Tuesday, October 23, 2012

VEJA Edição 2292 • 24 de outubro de 2012



Veja
Edição 2292CHINA SOB SUSPENSE


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A excepcionalidade Européia (Veja)
A indústria da extorsão (Veja)
A volta do show das baleias (Veja)
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O termômetro da democracia (Veja)
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CLAUDIO HUMBERTO


“A República não suporta mais tanto desvio de conduta”

Ministro Marco Aurélio (STF), em voto brilhante no julgamento do mensalão


MRE FOI CONTRA VENEZUELA NO MERCOSUL ‘PELA JANELA’
O Ministério das Relações Exteriores (MRE) se posicionou contra o ingresso da Venezuela no Mercosul pela “janela”, aproveitando-se da conveniente suspensão do Paraguai do bloco de nações do Cone Sul. O Paraguai era o único país cujo Legislativo se recusava a aderir ao referendo dos países membros, que precisa ser unânime para ingresso no bloco. A posição do Itamaraty era mantida em segredo até agora.

OPOSIÇÃO IGNORADA
A posição contrária à Venezuela no Mercosul irritou Dilma e quase custou o cargo do chanceler Antonio Patriota, mas foi ignorada.

MANDO EU
Para impor submissão ao Itamaraty, Dilma obrigou Patriota a integra a comissão inútil que tentou impedir a destituição de Fernando Lugo.

APENAS UM PRETEXTO
A demissão do ex-presidente Lugo, ex-bispo acusado até de pedofilia, aliado de Lula e Chávez, pretextou a suspensão do Paraguai do bloco.

A SOLUÇÃO FINAL
Segundo diplomatas, a suspensão do Paraguai foi articulada por Lula, a pedido do amigo Hugo Chávez, para enfiar a Venezuela no Mercosul.

GOLPE DA ARGENTINA PREJUDICA AÉREAS GOL E TAM
Tratada a pão de ló pelo Brasil, a Argentina é o país que mais se locupleta de financiamentos do BNDES (US$ 3 bilhões), mas vive criando barreiras às exportações brasileiras. Agora, para beneficiar a deficitária estatal Aerolineas Argentinas, a presidenta Crisina Kirchner vai proibir a Gol e a TAM de operar no Aeroparque, aeroporto próximo ao Centro de Buenos Aires. Ambas serão transferidas para Ezeiza. 

FIM DO MUNDO
Despachadas para o aeroporto de Ezeiza, a mais de 40km do Centro de Buenos Aires, Gol e TAM perderão competitividade e clientela.

ÓDIO AO BRASIL
Gol e TAM merecem sofrer, mas não os passageiros. O banimento ordenado por Cristina Kirchner tem um pano de fundo: são brasileiras.

GUERRA CEARENSE
Lula chega hoje a Fortaleza em clima de guerra. Petistas são acusados de agredir militantes do PSB, incluindo a ex-senadora Patrícia Saboya. 

PALOCCI NA HYUNDAI
O grupo Caoa tem um sonho: fazer do ex-ministro Antônio Palocci presidente da Hyundai no Brasil. Sua missão: livrar a empresa de uma dívida bilionária em impostos adquirida com a Kia Motors.

LULA FORA
Não há previsão de Lula ir a Pelotas (RS) ajudar Fernando Marrone (PT), que outra vez tenta ganhar a prefeitura. Há oito anos, sem saber que estava sendo gravado, Lula propôs criar um “polo de exportação de veados” em Pelotas. O PT nunca mais se recuperou na cidade.

PIRATARIA PETISTA
O presidente do PT, Rui Falcão, detonou o jornalista Luiz Lanzeta por sua proximidade com Amaury Ribeiro Jr., autor do Privataria Tucana, provocando seu afastamento da campanha de Dilma, em 2010. Agora, Falcão usa o livro na campanha do PT contra o PSDB de São Paulo.

BOLSA-EMERGÊNCIA
Criado pelo Ministério da Integração, o Cartão de Pagamento de Defesa Civil repassou R$ 272,4 milhões para aquisição de itens de emergência. O Estado do Amazonas foi o que mais recebeu: R$ 64 milhões.

ESTELIONATO CONSENTIDO
A  Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) permite que as empresas entreguem apenas 10% da velocidade de conexão à internet que vendem. Ou seja, que elas vendam o que não têm. Em novembro, passará a 20%.

AGORA VAI
Pelo menos na internet os poderes são independentes: o Interlegis, programa de modernização do Legislativo, unificou os domínios do Senado, Câmara e Tribunal de Contas: todos terão a extensão “leg.br”. 

FIDEL MUY VIVO...
O ditador aposentado de Cuba, Fidel Castro, desmentiu que batia as botas “reaparecendo” com fotos num hotel em Havana, sábado (21). 
E disse à imprensa oficial que “nem dor de cabeça” ele tinha. 

...PERO NO MUCHO
Fidel deve ter tido dor de cabeça no domingo (21): o jornal estatal Granma mostrou um representante votando por ele nas eleições municipais, permitido “quando o eleitor não pode ir pessoalmente”. 

DETEFON
O ministro Dias Toffoli inaugurou ontem o voto fulminante no Supremo Tribunal Federal: em um minuto, a quadrilha sumiu. 

PODER SEM PUDOR

TORCEDOR SOFREDOR

A linha dura não gostava de votos, nem de políticos, mas teve sempre uma bancada fiel no Congresso. O deputado Jorge Arbage (PA) era um entusiasta do jeito tanque de guerra de ser do ex-ministro do Exército Sylvio Frota, por isso ficou abatido quando Ernesto Geisel o demitiu em 1977, após tortura e assassinato de opositores no Doi-Codi. Arbage ainda estava abatido quando cruzou com o então jovem deputado paranaense Álvaro Dias. A uma provocação, desabafou:
- Isto é como futebol. Perder um jogo não significa perder o campeonato.
Arbage sofreu o pior que pode acontecer a um torcedor: viu o seu time perder o jogo e também o campeonato.

Jogo em aberto - JOSÉ PAULO KUPFER


O Estado de S.Paulo - 23/10


A esta altura do calendário, as bolas de cristal dos analistas de conjuntura já estão voltadas para 2013. Uma panorâmica nos aparelhos de previsão já acionados para o futuro próximo, contudo, ainda não fornece uma visão clara do que se pode esperar do ano que vem. Dúvidas sobre a extensão do período de manutenção dos juros básicos e da trajetória do câmbio jogam algumas nuvens de fumaça nos horizontes de projeção. Mas o fator que torna mais espesso o nevoeiro é outro: a taxa de investimento.

Em relação ao ritmo de crescimento econômico, observa-se, no momento, uma convergência na direção de uma expansão de 4% na economia sobre 2012. Contudo, depois do fiasco das previsões de fins de 2011 para este ano, é melhor um pouco mais de cautela. Quando 2012 começou, a mediana das projeções era de um crescimento de 4,5% no ano civil. A evolução de apenas 1,5%, praticamente já consolidada, mostra que o chute passou longe do gol. Até que ponto é possível garantir que um desvio do mesmo calibre não volte a ocorrer em 2013?

A dinâmica da evolução do investimento, chave do enigma do crescimento de 2013, não está facilitando a vida dos analistas. Variadas indefinições tornam o exercício de previsão cheio de armadilhas. Para começar, a disposição declarada do governo em estimular o aumento da capacidade de produção e de remover gargalos a esse aumento, peça importante da equação, nem sempre tem resultado em ações eficazes.

Antes de tudo, as perspectivas da economia global não são animadoras. Mais de cinco anos depois da sua eclosão, a crise global entrou numa nova etapa, mas ainda sem vislumbre de superação sustentada. Na zona do euro, a situação agora é caracterizada pela redução dos riscos de ruptura e pela perspectiva de prolongado período de baixo crescimento. Nos Estados Unidos, a concentração dos esforços na política monetária tem evitado o aprofundamento das baixas, sem conseguir, porém, indicar uma retomada mais rápida. E a China, o baluarte econômico que amenizou as perdas nas etapas anteriores da crise, entrou em zona de incertezas.

Em circunstâncias como as atuais, é difícil negar que cabe ao governo um papel ativo na criação de condições de incentivo ao investimento. Ocorre que o governo da presidente Dilma Rousseff demorou a fazer o diagnóstico da situação e, quando o fez, passou a atuar com excessivo ativismo, abrindo um leque talvez exagerado de frentes. São muitos, de fato, os marcos regulatórios em debate ou em fase de reformulação. Isso cria, antes que o ambiente regulatório se ajuste e as decisões de investimento encontrem terreno mais firme para deslanchar, incertezas inibidoras da implantação ou ampliação dos negócios.

É certo que também existem fatores que atuam como elementos de incentivo ao investimento. Desse lado da questão, ganham destaque a redução dos juros e os avanços recentes nos sistemas de financiamento de prazo mais longo, bem como uma gama de desonerações tributárias. Se a falta de perspectivas para a expansão da economia é uma trava essencial aos investimentos, a ausência de linhas de financiamento adequadas é certamente elemento crítico capaz de abortar um eventual ímpeto investidor.

No balanço dos pontos favoráveis e desfavoráveis ao ambiente dos investimentos, há ainda itens específicos a serem considerados. Sem falar na Petrobrás, que responde sozinha por cerca de 10% do total dos investimentos e, em fase de rearrumação, reduziu o ritmo de inversões, mas sem dúvida voltará a investir, assim como voltará a investir o setor de construção civil ainda afogado em estoques.

Um bom exemplo é o dos caminhões. Classificado como fabricante de bens de capital e responsável por 5% do total dos investimentos brasileiros, o setor viveu, em 2012, um período de adaptação à produção de motores mais eficientes e menos poluentes, que elevou os preços e travou as vendas. Estímulos especiais, em vigor pelo menos até o fim do ano, podem, no entanto, levar a uma rápida e intensa recuperação setorial.

Quem, em resumo, está olhando mais para os entraves, que levaram a taxa de investimento a recuar em 2012, do que para as possibilidades de deslanche dos investimentos, tende a projetar, desde já, crescimento de 3% ou até menos, abaixo dos 4% medianos, para a economia em 2013. Mas há também os que, acreditando mais na disseminação de projetos já na ponta da agulha, não se surpreenderão com evolução nas vizinhanças de 5% para o PIB no ano que vem, acima mesmo das projeções oficiais. O jogo de 2013 ainda está em aberto.

O levantador de 'postes' - EDITORIAL O ESTADÃO



O Estado de S.Paulo - 23/10


A modéstia, como se sabe, nunca foi o forte de Lula - vide o "nunca antes na história deste país". Nem tampouco a ironia. O verbo solto do ex-presidente sempre esteve mais para o soco inglês do que para a lâmina, o que vinha a calhar, aliás, para a "quase lógica" dos argumentos que desferia. Nem por isso ele deixou de ter uma sintonia fina com a massa da população, já não bastasse ela se identificar com a sua figura e trajetória. Mas no último fim de semana, em um raro achado, conseguiu combinar a soberba de costume com uma frase de efeito de insuspeitada qualidade.

Falando em um comício do candidato petista Márcio Pochmann à prefeitura de Campinas, Lula soube tirar proveito de seu êxito de escolher autocraticamente uma neófita em eleições para suceder-lhe no Planalto. A seu lado, gabou-se também de ter imposto aos companheiros da cidade um nome sem nenhuma experiência eleitoral e escassa expressão política, o professor de economia cuja única marca digna de registro na vida pública, ao dirigir o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), foi a de atrelar as atividades do órgão aos interesses do governo - algo jamais visto na sua respeitada história, nem mesmo durante a ditadura militar.

Como que abençoado por um lampejo, Lula equiparou o candidato à presidente Dilma Rousseff, desdenhada como o "poste" que o seu patrono levava para cima e para baixo na disputa de 2010, para emendar: "Mas é de poste em poste que o Brasil vai ficar iluminado". Se a mágica funcionou com Dilma e pode funcionar em São Paulo com outro novato em urnas, o ex-ministro da Educação Fernando Haddad - que assumiu a liderança nas pesquisas depois de perder para o tucano José Serra no primeiro turno -, em Campinas o quadro é de total incerteza.

O vencedor da rodada inicial, Jonas Donizette, do PSB, com quase 20 pontos à frente de Pochmann, continua sendo o preferido da maioria do eleitorado, embora a sua vantagem, em votos válidos, tenha se estreitado para 6 pontos (45% a 39%). De toda forma, Lula parece tão seguro de seus poderes que dá a impressão de considerar página virada o ciclo eleitoral paulista e se prepara para o próximo. (Na área metropolitana da capital, o PT venceu em Osasco e São Bernardo do Campo, é favorito em Guarulhos e Santo André, mas tende a perder em Diadema.)

Segundo noticiou ontem este jornal, o ex-presidente estaria apenas esperando o momento oportuno para tornar público o seu patrocínio a outro jejuno em competições pelo voto popular, desta vez à eleição de 2014 para o governo do Estado. Trata-se do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, um paulistano de 42 anos, médico infectologista e apparatchik precoce do PT. Nos 15 meses finais da era Lula, chefiou a Secretaria de Relações Institucionais, a pasta política do Planalto. Tem, portanto, mais familiaridade com o ramo do que o seu ex-colega Fernando Haddad.

Em contrapartida terá, dentro do partido, pelo menos dois rivais em vez de um. Além da senadora Marta Suplicy, que se julgava candidata natural à Prefeitura da capital - e que só deu o ar de sua graça na campanha de Haddad depois de ganhar o Ministério da Cultura, no mês passado -, o atual titular da Educação, Aloizio Mercadante, também ambiciona o Palácio dos Bandeirantes. Na primeira tentativa, em 2010, perdeu para o tucano Geraldo Alckmin. Padilha é menos forte do que Marta e Mercadante, nesta ordem, no PT paulista. Aliás, por razões circunstanciais, logo depois de formado transferiu o seu domicílio eleitoral para Santarém, no Pará, onde vota até hoje.

A questão, evidentemente, é a da longevidade de Lula como levantador de "postes" e fazedor de vitoriosos. Ele carrega das atuais eleições o fracasso estrondoso no Recife, onde coagiu o PT a apoiar a candidatura Humberto Costa. Depois de 12 anos de hegemonia petista na cidade, o ex-ministro da Saúde acabou em terceiro lugar com acabrunhantes 17% dos votos. Também em Belo Horizonte o seu candidato "beijou a lona", perdendo para o do PSB apoiado pelo tucano Aécio Neves. Mas o teste dos testes, naturalmente, se dará em São Paulo. Lula está convencido de que as coisas vão sair como quer - nem espera o lance do eleitorado para iniciar um novo jogo.

Anarquia partidária - ALMIR PAZZIANOTTO PINTO


O ESTADÃO - 23/10


O período eleitoral que atravessamos - antevéspera do que encontraremos em 2014 - exibe cenário anárquico resultante da fragmentação de grandes partidos políticos e da proliferação de pequenos.

Getúlio Vargas reinou 15 anos, entre 1930 e 1945, sem Congresso, sem oposição, sem partidos. Ao pressentir o fim da ditadura, concebeu a ideia da fundação do Partido Social Democrático (PSD) e do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), gerados, dialeticamente, para serem aparentemente antagônicos; o primeiro, como representante das elites conservadoras; o segundo, como porta-voz do nascente operariado. Vargas teria imaginado conservar-se no poder por meio de um deles, ou da aliança entre ambos - como de fato ocorreu com a eleição do seu ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, para o período 1946-1950 -, e o regresso ao Palácio do Catete, como presidente eleito diretamente pelo povo, em 1951.

Entre a queda da ditadura em 1945 e o movimento militar de 1964, o País conheceu diversos partidos. Além do PSD e do PTB, havia a União Democrática Nacional (UDN), fundada em 6 de abril de 1945 sob a liderança do brigadeiro Eduardo Gomes, com o objetivo de organizar ampla frente em torno do restabelecimento das liberdades democráticas, combater o crescente intervencionismo estatal na economia e impedir a volta de Vargas.

Em plano secundário, outros menores foram fundados, como o Partido Republicano, o Partido Libertador, o Partido Social Progressista, Partido Democrata Cristão. Nenhum, entretanto, chegou a adquirir expressão nacional. O Partido Comunista Brasileiro, após 18 anos de vida clandestina, voltou à legalidade em novembro de 1945, mas teve as atividades encerradas em maio de 1947 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral, acusado de ser "insuflador da luta de classes, antidemocrático, ligado à União Soviética, a quem apoiaria em caso de guerra com o Brasil".

O Ato Institucional n.º 2, de 27 de outubro de 1965, baixado pelo presidente Castelo Branco, decretou a extinção dos partidos e o cancelamento dos respectivos registros. Em agonia desde o movimento de 31 de março, PSD, UDN, PTB e demais agremiações desapareceram, abrindo vácuo que seria ocupado com a fundação da Aliança Renovadora Nacional (Arena) e do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), únicos possíveis naquelas circunstâncias, em razão de rígidas imposições fixadas pelo Ato Complementar n.º 4.

O restabelecimento da liberdade de organização partidária deu-se ainda no regime militar, com a aprovação da Lei n.º 6.767, de 20 de dezembro de 1979. Desapareceram Arena e MDB, dando lugar, respectivamente, ao Partido Democrático Social (PDS) e ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Desde então o País acompanha a multiplicação de legendas, hoje em número de 30, a última correspondente ao Partido Ecológico Nacional, registrado pelo Superior Tribunal Eleitoral em junho do ano em curso, logo depois do Partido Pátria Livre e do Partido Social Democrático. Do acentuado número de partidos decorre elevadíssima quantidade de candidatos, na maioria interessados na colocação do nome dentro do horário eleitoral obrigatório, com vagas esperanças de, quem sabe, improvável vitória. Em São Paulo foram 12 postulantes à Prefeitura e 1.159 à Câmara Municipal.

Caracteriza-se o quadro partidário pela total ausência de conteúdo ideológico. Todos os partidos se assemelham na falta de identidade própria. PMDB, PTB e PDT tiveram registro deferido em 1981 e o DEM, em 1986. O PT, em 1979. É muito pouco tempo para acumulação de capital histórico e sedimentação de tradições, sobretudo quando levamos em conta a idade dos partidos ingleses, americanos, franceses, italianos, espanhóis. Temos seis partidos trabalhistas, quatro socialistas, três republicanos (um deles progressista), dois comunistas, dois dos trabalhadores, um humanista e solidário, um verde, outro ecológico e o Partido Social Democrático, assumidamente sem posição à direita, à esquerda ou ao centro, criado para ser o estuário onde desaguariam descontentes de várias agremiações, em busca da luz do Sol.

Mesmo quem domina os meandros da vida partidária não deixa de se surpreender com a facilidade com que derrotados celebram alianças com vitoriosos, para deixar claro que todos se põem de acordo quando se trata de auferir benefícios no centro ou na periferia do poder.

Desde 1965, além da Constituição de 1988, tivemos pelo menos meia dúzia de leis relativas às eleições e aos partidos. Até hoje, porém, não conseguimos alcançar o ponto de equilíbrio entre o exercício da liberdade de organização partidária e exigências de entidades políticas idôneas, aptas a funcionar como correias de transmissão entre o povo e os Poderes Executivo e Legislativo. Não temos, na verdade, partidos caracterizados pela fidelidade da cúpula e dos filiados a programas e ideias. O que prevalece, por todo o território nacional, são comitês volúveis e transitórios, vivos nos períodos eleitorais para, em seguida, voltarem a adormecer em torno de pessoas.

Segundo Ortega y Gasset, notável filósofo espanhol autor de Rebelião das Massas, o sucesso do regime democrático depende substancialmente do processo eleitoral. Não há democracia que não tenha como suporte partidos comprometidos com ideias e programas, independentes do Estado, eleitorado livre e Justiça soberana, pronta para repelir manobras autoritárias e condenar a corrupção.

O brasileiro tem dado demonstrações de amor à democracia e desejo de ter como governantes nomes capazes e impolutos. Nem sempre acerta, mas quando erra o faz por ser vítima de quadro partidário artificial, dominado por pequenos grupos cujo único interesse é se manterem no poder, esquecidos das verdadeiras necessidades do homem do povo.

A vitória do partido do 'mesmo' - ARNALDO JABOR


O Estado de S.Paulo - 23/10



A história de minha vida política sempre oscilou entre dois sentimentos: esperança e desilusão. Cresci ouvindo duas teses divergentes: ou o Brasil era o país do futuro ou era uma zorra sem nome, um urubu caindo no abismo. Nessa encruzilhada, eu cresci. Além disso, dentro dessa dúvida havia outra: UDN ou PTB? Reacionários da "elite" ou o "povo"? Brigadeiro Eduardo Gomes ou Getúlio, "finesse" ou "sujeira"? Comecei a me interessar por política quando votei em Jânio. Confesso. Eu tinha 18 anos e não consegui me interessar por Lott, aquele general com cara de burro, pescoço duro. Jânio me fascinava com sua figura dramática, era uma caricatura vesga, cheia de caspa e dava a impressão de que ele, sim, era de esquerda, doidão, "off". Meses depois, estou no estribo de um bonde quando ouço: "Jânio tomou um porre e renunciou!" Foi minha primeira desilusão. Eleito esmagadoramente, largou o governo como se sai de um botequim. Ali, no estribo do bonde ‘Praia Vermelha’, eu entendi que havia uma grossa loucura brasileira rolando por baixo da política, mais forte que slogans e programas racionais. Percebi que existia uma ‘sub-história’ que nos dirigia para além das viradas políticas. Uma vocação, uma anomalia secular que faz as coisas ‘desacontecerem’, que criou ‘um país sob anestesia, mas sem cirurgia’, como diagnosticou Mário Henrique Simonsen.

Já na UNE, eu participei febrilmente da luta pela posse do vice João Goulart, que a direita queria impedir. O Exército do Sul, com Brizola à frente, garantiu a posse de Jango e botei na cabeça que, com militares ‘legalistas’ e heróis de esquerda, finalmente o Brasil ia ascender a seu grande futuro.

Nos dois anos seguintes, vivi a esperança de um paraíso vermelho que ia tomar o País todo, numa réplica da rumba socialista de Cuba, a revolução alegre e tropical que ia acabar com a miséria e instalar a cultura popular, a grande arte, a beleza, sem entraves, com o presidente Jango e sua linda mulher fundando a ‘Roma tropical’, como berrava Darcy Ribeiro em sua utopia. Um velho mundo ia cair sem resistência. Não haveria golpes, pois o ‘Exército é de classe média e portanto a favor do País’ – nos ensinava o PCB. Dá arrepios lembrar da assustadora ingenuidade política da hora. No dia 31 de março de 64, estou na UNE comemorando a 'vitória de tudo'.

Havia um show com Grande Otelo, Elza Soares, celebrando a ‘vitória do socialismo’. Um amigo me abraçou, gritando: "Vencemos o imperialismo norte-americano; agora, só falta a burguesia nacional!" Horas depois, a UNE pegava fogo e eu pulava pelos fundos sob os tiros das brigadas juvenis de direita. No dia seguinte, diante de mim, materializou-se a figura absurda de Castelo Branco, como um ET verde-oliva. Acho que virei adulto naquela manhã, com a UNE em fogo, com os tanques tomando as ruas. Eu acordara de um sonho para um pesadelo.

No entanto, os tristes dias militares de Castelo ainda tinham um gosto democrático mínimo, que até serviu para virilizar nossa luta política. Agora, o inimigo tinha rosto e uniforme e contra ele se organizou uma resistência cultural rica e fértil, que se refinou pelo trauma e que perdeu o esquematismo ingênuo pré-64. As ideias e as artes se engrandeceram na maldição. Nossa impotência estimulou uma nova esperança. A partir daí, as passeatas foram enchendo as ruas, num movimento democrático que acreditava que os militares cederiam à pressão das multidões. Era ilusão.

Ventava muito em Ipanema, dezembro de 68, enquanto o ministro Gama e Silva lia o texto do Ato Institucional 5 na TV, virando o País num sinistro campo de concentração. Com uma canetada, o Costa e Silva, com sua cara de burro, instado pela louca ‘lady MacBrega Yolanda’, fechou o País por mais 15 anos. Esperança. Desilusão. Vieram os batalhões suicidas das guerrilhas urbanas. Nos anos do milagre brasileiro, os jovens românticos ou foram massacrados à bala ou caíram no desespero da contracultura mística, enquanto os mais caretas enchiam o rabo de dinheiro nos ‘milagres’ de São Paulo.

O bode durou 15 anos e a democracia virou uma obsessão. "Quando vier a liberdade, tudo estará bem!", dizíamos. Só pensávamos na democracia e ninguém reparou que ela foi voltando menos pelos comícios das Diretas e mais pelas duas crises do petróleo que criaram a recessão mundial, acabando com a grana que sustentava os militares no poder. Os milicos e a banca internacional nos devolveram a liberdade na hora de pagar a conta da dívida externa. Os militares queriam se livrar da batata quente da falência do Estado e entregaram-no aos paisanos eufóricos com a vitória de Tancredo. Nova esperança! Aí, veio um micróbio voando, entrou no intestino do Tancredo e mudou nossa história. E começou a grande desilusão. Com a volta da democracia, no período Sarney, tudo piora. Nossos velhos vícios reapareceram. Apavorado, vi que a democracia só existia de boca, não estava entranhada nas instituições que passaram a ser pilhadas pelos famintos corruptos e políticos que tomaram o poder – todos ‘nobres’ vítimas da ditadura. Daí para frente, só desilusão e dor: inflação a 80% ao mês (lembram?), o messianismo de Collor, montado no cavalo louco da República, vergonha e horror. Depois, nova esperança com o impeachment; depois, mais esperança com o Plano Real, vitória da razão reformista com FHC, logo depois do Brasil no tetra, céu azul, esperança sem inflação. Nunca acreditei tanto na vida.

Mas, hoje, estou aqui, com medo e com tristes pressentimentos. Dilma pode ser uma nova esperança, se criar uma ponte entre a teimosia regressista e uma modernização mais liberal. O problema é que, para além das ideologias, existe no Brasil a maldição do Mesmo, uma grande empada de detritos que clama pelo atraso. O maior inimigo do Brasil é a aliança entre uma ideologia 'de esquerda' e a oligarquia 'de direita' – como é hoje. Nem UDN nem PTB. Ganha sempre o Partido do Mesmo.

O juro subiu no telhado - VINICIUS TORRES FREIRE


FOLHA DE SP - 23/10


Taxas caíram após campanha do governo, mas vão ficar estacionadas num patamar ainda aberrante 


OS JUROS NÃO caem mais, avisou o Banco Central na semana passada. Quer dizer, não caem mais no futuro próximo, até 2013, pelo menos, afora problema sério novo: lerdeza contínua na economia do Brasil, desastre na Europa, nos EUA, na China.

Até aqui chegamos: juros básicos a 7,25%, juro real a menos de 2%. Taxa média para pessoa física em 35,6%. Taxa média geral, 30,1%. Taxa média para financiar um carro em 25%. As taxas são anuais e os dados referem-se a agosto.

Até aqui chegamos depois de o Banco Central ter talhado o juro básico por mais de um ano, mesmo com perspectiva de inflação em alta e acima da meta.

Mesmo com as broncas de Dilma Rousseff. Mesmo com os bancos estatais emprestando a juro mais baixo, dando cotoveladas na concorrência privada, por ordem do governo. Mesmo com empresas grandes pegando dinheiro baratinho lá fora.

Enfim, para resumir: com juro real "básico" (aquele "decidido" pelo BC) a menos de 2%, o juro real médio para o consumidor ficou ainda nuns 30% (juro real: descontada a inflação). Para comprar um carro, taxa média real de uns 20%.

Os americanos pagam entre 4% e 5% ao ano para financiar um carro. Pagam uns 14% para rolar dívida no cartão de crédito (no Brasil, pelo menos uns 150%). Na média, o consumidor morre em juros de uns 7%, 8% ao ano.

Mesmo descontado o peso da aberração dos juros de cartão e cheque especial, ficou evidente, se já não estava, que no grito a taxa cai um pouco, mas continua aberrante.

Qual o problema? Os de sempre. A poupança no país é pequena ("falta dinheiro" para emprestar). A margem de lucro dos bancos é alta, embora cadente. A informação sobre o histórico de crédito dos clientes de bancos é ruim. Há impostos demais sobre a intermediação financeira ("empréstimos"). Há dificuldade ou incerteza sobre a recuperação dos empréstimos concedidos. Etc.

Note-se ainda que, apesar da campanha do governo, as taxas de juros para o consumidor caíram porque o custo básico do dinheiro caiu (pois a taxa básica de juros caiu).

O "spread", a diferença entre o que o dinheiro custa para os bancos e o que eles cobram para emprestar, caiu pouco. Mesmo assim, caiu porque os bancos estatais derrubaram as taxas e estão emprestando uns dois terços do dinheiro novo que chegou à praça desde o início da campanha dilmiana contra juros altos.

Do fim de 2010 até agosto passado, a taxa média de juros para pessoas físicas (nós, consumidores) caiu cinco pontos percentuais. O custo de captação dos bancos, porém, caiu quase isso, 4,2 pontos. Nesse período, o "spread" caiu de 23,5% para 22,5%.

Sim, taxa de juro real "básica" a 2% faz diferença. Tende a mudar, para melhor, a estrutura do mercado financeiro. Reduz o custo da dívida do governo. Mas a finança do país ainda é toda torta.

Não adianta só bater nos bancos. O problema é mais enrolado e não será resolvido sem um programa bem-feitinho, de médio, longo prazo. "Reformas", como mercadistas dizem, nem sempre sem razão. Isso não quer dizer que inexistam políticas ditas "alternativas" ou complementares ou provisórias para lidar com os problemas. Mas não dá para fingir que o custo de fazer negócios no país não seja um deles.

Limites do crescimento - EDITORIAL FOLHA DE SP


Folha de S. Paulo - 23/10



O governo da presidente Dilma Rousseff parece obcecado com o crescimento robusto da economia -a ponto de já suscitar receios quanto a um recrudescimento da inflação. Entre os planos e sua consecução, no entanto, se interpõem as condições objetivas e as consequências não pretendidas.

O bom governante consegue antever obstáculos e contorná-los sem afastar-se da meta fixada. Dessa perspectiva, os quase dois anos de Dilma no Planalto deixam algo a desejar, dedicados como foram às medidas pontuais.

Como assinalou o economista Samuel Pessôa em sua coluna de domingo nesta Folha, o crescimento brasileiro não pode nem ser considerado medíocre (no sentido de mediano) ante um panorama composto por 11 países da América Latina. Só o Paraguai terá ido pior que o Brasil, ao crescer 1,4% na média do biênio 2011-2012 (considerada a previsão do FMI para este ano).

O desempenho brasileiro no período deverá ficar em 2,1%. Estima-se que o Peru avançará 6,5%, o Equador, 5,9%, e o México, 3,9% -colado na média geral, de 3,8%.

São apenas dois anos, por certo, com base nos quais não se podem extrair muitas conclusões sobre todo o governo Dilma. O ano de 2013 terá crescimento melhor que o 1,5% projetado para 2012, mas será uma grande surpresa se se aproximar daqueles 3,8%.

Nos oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o país cresceu 2,3% na média, ligeiramente acima dos 2,2% da América Latina. Os dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficaram um pouco abaixo da média, 4% contra 4,1%.

Mesmo que a economia reaja até 2014, faltam a Dilma as condições internacionais favoráveis que turbinaram o período Lula (em que pese a crise de 2008-2009), como o impulso do dragão chinês, para repetir os índices do antecessor.

O que mais inquieta, como indica Pessôa, é a possibilidade de que as políticas distributivas iniciadas por Lula e continuadas por Dilma -fonte da popularidade de ambos- estejam a aproximar-se de seus limites econômicos. Um crescimento indigente impedirá que a desigualdade siga caindo, e o consumo, aumentando.

O Brasil todo, e não só o PT, terá então de enfrentar o encontro doloroso com aquilo que se acostumou a adiar: os entraves estruturais que impedem o país de crescer com todo seu potencial. Educação deficiente, excesso de burocracia, carga tributária elevada e complexa, infraestrutura aos pedaços -nada que se consiga resolver com desonerações setoriais, medidas protecionistas e mais intervenção estatal, como se viu até agora.

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