Friday, April 02, 2010

Tamanho família


As relações entre parentes recuperam seu lugar central
nas séries americanas. Nelas, pais, filhos e avós podem
até ser serpentes – mas a vida seria pior sem eles


Marcelo Marthe

Everett
LIFE UNEXPECTED
Estreia na segunda-feira 12, às 22h, no Liv
O mote: a família disfuncional. Trata da convivência entre pais negligentes e uma filha enjeitada

Por quase dezesseis anos, Lux (Brittany Robertson) foi uma "sem-família". Entregue para adoção logo ao nascer, por sua mãe adolescente, ela não despertou o interesse dos candidatos a pais por sofrer de um problema cardíaco. Cansada de ser um joguete nas mãos de casais que lhe davam abrigo para ganhar uma pensão do governo, Lux procura os pais biológicos a fim de lhes pedir autorização legal para antecipar sua maioridade. Mas o efeito do encontro é outro: acende-se uma ligação afetiva entre eles. O ressurgimento de Lux dá novo sentido não só à vida da adolescente, como também à da mãe. A mensagem da açucarada Life Unexpected (Vida Inesperada) é inequívoca: tudo converge para os laços primordiais da família. Por maiores que sejam os desencontros e as diferenças, nunca faltará lugar para mais um sob seu manto. Com variações de tom, trata-se de uma mensagem comum a vários seriados americanos recentes: depois de uma década na berlinda, a família repentinamente está de volta ao centro da cena.

Life Unexpected inverte os papéis clássicos e fala sobre as dificuldades de uma criança em aceitar os pais indesejados. Já Parenthood (ambos os programas estreiam na semana que vem no Liv, novo canal de séries da TV paga) segue uma linha conhecida, mas inova na voltagem. Produzido pelo diretor Ron Howard com base em seu filme homônimo de 1989 (aqui lançado com o título inexplicável de O Tiro que Não Saiu pela Culatra), o programa se debruça sobre os problemas mais terríveis na criação dos filhos, do autismo ao vício em drogas. Lembra muito Brothers & Sisters, que inaugurou a leva atual de novelões familiares – exceto pelo fato de que, nessa série, quase todas as agruras são deflagradas por infidelidades conjugais.

Everett Collection/Grupo Keystone
PARENTHOOD
Estreia na quinta-feira 15, às 22h,
no Liv

O mote: a experiência de ser pai
(ou mãe) em diferentes gerações
de um mesmo clã


Nenhum programa, entretanto, explora tão bem o tema do adultério quanto The Good Wife, em que a advogada Alicia Florrick (Julianna Margulies) enfrenta a humilhação pública quando seu marido, um procurador (vivido por Chris Noth, o Mr. Big de Sex and the City), se envolve em um escândalo de sexo e corrupção. À maneira de muitas mulheres de políticos americanos que se viram em situação similar (por exemplo, a mulher de Eliot Spitzer, ex-governador de Nova York, que renunciou ao mandato quando seus gastos com prostitutas se tornaram notórios), Alicia mantém as aparências, em nome dos filhos e de um resquício de dignidade. Mais fácil até do que chorar com o drama que é a vida em família, entretanto, é rir dele. Two and a Half Men (veja o texto na pág. 117) trata de disfunções terríveis, mas com mordacidade hilariante. Um pouco mais doce, mas não menos afiada, éModern Family, em que um americano idoso e a mulher, uma perua colombiana bem mais jovem, convivem com a filha e o filho do primeiro casamento dele – ela, uma mãe tradicional, e ele, um gay que adota um bebê vietnamita com o parceiro.

Bob D ’Amico/ABC
MODERN FAMILY
Estreia prevista para este semestre,
na Fox

O mote: a relação entre a família tradicional
e os núcleos formados na chamada
"era da diversidade" – como um casal gay
que adota um bebê vietnamita


A família é o tema fundador da teledramaturgia americana. "Quando surgiram, os seriados precisavam ser palatáveis para filhos, pais e avós, pois passavam na hora em que todos se reuniam diante da TV. Falar da família proporcionava esse denominador comum", diz a especialista Fernanda Furquim. As sitcoms que marcaram os anos 50, como I Love Lucy e Papai Sabe Tudo, retratavam a família nuclear, em que os papéis de pai, mãe e filhos são bem delimitados – ainda que a comediante Lucille Ball, na primeira dessas séries, sacudisse a imagem da esposa passiva. Nos anos 60, a família desajustada começou a dar as caras. Para rebater críticas ao irrealismo de seu sucesso Bonanza, o roteirista David Dortort criou Chaparral – outra produção ambientada no Velho Oeste, mas na qual um fazendeiro americano irascível se casa com uma mexicana por conveniência e tem uma relação belicosa com o filho. Remonta à segunda metade dos anos 70, contudo, a mãe de todas as séries sobre clãs fora dos eixos: Family, produzida por Aaron Spelling (responsável também por Dinastia,que disputa com Dallas o título de melodrama familiar mais cafona tanto acima como abaixo da fronteira americana com o México). Falava de um casal impotente diante dos problemas dos filhos.

O apelo atual desses programas tem algo a ver com a composição do público dos seriados, que é por excelência feminino. "Numa pesquisa com 2.000 latino-americanas, constatamos que a família é o tema prioritário para elas", diz a colombiana Claudia Chagüi, executiva do Discovery que capitaneou a criação do canal Liv. Hoje, as tramas abarcam arranjos familiares muito diversos do clã nuclear tradicional. Alguns seriados mostram uma pegada radical ao expor os traumas domésticos. Em United States of Tara, da Fox, a dona de casa vivida por Toni Collette desenvolve múltiplas personalidades para contornar as dificuldades que os dois filhos lhe trazem. Mesmo em visões desencantadas como essa, a lição que se tira não é muito diferente da que se extraía dos congêneres dos anos 50. "Assim como ocorria desde os anos 30 nas radionovelas e se verifica hoje também nas telenovelas brasileiras, a moral é sempre agregadora", explica Mauro Alencar, estudioso das novelas. Apesar dos pesares, pertencer a uma família vale a pena. Ou pelo menos é o que garantem os roteiristas

Everett Collection/Grupo Keystone
BROTHERS & SISTERS
Universal Channel,às quartas-feiras, 23h
O mote:
a infidelidade. Após a morte do pai, a família descobre sua vida secreta com outra mulher. Até aqui, só o filho gay e a filha conservadora têm se mantido fiéis a seus respectivos parceiros


Eike Schroter/Latin Stock

THE GOOD WIFE
Universal Channel,
às segundas-feiras, 23h

O mote: a busca por independência
de uma mãe – cujo marido teve
casos extraconjugais


A comédia da vida

Desde que sua carreira foi reanimada pela série cômica Two and a Half Men, há sete anos firme na popularidade, Charlie Sheen vem proporcionando aos fãs uma experiência dupla. Na TV, eles riem do clã desajustado de Charlie Harper, personagem que é a cara do próprio Sheen: beberrão e cafajeste. Em sites de fofoca, acompanham os barracos que o ator arma na própria casa. Sheen aguarda julgamento, acusado de atacar a mulher com uma faca no último Natal. Sua subsequente passagem por um programa de reabilitação levou ao cancelamento da gravação de dois episódios do seriado. Exibido aqui pela Warner, Two and a Half Men deve grande parte de sua graça à moral, digamos, relaxada do protagonista. Charlie curte a vida numa mansão em Malibu, graças à grana fácil que embolsa como criador de jingles (não muito diferente de Sheen, que embolsa 825 000 dólares por episódio, apenas para ser ele mesmo). Meio a contragosto, dá abrigo a um irmão pobretão, seu antípoda em tudo – Alan (Jon Cryer), travadão, é um fracasso com as mulheres. O achado dramático da série é que ambos, no fundo, se comportam como crianças com idade mental inferior até à do sobrinho adolescente de Charlie – interpretado com uma graça muito natural pelo ator Angus T. Jones, de 16 anos.

Everett Collection/Grupo Keystone
DESAJUSTADOS
Charlie, Alan e o sobrinho:
marmanjos infantilizados

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