Saturday, July 10, 2010

CLOVIS ROSSI Brasil o lider impotente


FOLHA DE S.PAULO



País foi incapaz de resolver um só problema na sua região. Agora, perde o bonde no caso de Cuba


Louvado por toda a parte como potência emergente, como participante ativo em todos os grandes temas que ocupam a agenda do planeta, o Brasil não consegue, paradoxalmente, acertar uma, uma que seja, no subcontinente, a América Latina, que seria o seu quintal natural, sem qualquer conotação pejorativa.
Não serviu para arbitrar o conflito entre Argentina e Uruguai, na crise das "papeleras", a fábrica de celulose na divisa entre os dois vizinhos, crise que virtualmente paralisou o Mercosul. Não serviu para pacificar Hugo Chávez e Álvaro Uribe.
Não serviu para resolver o conflito hondurenho.
Gritou e rangeu os dentes, mas não conseguiu evitar a cessão aos EUA de bases na Colômbia.
Agora, está perdendo o bonde da história no caso de Cuba, se é que a história ainda anda de bonde.
A ilha mora na memória sentimental da esquerda brasileira e latino-americana, inclusive de integrantes do atual governo brasileiro que deixou desde o nascedouro de ser de esquerda.
Não obstante, cabe a outros agentes atuar na hora em que Cuba vive a sua mais grave crise desde que o colapso da União Soviética privou-a do padrinho e financiador generoso.
O presidente Raúl Castro teve a coragem de admitir os problemas, a ponto de prometer reformas.
É verdade que "reformas" é uma muleta retórica a que recorrem todos os governantes na hora da dificuldade, mesmo quando não especificam de que reformas se trata.
Ainda assim, o regime cubano até faz pouco achava-se imune a elas, pela perfeição do socialismo que implantara.
Para fazer reformas que de fato melhorem as condições de vida na ilha, era preciso, no entanto, livrar-se do problema dos presos políticos, sem o que não haveria hipótese de cooperação da União Europeia, por exemplo.
O Brasil, grande amigo de Cuba, ajudou nesse processo? Nadica de nada.
O grande agente foi a Igreja Católica, que negocia saídas desde maio, até obter, na quarta-feira, o anúncio da libertação imediata de cinco presos e, em três ou quatro meses, de mais 47.
O cardeal Jaime Ortega, arcebispo de Havana, consultou até Washington, o arqui-inimigo de Havana.
Depois, envolveu-se a Espanha, que também consultou Washington.
Foi justamente durante a estada do chanceler espanhol Miguel Ángel Moratinos que se deu o anúncio da libertação de presos, em uma insólita concessão do regime a uma ação externa.
O próprio cardeal Ortega, segundo o "El País", constatou a peculiaridade: "Esperávamos libertações, mas foi um pouco interessante e quiçá surpreendente que se fizessem públicas estando aqui o chanceler Moratinos".
Omisso nesse capítulo, o Brasil ainda pode ter um papel.
Em outubro passado, o presidente Barack Obama comentou com o presidente do governo espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, que não podia dar novos passos, na aproximação com Cuba, "se eles [os cubanos] não os dessem também".
Vai ser difícil achar, fora Lula, outro interlocutor, tanto de Obama como de Raúl Castro, capaz de levar essa mensagem a Havana.
Só é preciso ter a coragem da franqueza, dever dos amigos, aliás.



Diogo Mainardi. Robben, a ilha e o jogador


10/07/2010

 Veja


"Se, depois de sair da Ilha Robben, Nelson Mandela derrotou o fanatismo racista, Robben, com seus dribles, deu um passo adiante, ridicularizando o fanatismo politicamente correto e a propaganda multirracial"

A ilha Robben. Nelson Mandela passou duas décadas preso na Ilha Robben. O regime do apartheid tinha ali sua mais temida cadeia. E quem foi o mais temido protagonista da Copa do Mundo na terra de Nelson Mandela? Isto mesmo: Robben, o camisa 11 do time da Holanda, o ponta-direita repetidamente chutado por Michel Bastos e pisoteado por Felipe Melo.

Robben é branco. Van Bommel é branco. Sneijder é branco. Iniesta é branco. Casillas é branco. Villa é branco. De acordo com a Lei de Registro Populacional, promulgada pelo regime do apartheid, os finalistas da Copa do Mundo, Holanda e Espanha, foram escalados da seguinte maneira:

Holanda (4-2-1-3) – Branco; coloured, branco, branco e branco; coloured e branco; branco; branco, branco e branco. Técnico: branco.

Espanha (4-4-2) – Branco; branco, branco, branco e branco; branco, branco, branco e branco; branco e branco. Técnico: branco.

A última final de Copa do Mundo com tantos jogadores brancos ocorreu quando Nelson Mandela ainda estava preso na Ilha Robben. Só o vestiário de um campo de críquete, nos tempos do regime racista, poderia igualar-se ao vestiário do estádio de Johannesburgo, na final desta Copa do Mundo.

Além de ser branco e de ter o nome de uma temida cadeia do regime do apartheid, Robben jogou com aquele seu uniforme laranja. O laranja, da casa real holandesa, era a cor dos colonos bôeres. Trata-se de mais um símbolo do passado segregacionista encarnado por Robben. A arquibancada do estádio de Johannesburgo, com todos os torcedores vestidos de laranja, evocava o Estado Livre de Orange.

Os holandeses chegaram à Cidade do Cabo em meados do século XVII, com a Companhia das Índias Orientais. Eles ocuparam o território, disseminaram a escravatura, massacraram os zulus, combateram os ingleses, apoiaram os nazistas e, finalmente, segregaram os negros durante o apartheid. Quase 400 anos antes da canhotinha de Robben, os holandeses já eram temidos protagonistas naquele lugar.

Da Ilha Robben a Robben, porém, tudo mudou. A memória do apartheid só permaneceu como instrumento de poder do partido de Nelson Mandela, o CNA. Em vez de ser usado, como no passado, para segregar os negros em guetos nefandos, atualmente ele é usado apenas para tentar acobertar as nefandezas cometidas pelos mandatários do CNA, como o presidente Jacob Zuma, um dos antigos prisioneiros da Ilha Robben.

Se, depois de sair da Ilha Robben, Nelson Mandela derrotou o fanatismo racista, Robben, com seus dribles, deu um passo adiante, ridicularizando o fanatismo politicamente correto e a propaganda multirracial. O temido protagonista do time da Holanda fundou, com sua canhotinha, o Estado Livre de Robben.

Por Diogo Mainardi


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