O presidente eleito Barack Obama foi econômico em antecipar decisões na primeira entrevista, mas emitiu sinais: vai evitar a duplicidade de comando num país em guerra, mas vai ocupar o maior espaço possível. Na economia, se cercou de veteranos do governo Clinton, figuras novas ligadas a ele; teóricos e práticos; empresários e economistas. Ele quer diversidade de idéias entre seus conselheiros.
O dia ontem parecia feito para apavorar um presidente eleito. Foram anunciadas notícias como: o pior desemprego em 14 anos nos Estados Unidos, colapso de vendas do varejo, prejuízos bilionários das montadoras. E a General Motors ainda disse que o dinheiro que tem em caixa mal dá para o começo do próximo ano.
Lá, como aqui, ajudar montadoras é um tema que divide. O que fez Obama? Falou que vai ajudá-las sim, porque elas são a "espinha dorsal" da economia americana, mas, ao mesmo tempo, falou em incentivos para carros com eficiência energética. Ou seja, serão apoiadas, mas têm que se adaptar ao novo projeto nacional de energia limpa e menos dependência aos produtores de petróleo.
A prioridade da economia ficou clara naquele grupo que estava atrás dele na entrevista, com vários nomes fortes da área econômica. A especulação óbvia é que dali sairá o nome para a Secretaria do Tesouro. Os mais cotados são Larry Summers e Timothy Geithner. O primeiro, ex-secretário do Tesouro de Clinton. Se for o escolhido, dá uma marca exageradamente continuísta à equipe. Tem a vantagem de ser uma pessoa que já conhece o emprego, mas, com a nomeação de Rahm Emanuel, o governo ficaria com a cara de terceiro mandato de Clinton. Geithner tem a vantagem de ser um nome de Obama e, além disso, de estar familiarizado com tudo o que está sendo feito agora, porque participou do pacote de resgate aos bancos. Por outro lado, ter feito aquele pacote o deixa meio marcado. Afinal, fica parecendo que é a continuação de um pacote impopular.
Paul Volcker tem mais a função de dar robustez à equipe de transição do que de ser um escolhido para cargo executivo, pela idade. Ele foi presidente do Fed de 1979 a 1987. O mundo mudou muito desde que ele deixou o cargo, apesar de ter demonstrado muita consistência em artigos sobre a crise. Laura Tyson, que está no time de transição, foi chefe do conselho de assessores econômicos de Clinton. Robert Rubin, primeiro secretário de Tesouro de Clinton, já disse que não quer voltar à ativa, mas tem sido o que mais municia o novo presidente com estudos, dados e propostas.
Mas ele incluiu também, no grupo de transição, homens de negócio, como o presidente da Google. Para não ficar prisioneiro do dilema entre ficar na mão dos ex-assistentes de Clinton, e armar um time de novatos, ele está misturando experiência com inovação, visão prática com visão teórica. Aquele grupo ali mostra que, para ele, a prioridade é, como disse, a economia.
O novo presidente vai assumir, em pouco mais de dois meses, uma economia cuja crise está se espalhando para os setores da economia real. A situação de fato é muito grave. Seu programa será, como indicou ontem, subsídios fortes à classe média, corte de impostos, mas não para toda a sociedade - ele falou em corte líquido de impostos -, e um novo plano de incentivo ao consumo que pode ser negociado já com o Congresso, que está no fim de mandato. "Quanto mais cedo, melhor", ele disse.
Obama falou em "plano de resgate da classe média" e aí mostrou que ainda não saiu do palanque totalmente, o que é comum na psicologia desses momentos. Isso é para mostrar que o outro "plano de resgate" foi para os ricos. Ele sabe que o plano de resgate de Bush tinha vários defeitos técnicos, mas que sem um sistema financeiro saudável nenhuma economia prospera. Tanto que votou a favor do plano.
Uma das medidas que propôs na campanha, e que deve adotar mesmo, é uma suspensão de três meses das ações de despejo. Esse é um problema dramático e em 90 dias se pensa em algumas medidas que socorram pessoas que estejam para perder suas casas.
Obama terá que continuar trabalhando numa situação delicada. Não é presidente ainda, como lembrou ontem, mas dele se espera que firme o chão para tirar a economia da areia movediça em que está. Não pode minguar o que resta de autoridade do presidente Bush, porque, afinal, o país está envolvido ao mesmo tempo em duas guerras. Todos os movimentos e palavras terão que ser bem cuidadosos e ele já demonstrou, na entrevista, a busca da palavra certa para não causar qualquer estrago no mercado, nem na imagem externa do país.
O "New York Times" falou ontem em "colapso" para definir o que está acontecendo com as vendas de varejo. Elas estão despencando. E era de se esperar: os americanos usavam a casa própria, e seus refinanciamentos, como caixa para pagar outros consumos. Sem essa mágica, o consumidor da classe média está parando de comprar. Com a crise bancária, a liquidez não circula e, da pequena empresa à General Motors, todos se queixam da falta de liquidez. Não são pequenos os desafios. O presidente eleito - e o mundo - andará num fio de navalha nos próximos 73 dias. Que eles passem rápido!