Friday, April 02, 2010

Quanto mais tempo, melhor


Ver as fotos inéditas de Marilyn Monroe nos intervalos de uma filmagem
em 1958 é relembrar o poder da sua beleza e do seu apelo erótico
e confirmar, com um suspiro: que mulher!

Fotos divulgação
NADA FORA DE LUGAR
Marilyn de frente, embasbacando Tony Curtis, de costas, com o coração aberto, ou envolta em peles
e protegendo-se do sol na cadeira do diretor: "Seios como balas para meninos pidões"


Loura, a pele acetinada de leite derramado, reentrâncias e saliências – estas, principalmente – sem aditivo de espécie alguma, Marilyn Monroe incendeia cada cena em que aparece em Quanto Mais Quente Melhor, lançado em 1959, três anos antes de sua morte precoce, aos 36. E isso em preto e branco. Pois essa Marilyn incandescente agora surge em cores, num conjunto de onze slides fotografados para uma revista num intervalo das filmagens, em 1958, e nunca antes publicados, os quais irão a leilão em junho, em Las Vegas. As fotos foram feitas no exato dia em que ela filmou a cena em que tem de seduzir um Tony Curtis falsamente indiferente. Envolta num vestido semitransparente de chiffon rebordado em branco e prata, ela desliza sobre o colo dele para um longo e insuportavelmente inocente beijo. O vestido famoso é um escândalo. Na frente, os bordados rareiam e os seios impulsionam o tecido translúcido como se movidos por propulsão atômica. Atrás, escorrem pelas costas nuas e rodeiam uma pequena janela em forma de coração bem em cima daquele lugar que nem sequer podia ser mencionado na década de 50. "Transbordando num vestido que oferece seus seios como balas a meninos pidões, ela parece totalmente alheia a sexo, enquanto os homens se derretem em irrefreável desejo", descreveu o crítico americano Roger Ebert.

E como. Hoje farsesco e forçado como tantos filmes do passado, Quanto Mais Quente Melhorsobrevive pelo teor erótico de Marilyn no papel de protótipo de todas as louras burras e pela piada fundamental: homens gostam de mulheres, mulheres gostam de dinheiro e cavalheiros esquisitos – nem pensar em mencionar, na época, homossexuais – é que gostam de homens. A trama é sobre dois músicos de quinta, Curtis e Jack Lemmon, que testemunham um crime e fogem dos gângsteres responsáveis disfarçados de mulher (daí o preto e branco – em cores, a maquiagem pesada para atenuar a barba e os outros atributos dos dois homões ganhava um tom esverdeado). Acabam numa orquestra feminina como coleguinhas de Marilyn. Os nomes mais conhecidos do filme tinham em comum a transposição da miséria ao estrelato global. O diretor Billy Wilder, judeu nascido Samuel Wilder no que hoje é a Polônia, chegou a Los Angeles fugindo do nazismo, sozinho e sem falar uma palavra de inglês. Marilyn Monroe, nascida Norma Jean Mortensen, de pai desconhecido e mãe sofredora de doença mental, morou de casa em casa e foi "modelo" até ser descoberta. Tony Curtis, nascido Bernard Schwartz, filho de judeus húngaros criado no Bronx, chegou a ir para um orfanato porque os pais não tinham como dar o que comer à família. Quanto Mais Quente Melhor, com suas piadas de duplo sentido e sua estrela seminua, foi um escândalo para a época ("Condenado", classificou a Liga da Decência da Igreja Católica). Na vida real, em Hollywood, as coisas eram bem mais explícitas. Curtis, hoje com 84 anos, à época uma beleza que rivalizava com a de Marilyn, resumiu assim o ambiente na cidade do cinema: "Quando cheguei lá, aos 22 anos, eu me tornei mais ativo que o Vesúvio – homens, mulheres, bichos. Eu adorava aquilo tudo". Durante a filmagem, ele e Marilyn, ambos casados, reataram um caso antigo. Ela engravidou e sofreu um aborto dois meses depois; Curtis afirma que o filho era dele. "O que tive com ela foi inesquecível", escreveu em sua autobiografia. Disso, pelo menos, ninguém duvida.

Em busca do tempo perdido


Depois de permanecer inativo por mais de um ano, o LHC, o maior acelerador de partículas do mundo, volta a recriar os fenômenos que sucederam ao Big Bang


Kalleo Coura

Anja Niedringhaus/AP
LHC sob aplausos
Físicos comemoram o religamento da máquina que permite o estudo dos primórdios do universo

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Na última semana, depois de duas falhas elétricas, o Large Hadron Collider (LHC), a maior máquina concebida pelo homem, voltou a funcionar depois de permanecer em manutenção desde o Natal. Religada em novembro do ano passado, a supermáquina criada pela Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (Cern) teve de passar por uma nova manutenção de poucos meses, curta se comparada ao primeiro conserto. Quando funcionou pela primeira vez, em setembro de 2008, teve um problema de superaquecimento que demandou mais de um ano de ajustes. Agora, está funcionando com sucesso, para a alegria de físicos e entusiastas da ciência. Com uma extensão de 27 quilômetros e situado a 100 metros debaixo da terra, na periferia de Genebra, na Suíça, o LHC promete atingir limites nunca antes alcançados pela física. O investimento de 10 bilhões de dólares terá mais do que valido a pena se alguns segredos do primeiro trilionésimo de segundo depois do Big Bang, a explosão que deu origem ao universo há 13,7 bilhões de anos, forem mesmo revelados.

Essa "viagem no tempo" não é magia. Em fenômenos típicos do dia a dia, observamos o passado sem nos dar conta. Os raios solares, por exemplo, chegam aos nossos olhos pouco mais de oito minutos depois de irradiados, o que significa que, se em tese o Sol for extirpado do universo, só perceberemos isso oito minutos depois. O mesmo processo acontece com estrelas que, por estarem a milhares de anos-luz de distância, talvez nem existam enquanto nos deliciamos com seu brilho trêmulo no céu noturno. O LHC é um acelerador de feixes de prótons hiperenergizados que atingem o equivalente a 99,9% da velocidade da luz. Com magnetos poderosos, os cientistas os obrigam a mudar de sentido, para, então, provocar um choque, do qual resultam restos de matéria e energia. "Como, segundo a teoria da relatividade de Einstein (E = mc), quanto maior a energia, maior é a massa, quanto mais energia for imposta aos prótons, mais massa terá o resultado da colisão a ser observado", diz o físico brasileiro Denis Oliveira Damazio, que trabalha no Cern e participou da construção do Atlas, um dos quatro aparelhos detectores responsáveis por analisar as colisões. "Além disso, quanto mais energia os prótons tiverem, poderemos observar momentos mais próximos do Big Bang." O primeiro acelerador de partículas, criado em 1930, por exemplo, energizava os prótons apenas a 8 000 elétrons-volt, o que permitia observar como a matéria se portava aos dez minutos seguintes ao Big Bang. Atualmente a energia dos prótons postos em rota de colisão no LHC é de 3,5 teraelétrons-volt, metade da capacidade total do aparelho. No choque, a energia atinge 7 teraelétrons-volt, também metade da capacidade total. Para se ter uma ideia, um próton típico na atmosfera da Terra tem uma energia média de 0,03 elétron-volt, enquanto na superfície do Sol teria apenas 0,4 elétron-volt. No LHC, atualmente, a energia de um próton é 8,75 trilhões de vezes maior. Além disso, por colidir 100 vezes mais prótons do que seu antecessor, o Tevatron, pode-se dizer que um ano de funcionamento da nova máquina equivale a 100 anos da antiga. Mesmo assim, prevê-se que o LHC opere em toda a sua capacidade só daqui a três anos.

Os experimentos na máquina situada na fronteira franco-suíça podem também ajudar a encontrar tanto a matéria escura que molda o cosmos visível quanto o "bóson de Higgs" – que, na teoria, possibilitou o início da matéria. Além disso, eles podem corroborar uma intuição de Einstein. Embora não tivesse ferramentas para provar, o maior físico da história pensava que no início do universo as forças (eletromagnética, fraca, forte e gravitacional) agiam como uma só. Se o bóson de Higgs não for encontrado, grande parte da física desenvolvida no século XX e a reputação de físicos e cientistas considerados geniais vão ruir. "A meu ver é aí que tudo vai ficar muito mais interessante. Vamos partir, de novo, do zero", diz o físico Oscar Éboli, professor da USP. Seria um choque dramático. Até hoje todas as grandes formulações teóricas da física de alta energia foram confirmadas nas experiências práticas em laboratório, Com o LHC não deve ser diferente.

Gênio da física
A teoria da relatividade formulada por Albert Einstein está na base dos experimentos do LHC. Quanto maior a energia dos prótons em colisão, maior será a massa resultante a ser observada. Além disso, os resultados dos experimentos poderão corroborar a tese de Einstein de que, no início, as forças agiam como uma só

Quadro: A quase recriação do Universo


Ipad


Mais um golaço de jobs


Com seus 150 000 aplicativos, o iPad é mais barato e fácil de usar
do que um notebook – e será um novo sucesso da Apple de Steve Jobs


Benedito Sverberi e Larissa Tsuboi


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Após um ano de rumores e expectativas, chega finalmente às lojas dos Estados Unidos a mais recente novidade da Apple, o iPad. O tablet, um misto de notebook, leitor de livros digitais e terminal móvel de acesso à internet, teve 120 000 encomendas só no primeiro dia de pré-venda, em 12 de março. A previsão de alguns analistas é que será atingida até junho a marca de 1 milhão de aparelhos comercializados. Projeções mais otimistas chegam a apontar para 10 milhões de unidades no primeiro ano. Tamanha procura – que já causa atrasos de até uma semana nas entregas e promete filas na porta das lojas – contrasta com a fria recepção dos especialistas em janeiro, quando houve o anúncio do aparelho. Apesar de Steve Jobs, presidente da companhia, não ter economizado elogios ao apresentar seu novo invento ("impressionante", "mágico", "revolucionário"), muitos viram no iPad um irmão anabolizado do iPhone, com poucos recursos que o tornassem excepcional. A decepção inicial deu lugar à percepção de que a Apple, mais uma vez, parece ter criado um aparelho que será a referência do mercado em sua categoria.

Com o iPad, a Apple sintetizou todas as virtudes que a caracterizaram desde o seu início, em 1976, que podem ser resumidas em eficiência técnica, simplicidade de manuseio e elegância visual – conceitos agora levados ao extremo. Por fora, o novo aparelho não passa de uma tela de alta resolução. Mas com ele podem-se executar praticamente todas as operações que se fazem com um notebook. De quebra, haverá desde o início 150 000 aplicativos disponíveis para ser baixados, muitos deles os mesmos criados originalmente para o iPhone, mas também um bom número de ferramentas novas e exclusivas para o iPad. Por fim, alguns programas consagrados dos computadores Mac foram transpostos para o tablet, preenchendo a lacuna existente entre smartphones e notebooks. São exemplos o Numbers, de planilhas, e o Keynote, usado para preparar slides para apresentações. Como novidade haverá a iBookStore, loja virtual de livros criada pela Apple à maneira da Amazon, que fabrica o Kindle, o leitor digital (e-reader) mais popular até aqui.

Uma ideia fundamental por trás do iPad é transmitir às pessoas que o utilizam a sensação de que o aparato físico não existe. Uma nova tecnologia multitoques tornou sua tela ainda mais sensível ao movimento dos dedos que a de um iPhone. O tamanho do visor garante leitura confortável – é pouco menor que esta página – e o peso de apenas 680 gramas torna práticos o transporte e o manuseio. Marcelo Tripoli, da agência de marketing digital iThink, explica que o fato de ser simples, somado aos preços convidativos (a partir de 499 dólares, o segundo menor de um lançamento Apple), vai assegurar sucesso de vendas. "Acho que o grande público acabará seduzido pela simplicidade e pela facilidade de uso do iPad", diz o especialista.

Da mesma forma que o iPod e outros tocadores digitais transformaram o mercado de música, acredita-se agora que o iPad e outros aparelhos do tipo que estão chegando ao mercado vão revolucionar a maneira pela qual livros, revistas e jornais são comercializados e lidos. Na corrida pela inovação e adaptação de conteúdo digital, quem também deve lucrar é o mercado de publicidade on-line. A ideia é vender anúncios para portais de notícias feitos sob medida. É que a experiência de navegação nesses dispositivos multiplica as possibilidades de interação. Basta tocar na publicidade de um carro, por exemplo, para fazê-lo girar, mostrando todos os seus ângulos, ou ainda exibir uma ficha com suas especificações técnicas. Para a Apple, ao mesmo tempo, o iPad pode ser uma generosa fonte de receita. Isso porque a empresa não ganha apenas ao vender o seu produto. A Apple fica com 30% do valor de cada aplicativo, música ou livro comercializado em suas lojas virtuais. É uma diferença abissal em relação a outros fabricantes de eletrônicos, que faturam com a venda de seus equipamentos e fim. Prova de que Steve Jobs é um gênio não apenas do design, mas também dos negócios. Com o iPad, essa receita de sucesso será catapultada.







Cadeiras de escritório em casa


Até há bem pouco tempo, era quase impossível ter uma cadeira
de escritório em casa – a menos, é claro, que se contasse
com um cômodo amplo destinado a trabalho.


Anna Paula Buchalla
abuchalla@abril.com.br

Em geral, os modelos ocupavam muito espaço, eram pesados e pareciam desenhados com o senso de estética de um encanador. Com a criatividade dos designers, sobretudo italianos e alemães, as cadeiras ficaram mais compactas e aliaram à tecnologia ergonômica leveza e modernidade. Desse modo, podem equipar – e decorar – os cantinhos de apartamentos onde se executam tarefas profissionais ou estudantis. Para ser considerada ergonômica, uma cadeira deve dispor de regulagem de assento, encosto e braços. Tem de ser, ainda, giratória e possuir rodízios. As de melhor qualidade são fabricadas com rodas cujo material não marca o piso, espuma injetada em vez de laminada, para prevenir deformações, e revestimento de boa respirabilidade, como couro natural e tela elástica. Entre o escritório de casa e o da empresa, a estimativa é que uma pessoa passe, em média, de seis a oito horas por dia sentada. "O mínimo que uma cadeira dessas deve oferecer são recursos para manter as pernas e a coluna em posição correta", diz o professor João Bezerra de Menezes, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Ele também faz parte do conselho científico da Associação Brasileira de Ergonomia. A pedido de VEJA, Bezerra de Menezes testou algumas das principais cadeiras ergonômicas do mercado.

Fotos Pedro Rubens

O professor Bezerra de Menezes
ergue um dos modelos para conferi-lo
de todos os ângulos

Contessa
Indicação: para toda a família
Marca: Giroflex
Como é: os comandos de altura de assento e a trava de inclinação do encosto são acionados na parte de baixo do apoio para os braços. O modelo tem ainda ajuste lombar e de profundidade de assento
O que diz o ergonomista: com encosto de tela elástica e estrutura de alumínio polido, é a mais fácil de ajustar e, portanto, a que serve melhor a uma família. Além dos ajustes simples, tem contornos de alumínio fundido
Preço: 2 600 reais




Aeron Work Stool
Indicação: para bancadas e pranchetas
Marca: Herman Miller
Como é: a versão da famosa e premiada cadeira Aeron para bancadas tem estrutura em forma de anel com ajuste de altura para apoiar os pés
O que diz o ergonomista: é um achado para aqueles que passam horas a fio sobre uma mesa alta com os pés para trás ou soltos no ar
Preço: 4 270 reais



Net On
Indicação: para quem não quer gastar muito
Marca: Alberflex
Como é: tem apoio lombar e inclinação sincronizados, além de assento de poliéster com espuma injetada e encosto de tela flexível
O que diz o ergonomista: é uma cadeira com ótima relação custo-benefício e, por ter o desenho mais descontraído,
é adequada a escritórios montados na sala ou no quarto
Preço:1 107 reais



Highway
Indicação: para alongar as costas
Marca: Alberflex
Como é: com encosto de tela flexível e assento de couro, é um dos modelos mais completos em regulagens – são quinze ao todo, incluindo as de apoio de cabeça e lombar
O que diz o ergonomista: por formar um ângulo de até 132 graus para trás, permite a movimentação e o alongamento da musculatura das costas
Preço: 7 096 reais



Setu
Indicação: para pessoas de medidas pequenas
Marca: Herman Miller
Como é: com tela elástica, é o mais leve entre os modelos avaliados. Adapta-se facilmente aos contornos do corpo, desde que as proporções sejam pequenas
O que diz o ergonomista: a cadeira é recomendada para quem tem altura entre 1,58 e 1,68 metro e peso de até aproximadamente 70 quilos. Como seu assento é curto, não acomoda adequadamente pessoas mais altas. Apesar de ter apenas um ajuste – o de altura –, pode ser considerada confortável
Preço:2 280 reais



Principessa Air
Indicação: para quem não dispensa o encosto para a cabeça
Marca: Flexform
Como é: tem reclinação sincronizada entre assento e encosto, o que permite um ângulo de até 115 graus para trás. Dispõe ainda de movimentos de inclinação lateral
O que diz o ergonomista: a mobilidade lateral é essencial nas cadeiras com encosto de cabeça para dar mais liberdade aos movimentos
Preço: 2 850 reais


Tecnologia pioneira

Aeron Chair
Indicação: para diferentes pesos e alturas
Marca: Herman Miller
Como é:nos requisitos ergonomia, funcionalidade e estética, a Aeron, a primeira da nova geração de cadeiras de escritório, é imbatível. Vem nos tamanhos P, M e G. Foi a pioneira entre as cadeiras com tela, que garante ampla circulação do ar e evita o aquecimento corporal. Tem assento confortável e descansos que se abrem na parte frontal, ampliando ainda mais o espaço para os braços
O que diz o ergonomista: o assento de borda arredondada evita o contato da cadeira com a dobra da perna ou a panturrilha – e isso ajuda a circulação sanguínea nas pernas
Preço: 3 545 reais

Outras fontes consultadas: as empresas 3M, Duracell e Eletrofitas; as lojas Atec e Cod e o arquiteto Alexandre Monteiro

Tamanho família


As relações entre parentes recuperam seu lugar central
nas séries americanas. Nelas, pais, filhos e avós podem
até ser serpentes – mas a vida seria pior sem eles


Marcelo Marthe

Everett
LIFE UNEXPECTED
Estreia na segunda-feira 12, às 22h, no Liv
O mote: a família disfuncional. Trata da convivência entre pais negligentes e uma filha enjeitada

Por quase dezesseis anos, Lux (Brittany Robertson) foi uma "sem-família". Entregue para adoção logo ao nascer, por sua mãe adolescente, ela não despertou o interesse dos candidatos a pais por sofrer de um problema cardíaco. Cansada de ser um joguete nas mãos de casais que lhe davam abrigo para ganhar uma pensão do governo, Lux procura os pais biológicos a fim de lhes pedir autorização legal para antecipar sua maioridade. Mas o efeito do encontro é outro: acende-se uma ligação afetiva entre eles. O ressurgimento de Lux dá novo sentido não só à vida da adolescente, como também à da mãe. A mensagem da açucarada Life Unexpected (Vida Inesperada) é inequívoca: tudo converge para os laços primordiais da família. Por maiores que sejam os desencontros e as diferenças, nunca faltará lugar para mais um sob seu manto. Com variações de tom, trata-se de uma mensagem comum a vários seriados americanos recentes: depois de uma década na berlinda, a família repentinamente está de volta ao centro da cena.

Life Unexpected inverte os papéis clássicos e fala sobre as dificuldades de uma criança em aceitar os pais indesejados. Já Parenthood (ambos os programas estreiam na semana que vem no Liv, novo canal de séries da TV paga) segue uma linha conhecida, mas inova na voltagem. Produzido pelo diretor Ron Howard com base em seu filme homônimo de 1989 (aqui lançado com o título inexplicável de O Tiro que Não Saiu pela Culatra), o programa se debruça sobre os problemas mais terríveis na criação dos filhos, do autismo ao vício em drogas. Lembra muito Brothers & Sisters, que inaugurou a leva atual de novelões familiares – exceto pelo fato de que, nessa série, quase todas as agruras são deflagradas por infidelidades conjugais.

Everett Collection/Grupo Keystone
PARENTHOOD
Estreia na quinta-feira 15, às 22h,
no Liv

O mote: a experiência de ser pai
(ou mãe) em diferentes gerações
de um mesmo clã


Nenhum programa, entretanto, explora tão bem o tema do adultério quanto The Good Wife, em que a advogada Alicia Florrick (Julianna Margulies) enfrenta a humilhação pública quando seu marido, um procurador (vivido por Chris Noth, o Mr. Big de Sex and the City), se envolve em um escândalo de sexo e corrupção. À maneira de muitas mulheres de políticos americanos que se viram em situação similar (por exemplo, a mulher de Eliot Spitzer, ex-governador de Nova York, que renunciou ao mandato quando seus gastos com prostitutas se tornaram notórios), Alicia mantém as aparências, em nome dos filhos e de um resquício de dignidade. Mais fácil até do que chorar com o drama que é a vida em família, entretanto, é rir dele. Two and a Half Men (veja o texto na pág. 117) trata de disfunções terríveis, mas com mordacidade hilariante. Um pouco mais doce, mas não menos afiada, éModern Family, em que um americano idoso e a mulher, uma perua colombiana bem mais jovem, convivem com a filha e o filho do primeiro casamento dele – ela, uma mãe tradicional, e ele, um gay que adota um bebê vietnamita com o parceiro.

Bob D ’Amico/ABC
MODERN FAMILY
Estreia prevista para este semestre,
na Fox

O mote: a relação entre a família tradicional
e os núcleos formados na chamada
"era da diversidade" – como um casal gay
que adota um bebê vietnamita


A família é o tema fundador da teledramaturgia americana. "Quando surgiram, os seriados precisavam ser palatáveis para filhos, pais e avós, pois passavam na hora em que todos se reuniam diante da TV. Falar da família proporcionava esse denominador comum", diz a especialista Fernanda Furquim. As sitcoms que marcaram os anos 50, como I Love Lucy e Papai Sabe Tudo, retratavam a família nuclear, em que os papéis de pai, mãe e filhos são bem delimitados – ainda que a comediante Lucille Ball, na primeira dessas séries, sacudisse a imagem da esposa passiva. Nos anos 60, a família desajustada começou a dar as caras. Para rebater críticas ao irrealismo de seu sucesso Bonanza, o roteirista David Dortort criou Chaparral – outra produção ambientada no Velho Oeste, mas na qual um fazendeiro americano irascível se casa com uma mexicana por conveniência e tem uma relação belicosa com o filho. Remonta à segunda metade dos anos 70, contudo, a mãe de todas as séries sobre clãs fora dos eixos: Family, produzida por Aaron Spelling (responsável também por Dinastia,que disputa com Dallas o título de melodrama familiar mais cafona tanto acima como abaixo da fronteira americana com o México). Falava de um casal impotente diante dos problemas dos filhos.

O apelo atual desses programas tem algo a ver com a composição do público dos seriados, que é por excelência feminino. "Numa pesquisa com 2.000 latino-americanas, constatamos que a família é o tema prioritário para elas", diz a colombiana Claudia Chagüi, executiva do Discovery que capitaneou a criação do canal Liv. Hoje, as tramas abarcam arranjos familiares muito diversos do clã nuclear tradicional. Alguns seriados mostram uma pegada radical ao expor os traumas domésticos. Em United States of Tara, da Fox, a dona de casa vivida por Toni Collette desenvolve múltiplas personalidades para contornar as dificuldades que os dois filhos lhe trazem. Mesmo em visões desencantadas como essa, a lição que se tira não é muito diferente da que se extraía dos congêneres dos anos 50. "Assim como ocorria desde os anos 30 nas radionovelas e se verifica hoje também nas telenovelas brasileiras, a moral é sempre agregadora", explica Mauro Alencar, estudioso das novelas. Apesar dos pesares, pertencer a uma família vale a pena. Ou pelo menos é o que garantem os roteiristas

Everett Collection/Grupo Keystone
BROTHERS & SISTERS
Universal Channel,às quartas-feiras, 23h
O mote:
a infidelidade. Após a morte do pai, a família descobre sua vida secreta com outra mulher. Até aqui, só o filho gay e a filha conservadora têm se mantido fiéis a seus respectivos parceiros


Eike Schroter/Latin Stock

THE GOOD WIFE
Universal Channel,
às segundas-feiras, 23h

O mote: a busca por independência
de uma mãe – cujo marido teve
casos extraconjugais


A comédia da vida

Desde que sua carreira foi reanimada pela série cômica Two and a Half Men, há sete anos firme na popularidade, Charlie Sheen vem proporcionando aos fãs uma experiência dupla. Na TV, eles riem do clã desajustado de Charlie Harper, personagem que é a cara do próprio Sheen: beberrão e cafajeste. Em sites de fofoca, acompanham os barracos que o ator arma na própria casa. Sheen aguarda julgamento, acusado de atacar a mulher com uma faca no último Natal. Sua subsequente passagem por um programa de reabilitação levou ao cancelamento da gravação de dois episódios do seriado. Exibido aqui pela Warner, Two and a Half Men deve grande parte de sua graça à moral, digamos, relaxada do protagonista. Charlie curte a vida numa mansão em Malibu, graças à grana fácil que embolsa como criador de jingles (não muito diferente de Sheen, que embolsa 825 000 dólares por episódio, apenas para ser ele mesmo). Meio a contragosto, dá abrigo a um irmão pobretão, seu antípoda em tudo – Alan (Jon Cryer), travadão, é um fracasso com as mulheres. O achado dramático da série é que ambos, no fundo, se comportam como crianças com idade mental inferior até à do sobrinho adolescente de Charlie – interpretado com uma graça muito natural pelo ator Angus T. Jones, de 16 anos.

Everett Collection/Grupo Keystone
DESAJUSTADOS
Charlie, Alan e o sobrinho:
marmanjos infantilizados

A ciência na mente de quem a faz


Em Criação Imperfeita, o físico Marcelo Gleiser explica por que
jamais se chegará a uma teoria capaz de explicar tudo o que existe
no universo – e por que nem mesmo faz sentido buscá-la


Thereza Venturoli

Luciana Whitaker/Folha Imagem/Folhapress
NADA DE DOGMAS
Gleiser: até a pesquisa mais
brilhante está condicionada
às ferramentas de que se dispõe
em cada momento – e à cabeça
do pesquisador


VEJA TAMBÉM

Um dos estratagemas tradicionalmente usados em textos de divulgação científica é a inclusão de passagens da vida pessoal do autor. Assim, o cientista perde a aura de semideus, a quem é supostamente conferido acesso privilegiado aos bastidores da natureza. Esse "truque" é usado – com sucesso – pelo físico e astrônomo Marcelo Gleiser em Criação Imperfeita – Cosmo, Vida e o Código Oculto da Natureza(Record; 368 páginas; 49,90 reais), que dias após seu lançamento ocupa já o sexto lugar na lista de livros mais vendidos de VEJA. Falando de suas fantasias da infância (como a convicção de que era um vampiro) e dos tempos de estudante universitário, quando queria comprovar por experimento a existência da alma, Gleiser expõe de maneira acessível e simpática os meandros de sua trajetória intelectual. Ao mesmo tempo, em prosa clara (muito diferente de seus quadros no Fantástico, os mais intransponíveis já exibidos na TV brasileira), decifra o significado de algumas das mais importantes conquistas da ciência e conduz o não iniciado pelos acertos e desacertos de dois milênios de tentativas de "desvendar a mente de Deus". Desacertos, sim: para Gleiser, aquilo que conhecemos por meio da ciência pode parecer sólido e definitivo – mas está sempre prestes a se desmanchar no ar.

Expoente mundial de sua área, Gleiser é há quase duas décadas docente do Dartmouth College, uma das universidades americanas mais conhecidas por sua produção científica. Mas pleiteia uma ciência mais humilde, que leve em conta aspectos intrínsecos da natureza humana, como a imaginação e a fé. Para ele, tudo o que conhecemos se restringe a uma minúscula fração do que de fato existe. Ainda que disponha de instrumentos poderosos de investigação e medição, a física contemporânea é fruto da mente humana e, portanto, limitada à nossa capacidade de ver e interpretar a realidade. Pode-se afirmar que, se a beleza está nos olhos de quem a vê, a ciência está na mente de quem a faz.

Um desses fatos psicológicos da ciência, por assim dizer, seria a ânsia (que ela divide com as religiões) por encontrar no universo um princípio unitário que imponha a ele padrões simétricos e harmônicos. Na física moderna, essa obsessão está representada pela busca de uma Teoria de Tudo – um arcabouço matemático que explique a origem da matéria e a interação entre as forças fundamentais da natureza. E aí Gleiser levanta uma das bandeiras mais polêmicas de Criação Imperfeita:por que buscar uma Teoria de Tudo?, questiona ele. Que "tudo" é esse, e por que procurar unidade num universo que já se sabe guardar tanta diversidade? Gleiser se sente à vontade para desafiar todo tipo de dogmatismo – da concepção de um universo elegante defendida por Brian Greene aos ataques intransigentes do biólogo Richard Dawkins à religião. Não se trata, argumenta ele, de descartar a importância dos avanços científicos alcançados por essa ilusão de beleza simétrica na natureza. Trata-se tão somente de admitir que a verdade não necessariamente é bela e simples. E que a boa ciência é avessa ao dogma – a esse ou qualquer outro.


LIVROS

Trecho de Criação Imperfeira, de Marcelo Gleiser

Criação

Ninguém testemunhou o que estava para acontecer.

O "tempo" não existia;

A realidade existia fora do tempo, pura permanência.

O espaço não existia.

A distância entre dois pontos era imensurável.

Os pontos podiam estar aqui ou ali, suspensos, saltitantes.

Entrelaçado em si próprio,

o espaço aprisionava o infinito.

De repente, um tremor;

uma vibração,

uma ordem que nascia.

O espaço pulsava, ondulando sobre o nada.

O que era perto se afastou. O agora virou passado.

O espaço nasceu com o tempo.

Ao falarmos em espaço, pensamos em conteúdo.

Ao falarmos em tempo, pensamos em transformação.

E assim foi.

O espaço borbulhou; o tempo, incerto, iniciou sua marcha.

Da agitação conjunta do espaço e do tempo surgiu a matéria,

expelida de seus poros.

Mas atenção!

Essa não era uma matéria ordinária feito a nossa.

Ela fez o espaço crescer,

inflar, como um balão.

Esse balão é o nosso Universo.

Esse é o mito de criação da nossa geração. A Santíssima Trindade aqui é o Espaço, o Tempo e a Matéria. Não existe um Criador; nenhuma mão divina guia a transição do Ser ao Devir, a emergência do cosmo a partir de uma existência atemporal. O Universo surgiu por si mesmo, uma bolha de espaço vinda do vazio: creatio ex nihilo, a criação a partir do nada. Essa possibilidade nos parece implausível, já que tudo o que ocorre à nossa volta resulta de alguma causa. Será que o Universo é diferente? Será que tudo pode mesmo surgir do nada? Sem uma causa?

A causa que deu início a tudo, o primeiro elo da longa corrente causal que leva da criação do cosmo ao presente, é tradicionalmente conhecida como a Primeira Causa. Para iniciar o processo de criação, nada pode precedê-la: a Primeira Causa não pode ter uma causa; ela tem que ocorrer por si só. O desafio é como implementar essa misteriosa Primeira Causa, como dar sentido a algo que parece violar o bom-senso. Será que a ciência tem uma resposta? As religiões usam os deuses para resolver o dilema. A estratégia funciona bem, já que as leis físicas e o bom senso não são aplicáveis aos deuses. Sendo imortais, são indiferentes aos processos de causa e efeito: os deuses existem, sobrenaturalmente, além do tempo e de suas inconvenientes limitações. No primeiro livro do Antigo Testamento, Gênese, Deus, eterno e onipotente, manipula o "nada" com o verbo e dá origem à luz. Para os judeus, cristãos e muçulmanos, Ele é a Primeira Causa. Tudo vem de Deus, enquanto Deus, onipresente, não vem de lugar algum. Como Deus é perfeito, Sua criação também deve ser perfeita. E assim foi, até que Adão e Eva comeram a famosa maçã da Árvore da Sabedoria. A lição é simples: o desejo e a curiosidade nos expulsaram do Paraíso, e deixamos de ser como deuses. Desde então, como meros mortais, tentamos de todos os modos nos reconectar com o que perdemos, ascender à perfeição divina. Essa busca, mesmo que nobre, já nos iludiu por tempo demais. Precisamos de um novo começo, de uma nova busca.

Segundo algumas teorias modernas que lidam com a origem do espaço, do tempo e da matéria, existe um "nada quântico", uma entidade de onde universos-bebês podem surgir ocasionalmente chamada de "multiverso" ou "megaverso". Em algumas versões, esse multiverso é eterno e, portanto, não criado: o multiverso dispensa a Primeira Causa. Dessa existência cósmica atemporal, flutuações de energia a partir do "nada" ocorrem aleatoriamente, dando origem a pequenas bolhas de espaço, os universos-bebês. A maioria dessas flutuações desaparece, re tornando à sopa quântica de onde vieram. Raramente algumas crescem. Um equilíbrio entre a força da gravidade e a energia armazenada no espaço permite que os universos-bebês surjam sem qualquer custo de energia. Ou seja, é possível, ao menos em tese, criar um universo a partir do nada:creatio ex nihilo. O tempo inicia a sua marcha quando a bolha cósmica sobrevive e começa a evoluir, isto é, quando existem mudanças que podem ser quantificadas. Se nada muda, o tempo é desnecessário.

As teorias que invocam o multiverso propõem que existimos numa dessas bolhas que conseguiu desprender-se da sopa primordial e crescer, produto de uma flutuação energética tão aleatória quanto a responsável por partículas ejetadas de núcleos radioativos. Nossa bolha, nosso Universo com "U" maiúsculo (para diferenciar de universos hipotéticos ou de partes do universo além dos nossos telescópios e instrumentos de observação), aparentemente tem a rara distinção de haver existido por tempo suficiente para que a matéria em seu interior tenha se organizado em galáxias, estrelas e pessoas: segundo essas teorias da cosmologia moderna, somos resultado do nascimento deveras improvável de um cosmo que, por ter as propriedades certas, foi capaz de evoluir a ponto de gerar criaturas capazes de se perguntar sobre suas próprias origens. Certamente, essa visão científica é um tanto distante da criação premeditada e sobrenatural retratada no Gênese. Mas será que ela é, de fato, capaz de abordar a questão da origem de todas as coisas?

Qualquer versão científica da criação (a ser explorada em detalhe mais adiante), inclusive essa valiosa tentativa de abordar racionalmente o problema da Primeira Causa, precisa ser formulada de acordo com princípios e leis físicas: a energia deve ser conservada; a velocidade da luz e outras constantes fundamentais da Natureza devem ter os valores corretos para garantir a viabilidade do nosso Universo. Ademais, um "nada quântico", com sua sopa borbulhante de universos-bebês, não é exatamente o que podemos chamar de um nada absoluto. O problema é que nós, humanos, não sabemos como criar algo a partir do nada. Precisamos dos materiais; precisamos das instruções. Essa limitação torna- se evidente quando tentamos lidar com a primeira das criações, a do Universo. Não se deixe levar por afirmações ao contrário, mesmo que usem termos inspiradores como "decaimento do vácuo quântico", "supercordas", "espaço-tempo com dimensões extra" ou "colisões de multibranas": estamos longe de obter uma narrativa científica da criação capaz de ser empiricamente validada (ou seja, testada por experimentos). Mesmo se, um dia, formos capazes de construir tal teoria, ela deverá ser qualificada como uma teoria científica da criação, baseada numa série de suposições.

A ciência precisa de uma estrutura, de um arcabouço de leis e princípios, para funcionar. Não pode explicar tudo simplesmente porque precisa começar com algo. Como exemplo desses pontos de partida, cito os axiomas dos teoremas matemáticos — afirmações não demonstradas, aceitas como evidentes e, portanto, como verdadeiras — e, nas teorias físicas, uma série de leis e princípios da Natureza, como as leis de conservação de energia e de carga elétrica, cuja validade é extrapolada muito além dos limites em que podemos testá-las. Como essas leis descrevem eficientemente os fenômenos naturais que podemos observar, supomos que continuarão a ser válidas nas condições extremas prevalentes na vizinhança do Big Bang, o evento que marca a origem do tempo. Porém, não podemos ter certeza se nossas extrapolações estão corretas — e cientistas não deveriam afirmar o contrário — até termos confirmação experimental. Como disse o paleontólogo J. William Schopf, da Universidade da Califórnia, "Asserções extraordinárias necessitam de provas extraordinárias".


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