Saturday, March 06, 2010

Lindo até demais


Cinema


Direito de Amar é o que se esperaria da estreia na direção
do estilista Tom Ford: um filme de beleza quase tirânica,
que só ganha sentimento verdadeiro na interpretação
estupenda de Colin Firth


Isabela Boscov

Everett Collection/Grupo Keystone
UMA VIDA EM SEGREDO
Firth, como o professor homossexual que enviuvou, com a amiga interpretada por Julianne: um amor
que não ousa dizer seu nome nem a portas fechadas

Em novembro de 1962, oito meses após perder em um acidente Jim, o homem com quem vivia feliz havia dezesseis anos, o professor de literatura George Falconer pensa em suicídio. "Acordar pela manhã dói", diz ele, enquanto se veste meticulosamente para um dia de trabalho. Mas, não fosse a interpretação belíssima de Colin Firth, é provável que a melancolia desse ritual de envergar um disfarce para sair ao mundo terminasse eclipsada pela elegância do disfarce em si – dos óculos e sapatos ao terno, um conjunto pelo qual valeria considerar alguns crimes. E que, como a direção de Direito de Amar (A Single Man, Estados Unidos, 2009), desde sexta-feira em cartaz no país, tem a assinatura de Tom Ford, até 2004 diretor criativo da grife Gucci e hoje dono de um império com a sua própria marca. Conhecido no mundo da moda como um controlador obsessivo, Ford em nenhum momento denuncia sua inexperiência no novo meio: é um cineasta seguro e deliberado. Não há aspecto dessa sua adaptação do romance de Christopher Isherwood, da qual ele é também corroteirista, que não tenha sido abrangido por sua concepção. Todos os figurinos são magníficos; todas as pessoas em cena, inclusive os figurantes, são lindas; e todas as tomadas foram planejadas pelo seu máximo potencial estético. É o que se esperaria de Ford. Mas é o que torna Direito de Amarsufocante.

DE OLHO EM TUDO
Ford: um controlador obsessivo
na moda e também no cinema


Opressiva também, claro, é a situação de George, refém de uma homossexualidade inconfessável e de um luto que não pode ser demonstrado. Para um aluno que o aborda abertamente, ele se refere ao amante morto como um mero inquilino. Sua melhor amiga (Julianne Moore) postula que um amor homossexual não pode ser verdadeiro; é um mero substituto de um amor real. Nesse dia em que o filme o acompanha, ele está fazendo os preparativos para sua morte – e os faz em segredo, como viveu em segredo com Jim (Matthew Goode). George, enfim, se oculta atrás de uma fachada que tem necessariamente de ser indevassável. Colin Firth, porém, faz aquilo que seu personagem nunca se arriscaria a fazer: rompe a beleza tirânica do filme com um desespero real e um grau de compromisso que nunca se vira nele. Em uma cena estupenda, ele recebe por telefone a notícia da morte de Jim. Está sozinho em casa; sua voz, então, permanece imperturbável, enquanto sua fisionomia desmorona sob a tristeza. É de partir o coração que, neste domingo 7, Jeff Bridges vá quase com certeza – e também com justiça – levar o Oscar (veja matéria): Firth está na primeira indicação, mas poucas vezes um ator fez tanto por merecer esse reconhecimento.


Trailer

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