O fim da era Bush?Igor Gielow (Folha de S. Paulo)
DEPOIS DE completado o trabalho de eleição de Barack Hussein Obama a uma espécie de dom Sebastião global, os "spin doctors" de plantão estão empenhados na hercúlea missão de contar ao mundo que o novo presidente dos EUA é humano.
Basta ver jornais, revistas, telejornais e sites do mundo todo. Está lá: Obama consumou uma vitória histórica e simbólica, mas não esperem a revolução planetária.
Felizmente. Como dizem os doidos milenaristas cristãos, que se você acreditar na balela dos analistas são quase metade do eleitorado americano, governo mundial é coisa do Anticristo. Houve coisas bacanas na eleição de Obama, mas o que interessa é o que vem agora.
Com efeito, a única resposta assertiva que o eleito deu em sua primeira entrevista, ontem, foi sobre a idéia de adotar um cachorro de abrigo. Ainda assim, vamos a ver, como diria seu antecessor.
O eleitor americano, o mesmo que deu uma vitória brutal a George W. Bush há apenas quatro anos e fez fila para ver a "Paixão de Cristo" do Mel Gibson, agora rejeita sua obra construída a partir dos escombros do World Trade Center.
Muito bem, a economia foi o que pesou: a crise, mais que Sarah Palin, parece ter sido a causa mortis da candidatura McCain. Mas a herança multifacetada está aí.
Enquanto estiver ocupado com uma ameaça de recessão global, como o presidente Obama irá tratar o Paquistão? O país traz a mais urgente ameaça estratégica aos EUA hoje, e a guerra no Afeganistão cada vez mais se torna um espelho do que acontece no vizinho. A lassidão dos anos Clinton ajudou a criar o Taleban. A política de Bush alimentou as serpentes no ninho.
Obama, o mítico conciliador, o ongueiro em escala mundial, irá resolver tudo no papo? Ou vai ser na base dos ataques com Predators?
E quanto à Rússia, país cujo presidente avisou que ia posicionar foguetes contra aliados americanos antes de enviar os parabéns a Obama? O oba-oba pós-Guerra Fria e a irresponsabilidade expansionista da Otan sob Bush levaram a um episódio didático, a colocação da Geórgia de joelhos. A Europa agora volta às mesas de negociação. E os EUA? Levarão a cabo a orientalização das fronteiras da Otan, ameaçando com uma escalada apocalíptica? Ou acomodarão o urso do leste com conversa? Ou com a ameaça da desintegração dos mercados?
São apenas dois exemplos. A lista é longa, Iraque como aperitivo, sendo toda dominada pelo desafio econômico. Obama tem o chamado cacife político para apresentar suas respostas. Será do atrito entre sua vontade e as limitações do gesso da Presidência que elas sairão, e de sua natureza será possível dizer se a era Bush acabou mesmo -ou se apenas se adaptou aos tempos.