança terá usado até 5 000 fraldas
descartáveis. No bolso dos papais, isso significa um gasto entre 1 450
e 4 400 reais. Apesar de os ambientalistas torcerem o nariz para
elas - porque levam cerca de 450 anos para se decompor na natureza -,
essas fraldas são o que há de mais prático e confortável para os bebês.


Anna Paula Buchalla
abuchalla@abril.com.br

Lailson Santos
NOITES BEM-DORMIDAS
Paula, de 1 ano e 3 meses, passou a dormir melhor desde que sua mãe, a administradora de empresas Juliana Castro Paes de Barros, de 36 anos, achou a fralda ideal. Ela testou vários modelos até encontrar um que impedisse vazamentos sem irritar a pele da menina


Mas, em geral, é preciso testar vários modelos e marcas até chegar à fralda que melhor se adapte à anatomia do filhote. Há diferenças significativas entre as fraldas descartáveis. É o que revela um estudo técnico comparativo feito a pedido da Pro Teste, entidade de defesa do consumidor. Foram avaliados nove modelos de tamanho médio das marcas Pampers, Turma da Mônica, Johnson’s Baby, Pom Pom e Sapeka. No teste, "bebês robôs" dos sexos masculino e feminino em movimento, sentados, em pé e deitados de frente, de lado e de costas eliminaram urina sintética na mesma quantidade, frequência e velocidade de uma criança entre 2 e 8 meses. Ficou claro que alguns modelos são mais indicados para meninos e outros para meninas - por questão de anatomia. Quando o assunto é ventilação, nota baixa para quase todas. A maioria das fraldas não permite a respiração da pele do bebê. "Quanto mais leve e fina, mais confortável é a fralda", diz Marina Jakubowski, química da Pro Teste.

Absorção
Como deve ser: uma fralda eficaz deve absorver 250 mililitros sem vazar. Durante o dia, quando as trocas são mais frequentes, a capacidade de 200 mililitros é suficiente. Mas, à noite, o ideal é que a absorção seja um pouco maior, para não atrapalhar o sono do bebê nem molhar o colchão do berço
O que o teste apontou: durante o dia, todas as fraldas foram aceitáveis para as meninas - cujo jato de urina é centralizado. Já para os meninos (que fazem xixi para cima, para baixo e para todo lado), alguns modelos se mostraram ineficientes antes mesmo de atingir 164 mililitros. Mediu-se o volume de urina absorvido até a fralda vazar

Fotos divulgação

Assaduras e alergias
Como deve ser: a fralda deve permitir que a pele "respire". Quando isso não acontece, o calor e a umidade favorecem a ação de fungos e bactérias que causam problemas dermatológicos
O que o teste apontou: apenas uma marca se mostrou eficaz nesse quesito. Mais fina que as demais, é também a que apresenta o toque mais suave. As outras permitiram apenas uma pequena ou nenhuma entrada de ar
A melhor do teste:
Pampers Total Confort - Por seu material, foi a única que realmente deixou o ar circular internamente. Depois da avaliação, a fralda se mostrou mais seca que as outras

Conforto
Como deve ser: leve e fina
O que o teste apontou: a maioria das fraldas tem em torno de 25 gramas, mas algumas chegam a pesar 32 gramas, ou seja, 30% a mais do que a média. A espessura também varia bastante. A mais grossa do teste, por exemplo, tem quase o dobro de espessura da primeira colocada

As melhores do teste
Pampers Total Confort: 25,4 gramas e 7,9 milímetros de espessura
Pampers Supersec: 23,2 gramas e 9 milímetros de espessura
Pom Pom Top Confort: 27,8 gramas e 10 milímetros de espessura

Preço*


A mais barata:
Sapeka Azul.
O pacote com 24 unidades custa entre 6,98 e 9,90 reais. O valor da unidade varia entre 29 e 41 centavos
A mais cara: Pampers Total Confort.
O pacote com trinta unidades custa entre 18,50 e 26,40 reais. O valor da unidade varia entre 62 e 88 centavos

O que o teste apontou:
1) A quantidade de fraldas nas embalagens varia de uma marca para outra, o que pode induzir os pais ao erro. O que conta mesmo é o preço de cada unidade, que se obtém dividindo o preço pelo número de fraldas
2) É preciso ter sempre em mente o peso da criança e verificar, na embalagem de cada produto, qual o tamanho adequado a ela. O tamanho médio de uma marca pode ser equivalente ao pequeno de outra. Fraldas de tamanho menor são em geral mais baratas
3) Como a eficácia das fraldas varia para meninos e meninas, é importante fazer testes. Uma vez encontrado o melhor modelo, a economia pode ser de até 700 reais em um ano
4) É importante pesquisar preços. Algumas marcas, por exemplo, são mais baratas nos hipermercados. Outras custam menos nas drogarias

* Valores coletados em doze cidades brasileiras em novembro de 2009

Os preferidos dos papais


Laurence Monneret/Getty Images


Para fazer a higiene do bebê, bom mesmo é usar água morna e algodão, dizem os pediatras. Mas há ocasiões - em viagens, por exemplo - em que os lenços umedecidos são a alternativa mais prática. "Eles devem ser usados em crianças com mais de 3 meses. Antes disso, o risco de elas desenvolverem dermatites é maior", explica o pediatra Marcelo Reibscheid, do Hospital e Maternidade São Luiz, em São Paulo. Na hora da compra, saiba o que se deve levar em conta:

1) Capacidade de hidratação
O que observar: prefira produtos que contenham lanolina em sua fórmula. A substância tem efeito emoliente, ou seja, ajuda o produto a penetrar na pele, aumentando o poder de hidratação. Aloe vera e alantoína também são funcionais. A primeira tem efeito bactericida e cicatrizante. A segunda, bastante utilizada em pomadas contra assadura, acelera a regeneração da pele

2) Rendimento
O que observar: lenços grandes e espessos são mais fáceis de manusear. Além disso, com eles evita-se o consumo de várias unidades para uma limpeza efetiva. Aparentemente mais caros, eles podem ser mais econômicos, dependendo da quantidade usada a cada troca de fralda

3) Resistência
O que observar: lenços muito finos rasgam-se com mais facilidade. Eca!

4) Preço
O que observar: em geral, não vale a pena comprar os lenços umedecidos em supermercados. Nas farmácias, os preços costumam ser menores, avaliou um estudo recente da Pro Teste

Toalete de gente pequena

O que há de novo para tornar os cuidados pessoais mais divertidos para os bebês - e, em alguns casos, mais seguros para os pais

Fotos divulgação


Assento giratório para banho:
com as perninhas encaixadas na cadeira, o bebê fica praticamente solto na banheira. Por ser giratório, o equipamento proporciona um banho mais animado para a criança. Ele é fixado na borda da banheira e vem com um apoio para o braço do adulto. O assento pesa 3,4 quilos
Preço: 276 reais

Fralda de transição: destinado a crianças que estão migrando para o peniquinho, o modelo Pull-Ups, da Huggies, vem com desenhos, como estrelinhas, que somem quando a fralda fica molhada. É um estímulo para não fazer xixi nela.
Preço: 15 reais (pacote com doze unidades)

Cortador de unhas com lupa: aumenta em até cinco vezes as unhas do bebê, o que ajuda a evitar acidentes. O cabo com desenho anatômico acomoda os dedos, o que torna o manuseio mais seguro e preciso
Preço: 15 reais


Pintura no banho: indicado para crianças a partir de 2 anos, o produto garante a distração na banheira ou no chuveiro. São cinco tintas que podem ser usadas para pintar o próprio corpo. Segundo o fabricante, elas não fazem mal à pele - nem mancham os azulejos. A bagunça é eliminada no próprio banho. Vem com uma esponja em formato de peixe e uma paleta para tintas em forma de mão.
Preço: 65 reais

Empresas consultadas: Alô Bebê e Safety 1st

Com reportagem de Gabriella Sandoval

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