PAULO RABELLO DE CASTRO O verdadeiro tamanho desta crise
A "desidratação financeira" das carteiras podres seria um programa de resgate mais econômico aos contribuintes |
NINGUÉM DEVERIA acalentar expectativas fantasiosas sobre uma rápida superação do ciclo de dificuldades que estão diante de nós. Temos ainda muita onda alta pela frente até que a economia real dê sinais confiáveis de haver cruzado o cabo da Boa Esperança.
Demorou demais a cair a ficha para as autoridades econômicas americanas e européias. Agora, vai demorar mais ainda a encontrar-se o rumo da recuperação.
As razões da demora de agir começam a ficar aparentes. Bush gostaria de ter empurrado com a barriga até o final do seu mandato. Por isso fez aprovar pelo Congresso americano e enviou US$ 168 bilhões à caixinha de correio dos americanos entre abril e maio. Maquiou as vendas internas no segundo trimestre, mas sobreveio o desastre de vendas agora. Chega-se à triste constatação de que o dinheiro da devolução de impostos se evaporou. Por quê? Existe na praça, entre economistas de várias escolas de pensamento, uma presunção equivocada de que injeções substanciais de liquidez são suficientes para livrar qualquer economia, em qualquer situação, das garras de um ajustamento recessivo ou de uma contração econômica.
Em certas situações especiais, isso pode até ocorrer, como Greenspan conseguiu, na fase recessiva de 2001/2. Mas, agora, não mais. O motivo é simples. Todas as distorções possíveis de preços na economia, todo o abuso possível no uso de recursos escassos, todo o aquecimento admissível da demanda asiática e não-asiática que se poderia praticar no mundo já foi extensamente usado para produzir a enorme bolha de consumo que veio a beneficiar -felizmente, desta vez- os emergentes do planeta, "o resto do mundo", como se costuma dizer no jargão.
Estima-se que cerca de US$ 6 trilhões tenham sido transferidos e capturados dos cofres dos países da coluna do meio, em desenvolvimento, inclusive do Brasil, que conseguiu ficar com cerca de US$ 200 bilhões desse tesouro de papel. Quem o transferiu? Os gastadores do mundo, o povo americano à frente. Não dá mais para repetir esse milagre.
Essa será a dificuldade tremenda do próximo presidente dos Estados Unidos. Obama ou McCain, qualquer um terá de inventar fórmula diferente da que já foi usada, de injetar mais dólares falsos na circulação econômica.
Por sinal, o abuso desse instrumento tem sido recorde. Na história monetária dos Estados Unidos, nunca houve tamanho despejo de moeda em tão pouco tempo. E com tão pobres resultados. O Federal Reserve comprou carteiras micadas dos bancos no valor de centenas de bilhões literalmente para nada, pois nem sequer com isso conseguiu resgatar a espontânea liquidez interbancária. Os bancos continuarão sem poder emprestar mais, pois sua base de capital se viu inteiramente corroída. Mas pode ser pior. Os governos se tornaram sócios de carteiras podres que deveriam ter sido previamente submetidas a uma "desidratação financeira", mediante um encontro geral de posições credoras e devedoras. Esse seria um programa de resgate mais rápido e econômico para os contribuintes, mas não aconteceu por falta de patrocinadores da idéia.
O caminho das declarações vazias, como a última de Bernanke, nesta semana, propalando uma segunda rodada de papelório para os contribuintes, é o tipo de raciocínio circular e descabido que lhe poderá trazer surpresas ainda muito mais desagradáveis quando a opinião dominante perceber que o mundo precisa desfazer-se de tantos dólares.