Saturday, March 06, 2010

Veja Recomenda e Os mais vendidos

DISCOS

Bevis Martin and Charlie Youle
DISCO
Hot Chip: sem canção ruim


ONE LIFE STAND,
Hot Chip (EMI)
• O Hot Chip é um quinteto de música eletrônica cujo estilo agrada tanto aos pés quanto ao cérebro. Surgido há dez anos na cidade de Londres, ele tem como influência a disco e a house music e grupos da importância de New Order e Pet Shop Boys (combinação que rende singles como Get Ready for the Dance Floor, em cujo clipe eles aparecem vestidos como o vilão Coringa). A influência até que foi mantida em seu quarto CD, One Life Stand. Mas o Hot Chip apresenta mudanças significativas. Os discos anteriores traziam canções tão diversas que mal dava para acreditar que o material havia sido gravado por um único grupo. One Life Stand é mais uniforme - e não há uma canção ruim. As pancadas do grupo foram atenuadas em prol da melodia. E quem associa o Hot Chip a uma eterna balada vai se espantar ao deparar com letras como a de Brothers - na qual eles cantam que é muito bom jogar videogame com o irmão.

Caroline Bitencourt
DISCO
Thiago Pethit: cabaré paulistano


BERLIM, TEXAS,
Thiago Pethit (OLôko Records)
• Dois anos atrás, o cantor e compositor paulistano Thiago Pethit fez sua estreia artística numa casa de espetáculos voltada ao rock alternativo. Interpretou um punhado de músicas de sua autoria e esquentou o público para a apresentação do artista americano Will Oldham. Pethit já tinha um currículo respeitável. Ele estudou canto e composição em Buenos Aires, para onde se havia mudado em 2007, e trabalhou em três companhias de teatro. O talento exibido naquela noite se confirma em seu primeiro disco, Berlim, Texas. Nas entrevistas de divulgação, Pethit diz que se inspirou no clima de cabaré presente nos álbuns do cantor Tom Waits. É um pequeno exagero, visto que faltam a ele a dramaticidade e a voz tonitruante do americano. Mas o brasileiro compensa essas pequenas deficiências com uma interpretação no ponto certo. Sua voz doce e afinada é ideal para interpretar letras doídas como as de Não Se Vá e Outra Canção Tristonha, e a produção de Yuri Kalil, do grupo cearense Cidadão Instigado, reproduz o ambiente decadente dos cabarés alemães do início do século XX.

DVD

Andy Sheppard/Getty Images
DVD
Kings of Leon: passagem ao primeiro time


LIVE AT THE O2, ENGLAND,
Kings of Leon (Sony)
• Este DVD registra a transformação do quarteto americano de promessa do rock alternativo em banda do primeiro escalão. O Kings of Leon surgiu em 2000 na cidade americana de Nashville e traz em sua formação quatro membros da família Followill. São eles os irmãos Caleb (guitarra e vocal), Jared (baixo) e Nathan (bateria) e o primo deles, o guitarrista Matthew. O grupo fazia uma mistura de country e punk rock, na qual o entusiasmo de seus integrantes era mais importante que a destreza musical. Mas, no disco Only by the Night (2008), eles mudaram de rumo e se aproximaram da música do U2. O DVD traz uma apresentação do quarteto no ginásio O2, em Londres, para um público estimado em 18 000 pessoas. Eles mostram que evoluíram como instrumentistas. O baterista Nathan, que sempre foi um dos pontos fracos da banda, não se perde no meio das canções e está mais seguro. O guitarrista e vocalista Caleb, nos primeiros anos do Kings of Leon, parecia um bicho do mato. No DVD ele se mostra à vontade na condição defrontman (ainda que seja incapaz de dar um sorriso para a plateia). No repertório, versões animadas de sucessos como Use Somebody e Sex on Fire.

LIVRO

PEGANDO FOGO - COMO COZINHAR NOS TORNOU HUMANOS, de Richard Wrangham (Tradução de Maria Luiza Borges; Zahar; 232 páginas; 34 reais)
• O antropólogo inglês Richard Wrangham, da Universidade Harvard, estuda os chimpanzés há pelo menos quarenta anos. Para entender o comportamento desses animais, certa vez vestiu uma tanga e entrou no mato para encontrar comida, como os próprios fazem. Conquistou somente frutas amargas e carne crua de algum macaco que os chimpanzés mataram e deixaram pelo caminho. Sua experiência pessoal na selva é apenas uma das histórias de Pegando Fogo. O principal tema do livro é a nova tese sobre a evolução humana desenvolvida por Wrangham: a ideia de que só avançamos porque o Homo erectus, nosso antepassado, aprendeu a cozinhar. "Sem o cozimento, seríamos parecidos com os outros primatas, que também utilizam ferramentas, caçam e comem carne", disse o antropólogo recentemente a VEJA. Segundo Wrangham, o uso do fogo no preparo de alimentos trouxe vantagens biológicas aos primeiros cozinheiros, permitindo mudanças que foram da fisiologia à organização social.

CINEMA

Everett Collection/Grupo Keystone
CINEMA
Entre Irmãos: tensões inconciliáveis na vida em família


ENTRE IRMÃOS
(Brothers, Estados Unidos, 2009. Desde sexta-feira em cartaz no país)
• O capitão Sam Cahill (Tobey Maguire) é enviado de volta ao Afeganistão e deixa em casa a mulher, Grace (Natalie Portman), com as duas filhas pequenas e a companhia eventual de seu irmão, Tommy (Jake Gyllenhaal), que acabou de sair da prisão e não acerta uma na vida. Sam é dado como morto em combate e a viúva e as meninas começam a se aproximar de Tommy, até formarem algo como uma nova família. A qual será submetida a tensões inconciliáveis quando o capitão inesperadamente retorna: feito prisioneiro pelos talibãs, ele cometeu um ato terrível para obter a liberdade. Não consegue se desculpar por ele e, como não pode também revelá-lo, pune todos à sua volta com explosões de ódio. O filme do irlandês Jim Sheridan tem em comum com outros trabalhos seus, como Meu Pé Esquerdo e Em Nome do Pai, o olho privilegiado para capturar não só aquelas interações que fazem o cotidiano familiar, como as crises súbitas que irrompem nele. Outro ponto alto são as atuações de Gyllenhaal (não obstante a de Tobey Maguire ter sido mais comentada) e da menina Bailee Madison, que protagoniza uma cena arrasadora.

Os mais vendidos

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A inglesa dos sertões


Um balanço da carreira de Maureen Bisilliat,
fotógrafa pioneira — e soberba — dos rincões do Brasil


Marcelo Marthe

Fotos Maureen Bisilliat/Acervo IMS
DO MANGUE À MANGUEIRA
Registros da vida brasileira captados por Maureen Bisilliat nos anos 60 e 70: o vaqueiro Manuelzão (à esq.), que inspirou o personagem de Guimarães Rosa; a catadora de caranguejos da Paraíba (acima); índio do Xingu (ao lado, no centro da página), onde ela passou vários períodos com os irmãos Villas Boas; e o sambista carioca Cartola (à dir.)



VEJA TAMBÉM

Vestido de maneira impecável para um culto de domingo, um pastor evangélico que passava por um embarcadouro no litoral da Paraíba não se conteve ao avistar uma mulher de visual bicho-grilo chafurdando na lama do manguezal para fotografar as catadoras de caranguejos locais. “Aquilo não é uma fotógrafa, aquilo é um homem”, disse. Isso ocorreu em 1970, durante a realização de um dos ensaios mais famosos da fotógrafa Maureen Bisilliat — e que naquele ano seria tema de uma reportagem de impacto de Realidade, então um dos títulos da Editora Abril (que publica VEJA). O episódio sintetiza a vida e a obra de Maureen: num tempo em que a emancipação feminina mal se desenhava no país, ela se lançou no desbravamento do chamado “Brasil profundo” por meio da fotografia. Mulher forjada na contracultura dos anos 60, Maureen percorreu, a partir daquela década, regiões remotas de Minas Gerais e do Nordeste para registrar seu cotidiano e manifestações populares. Viveu, ainda, períodos em meio aos índios do Xingu. “Meu prazer era viajar de ônibus, sentindo o vento bater na cara”, diz. Com o passar do tempo, esse trabalho só teve sua força realçada — como atesta uma retrospectiva em cartaz desde a semana passada na Galeria de Arte do Sesi, em São Paulo (e que foi exibida no Rio de Janeiro em 2009).

Nascida na Inglaterra, em 1931, filha de um diplomata argentino e de uma pintora de ascendência irlandesa, Maureen passou a infância rodando por diversos países. Aos 21 anos, fixou-se no Brasil com seu primeiro marido, um negociante de algodão — e jamais se desligaria daqui. “Eu levava uma vida sem raízes. Só no Brasil fui encontrar isso”, diz (ela se naturalizaria em 1963). Maureen, hoje com 79 anos, deu seus passos iniciais na fotografia no interior paulista. E encontrou na literatura nacional o estímulo para seus périplos pelos rincões. Nos anos 60, frequentou a casa de Jorge Amado na Bahia — e, inspirada por ele, realizou ensaios com pescadores e outros tipos do litoral e do sertão do estado. Nesse mesmo período, ganhou fama graças a um projeto em que, instruída por Guimarães Rosa em pessoa, fotografou paisagens e personagens de seus livros — como o vaqueiro Manuelzão. O escritor chamava Maureen de “irlandesa cigana”, em razão das saias longas e dos cabelos pela cintura.

Maureen considera os anos em que atuou como fotojornalista cruciais na moldagem de seu estilo. Além de atuar em Realidade, ela fez trabalhos antológicos para outra revista da Abril, a Quatro Rodas — como um especial sobre o Rio no qual retratou os compositores Pixinguinha e Cartola. Em 1982, voltaria a colaborar para a publicação, num ensaio sobre a China comunista. Com formação em pintura (ela estudou com o surrealista André Lhote em Paris), Maureen prima pelo uso apurado da luz e pelo rigor na composição das cenas. Mas talvez o maior valor de sua obra — um acervo de 16 000 imagens pertencentes desde 2003 ao Instituto Moreira Salles — resida mesmo em seu pioneirismo. Ao retratar festas populares e ofícios artesanais, ela eternizou atividades que quase já não existem no interior — e desbravou uma seara da fotografia hoje barateada pelos arautos de certa “estética da pobreza”. Seis anos atrás, ao retornar às aldeias do Xingu que fotografou em viagens com os sertanistas Orlando e Cláudio Villas-Boas, Maureen emocionou-se ao ver que, após trinta anos, os índios ainda se lembravam dela. “Eu entrei na mitologia deles. É uma coisa muito bonita”, diz. Nos últimos anos, Maureen trocou a fotografia pela videoarte. Mas conservou seu jeito de ser: “Sempre fui — e continuarei sendo — uma hippie”.

Justiça seja feita

Cinema


Jeff Bridges, o mais autêntico ator americano, concorre pela quinta
vez ao Oscar com Coração Louco. Mas agora, finalmente, é o favorito


Isabela Boscov

Everett Collection/Grupo Keystone
A HONRA OU A VIDA
Maggie e Bridges: diante de uma mulher assim, o uísque e a rebeldia já não parecem tão confortadores quanto antes


Existem atores aos quais é um prazer assistir pela perícia e inteligência formidáveis com que eles entram em um personagem - como Daniel Day-Lewis ou Tommy Lee Jones. E existem atores aos quais é um prazer assistir porque é impossível distinguir em seu desempenho qualquer sinal de técnica, trabalho ou esforço. A rigor, aliás, nem se parece estar diante de um desempenho: durante duas horas, eles são aquela pessoa. Nessa categoria, não há exemplo melhor que Jeff Bridges, que Pauline Kael (1919-2001), a decana da crítica americana, proclamou como o mais natural e autêntico ator da história do cinema. Pauline adorava emitir julgamentos definitivos, mas continuava a emiti-los porque em geral acertava em cheio. De Bridges, ela disse isso em 1973, apenas dois anos depois de ele ter se lançado com A Última Sessão de Cinema. Nesses quase quarenta anos, o ator não fez outra coisa que não dar-lhe razão - poucas vezes mais do que em Coração Louco (Crazy Heart, Estados Unidos, 2009), que está desde sexta-feira em cartaz no país e rendeu a Bridges sua quinta indicação ao Oscar. Pela primeira vez, porém, ele tem chances indiscutíveis de vitória.

No filme do diretor e roteirista Scott Cooper, ele é Bad Blake, um cantor e compositor de música country que outrora foi uma lenda - no presente, muito desgastada pelas quantidades prodigiosas de álcool que consome, pelos muitos inimigos que fez (em alguns casos, o antagonismo está somente em sua cabeça) e pelo temperamento espetacularmente contendedor. Blake percorre longas distâncias no Sudoeste americano, de cidade em cidade, para se apresentar em boliches, bares e outros palcos melancólicos. Não é, contudo, uma figura patética; é um homem que abraçou a própria decadência e fez dela uma marca de honra e de insubmissão. Não surpreende, assim, que uma mulher jovem e direta como a repórter Jean (Mag-gie Gyllenhaal) se sinta atraída por ele. E é perfeitamente verossímil também que, por causa dela, Blake procure se reerguer e, ao mesmo tempo, sendo quem é, sabotar a tentativa: esse é um filme pequeno e convencional, mas que nunca deixa de soar verdadeiro.

Essa legitimidade emana de Bridges, cujo talento particular, como Pauline assinalara, é construir seus personagens de dentro para fora. Blake vem marcado por tantos particulares e lembranças, tantos gestos tornados inconscientes pelo hábito, que é como uma casa em que o ator morasse há muito tempo e pela qual pudesse andar de olhos fechados. Cooper escreveu o papel para Bridges, mas quase ficou na mão: ele confessadamente não é de pegar no batente. Só quando soube que seu amigo T Bone Burnett, uma lenda das trilhas sonoras, comporia as canções, topou o trabalho. Ainda que, como de hábito, mal se possa adivinhar que ele está trabalhando.



Lindo até demais


Cinema


Direito de Amar é o que se esperaria da estreia na direção
do estilista Tom Ford: um filme de beleza quase tirânica,
que só ganha sentimento verdadeiro na interpretação
estupenda de Colin Firth


Isabela Boscov

Everett Collection/Grupo Keystone
UMA VIDA EM SEGREDO
Firth, como o professor homossexual que enviuvou, com a amiga interpretada por Julianne: um amor
que não ousa dizer seu nome nem a portas fechadas

Em novembro de 1962, oito meses após perder em um acidente Jim, o homem com quem vivia feliz havia dezesseis anos, o professor de literatura George Falconer pensa em suicídio. "Acordar pela manhã dói", diz ele, enquanto se veste meticulosamente para um dia de trabalho. Mas, não fosse a interpretação belíssima de Colin Firth, é provável que a melancolia desse ritual de envergar um disfarce para sair ao mundo terminasse eclipsada pela elegância do disfarce em si – dos óculos e sapatos ao terno, um conjunto pelo qual valeria considerar alguns crimes. E que, como a direção de Direito de Amar (A Single Man, Estados Unidos, 2009), desde sexta-feira em cartaz no país, tem a assinatura de Tom Ford, até 2004 diretor criativo da grife Gucci e hoje dono de um império com a sua própria marca. Conhecido no mundo da moda como um controlador obsessivo, Ford em nenhum momento denuncia sua inexperiência no novo meio: é um cineasta seguro e deliberado. Não há aspecto dessa sua adaptação do romance de Christopher Isherwood, da qual ele é também corroteirista, que não tenha sido abrangido por sua concepção. Todos os figurinos são magníficos; todas as pessoas em cena, inclusive os figurantes, são lindas; e todas as tomadas foram planejadas pelo seu máximo potencial estético. É o que se esperaria de Ford. Mas é o que torna Direito de Amarsufocante.

DE OLHO EM TUDO
Ford: um controlador obsessivo
na moda e também no cinema


Opressiva também, claro, é a situação de George, refém de uma homossexualidade inconfessável e de um luto que não pode ser demonstrado. Para um aluno que o aborda abertamente, ele se refere ao amante morto como um mero inquilino. Sua melhor amiga (Julianne Moore) postula que um amor homossexual não pode ser verdadeiro; é um mero substituto de um amor real. Nesse dia em que o filme o acompanha, ele está fazendo os preparativos para sua morte – e os faz em segredo, como viveu em segredo com Jim (Matthew Goode). George, enfim, se oculta atrás de uma fachada que tem necessariamente de ser indevassável. Colin Firth, porém, faz aquilo que seu personagem nunca se arriscaria a fazer: rompe a beleza tirânica do filme com um desespero real e um grau de compromisso que nunca se vira nele. Em uma cena estupenda, ele recebe por telefone a notícia da morte de Jim. Está sozinho em casa; sua voz, então, permanece imperturbável, enquanto sua fisionomia desmorona sob a tristeza. É de partir o coração que, neste domingo 7, Jeff Bridges vá quase com certeza – e também com justiça – levar o Oscar (veja matéria): Firth está na primeira indicação, mas poucas vezes um ator fez tanto por merecer esse reconhecimento.


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A hora da estrela



Cinema


Sandra Bullock já fez de tudo: filmes bons (e nem tão bons)
de sucesso, filmes esquecíveis, filmes ruins. No último ano,
porém, ela tentou algo diferente: levar-se a sério como atriz


Isabela Boscov

Fotos Everett Collection/Grupo Keystone
ARDIDA COMO PIMENTA
Sandra, no papel de Leigh
Anne Tuohy, entra em campo
para dizer a que veio ao seu filho
adotivo (Quinton Aaron),
em Um Sonho Possível:
com um revólver na bolsa
e sem papas na língua

VEJA TAMBÉM

Em Um Sonho Possível (The Blind Side,Estados Unidos, 2009), que estreia no país no próximo dia 19, Sandra Bullock dá um passo que já resultou em tombo para muitas estrelas de comédias românticas: enfrenta uma personagem dramática madura. No papel verídico de Leigh Anne Tuohy, uma sulista rica, republicana e religiosa que abrigou em casa, junto à família, um rapaz negro e pobre sem conhecê-lo (e depois o adotou, dando-lhe a chance de se tornar um atleta célebre do futebol americano), Sandra vive um tipo de mulher que o cinema tende a suavizar com traços folclóricos: moralista, dura na queda e contundente nas suas certezas. Ela, no entanto, deixou todas as arestas da personagem aparentes. Obteve, assim, sua primeira indicação ao Oscar e uma acolhida inesperada. Um Sonho Possível, em que pesem seus muitos clichês, confrontou o público americano com alguém que lhe pareceu familiar e verdadeiro. A bilheteria foi estrondosa – a segunda de Sandra no último ano, em que ela também fez sucesso em outro papel potencialmente antipático, o da executiva de A Proposta. A seguir, trechos da entrevista que a atriz concedeu a VEJA.

A maioria das atrizes americanas se queixa do sexismo e do preconceito de idade em Hollywood. E, no entanto, mulheres como você, agora com 45 anos, e Meryl Streep, com 60, viraram sucesso na bilheteria. Algo mudou?
O sexismo e o preconceito de idade eram, sim, prevalentes, mas de uns cinco anos para cá essa noção é mais um clichê do que uma realidade. Hollywood é um negócio; se alguns filmes com mulheres dão dinheiro, outros como eles serão feitos. Os dois bons papéis que tive no último ano, em A Proposta e Um Sonho Possível, foram escritos por homens. Não nasceram de um desejo feminino de criar uma oportunidade para as mulheres em um ambiente chauvinista.

Você parece nunca ter se sentido tão segura quanto agora. É resultado da idade?
Acho que há muito tempo já me sinto confortável comigo mesma. Se existe algo de diferente, é porque talvez se reflita no meu trabalho quanto estou feliz na minha vida pessoal. Ser criativa e me empregar de maneira produtiva é, claro, importante para mim. Mas minha vida íntima e minha família são a prioridade; sem paz nelas, não há trabalho que traga satisfação. Acho que as duas coisas, os bons projetos e a tranquilidade pessoal, convergiram.

Suas personagens em A Proposta e Um Sonho Possível são ambas decididas e autossuficientes. Elas se parecem com você?
A executiva de A Proposta e Leigh Anne Tuohy, a dona de casa de Um Sonho Possível, têm um histórico muito diverso do meu. Para mim, isso as torna não só mais atraentes como também, paradoxalmente, mais acessíveis. Não sou boa em emprestar partes de mim mesma a personagens. Gosto de figuras muito bem definidas, nas quais posso mergulhar inteira.

Você disse que, nos primeiros dias de filmagem de Um Sonho Possível, estava tão mal no papel que considerou largar o filme.
Passei muito tempo com Leigh Anne, tentando assimilar a maneira como ela fala e se veste, seu jeito de ser. Mas as primeiras cenas que rodamos foram de uma frustração indescritível. Não consegui juntar esses elementos em uma personagem crível. John Lee Hancock, o diretor, passou dois anos preparando esse filme, e eu cogitei abandoná-lo para não destruí-lo: achei que o papel de fato estava além de mim. Mas, quando começamos a fazer as cenas com as crianças, tudo repentinamente entrou nos eixos.

Você já se vira nessa situação antes, de tatear em busca de um papel?
Muitas vezes. Sempre torço para que o clique que faz as coisas se encaixarem venha logo. Mas nem sempre os meus desejos são atendidos.

O público americano adorou Um Sonho Possível, mas o mesmo não se pode dizer da crítica, que objetou, acima de tudo, ao que ela considerou paternalismo – a ideia de um personagem negro que é salvo por uma família branca.
Cresci numa família muito misturada, tanto do ponto de vista étnico quanto cultural. Não sou de direita e não sou religiosa, como a protagonista. Mas compreendo o valor de ajudar uma criança, de amar um filho que não tenha nascido de você e de não medir esforços para proteger sua família. Estou habituada a ganhar resenhas ruins, e sei também que é inevitável que julguemos os outros por tudo e qualquer coisa – eu faço isso constantemente, e me sinto mal por isso. Mas acho que objetar a um filme por ele mostrar amor e generosidade não é um exemplo de boa argumentação.

A INSPIRAÇÃO
Sandra, com Leigh Anne Tuohy:
"Se as pessoas veem hipocrisia
no gesto dela, não sei nem como reagir"


Você diria que os liberais se irritam ao ver um papel positivo como esse encarnado em uma mulher republicana, e ainda por cima defensora do porte de armas?

Estou atônita. Não sei como responder a essa pergunta. Leigh Anne é uma mulher absolutamente honesta, que calha também de ser republicana e favorável ao porte de armas. A casa dela está aberta a qualquer um que necessite, como Michael Oher, o menino que ela adotou, necessitava. Se as pessoas são míopes a ponto de enxergar hipocrisia no gesto dela, não sei como reagir.

Há cinco anos, você se casou e ganhou uma família pronta, como madrasta dos três filhos de seu marido. Que tipo de ajuste essa mudança exigiu?
Todo tipo. Mas foram os ajustes mais gratificantes e abençoados que já tive de fazer na vida. É um lugar-comum dizer isso, mas essa família, que me recebeu de braços abertos, foi a melhor coisa que me aconteceu.

Você procura se manter longe de Hollywood e protege com unhas e dentes a privacidade dos seus filhos. O que você diria se um deles se interessasse pelo showbiz por sua causa?
Eu diria: cresça, vá à escola e torne-se um adulto. Se então você ainda quiser entrar no showbiz, a decisão será sua. Mas não se deve entrar nesse meio antes de saber o que se está fazendo.


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