Wednesday, October 22, 2008

Israel estuda pacto de não-agressão com Líbano

Estadão on line

Governo libanês não comenta anúncio israelense; países nunca mantiveram relações diplomáticas e vivem em conflito desde 1978

Gustavo Chacra, BEIRUTE

O governo de Israel anunciou esta semana que estuda estabelecer um tratado de não-agressão com o Líbano. O acordo seria negociado com os libaneses paralelamente ao diálogo indireto que os israelenses mantêm com a Síria, segundo afirmou Eran Etzion, que dirige o departamento político do Ministério das Relações Exteriores de Israel.


O plano foi revelado um dia após o ministro da Defesa, Ehud Barak, ter afirmado que Israel deve considerar o plano de paz de países árabes liderados pela Arábia Saudita. A proposta árabe prevê a normalização das relações com Israel desde que os israelenses se retirem de todas as terras ocupadas - colinas do Golã, Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Fazendas de Shebaa.

No Líbano, a possibilidade de um acordo de não-agressão teve grande repercussão na imprensa, mas nenhum representante do governo comentou oficialmente o anúncio israelense. Os líderes libaneses costumam dizer que o Líbano tem de ser a última nação árabe a assinar qualquer acordo de paz com Israel, por causa da fragilidade do país.

Israel e Líbano nunca mantiveram relações diplomáticas. Em 1978, os israelenses enviaram tropas ao território libanês. Quatro anos mais tarde, em aliança com facções cristãs libanesas, ocuparam Beirute. Apesar de se retirarem da capital libanesa, forças de Israel continuaram no sul do país até 2000, sempre lutando contra o grupo xiita Hezbollah.

Em 2006, após o seqüestro de dois soldados e o lançamento de foguetes contra alvos israelenses realizados pelo Hezbollah, Israel iniciou uma ampla campanha militar no Líbano. A ação terminou um mês depois graças a um acordo de cessar-fogo e ao aumento do número de militares das forças de paz da ONU, a Unifil.

O Líbano acusa Israel de ainda ocupar partes do território libanês, como as Fazendas de Shebaa. Os israelenses argumentam que a área é território sírio - uma extensão das Colinas do Golan. Mas tanto a Síria como o Líbano dizem que as fazendas são libanesas. A ONU está fazendo um estudo para definir de quem é a região, mas confirmou em relatório apresentado ao Conselho de Segurança na semana passada que Israel ainda ocupa partes da cidade libanesa de Ghajar.

No mesmo documento, as Nações Unidas indicaram que Israel viola o espaço aéreo libanês e não houve avanços no desarmamento do Hezbollah, classificado como organização terrorista pelos EUA. O grupo, que nasceu nos anos 70 como forma de resistência à invasão de Israel, diz que usará armas até os israelenses desocuparem todo o território libanês.

PAULO RABELLO DE CASTRO O verdadeiro tamanho desta crise



A "desidratação financeira" das carteiras podres seria um programa de resgate mais econômico aos contribuintes

NINGUÉM DEVERIA acalentar expectativas fantasiosas sobre uma rápida superação do ciclo de dificuldades que estão diante de nós. Temos ainda muita onda alta pela frente até que a economia real dê sinais confiáveis de haver cruzado o cabo da Boa Esperança.
Demorou demais a cair a ficha para as autoridades econômicas americanas e européias. Agora, vai demorar mais ainda a encontrar-se o rumo da recuperação.
As razões da demora de agir começam a ficar aparentes. Bush gostaria de ter empurrado com a barriga até o final do seu mandato. Por isso fez aprovar pelo Congresso americano e enviou US$ 168 bilhões à caixinha de correio dos americanos entre abril e maio. Maquiou as vendas internas no segundo trimestre, mas sobreveio o desastre de vendas agora. Chega-se à triste constatação de que o dinheiro da devolução de impostos se evaporou. Por quê? Existe na praça, entre economistas de várias escolas de pensamento, uma presunção equivocada de que injeções substanciais de liquidez são suficientes para livrar qualquer economia, em qualquer situação, das garras de um ajustamento recessivo ou de uma contração econômica.
Em certas situações especiais, isso pode até ocorrer, como Greenspan conseguiu, na fase recessiva de 2001/2. Mas, agora, não mais. O motivo é simples. Todas as distorções possíveis de preços na economia, todo o abuso possível no uso de recursos escassos, todo o aquecimento admissível da demanda asiática e não-asiática que se poderia praticar no mundo já foi extensamente usado para produzir a enorme bolha de consumo que veio a beneficiar -felizmente, desta vez- os emergentes do planeta, "o resto do mundo", como se costuma dizer no jargão.
Estima-se que cerca de US$ 6 trilhões tenham sido transferidos e capturados dos cofres dos países da coluna do meio, em desenvolvimento, inclusive do Brasil, que conseguiu ficar com cerca de US$ 200 bilhões desse tesouro de papel. Quem o transferiu? Os gastadores do mundo, o povo americano à frente. Não dá mais para repetir esse milagre.
Essa será a dificuldade tremenda do próximo presidente dos Estados Unidos. Obama ou McCain, qualquer um terá de inventar fórmula diferente da que já foi usada, de injetar mais dólares falsos na circulação econômica.
Por sinal, o abuso desse instrumento tem sido recorde. Na história monetária dos Estados Unidos, nunca houve tamanho despejo de moeda em tão pouco tempo. E com tão pobres resultados. O Federal Reserve comprou carteiras micadas dos bancos no valor de centenas de bilhões literalmente para nada, pois nem sequer com isso conseguiu resgatar a espontânea liquidez interbancária. Os bancos continuarão sem poder emprestar mais, pois sua base de capital se viu inteiramente corroída. Mas pode ser pior. Os governos se tornaram sócios de carteiras podres que deveriam ter sido previamente submetidas a uma "desidratação financeira", mediante um encontro geral de posições credoras e devedoras. Esse seria um programa de resgate mais rápido e econômico para os contribuintes, mas não aconteceu por falta de patrocinadores da idéia.
O caminho das declarações vazias, como a última de Bernanke, nesta semana, propalando uma segunda rodada de papelório para os contribuintes, é o tipo de raciocínio circular e descabido que lhe poderá trazer surpresas ainda muito mais desagradáveis quando a opinião dominante perceber que o mundo precisa desfazer-se de tantos dólares.

RUY CASTRO Ou cede ou leva bala

RIO DE JANEIRO - Em Santo André (SP), na semana passada, Lindemberg Alves, 22 anos, não se conformou com que Eloá Cristina, 15, não quisesse reatar o namoro com ele. Invadiu armado o apartamento da garota e a tornou refém (a ela e a amiga Nayara, idem, 15) por inacreditáveis 100 horas, sob o cerco da polícia e o circo da mídia. Por fim, no quinto dia do seqüestro, numa cena confusa de invasão, ele matou Eloá com um tiro na cabeça, baleou Nayara e foi preso.
Em Sorocaba (SP), na noite do último domingo, outro jovem, Daniel de Souza, 22, invadiu a casa da ex-namorada, Camila Araújo, 16, e a matou, também com um tiro na cabeça por ela se recusar a voltar com ele. O casal tinha um filho de um ano e meio, em frente ao qual, parece, o crime foi cometido. Daniel está preso.
No Rio, mesmo dia, mesma hora, o motorista Roberto Costa Júnior, 28, discutiu por dinheiro com seu patrão, o empresário Arthur Sendas, 73, na porta dos fundos do apartamento deste. Por não ter sua reivindicação (seja qual for) atendida, sacou de uma pistola. Um tiro atingiu a cabeça de Arthur Sendas e o matou. Roberto fugiu, mas, no dia seguinte, se entregou.
É impressionante como, há tempos, no Brasil, os jovens não admitem ser contrariados. Quando querem alguma coisa, não enxergam o lado da outra parte e não lhe dão escolha: ou esta cede ou leva bala, quase sempre na cabeça, para não haver dúvida. Algo o país tem feito para disseminar tanto egoísmo e insensibilidade em seus filhos.
Impressiona também como qualquer pessoa parece ter sempre uma arma carregada à mão. Com isso, entre nós, uma vida humana passou a valer menos que um cartucho deflagrado. Num recente plebiscito, o Brasil votou contra a limitação do uso de armas pela população. Optou por viver sob o tiroteio.

CLÓVIS ROSSI O café e o Bope

MADRI - Volto a La Vaguada, o centro comercial do norte de Madri que fica pertinho de onde morávamos no tempo em que eu era correspondente desta Folha.
Não deveria. Mexe com uma das minhas frustrações nacionalisteiras. É que abriram lá uma das lojas da cadeia de cafeterias colombiana "Juan Valdez". Já era desagradável ver, mundo afora, a Starbuck's norte-americana, apesar de os Estados Unidos serem o país que prepara o mais "imbebível" dos cafés no mundo todo.
E o Brasil, nada? Tudo bem que a Colômbia também é grande produtora de café, mas será possível que não conseguimos pôr de pé algo que permita ao Brasil explorar mais valor agregado do que a mera exportação do grão ou, no máximo, do solúvel?
Aliás, nem isso, ao menos na loja da Starbuck's que fica em frente à fonte de Netuno, no centro de Madri. Lá estão expostos cafés da Guatemala, da Colômbia, obviamente, até de Sumatra, mas do Brasil nadica de nada. A menos que entrem na composição da "home blend", a mistura da casa, que contém cafés latino-americanos, assim genericamente, como diz o rótulo.
Até o rapaz que serve o café na "Juan Valdez" do La Vaguada é bogotano. Estava na Espanha, surgiu a chance, pimba, lá está ele feliz da vida com o emprego. As vendas que ele faz "beneficiam 560 mil famílias colombianas produtoras de café", informa o guardanapo com o logo da "Juan Valdez" Não é um negocinho merreca, não. "La Gaceta de los Negócios" informa que uma pesquisa feita pela empresa Ipsos mostra que só Madri consome 6,5 milhões de euros diários em xícaras de café.
Todo o mundo sabe que a Colômbia tem sérios problemas de imagem, sempre vinculada ao narcotráfico e à violência. Não obstante, inventou e emplacou a "Juan Valdez". Nós, pelo jeito, vamos ficar só com o Bope.

ANTONIO DELFIM NETTO As crises

UM POUCO DE história ajuda a relativizar a gravidade da crise que estamos vivendo.
Ela não será o "fim do mundo"!
Desde 1790, há registros confiáveis da "variação da conjuntura", que sempre obedeceu a movimentos cíclicos irregulares, com períodos e intensidade variáveis. Pode-se (até 2008) contar pelo menos 46 desses ciclos, com períodos contracionistas da ordem de 20 meses.
Uns leves, outros profundos, mas, de todos, a chamada "economia de mercado" saiu mais forte.
De cada um deles, pelo diálogo entre a realidade e a teoria econômica que pretende entendê-la, ela saiu melhorando suas instituições.
Todas as organizações sociais e econômicas alternativas até agora "inventadas" por cérebros peregrinos mostraram-se menos eficientes na produção e menos compatíveis com a liberdade individual. De crise em crise, aproveitando a imaginação criadora do homem e a sua liberdade de iniciativa, a economia de mercado nos levou (no que respeita a produção material), em dois séculos, da Idade da Pedra à Idade da Informática.
As crises são ínsitas ao sistema.
Elas nunca têm as mesmas causas, porque a teoria econômica ajuda na construção de instituições que previnem a sua repetição. Mas o fato é que a superação de uma delas já traz em si o germe da próxima. A última, fortíssima (1979/83), foi supostamente causada pelo "excesso de regulamentação"; a atual é, aparentemente, produto da "falta de regulamentação"...
Desde a sua origem, o conhecimento econômico se divide em duas concepções diferentes.
Uma atribui aos "mercados" virtudes quase divinas e capazes de produzir a eficiência alocativa e, simultaneamente, a harmonia geral. Outra vê nos mercados um eficiente mecanismo alocativo, mas incapaz de produzir harmonia.
A organização produtiva pelos mercados traz consigo a eficiência e, também, uma tríade diabólica: a flutuação do nível de atividade (e, logo, do emprego), a incapacidade de reduzir na velocidade desejada o nível de pobreza e a tendência a aumentar a desigualdade na distribuição da riqueza produzida. É essa diferença que divide os estadofóbicos dos estadólatras, nenhum dos quais, obviamente, portador da verdade.
O Brasil apenas recentemente recuperou o "espírito do desenvolvimento" e superou os fatores que poderiam matá-lo: a falta de energia ou o déficit não-financiável do balanço em conta corrente.
Seria uma pena destruí-lo por falta de imaginação e pânico com a atual crise externa...

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