Tuesday, October 13, 2009

13/10/2009 - EDITORIAIS

O QUE PENSA A MÍDIA

VIÉS CENTRALIZADOR
EDITORIAL
O GLOBO
13/10/2009

A produção brasileira de petróleo e gás certamente dará um salto quando estiverem em operação os campos já descobertos na chamada camada do pré-sal. Embora essa expansão só possa ser efetivamente assegurada quando forem delimitadas as reservas, e os testes de longa duração confirmarem a produtividade provável dos campos, simulações indicam que o Brasil terá um saldo positivo na balança comercial do petróleo (exportações menos importações), da ordem de 1 milhão de barris diários.

Com isso, o petróleo deverá liderar a lista dos produtos que o Brasil estará exportando mais ao fim da próxima década. O petróleo é negociado para pagamento à vista (menos de 90 dias). Então é um volume de recursos que pode ter, de fato, forte impacto nas finanças externas do país. Como é uma riqueza finita, a prudência e a experiência econômica recomendam que o Brasil tente poupar ao máximo essa renda adicional proveniente das exportações de petróleo. O mecanismo mais usual é conhecido como fundo soberano, por meio do qual as divisas são mantidas em aplicações seguras que proporcionem, preferencialmente, bom retorno e ainda contribuam positivamente para o desenvolvimento da economia brasileira.

Os resultados dessas aplicações devem ser direcionados para investimentos internos que possibilitem avanços sociais importantes (educação, infraestrutura, meio ambiente, ciência e tecnologia). É uma estrutura que precisa estar institucionalmente bem definida, abrindo-se a possibilidade de renovação nas prioridades, que devem ser ajustadas à realidade futura.

Não são poucos os exemplos de oportunidades desperdiçadas por países pouco desenvolvidos que descobriram grandes reservas de petróleo. O Brasil, face ao tempo que se tem pela frente até que a produção do pré-sal se materialize, pode se preparar para evitar esse tipo de maldição.

Um equívoco é a centralização da administração dos recursos no Executivo federal. É o que acontecerá com o fim da participação especial, distribuída entre estados e municípios das áreas produtoras.

Com o pré-sal, governadores e prefeitos, mantida a participação especial, teriam condições de executar projetos com o conhecimento da realidade local, distante do burocrata de Brasília. E sem prejudicar a Federação, pois o Tesouro recolhe quase a metade desses recursos, e pode destiná-los a outras regiões.

O PAÍS ONDE VIVE A DIFERENÇA
EDITORIAL
JORNAL DO BRASIL
13/10/2009

RIO - Não é à toa que o Brasil está entre os dez países mais desiguais do mundo. A origem e os fundamentos da desigualdade não são difíceis de se revelarem. Estão no cotidiano, nas diferenças que, de tão presentes e persistentes historicamente, são tomadas como parte natural da paisagem. Há as disparidades regionais, de gênero, de raça, de educação, de classes sociais. Mas não adianta o país se olhar no espelho. Somente quando postas lado a lado com as de outras nações é que as desigualdades brasileiras despertam aquele breve momento de desconforto.
É o que ocorre, agora, com o estudo feito pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em 18 países da América Latina. Nele, o Brasil aparece como o detentor das maiores disparidades, quando consideradas as diferenças salariais de gênero e entre brancos e outras raças ou minorias étnicas.
No país cujas próximas eleições presidenciais incluirão duas candidatas de peso, Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PV), as mulheres recebem salários em média 29,7% menores do que os homens com a mesma idade e nível de instrução. É um percentual bem acima da média (17,2%) dos outros países latino-americanos pesquisados. No Peru, o segundo mais desigual na região, as mulheres ganham 19,4% menos.
No Brasil, segundo dados do IBGE, os homens têm rendimentos maiores até entre os trabalhadores domésticos, que compõem uma mão de obra majoritariamente feminina. A média salarial das empregadas domésticas sem carteira é de R$ 298, enquanto a dos homens é de R$ 404.
Essa é apenas uma das provas mais contundentes da discriminação. A outra diz respeito à educação, atributo que costuma estar mais relacionado às diferenças entre os ganhos dos indivíduos. Mesmo a escolaridade feminina sendo maior do que a masculina (9,2 contra 8,2 anos de estudo em média), as mulheres ganham menos. O rendimento médio deles é de R$ 1.130,25, e o delas é de R$ 801,63 – de acordo com dados recentes da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (Pnad), divulgados pelo IBGE.
Há diferenças entre a Pnad e o modelo utilizado pelo BID, criado pelo economista Hugo Nopo. Mas os resultados sobre a extensão da desigualdade são os mesmos. No estudo do banco, assinado por Nopo e pelos também economistas Pablo Atal e Natalia Winder, ressalta-se igualmente a defasagem salarial por raça. De novo, o Brasil surge como o campeão. Os trabalhadores brancos no país ganham em média 30% a mais do que negros e indígenas. No Equador, verificou-se a maior homogeneidade de rendimentos por raça, com os brancos ganhando apenas 4% a mais que outras etnias.
Diante de um quadro assim, a pergunta mais óbvia é: o que fazer? O Brasil tem atacado a desigualdade. Ela vem caindo paulatinamente nos últimos anos, com a realização de políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família. Mas estas iniciativas precisam ser associadas a programas que reduzam as disparidades de grupos específicos. Para as mulheres, o BID sugere maciços investimentos em creches públicas. Para as minorias étnicas, a melhora da qualidade do ensino público. São políticas universalistas. Sem as contraindicações dos que se irritam só de ouvir falar em ações afirmativas.

A LRF NÃO PODE MUDAR
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
13/10/2009

Por meio de um esperto jogo de palavras, o projeto de lei complementar protocolado na terça-feira passada na Mesa do Senado pelo senador César Borges (PR-BA) muda pontos essenciais da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O projeto - iniciativa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) endossada pelo senador baiano - permite a "flexibilização" dos limites e obrigações definidos pela LRF para a União, os Estados e os municípios. Tal "flexibilização" será igual, proporcionalmente, à redução da receita efetiva em relação à receita estimada nos orçamentos de 2009.

Tendo redigido o projeto desse modo, o senador ressaltou, na justificativa, que o objetivo não é "promover alterações na Lei de Responsabilidade Fiscal e sim flexibilizá-la para o exercício financeiro de 2009".

Mas essa justificativa encobre graves riscos. Flexibilizar, diz o dicionário, é "tornar flexível"; e flexível é "o que se pode dobrar ou curvar", "fácil de manejar, maleável". Ou seja, flexibilizar os limites da LRF é o mesmo que desrespeitá-los. O projeto restringe o desrespeito aos limites a 2009, mas a história das finanças públicas brasileiras registra que, adotada uma vez, uma brecha no rigor fiscal tende a perpetuar-se - e o próprio projeto abre caminho para isso ao permitir a extensão da "flexibilização" para 2010.

Em vigor há pouco mais de nove anos, a LRF se transformou na grande barreira para as práticas financeiras irresponsáveis dos administradores da coisa pública, que levaram a seguidas crises fiscais. Introduziu uma mudança notável nas práticas da administração pública brasileira e é reconhecida internacionalmente como um dos principais pilares da austeridade fiscal que se tornou um importante instrumento para o Brasil enfrentar a crise financeira mundial melhor do que outros países.

Exatamente pela austeridade e pelo rigor que a lei impôs, são muitas, desde sua edição, as tentativas de mudá-la, evidentemente para torná-la mais branda. No Senado tramitam mais de 10 projetos de alteração da LRF; na Câmara, são mais de 50. Um deles, que ameniza as exigências para Estados e municípios tomarem novos empréstimos, já passou pela Câmara e foi enviado ao Senado.

O do senador César Borges vem embalado pela forte pressão da CNM por mais recursos do governo federal e pelo abrandamento das regras de gestão financeira. Essa pressão já produziu alguns resultados favoráveis para os prefeitos, como a decisão do governo Lula de abrir um crédito especial para os municípios de R$ 2 bilhões, para compensar a quebra dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) - para os Estados, o Conselho Monetário Nacional aprovou o aumento de R$ 6 bilhões no limite de seu endividamento.

Nem isso satisfez os prefeitos. "Todos os municípios foram afetados pela crise, da cidade de São Paulo até o menor município de Minas Gerais", diz o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski. "A maioria, se não todos, está com as contas desequilibradas." O projeto, segundo ele, foi elaborado para dar uma cobertura legal aos prefeitos às voltas com dificuldades financeiras em razão da crise.

De fato, muitas prefeituras têm problemas. Mas não há nenhum sentido em mudar a lei para lidar com cada emergência que o País enfrente, como afirmou ao Estado o especialista em finanças públicas Raul Velloso. "Se alterarmos esse tipo de lei por conta de eventos conjunturais, depois de algum tempo não saberemos o que vale e o que não vale, e o que pode ser alterado e o que não pode. A lei não pode mudar."

Além dos limites formais para os gastos com pessoal e para o endividamento, a LRF estabelece parâmetros prudenciais que, se atingidos, obrigam os responsáveis pelos gastos a tomar medidas preventivas - suspender as contratações, por exemplo. Se essas medidas tivessem sido tomadas a tempo, muitas prefeituras que temem o descumprimento das regras da LRF não teriam chegado à situação atual.

Além disso, se tiverem excedido o limite, elas têm prazo para cortar os gastos excedentes. A própria LRF prevê que, em casos excepcionais, como o de uma quebra inesperada do PIB local ou nacional, esse prazo seja duplicado.

Em resumo, não há necessidade de mudar a lei, ainda que se diga que o objetivo é apenas "flexibilizá-la".

A EVOLUÇÃO DA VISTORIA
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
13/9/2009

A inspeção anual obrigatória de veículos realizada no Município de São Paulo foi estendida, a partir do ano que vem, para todos os veículos licenciados na cidade, com exceção dos fabricados em 2009 e em 2010, e também medirá os níveis de ruído emitidos. O programa iniciou-se em 2008, com a vistoria dos veículos a diesel, foi ampliado neste ano para os carros a álcool, gasolina e gás natural fabricados a partir de 2003 e para as motos, caminhões e ônibus fabricados em qualquer ano.

A decisão inicial de poupar os carros mais velhos, com tecnologia ultrapassada e manutenção inadequada, foi mal recebida pela opinião pública. Não sem razão, pois os carros fabricados antes de 2002 representam 57% da frota paulistana de 6,3 milhões de veículos. Há estimativas de que pelo menos 30% dos donos de carros velhos não pagam impostos ou multas nem licenciam os veículos no prazo.

O professor do Departamento de Engenharia de Transportes da Escola Politécnica da USP, Jorge Waisman, estima que a apreensão dos veículos irregulares que circulam pela capital resultaria em receita extra de R$ 200 milhões com a recuperação de impostos e multas. Evidentemente, a imposição da vistoria a todos os veículos em 2008, ano eleitoral, afetaria a campanha do prefeito Gilberto Kassab, que tentava a reeleição.

Já em fevereiro deste ano, ao anunciar a decisão de poupar a frota de "velhinhos", as autoridades municipais a justificaram pelo elevado investimento necessário para a construção dos 33 centros de inspeção. Conforme a Prefeitura, esse custo poderia não ser compensado caso a adesão fosse tão baixa quanto a registrada em 2008, na primeira fase do programa. Apenas 13% dos proprietários de veículos a diesel atenderam à convocação nos primeiros meses.

Mas a adesão dos proprietários de veículos neste ano foi surpreendente. Em setembro, pelo balanço divulgado pela Prefeitura e pela Controlar, a adesão média foi de 80% dos automóveis, 60% dos ônibus, 35% dos veículos a diesel e 23% das motocicletas, na inspeção dos veículos com placas com número final de 1 a 6. Até o final de julho, houve 98% de adesão dos carros com placas de final 1. A vistoria pode ser feita fora do prazo, mas enquanto não for realizada os carros não podem ser licenciados e, se forem flagrados, sofrem multa de R$ 550,00.

A Controlar, empresa responsável pela vistoria, mantém 14 postos de inspeção instalados em nove bairros, com capacidade de atendimento de 430 mil veículos por mês. Com a obrigatoriedade da inspeção para todos os veículos, 3,5 milhões de proprietários deverão agendar a vistoria no ano que vem. Em entrevista ao Estado, o diretor executivo da empresa afirmou que não haverá sobrecarga no sistema porque os 14 postos existentes têm capacidade de absorver a demanda extra.

A empresa vem prestando atendimento eficaz aos paulistanos, que podem fazer o agendamento pela internet e, nos postos, o cumprimento do horário agendado é bastante preciso. A Prefeitura não precisava, portanto, ter deixado de lado durante mais de um ano a frota de "velhinhos", apesar do alto nível de poluentes emitidos por seus motores em prejuízo da saúde de toda a população, da perda de receita que isso representa e das complicações que trazem ao caótico trânsito paulistano.

No próximo dia 20, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) aprovará a tabela que indica os níveis máximos de emissões permitidos, conforme o ano de fabricação do veículo. O texto já foi aprovado pela Câmara Técnica de Controle e Qualidade e pela assessoria jurídica do conselho. É resultado de um pedido da própria Prefeitura de São Paulo que solicitou ao Ministério do Meio Ambiente os parâmetros a serem obedecidos para os veículos antigos.

O número de postos de inspeção deve chegar a 30 até o fim de 2010, promete a Controlar. Constatado que o atendimento tem sido eficiente, a adesão deverá ser grande, o que é essencial para melhorar o ar que São Paulo respira e para que nada mais justifique a preservação da parcela da frota mal mantida e com documentação irregular.

AS REFORMAS DA JUSTIÇA
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
13/10/2009

Em sessão administrativa, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovaram a regulamentação da Lei nº 12.019, sancionada em 21 de agosto de 2009 pelo presidente Lula, que autoriza os relatores de ações penais da própria Corte e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a convocarem juízes de varas criminais estaduais ou federais e desembargadores de turmas criminais dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais para atuarem em interrogatórios e outros atos de instrução processual.

Proposta pelo ministro Cezar Peluso, a iniciativa visa a agilizar a tramitação das ações penais que correm no STF e no STJ. Pela regulamentação aprovada pelo STF, os magistrados das instâncias inferiores poderão ser convocados pelo prazo de seis meses, prorrogável por igual período, até o prazo máximo de dois anos. Ao lado da súmula vinculante, da cláusula da repercussão geral e do princípio da repercussão geral, inovações que foram introduzidas pela Emenda Constitucional (EC) nº 45, essa é mais uma medida especialmente concebida para descongestionar as duas mais importantes Cortes do País e aumentar a segurança jurídica para cidadãos e empresas.

Desde que essas inovações começaram a ser adotadas, graças ao primeiro Pacto Republicano de Reforma do Judiciário firmado há cinco anos pelos presidentes dos Três Poderes para acelerar a implementação da EC 45, o número de recursos que tramitam nos tribunais superiores vem caindo significativamente. O último balanço do Supremo, divulgado essa semana, confirma essa tendência. Entre janeiro e outubro de 2007, por exemplo, foram distribuídos aos 11 ministros da Corte cerca de 101 mil processos. Em 2008, o número despencou para 58.638 e, em 2009, no período entre janeiro e 6 de outubro, foram distribuídos somente 35.580 processos.

Além das inovações processuais e administrativas adotadas para descongestionar os tribunais superiores e acelerar o julgamento dos recursos, o STF anunciou outra importante iniciativa para viabilizar o segundo Pacto Republicano de Reforma do Judiciário. Concebido para democratizar o acesso à Justiça, estabelecer novas condições de proteção dos direitos humanos, melhorar a qualidade da prestação jurisdicional e aumentar a eficiência do sistema penal no combate à violência e à criminalidade, o documento foi assinado em abril pelos presidentes dos Três Poderes e prevê a criação de um comitê interinstitucional de gestão.

Até agora, haviam sido indicados para o órgão o ministro Teori Albino Zavascki, do STJ; o desembargador Rui Stocco, do TJSP e membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ); o juiz Antonio Umberto de Souza Jr., da 6ª Vara do Trabalho de Brasília e também integrante do CNJ; o desembargador federal aposentado Vladimir Passos de Freitas; e o secretário-geral da presidência do Supremo, Luciano Fuck. Como quase todos indicados são oriundos dos quadros da magistratura, motivo pelo qual não têm experiência em gestão administrativa, o comitê interministerial carecia de um administrador experiente e respeitado. O problema foi resolvido essa semana com a indicação de Everardo Maciel. Ex-secretário da Fazenda de Pernambuco e do Distrito Federal, ex-chefe da Receita Federal, ex-secretário executivo dos Ministérios da Fazenda, Educação, Interior e Casa Civil, professor da FGV e consultor tributário da ONU e do FMI e membro do conselho consultivo do CNJ, ele é hoje um dos mais respeitados especialistas em administração pública do País.

A indicação de Maciel foi feita no momento em que o CNJ vem estimulando todo os tribunais a cumprir a chamada "Meta 2", pela qual eles se comprometeram a julgar, até dezembro, todas as ações protocoladas antes de 2005. Dos 38 milhões de processos que ingressaram no Judiciário até este ano, 33,7 milhões tramitam nas Justiças estaduais, que se queixam da falta de recursos. Para as autoridades estaduais e federais encarregadas do orçamento do poder público, os tribunais gerem mal as verbas que recebem. Com o ingresso de Maciel no comitê gestor do segundo Pacto Republicano de Reforma do Judiciário, o problema da profissionalização da gestão da Justiça pode começar a ser enfrentado. Com as medidas que o CNJ e o STF têm adotado, aos poucos o Judiciário vai entrando nos eixos.

DESGASTE POUPADO
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
13/10/2009

Economia em alta e risco de subida de juros básicos permitem que governo Lula empurre reforma da caderneta para sucessor

MUITO BARULHO por nada. O saldo de cinco meses de ensaios do governo federal para alterar a remuneração da caderneta de poupança foi nulo. O presidente Lula, como esta Folha informou no sábado, desistiu de propor ao Congresso qualquer modificação nas regras da tradicional aplicação.
Nem mesmo a segunda versão da proposta anunciada pelo Executivo, de taxar em 22,5% do Imposto de Renda o que ultrapassasse R$ 50 mil nas cadernetas, convenceu o Planalto. Prevaleceu a tolerância zero do governo perante qualquer iniciativa que possa lhe trazer desgaste político no ano eleitoral de 2010.
Na verdade, a aceleração da economia e o conservadorismo do Banco Central foram os fatores que tornaram as coisas mais fáceis para a "área política" do governo federal. A atividade econômica dá sinais de retomada mais cedo -e com mais vigor- do que se previa anteriormente. O BC distribui mensagens cifradas aos agentes no sentido de que pode, brevemente, voltar a elevar os juros básicos, embora não haja indício de elevação inflacionária.
Afasta-se, assim, do cenário de curto prazo a possibilidade de novas reduções da Selic, hoje em 8,75% ao ano. Era exatamente essa perspectiva, agora superada, que compelia as autoridades a encaminharem uma solução que diminuísse a atratividade da caderneta de poupança.
Para as pretensões eleitorais do governo, a mudança de expectativas cai como uma luva, pois a oposição já ameaçava explorar, demagogicamente, o assunto.
Fixada em 6,14% ao ano, mais a variação da chamada TR (uma combinação de taxas de mercado), a remuneração da poupança constitui um piso para a diminuição dos juros básicos. Juros básicos, por definição, são os menores praticados num país -se outras aplicações começam a competir com a Selic, a política monetária perde o seu principal instrumento, e a economia fica sujeita a uma série de distorções.
Se a economia brasileira entrou na rota do desenvolvimento duradouro, o tema da caderneta voltará mais à frente. Ele é apenas, vale lembrar, um capítulo a integrar o acervo de regras anacrônicas que engessam a modernização da economia, como a remuneração do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
O governo Lula transferiu a "batata quente" para o seu sucessor, mas reluta em admitir que está diante de um novo dilema para a gestão de curto prazo da economia. Está em curso uma revisão frenética de todos os parâmetros e expectativas da economia -outro dia orientados para uma recessão; agora para a expansão acelerada. A exceção são os gastos públicos, que continuam em escalada, como se a economia já não dispensasse estímulos oficiais para crescer.
O momento é de pisar no freio da gastança e ampliar de novo a poupança do governo, o chamado superavit primário, que está à míngua. Já não se trata de defender a medida a fim de conter o endividamento público, aspecto da gestão econômica que melhorou. O que está em jogo é a capacidade da economia de sustentar taxas elevadas de crescimento pelos próximos anos.
Aumentar depressa a poupança fiscal é o meio mais indicado de combater as ameaças urgentes: dos riscos de valorização excessiva do câmbio aos de elevação desnecessária de inflação e juros. Sem contar a tendência, esta talvez mais preocupante, de manutenção da asfixiante e mal distribuída carga tributária.

MONOPÓLIO DA CHANTAGEM
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
13/10/2009

REGRAS de controle de propriedade na mídia existem em todas as nações democráticas. Cumprem a função de estimular a competição privada e evitar monopólios nas comunicações. É outro, entretanto, o objetivo da presidente da Argentina, Cristina Kirchner.
A legislação aprovada no fim de semana, já sancionada, é um episódio numa série de ações intimidatórias do governo contra grupos de mídia que adotam linha editorial crítica à Casa Rosada. Após uma horda de fiscais ter invadido o grupo Clarín -o maior do país-, o governo agora ameaça expropriar a fábrica de papel imprensa que abastece os principais jornais argentinos.
A nova regulamentação da mídia, além de limitar a presença de empresas nas telecomunicações, reserva dois terços das concessões ao próprio Estado e às ONGs, a serem escolhidas pelo governismo. A intenção, portanto, não é trocar um oligopólio privado por um sistema competitivo. A presidente e seu marido -o ex-presidente Néstor Kirchner- desejam transferir o oligopólio ao governo, bem como a organizações e empresários aliados.
Esse golpe rumo à estatização da mídia na Argentina torna-se agora objeto de batalha nos tribunais, pois empresas afetadas e líderes de oposição contestam sua constitucionalidade. Mas o governo Kirchner, com a lei, obteve uma plataforma adicional, ainda que provisória, para exercer o monopólio da chantagem, do arbítrio e da intimidação.

ATRASO NO IR POR QUEDA DA RECEITA OU ALTA DA DESPESA?
EDITORIAL
VALOR ECONÔMICO
13/10/2009

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, confirmou, na semana passada, que o governo está fazendo "caixa" com o dinheiro que deveria estar devolvendo aos contribuintes que pagaram mais imposto de renda do que deviam e, agora, têm direito à restituição. Com o atraso na devolução do IR, que deverá se estender para 2010, o Tesouro Nacional já se "apropriou" de R$ 1,5 bilhão.
O ministro disse que esse é um procedimento "normal" e atribuiu o problema à demora na recuperação das receitas tributárias, que tiveram queda importante por causa da crise global. De janeiro a agosto, conforme os últimos dados oficiais disponíveis, as receitas tributárias registraram queda nominal de 0,8%. Os gastos do governo federal, no entanto, aumentaram exuberantes 16,1% nesse mesmo período.
A primeira questão que se coloca, diante destes dados, é se a maior parte do problema está na redução das receitas - já claramente esperada em 2008, tão logo se instalou a crise financeira mundial - ou no aumento das despesas, estas sim, sob total controle do governo. A arrecadação de impostos costumam começar a reagir com certa defasagem, após uma abrupta queda do nível de atividade como a que ocorreu no último trimestre do ano passado e no primeiro trimestre deste ano. Os primeiros sinais de recuperação da economia só começaram a aparecer no segundo trimestre deste ano. Isso significa que as empresas que recolhem seus tributos a cada trimestre, em cota única, começarão a pagar um pouco mais a partir de outubro. As que optam pela declaração anual só vão comparecer no próximo exercício.
Como boa parte da base de impostos está na indústria, e esta sentiu mais os efeitos da crise - até agosto seu desempenho estava 10% abaixo do período pré-crise - é natural, portanto, que sua contribuição para o aumento da arrecadação demore mais a aparecer. Os especialistas apontam dezembro como o mês em que poderá haver uma boa reação das receitas, pois a adesão ao último programa de reestruturação de débitos fiscais termina em novembro e os primeiros pagamentos começam no mês seguinte. Setembro foi ruim para a arrecadação.
Assim, para os técnicos do fisco e, portanto, para o governo, não deveria ser motivo de surpresa a demora em se obter resultados, no caixa da União, da recuperação econômica em curso. Assim como não deverá ser surpresa os efeitos que a perda de lucro das empresas terá sobre o pagamento futuro de impostos. Quem registrou prejuízo este ano acumulou crédito contra o fisco.
Como parte do efeito da crise mundial, a receita fiscal do governo, de janeiro a agosto, caiu R$ 34,9 bilhões em relação ao mesmo período de 2008. Segundo dados oficiais, a ação do governo para evitar uma recessão prolongada, entre aumento do gasto e renúncia de receita, representou 1,2% do PIB (R$ 36 bilhões). Ao mesmo tempo, mas sem qualquer relação com a crise, o governo gastou R$ 15,8 bilhões a mais com salários do funcionalismo e R$ 10,2 bilhões a mais em custeio da máquina administrativa até agosto. Com investimentos, o aumento foi de R$ 1,4 bilhão.
Nas últimas semanas, preocupado, o governo começou a "catar moedas sob o sofá", como disse alta fonte da área econômica. Reduziu a meta de superávit primário do ano, se apropriou dos depósitos judiciais que estavam nos bancos, apertou o pagamento de dividendos das empresas estatais e, agora, admitiu que está fazendo caixa com o dinheiro das restituições do IR.
Desde o ano passado especialistas em contas públicas alertam para o que chamam de "gastança" do setor público. Tal percepção só veio a constar de um documento oficial há duas semanas. Ao divulgar o relatório trimestral de inflação, o Banco Central chamou a atenção para os efeitos do "impulso fiscal" e da queda dos juros. O BC atribuiu a essas duas ações a elevação de 3,9% para 4,4% na expectativa de inflação para 2010. Sob orientação de Mantega, o secretário de política econômica, Nelson Barbosa, considerou as repercussões do relatório um ato de "terrorismo fiscal".
É importante lembrar, ainda, que em meio a todas dificuldades da arrecadação, houve desarticulação da fiscalização seguida de uma crise de grandes proporções na Receita Federal, que ficou sob comando interino por 28 dias (entre julho e agosto). Diante de tantas incertezas que a crise mundial trouxe e das particularidades da economia brasileira, o fato é que governo confiou demais na rápida recuperação do país e foi negligente com a despesa.

OS PERIGOS DO CÂMBIO
EDITORIAL
ESTADO DE MINAS
13/9/2009

Valorização do real prejudica exportadores, mas Lula evita artificialismos

O governo está, de novo, às voltas com uma das questões mais delicadas de sua política econômica: o que fazer com o câmbio? Variando ao sabor das ondas de baixa e alta dos demais mercados, especialmente o de capitais, o real tem acumulado valorização na faixa de 25% em relação ao dólar desde o início do ano, situação que deve continuar. As condições da economia brasileira na saída da crise financeira mundial são mais atraentes do que a da maioria dos países concorrentes. Mesmo sendo as mais baixas da história recente, as taxas de remuneração dos títulos públicos ainda estão bem acima da média mundial, num país que goza de estabilidade política e mantém política econômica confiável. Além disso, a perspectiva de exploração dos imensos campos de petróleo descobertos na camada do pré-sal, aliada aos investimentos em infraestrutura de transportes para a realização de megaeventos esportivos – Copa do Mundo de Futebol, em 2014 e Jogos Olímpicos, em 2016 – é convite ao ingresso de capitais.

Desde já, os efeitos da entrada de dólares pelas aplicações no curto prazo e pela rubrica dos investimentos diretos são expressivos. Mas é aí que deve morar a prudência e a experiência que o país construiu nos últimos pelo menos 12 anos de política econômica bem-sucedida e que preparou a economia brasileira para atravessar sem abalos a tempestade que quase levou a pique gigantes da economia mundial. É que a valorização da moeda nacional nunca causou frustração tão intensa e tão perigosa em setores da economia brasileira que tinham sido atingidos pelo esfriamento do mercado mundial de produtos industrializados. Essa frustração se dá no momento em que, superada a pior fase da crise, os mercados começam a retomar os negócios. Depois de meses de queda, as exportações de manufaturados de setembro foram 10,3% maiores do que em agosto. Os asiáticos e os norte-americanos voltaram a fazer encomendas, os brasileiros têm o produto, mas alegam que o câmbio lhes tirou de boa parte da competição pelo preço.

De fato, a concorrência no mundo pós-crise é muito mais forte, pois todos precisam vender e poucos já estão em condições de comprar. Não é por outra razão, aliás, que surge, nessas oportunidades, a praga do protecionismo, que distorce o comércio internacional. No Brasil não é diferente e a situação provocada pela apreciação do real irriga a imaginação de certos economistas que não se cansam de tirar da sacola da saudade medidas de um passado que nos levou ao fracasso e à estagnação por duas décadas. Casuísmos como a limitação da entrada de capitais ou a taxação da remessa de lucros. Ou ainda a superada prática do câmbio centralizado e da fixação do valor da moeda conforme a conveniência da autoridade monetária. Na verdade, trata-se da equivocada mania de proteger meia dúzia de felizes exportadores em prejuízo da maioria dos consumidores, que pagariam mais caro por mercadorias piores – filme antigo e ruim. A alternativa é manter a transparência do câmbio flutuante e trabalhar a redução do custo Brasil, especialmente quanto à carga tributária, que roupa o fôlego competitivo de qualquer empresa. Por sorte, esse parece ser o rumo escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já teria mandado um recado aos mágicos de plantão: nada de artificialismo no câmbio. Que encontrem algo mais inteligente. Ainda bem.

O RACISMO MINIMIZADO
EDITORIAL
CORREIO BRAZILIENSE
13/10/2009

Ao se candidatar a uma vaga de empregada doméstica em São Paulo, em 1997, Simone André Diniz foi rejeitada por não atender a um requisito racista: o contratante dava preferência a pessoas de cor branca, conforme anúncio publicado em jornal. Apesar de o racismo ser considerado contravenção penal no país desde julho de 1951, com a aprovação da Lei Afonso Arinos, e de ter sido agravado pela Constituição de 1988, que o revestiu de caráter imprescritível e inafiançável, a vítima teve sua denúncia arquivada à época, sob a alegação de inconsistência. O caso valeu ao Brasil, em outubro de 2006, uma condenação na Organização dos Estados Americanos. A OEA não só determinou que a ofendida fosse reparada, como recomendou ao Estado nacional providências no sentido de preparar os funcionários da Justiça e da polícia para ações do gênero.

Tese de doutorado em sociologia defendida recentemente na Universidade de Brasília (UnB) mostra que, 10 anos depois, o caso Simone está longe de ser fato isolado. O autor do estudo, Ivair Augusto Alves dos Santos, assessor da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, analisou 7.034 processos penais envolvendo racismo no período compreendido entre um ano antes e um ano depois da decisão da OEA (de 2005 a 2007). O resultado é estarrecedor: em 92% deles, o crime foi desclassificado para injúria. O quadro torna-se ainda mais assustador quando se sabe que apenas uma em cada 17 denúncias de racismo vira ação penal no Brasil. Fica difícil, assim, evitar que a sociedade veja nessa conduta certa conivência da Justiça com o racismo.

A injúria, segundo o artigo 140 do Código Penal, é apenada com multa ou de três meses a um ano de detenção. Como se trata de punição de menor efeito na restrição da liberdade, os juízes quase sempre condenam o infrator a pagar multa, fornecer cestas básicas ou prestar serviços à comunidade. Já a prática do racismo, conforme consta no inciso XLII do artigo 5º da Constituição Federal, “constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei” — até cinco anos de prisão, segundo a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Mais: tipificado o crime como racismo, a ação é pública, movida pelo Ministério Público; alterada a tipificação para injúria racial, passa a ser privada, o que obriga a parte ofendida a constituir advogado ou apelar à Defensoria Pública.

A custódia do acusado em regime presidional não tem apenas a função de punir, mas, sobretudo, de constituir advertência para que se respeite a lei. Essa função pedagógica parece não estar sendo observada por muitos juízes. Falta aos magistrados brasileiros acertar o passo com a legislação anti-racista do país. Do contrário, a curva ascendente do número de ações penais verificada nos últimos anos tenderá a se inverter, desestimulando as vítimas a procurar a Justiça. Não se pode minimizar o fato de pessoas serem insultadas pela cor da pele ou encontrarem qualquer tipo de dificuldade maior na procura por uma vaga do mercado de trabalho, na rede de ensino ou mesmo para se locomoverem. Infelizmente, quase três anos depois, a recomendação da OEA continua valendo. Que seja acatada, antes de nova e vergonhosa condenação.

“FICHAS-SUJAS”
EDITORIAL
GAZETA DO POVO (PR)
13/10/2009

É sabido que, no Congresso Nacional, há pe¬¬lo menos dez propostas de alteração legislativa tendo por objetivo barrar a candidatura dos chamados “fichas-sujas”. De maneira geral, propostas que pretendem tornar mais rigorosos os requisitos de elegibilidade e que criticam, por exemplo e dentre outros aspectos, a exigência de trânsito em julgado, em processos criminais, como condição im¬¬peditiva de candidaturas. Fala-se, então, que seria suficiente uma condenação por parte de um ór¬¬gão colegiado (tribunal) – o que já foi sustentado pelo ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tri¬¬bunal Federal (STF) – ou, para alguns, até mesmo uma condenação por um juízo singular. Pro¬¬postas que suscitam debates e discussões de duas ordens: uma política e outra jurídica.
No âmbito político, basta dizer que propostas de tal natureza afetam diretamente uma grande parcela dos nossos representantes em Brasília, pois, como sabemos, mais de uma centena dos atuais congressistas são réus em processos em trâmite no STF.
Muitos dos “fichas-sujas” lutam com unhas e dentes por um mandato simplesmente para deslocar seus processos para os tribunais superiores, justamente pelo fato de os referidos tribunais não estarem suficientemente estruturados para ab¬¬sorver o processamento de inquéritos e de ações penais calcados no “foro privilegiado”. Falta-lhes estrutura. Não faz parte da rotina dos tribunais a instrução processual. Não faz parte da rotina das cortes, por exemplo, ouvir testemunhas e o depoimento das partes. E os resultados, quais são? A prescrição, a absolvição por falta de provas e assim por diante.
Assim, as propostas sobre os “fichas-sujas” geram sempre uma grande resistência. São propostas cujas aprovações dependeriam de um mínimo de espírito público, o que, infelizmente, é cada vez mais raro naquele específico espaço do Distrito Federal.
Mas não é só isso. A discussão em torno da inelegibilidade dos candidatos “fichas-sujas” traz à tona, também, um interessante debate de cunho jurídico. Mais especificamente, de cunho constitucional.
A questão é: até que ponto o impedimento da candidatura de pessoas condenadas de forma não definitiva, ou seja, sem trânsito em julgado, não feriria o princípio da não culpabilidade, princípio esse que, insculpido no artigo 5.º, LVII, da Cons¬¬tituição Federal, estabelece que “... ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”?
Pois bem, para aqueles que sustentam a desnecessidade do trânsito em julgado, o fundamento estaria no §9.º, do artigo 14, da Constituição Federal de 1988, o qual determina que “lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.
Para eles, a existência de uma condenação criminal – por um juízo singular ou por um colegiado –, ainda que não definitiva, poderia sim ser mais um critério restritivo de candidatura. Nesse caso, estaria em jogo o interesse da sociedade pela probidade administrativa e pela moralidade. Em última análise, a fortaleza e a legitimidade do sistema representativo e da nossa democracia.
Não existiriam, desse modo, direitos fundamentais absolutos e, no caso em questão, o princípio da não culpabilidade cederia espaço para a proteção de valores coletivos.
De outro lado, porém, enfileiram-se os que não admitem nenhuma espécie de “relativização” do princípio da não culpabilidade e que, por isso mesmo, entendem que a restrição contemplada em uma eventual alteração legislativa violaria, inevitavelmente, uma norma constitucional de caráter fundamental. Uma “cláusula pétrea” da nossa Magna Carta. Para esses, o princípio da não culpabilidade não se restringiria à seara penal. Estender-se-ia também ao campo político e a todas as demais esferas da vida dos cidadãos.
A polêmica é, sem dúvida, significativa, mas, independentemente da posição que se adote, entendemos que a origem do “problema dos fichas-sujas” está ligada, principalmente, à impunidade. E uma impunidade que decorre (i) das deficiências da nossa legislação processual (notadamente o excesso de recursos) e (ii) da falta de estrutura do Poder Judiciário.
Vivêssemos todos em um país com uma legislação processual mais racional e menos comprometida com a eternidade do processo; em um país com um Poder Judiciário dotado de estruturas adequadas e eficientes; e em um país onde não reinasse a impunidade da classe política; seriam os “fichas-sujas”, de fato, um problema? Com certeza não.

A BOMBA DOS GASTOS
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
13/10/2009

O alerta de que o orçamento federal se transformou numa impressionante “folha de pagamento”, devido ao excessivo comprometimento dos gastos públicos com demandas como Previdência, reajuste do salário mínimo e dos servidores, além de assistência social, preocupa pelo fato de coincidir com um momento de transição para o país. A economia brasileira só poderá deslanchar no ritmo das necessidades da população se o setor público puder operar com suas receitas em equilíbrio. A questão é que nem tudo vem se encaminhando desta forma, como alerta o economista e especialista em finanças públicas Raul Velloso, em artigo publicado na edição de ontem de O Globo.

Um dos problemas impostos pela opção por privilegiar alguns segmentos específicos é que a própria sociedade vai aos poucos se dando conta das deformações geradas por esse tipo de política. Entre elas, estão o inchaço da máquina pública e salários que, em alguns casos, se mostram acima dos pagos pelo setor privado para o exercício de funções equivalentes. Da forma como são pagos, sem uma adequada fiscalização sobre o cumprimento de contrapartidas exigidas pelo programa, os recursos liberados para o Bolsa-Família também lançam dúvidas sobre a sua eficácia, em muitos casos. Finalmente, do total de verbas liberadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a estimativa é de que apenas um terço se refira a benefícios cobertos com contribuição dos potenciais beneficiários. O restante fica por conta do Tesouro, o que reforça as razões para preocupação com reivindicações em andamento nesta área.

O agravante, como ressalta o articulista, é que o custo desse imenso manto de proteção orçamentária pode ser uma limitação do crescimento sustentável. Além disso, a opção impõe uma armadilha da qual o governo federal não tem como se livrar facilmente: a defesa da manutenção dessas vantagens já não rende tantos dividendos políticos para quem está no poder, mas sua retirada pode impor custos elevados. A sociedade precisa ficar atenta a essa tendência para evitar que os prejuízos se tornem insanáveis.

O governo federal, que deveria aproveitar a fase de saída da crise econômica para rever sua política de gastos, vem tomando iniciativas em sentido oposto, o que poderá ter efeitos explosivos mais adiante. Momentos como o atual, com a queda na taxa de câmbio e de juros, acabam estimulando um aumento nos gastos. Os dispêndios, obviamente, deveriam contemplar investimentos em áreas que podem favorecer a expansão econômica, como é o caso da infraestrutura. Apesar da ênfase à realização de obras no discurso oficial, o que se constata, porém, é uma preocupação predominante em privilegiar alguns segmentos, ainda que isso implique ganhos apenas para algumas faixas, em detrimento das demais.

NOVA ARMA CONTRA A AIDS
EDITORIAL
JORNAL DO COMMERCIO (PE)
13/10/2009

Setembro de 2009 é uma data que ficará marcada na crônica médica mundial por dois grandes eventos científicos, um deles em Pernambuco. O primeiro foram os bons resultados obtidos com uma vacina experimental contra a aids, desenvolvida por cientistas tailandeses e norte-americanos. Essa vacina – produto de estudos iniciados em 2003 – reduziu a possibilidade de contaminação em 31,2% e foi o primeiro caso bem-sucedido entre seres humanos. Entre nós, a comunidade científica comemora o trabalho desenvolvido por cientistas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)que identificaram dois genes que produzem proteínas capazes de reforçar a imunidade do organismo. A descoberta vai ser apresentada em Paris, na França, durante o Congresso Mundial de Vacina contra a aids, no dia 18 deste mês.
Esses dois momentos importantes na pesquisa científica em todo mundo trazem à tona, entre nós, as atenções rigorosas que devem cercar a pandemia de uma doença que começou a ser notificada em 1980 e somente no Brasil é responsável por mais de 220 mil óbitos. Até o ano 2000 a aids ocupou as mentes, preocupou e escandalizou. No princípio, parecia um mal limitado ao sexo masculino e determinadas faixas de risco, até virar o que é hoje: uma pandemia, que atinge os dois sexos, com participação crescente das mulheres na contaminação e passagem dos estratos sociais de maior escolaridade para os menos escolarizados. Em qualquer circunstância, porém, há de se ressaltar que no Brasil esse problema vem sendo tratado com seriedade desde que se tornou questão de saúde pública e faz de nosso País um modelo em todo mundo em tratamento e pesquisas.
O importante a realçar no momento é que esse combate se processa no silêncio dos laboratórios e que mesmo diante de extraordinários avanços, como o que é registrado agora com as pesquisas desenvolvidas na UFPE, ainda há muito trabalho pela frente e é importante que a sociedade se mantenha alerta, respeitando os cuidados mais simples e elementares pelos quais é possível combater a doença. Do lado oficial, espera-se que se mantenha preocupado com o posto assumido pelo País, não descuidando de atenções básicas como manter a distribuição dos remédios, principalmente quando se sabe que a aids, inicialmente com incidência predominante entre as classes privilegiadas e escolarizadas, hoje se espalha entre os segmentos mais pobres e com baixo nível de escolaridade.
A contribuição que os pesquisadores pernambucanos dão nesse combate é admirável. Até se antecipou às chamadas para seleção de pesquisa com que o governo iniciou, em 2004, um novo processo para financiamento de pesquisas na área de doenças sexualmente transmissíveis (DST). As pesquisas na UFPE de que resultaram a identificação dos genes que podem fortalecer a imunidade do organismo começaram em 2001 e tiveram que ser suspensas até 2004 por falta de recursos, agora assegurados através da Fundação Oswaldo Cruz e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. O responsável pelo desenvolvimento das pesquisas, professor Sérgio Crovella, admite que os estudos poderiam estar mais avançados se tivesse conseguido os recursos antes.
Esse é um dos aspectos de mais difícil compreensão quando se tem como objeto a luta em defesa da saúde pública de um lado e, de outro, questões socialmente importantes mas nunca tão relevantes como, por exemplo, a realização de uma Copa do Mundo ou de uma Olimpíada. O contraste é evidente ao se ver a garantia de investimentos de alguns bilhões de reais para a construção de equipamentos esportivos ou de recepção aos que vêm de fora, mas faltam recursos para a luta contra doenças que deveriam estar erradicadas ou, no mínimo, controladas.

VEZ DOS EUA
EDITORIAL
O POVO (CE)
13/10/2009

ONU pretende cobrar dos EUA punição para o ex-secretário de Defesa Donald Rumsfeld por abusos contra os direitos humanos

Os Estados Unidos estão sendo chamados a apurar criminalmente as denúncias de tortura contra o ex-secretário de Defesa Donald Rumsfeld, durante a gestão passada de George W. Bush. A iniciativa foi pedida pelo relator especial da ONU sobre tortura, o austríaco Manfred Nowak, para quem a administração do ex-presidente americano George W. Bush (2001-2009) foi um mau exemplo para outros países, por violação das leis internacionais.

De acordo com o relator especial da ONU, os EUA são obrigados a investigar e punir esses supostos crimes por terem assinado a Convenção da ONU Contra a Tortura e também por determinação da sua própria Constituição. Esses dois documentos obrigariam o governo americano a investigar a fundo de onde saíram a ordens para aplicar os abusos denunciados por organismos defensores dos direitos humanos & segundo o funcionário. Ele alega que nenhum país pode se eximir das obrigações assumidas pelos tratados e convenções internacionais que tratam dos direitos humanos.

Poder-se-ia acrescentar que os EUA têm uma responsabilidade moral ainda maior, na medida em que se apresentam como campeões da democracia e principais defensores dos direitos humanos, no planeta. Ora, se Washington tem assumido historicamente um tom duro em relação às violações praticadas nesse campo por regimes autoritários, e até por adversários ideológicos, como pretender esconder os desvios de agentes de seu próprio Estado? Essa dubiedade causa um efeito devastador na credibilidade dos americanos, debilitando sua liderança.

O presidente Barack Obama já tinha percebido essa contradição insustentável, tanto que sua campanha presidencial teve como um de seus compromissos programáticos a revisão desse paradoxo, visto que isso estava minando a posição dos EUA como líder, o que era sumamente grave, no momento em que lhe era exigida uma maior demonstração dessa capacidade de liderança, diante da crise que abalou sua economia e, com ela, a do mundo inteiro.

Se os tratados e convenções só são aplicáveis a países desprovidos de poder econômico e militar, não haveria razão para se submeter a esse ordenamento. E sem um ordenamento mundial minimamente acatado por todos, haveria o caos e a barbárie. Portanto, a exigência de preservação de uma institucionalidade internacional respeitada tornou-se um fator indispensável para a própria sobrevivência da humanidade. A base é o respeito aos direitos humanos fundamentais. Não há mais como transigir nesse aspecto. Portanto, crimes de tortura devem ser punidos não apenas nos países da periferia, mas, sobretudo, nas grandes nações que têm a responsabilidade de zelar pelo Estado Democrático de Direito. A era da retórica pirotécnica está nos seus estertores finais. Chegou a hora de as grandes potências assumirem essa realidade.

NO CÓRNER E RECEBENDO PANCADAS
EDITORIAL
A CRÍTICA (AM)
13/10/2009

Nunca, em toda história recente do País, um governo ousou “protelar tanto” a restituição do Imposto de Renda Pessoa Física, impondo ao contribuinte um arrocho financeiro inaceitável. Engano! Isso já aconteceu nesse mesmo governo que aí temos, em 2003. Agora, contudo, a medida repercutiu muito mal, visto que fora tomada na calada da noite e implementada, por assim dizer, madrugada adentro. Em outras palavras, longe dos olhos e dos ouvidos das pessoas com direito à restituição desse imposto.

Em regimes democráticos, espera-se que o governo de plantão dê atenção a esse aspecto, tendo em mente que, agindo às claras, não estaria prestando favor algum a quem quer que seja. Afinal, constitui uma de suas obrigações legais dá publicidade aos atos administrativos que eventualmente venha a adotar. Transparência é um outro nome que se reservou para isso. Mas, infelizmente, esse é um atributo da gestão pública no qual os administradores estão sempre tropeçando.

No caso envolvendo a “trapaça federal” com o IRPF, vê-se mais: o tamanho da indiferença com que os burocratas do Planalto – e o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva – trataram a situação vexatória por que passou o Senado recentemente, em função dos atos secretos editados pelos por alguns diretores desta Casa. Em última análise, estamos diante de um paralelismo que explica – se é que ainda restava alguma dúvida – a defesa descarada e socialmente condenável que o próprio presidente Lula e sua patrulha fizeram do aliado José Sarney.

O paralelismo, no entanto, mostra-se escandalosamente contraditório quando comparado à boçalidade com que o Planalto, outro dia, veio a público manifestar o seu espírito pequeno burguês, oferecendo-se, por exemplo, para emprestar alguns milhões de dólares ao Fundo Monetário Internacional, o FMI, do qual já fomos grandes devedores.

Resta a impressão, no entanto de que não deseja ser levado a sério um governo que, da boca para fora, diz uma coisa e, da porta de casa para dentro, às escondidas, faz outra. Eis porque não espanta que o Planalto esteja no córner, atordoado com as críticas que vem recebendo. Simples: se pode emprestar dinheiro a agentes externos, por que haveria de impor aos contribuintes um arrocho financeiro inaceitável? Essa é a pergunta que não cala entre os que têm IR a ser restituído.

12/10/2009 - EDITORIAIS

O QUE PENSA A MÍDIA


OPÇÕES AO MST
EDITORIAL
O GLOBO
12/10/2009

Citada em incontáveis programas partidários, de viés esquerdista ou direitista, promessa de todos os governos, inclusive no regime militar de 1964, a reforma agrária talvez seja a mais mitológica das bandeiras políticas da história brasileira.

Colônia e sede do império português, o Brasil entrou na República com a herança da concentração fundiária assentada no passado dos donatários amigos do rei, brindados por imensidões de terras a serem exploradas em sociedade com a Coroa e na base de mão de obra escrava.

A luta pela reforma agrária ganhou fôlego com a ociosidade de terras mantidas como reserva de valor pelas últimas gerações de uma aristocracia rural decadente. Isso serviu de combustível para as ligas camponesas de Julião no Nordeste dos anos 60, perpassou os 21 anos da ditadura militar, e emergiu, na redemocratização, na forma do MST, em que se aliaram frações da esquerda radical e seguidores da Teologia da Libertação.

Foi um longo ciclo em que o discurso da reforma agrária se descolou da realidade: modernizada e convertida em um setor dinâmico de uma economia que jamais esteve tão aberta ao exterior, a agricultura capitalista absorveu o "latifúndio improdutivo" e, impulsionada por uma competente estrutura de pesquisa científica, empurrou a fronteira de produção até a Amazônia. A outrora lavoura arcaica passou a responder por um terço das trocas mundiais de alimentos. Rivaliza ombro a ombro com os EUA no mercado de grãos e passou a líder nas exportações de carnes.

A rigor, o homem expulso do campo para quem a reforma agrária seria feita hoje não existe mais. Muitas famílias foram assentadas em todos estes anos. Sem assistência rural, várias passam à frente o lote, se transformam em assalariados da grande empresa agrícola e/ou, a depender da região em que se encontram, buscam renda no desmatamento. Devastada a área, migram. Restou ao MST ser a ponta de lança de um projeto radical e sem futuro, em que se autocriminaliza: dividir terras produtivas, investindo contra o estado de direito.

Sequer há hoje no campo gente para servir de massa de manobra, apenas o lumpesinato da periferia de cidades do interior. A organização deveria se transformar em partido político legalizado. Pois o caminho alternativo é sem saída - haja vista o destino das Farc colombianas.

ATRAVESSA A RUA E TE DIREI QUEM ÉS
EDITORIAL
JORNAL DO BRASIL
12/10/2009

RIO - Poucas relações sociais revelam tão bem o espírito de uma sociedade quanto as que se dão no trânsito. Quer saber o nível de educação e de civilidade de um determinado povo? Veja como motoristas, passageiros e pedestres se comportam pelas ruas. As leis de trânsito parecem dar a medida exata de quanto uma certa comunidade se distancia ou se aproxima de um estado de natureza hobbesiano. De quanto a lei do mais forte se sobrepõe às normas pactuadas e para a boa convivência. Em Frankfurt, é possível atravessar uma faixa de pedestre, no meio de uma avenida sem semáforos, sem olhar para os lados, tamanha a sensação de segurança proporcionada pelos veículos. No caótico trânsito de Roma, vespas e automóveis enfurecidos não inspiram a menor confiança, mas freiam e param a centímetros de qualquer cidadão que ponha os pés na faixa de segurança. É uma civilidade, digamos, latina, com mais emoção.
No Brasil, ainda não chegamos a esse estágio, e a orientação tatibitati do verde-vermelho-amarelo ainda se faz necessária em praticamente 100% das situações. Afinal, embora a legislação do trânsito estabeleça que os veículos maiores devam zelar pela segurança dos menores, a prática mostra que, mesmo com a presença ostensiva de sinais, o desrespeito às leis é endêmico. Há poucos dias, neste mesmo espaço, se disse que, no Brasil, há leis que pegam e as que não pegam, e tomou-se a legislação de trânsito como uma das áreas mais ilustrativas do fenômeno. O uso obrigatório do cinto de segurança, nos anos 90, pegou. A proibição do uso do celular ao volante, não. A errática lei seca quase pegou.
Agora, o que faz uma determinada lei receber ou não a adesão do cidadão? Um tratado sociológico poderia dar conta do assunto. Mas entre os principais fatores está a possibilidade de punição rigorosa. É nesse sentido que será muito bem-vinda a revisão do Código de Trânsito Brasileiro, a ser votada em breve no Congresso, conforme destacou ontem o Jornal do Brasil. Regras mais rígidas e penas severas estão sendo previstas, entre elas a redução dos limites de velocidade, a proibição de motos circularem entre os carros e o enquadramento no Código Penal dos motoristas que se recusarem a fazer o teste do bafômetro.
Mais rigor da lei, fiscalização, punição, todo o aperfeiçoamento do arcabouço jurídico e administrativo é válido. Mas nada como introjetar o conteúdo das leis e ressaltar seus benefícios ao bom funcionamento da sociedade por meio da educação.
Por que, ao longo do currículo educacional de um estudante, não se oferece uma única disciplina a respeito das principais regras de trânsito? Por que confiar tal tarefa apenas às autoescolas se milhões de pessoas jamais tirarão uma carteira de motorista? Esse é um dos exemplos mais claros de como a escola é muito mais voltada para a formação de profissionais para o mercado do que para a de cidadãos de uma comunidade política. Aprende-se matemática, mas não como controlar um orçamento ou se evitar o consumismo. Aprende-se biologia, mas não a se evitar a gravidez precoce. Aprende-se a lei da gravidade, mas não a proibição de se arremessar lixo pelo espaço público.
Ao aluno não é oferecida uma única e genérica matéria a respeito de direitos e deveres básicos do cidadão. Talvez isso fizesse muita diferença. Até no prosaico mas revelador ato de quando atravessamos a rua.

CONSERVAÇÃO E CRESCIMENTO
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
12/10/2009

Não é preciso escolher entre crescimento econômico e preservação do ambiente. Ao contrário: uma bem orientada política ambiental pode ser um instrumento de criação de empregos e de riquezas. Ao definir a questão nesses termos, o Banco Mundial (Bird) abre espaço para um debate mais produtivo e racional e menos viciado pela paixão e pelo messianismo ecológico. Este é um dos aspectos mais interessantes do novo Relatório de Desenvolvimento Mundial, dedicado especialmente à questão da mudança climática. O texto foi divulgado por ocasião da assembleia anual do banco e do Fundo Monetário Internacional, em Istambul, encerrada na última terça-feira.

Ao apresentar o relatório, o economista-chefe e vice-presidente da instituição, Justin Lin, conclamou os governos a não usar a crise como justificativa para abandonar as ações de proteção do ambiente. O apelo é reforçado pelo exemplo de algumas iniciativas antirrecessão. Alguns governos incluíram nos pacotes de recuperação econômica investimentos de US$ 430 bilhões em políticas "verdes". Metade do dinheiro, US$ 215 bilhões, deve ir para programas de eficiência energética.

Investimentos como esses podem ser muito úteis no fim de uma recessão, porque o emprego tende a crescer, nessas fases, mais lentamente que outros indicadores. As empresas demoram para reabrir as contratações e aproveitam, nas primeiras etapas, o pessoal já disponível. Mas investimentos em eficiência energética podem produzir um triplo dividendo, segundo o relatório: economia de energia, menos emissões e mais empregos, porque tecnologias de baixo carbono são menos intensivas em capital e mais propícias à criação de empregos.

Segundo os economistas do Bird, investe-se muito menos em tecnologia verde do que noutros programas e projetos oficiais. O mundo gasta US$ 150 bilhões anuais em subsídios ao uso de derivados de petróleo e só US$ 10 bilhões de verbas públicas em pesquisa e desenvolvimento de energia alternativa.

Também o setor privado investe pouco em pesquisa e desenvolvimento na área de energia - algo entre US$ 40 bilhões e US$ 60 bilhões anuais, raramente superando 0,5% da receita empresarial. As indústrias de telecomunicações aplicam em pesquisa e desenvolvimento 8% de seus ganhos e as farmacêuticas, 15%.

Mas também é possível obter resultados importantes sem grandes investimentos. O uso ineficiente de recursos é uma causa importante de poluição. Segundo os economistas do Bird, o consumo de energia na indústria e no setor elétrico poderia ser 20% a 30% menor, com melhores práticas e com tecnologias já disponíveis. Isso permitiria reduzir as emissões de carbono sem sacrificar o crescimento econômico. Além disso, haveria mais incentivo à produção de novas tecnologias se os países ricos se comprometessem claramente com uma redução drástica da emissão de carbono.

As projeções do Banco Mundial combinam dois desafios. Será preciso articular políticas para combater o aquecimento global e para aumentar, ao mesmo tempo, a produção de alimentos. Dentro de 40 anos será preciso alimentar mais 3 bilhões de pessoas. Sem mudança climática, seria possível usar mais terras e a produtividade agrícola teria de crescer 1% ao ano. Com menor expansão de área - para preservação de florestas, por exemplo -, a produtividade terá de crescer 1,8% ao ano, quase o dobro, portanto. A maior parte do aumento terá de ocorrer nas economias menos desenvolvidas, porque a margem para ganho de eficiência é menor nas mais desenvolvidas.

Os países em desenvolvimento arcarão, de acordo com o relatório, com entre 75% e 80% dos custos produzidos pelos danos ambientais nas próximas décadas. Entre 2008 e 2010, os financiamentos para programas de adaptação à mudança e mitigação de efeitos do aquecimento devem ficar em média em US$ 10 bilhões anuais. O banco estima necessidades de cerca de US$ 75 bilhões ao ano para políticas de adaptação. A meta é conter o aquecimento, ao longo do século, em 2 graus centígrados. Sem ação eficiente, o aquecimento poderá chegar a 5 graus, segundo o relatório.

A boa notícia, dizem os economistas do banco, é o compromisso anunciado pelo Grupo dos 20 de reduzir os subsídios ao consumo de petróleo e tomar outras medidas para cuidar do problema ambiental.

RENOVAÇÃO DO PORTO DE SANTOS
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
12/10/2009

Não faltam projetos e o setor privado está disposto a investir para dar uma nova cara ao Porto de Santos, de modo a apagar sua imagem caótica e eliminar o risco de um colapso no comércio exterior brasileiro nos próximos anos. Um plano de crescimento da demanda dos serviços portuários, que está sendo elaborado pelo Banco Mundial e deve ser concluído até o fim do ano, prevê o aumento de quase 160%, entre 2009 e 2024, na movimentação do Porto de Santos, que passaria de 89 milhões para 230 milhões de toneladas. Essa projeção justifica os investimentos programados.

Em algumas áreas, o porto já se transformou num grande canteiro de obras. Dúvidas, no entanto, ainda podem retardar boa parte dos investimentos privados, que correspondem a mais de 70% do total programado (o restante é de responsabilidade do governo), de R$ 5,2 bilhões. As dúvidas são alimentadas pela lentidão com que o governo vem fazendo sua parte. Sem acessos adequados por terra e por via marítima, os terminais em construção ou programados pelas empresas particulares não terão a utilização adequada.

As obras de infraestrutura necessárias para assegurar o aumento da movimentação de carga em Santos são de responsabilidade do governo federal. Entre elas está a construção da Avenida Perimetral da margem direita, de 6 quilômetros de extensão, com um pontilhão e duas alças de viaduto e custo previsto de R$ 107 milhões. Na margem esquerda haverá uma nova Avenida Perimetral, com 5 quilômetros, ao custo de R$ 70 milhões.

As obras de alargamento - de 150 metros para 220 metros nos pontos mais estreitos - e o aprofundamento de 12 metros para um mínimo de 15 metros, e depois para 17 metros, do canal do Porto de Santos deverão ser iniciadas ainda este ano, de acordo com informação do presidente da Companhia Docas do Estado de São Paulo, José Roberto Correia Serra. Essas obras são indispensáveis para a navegação simultânea nos dois sentidos de navios de grande porte e fazem parte de antigos projetos de melhoria e modernização do Porto de Santos.

A dezenas de quilômetros de distância do porto, porém, ainda não foi iniciada uma obra considerada prioritária pelos governos federal e estadual e também pela iniciativa privada. Trata-se do Ferroanel, cuja execução está emperrada porque ainda não há acordo sobre o trecho que será construído em primeiro lugar. Como o Rodoanel, o Ferroanel circundará a capital para retirar o fluxo de cargas por trilho das áreas centrais, onde o transporte de passageiros tem preferência. Como a ferrovia é compartilhada por trens de passageiros e composições de carga que se dirigem a Santos, estas só podem utilizá-la de madrugada. A Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos, que opera os trens de passageiros, pretende ampliar seus serviços, para atender à demanda, o que deve limitar ainda mais o transporte de cargas. Por isso, é preciso que as autoridades federais e estaduais cheguem rapidamente a um acordo sobre o trecho que será construído em primeiro lugar, se a alça norte ou a sul do Ferroanel.

Da parte do setor privado, os projetos ferroviários já estão sendo executados. A Rumo Logística, do Grupo Cosan, por exemplo, está investindo R$ 1,2 bilhão em infraestrutura ferroviária para transportar açúcar do interior de São Paulo para o porto. Com isso, pretende elevar de 17% para 70% a participação da ferrovia no transporte de sua produção destinada à exportação.

Na área portuária, a obra mais avançada é a da ampliação do Tecondi, para a movimentação de contêineres na margem direita, cuja capacidade passará de 318 mil TEUs (medida que equivale a um contêiner de 20 pés) para 700 mil TEUs. Os guindastes antigos serão substituídos por equipamentos modernos conhecidos por portêineres e transtêineres. O terminal ganhará também um berço de atracação com 320 metros de comprimento e profundidade de 14,5 metros. Outros grupos privados que operam no Porto de Santos também estão investindo para atender ao aumento da movimentação de cargas em contêineres e a granel líquido, especialmente o etanol.

SINAIS POSITIVOS DE TEERÃ
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
12/10/2009

No próximo dia 25, um mês depois que o presidente Barack Obama e os líderes da França e da Grã-Bretanha denunciaram na abertura do encontro do G-20 a existência de uma instalação nuclear iraniana secreta nas montanhas próximas da cidade sagrada de Qom, o local será inspecionado pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). A inspeção, exigida pelos Estados Unidos e seus aliados, foi acertada em Teerã no domingo, dia 4, pelo presidente da entidade, Mohamed El Baradei. Ele assinalou, numa entrevista, que "estamos em um momento crítico, indo de uma posição de confronto para uma de cooperação e transparência".

El Baradei se referia aos resultados aparentemente promissores da reunião do dia 1º, em Genebra, entre representantes do governo do Irã e os do sexteto - os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU mais a Alemanha - para discutir o programa nuclear iraniano. Durante o encontro houve o primeiro diálogo face a face entre autoridades americanas e iranianas em 30 anos. O dirigente da AIEA, no entanto, não deixou de mencionar que a agência continua preocupada com "as futuras intenções" de Teerã - numa óbvia alusão à convicção amplamente disseminada de que o objetivo do Irã é ter a bomba atômica.

As palavras de El Baradei resumem o misto de esperança e desconfiança do Ocidente diante dos projetos iranianos de capacitação nuclear - alegadamente para fins pacíficos. Depois que o presidente Obama deixou claro que a sua mão estendida ao Irã estava pronta a se crispar sob a forma de uma proposta de endurecimento das sanções econômicas já adotadas pelo Conselho de Segurança contra Teerã, caso os iranianos se valham da oferta de diálogo para continuar ludibriando a comunidade internacional, a mensagem parece ter ecoado entre os aiatolás. O Irã, que insistia na tese de que o seu programa nuclear era inegociável, aceitou incluí-lo na agenda de conversações.

Embora reiterando que, como signatário do Tratado de Não-Proliferação e membro da AIEA, o país tem o direito de dominar o ciclo do combustível nuclear para usos civis, em Genebra a delegação iraniana não só concordou em abrir a instalação de Qom destinada à produção de urânio enriquecido, como ainda aceitou, em princípio, enviar uma parte dos seus estoques declarados do mineral para enriquecimento na Rússia e na França. O urânio beneficiado a 20% alimentaria depois um pequeno reator para a fabricação de isótopos utilizados em medicina. (Para gerar eletricidade, basta um enriquecimento entre 3% e 5%. Para a bomba, deve ser superior a 90%.)

Obama considerou "construtivo" o resultado da reunião, mas tornou a observar que os EUA não continuarão a negociar "indefinidamente". Washington pressiona para que até dezembro o Irã dê passos concretos para submeter todas as suas atividades nucleares a rigorosa fiscalização internacional. É muito provável que o país tenha não só outras instalações clandestinas como a de Qom, mas também acumule estoques não declarados de urânio enriquecido, além de equipamentos e sistemas de tecnologia militar atômica.

A questão que divide os especialistas não é se os iranianos buscam a bomba, mas quando estariam em condições de produzir um artefato nuclear efetivo. No domingo, dia 4, o New York Times divulgou uma versão não definitiva de um relatório confidencial da AIEA, segundo o qual o Irã já adquiriu "informação suficiente para ser capaz de desenhar e produzir" uma bomba "viável". O diagnóstico é contestado. O assessor de segurança nacional da Casa Branca, general James Jones, disse que os EUA continuam acreditando que o país ainda está "a anos" disso. Segundo uma avaliação americana de 2007, o desenvolvimento da bomba iraniana está suspenso desde 2003.

A meta final do Ocidente é que o Irã, além de autorizar inspeções irrestritas e cumprir a determinação do Conselho de Segurança para cessar os trabalhos de enriquecimento na usina de Natanz (mantida em segredo até 2002), terceirize todo o seu programa de urânio enriquecido, como estaria propenso a fazer no caso específico anunciado em Genebra, recorrendo à Rússia e à França. Para os aiatolás, mesmo os reformistas, seria uma capitulação inconcebível.

GARGALOS JUDICIAIS
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
12/10/2009

Embora meta de julgar processos protocolados até 2005 pareça distante, iniciativa já melhorou condutas no Judiciário

O INÍCIO da modernização administrativa por que passa o Poder Judiciário brasileiro repete roteiro característico desse tipo de processo. A entrada de ferramentas novas de gestão, como a fixação de metas e de avaliações estatísticas de eficiência, sempre desperta resistências corporativas e expõe gargalos desconhecidos no próprio órgão.
O 2º Encontro Nacional do Judiciário, que reuniu ministros, desembargadores e juízes em Belo Horizonte, em fevereiro deste ano, foi um dos marcos da mudança. Lançou-se ali, entre outras diretrizes, a chamada Meta 2, segundo a qual todas as ações distribuídas até o final de 2005 deveriam ser julgadas até dezembro deste ano.
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, que coordena a iniciativa, estão englobados na Meta 2 cerca de 5,1 milhões de processos. Atingir o objetivo, como mostra a Folha na edição de hoje, será impossível. Até a semana passada, era de 31% a média nacional de cumprimento da meta -consideradas as Justiças do Trabalho, Federal, Militar e Eleitoral, bem como os tribunais superiores.
Tal índice de evolução no julgamento dos processos antigos, faltando menos de três meses para terminar o ano, é sem dúvida acanhado. Daí não se conclui, entretanto, que a iniciativa de fixar metas de desempenho tenha fracassado.
A mobilização que o programa desencadeou, em escala nacional, ampliou o nível de conhecimento de dados e problemas básicos do Judiciário. Não havia ideia, por exemplo, nem mesmo do número de processos por julgar. Começou-se com uma estimativa de 40 milhões, que depois baixou para 23 milhões e chegou aos 5,1 milhões.
Sabe-se agora, além disso, de carências técnicas importantes. Uma grande quantidade de ações que exigem perícia, caso dos processos de investigação de paternidade, está parada porque seus autores não têm condições financeiras de bancar os exames. Será preciso ampliar o atendimento gratuito dessa demanda.
Outros entraves são os inventários parados por descaso de inventariantes, as ações com grande número de autores e réus e a falta de sistema informatizado que integre varas e tribunais na maioria das localidades. Merece menção ainda a baixa qualificação de boa parte do corpo de funcionários da Justiça.
Alguns grupos de juízes resistem à modernização. Afirmam que um magistrado, com total independência para julgar, não pode ficar sujeito a controles de eficiência. A meta, contudo, não estimula o juiz a decidir desta ou daquela maneira -mas a decidir em tempo hábil, sob o risco de pôr-se a perder, devido à morosidade, a própria ideia de justiça.

BRECHA PARA A GASTANÇA
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
12/10/2009

A INSISTÊNCIA dos parlamentares brasileiros em criar novidades bancadas com dinheiro alheio não dá mostras de esgotamento. Recentemente, surgiu no Senado um projeto de lei que pretende flexibilizar o cumprimento das obrigações estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) no exercício de 2009.
A proposta tem como justificativa o abalo de arrecadação sofrido pelos municípios em decorrência da crise econômica. Se aprovada, a flexibilização do cumprimento da LRF poderá ser estendida para 2010, caso a arrecadação não se recupere.
É fato que a arrecadação dos municípios mais pobres, cuja receita é muito dependente de repasses de tributos federais e estaduais, sofreu com a política de isenções fiscais adotada para combater a crise e o fraco desempenho da economia no primeiro semestre do ano.
Contudo, o governo federal já repassou cerca de R$ 1 bilhão em recursos adicionais para as prefeituras, com o fito de atenuar a perda de receitas. Pretende fazer uma transferência adicional, de montante equivalente, ainda neste ano de 2009.
O problema é que, mesmo quando respeitam as regras fiscais, os governantes brasileiros costumam trabalhar no limite do que é permitido. Assim, num quadro de frustração de receitas, o ajuste de despesas, especialmente gastos com o funcionalismo, pode se tornar uma tarefa extremamente custosa. Nessas circunstâncias, entretanto, flexibilizar o cumprimento da norma que limita os gastos equivaleria a premiar justamente a prática que se pretende evitar.
Desde que foi aprovada, em 2000, a LRF sobreviveu a diversas tentativas de desfiguração, e várias ainda tramitam no Congresso. São iniciativas que evidenciam a fragilidade da noção de equilíbrio fiscal no país.
Modificar a lei que compeliu a uma importante melhora na forma de gestão dos recursos públicos, sem dúvida, seria um grave retrocesso. O Brasil precisa fechar as brechas para a gastança da máquina pública -e não abrir mais uma.

RECEITA E DESPESA
EDITORIAL
A GAZETA (ES)
12/10/2009

A notícia do atraso da restituição do Imposto de Renda das pessoa físicas para reforçar o caixa do governo dá amplitude popular a um assunto que não é necessariamente acadêmico. Tratam-se das contas da União. Notoriamente, elas não passam por bom momento.

Pressionado pelo ônus político, o governo anunciou ter desistido da manobra fiscal com o dinheiro do contribuinte. Então, é provável que as restituições referentes ao exercício de 2009 sejam pagas até dezembro, mas ficou clara a pouca disponibilidade de recursos no Tesouro Nacional. Isso é compreensível, pois a receita de impostos e contribuições cai há dez meses seguidos.

Em 2009, até agosto, o recuo foi de 7,4% em comparação a igual período de 2008. Se a receita se mantivesse estável frente ao mesmos meses do ano passado, teriam sido arrecadados mais R$ 34,9 bilhões.

O esvaziamento da receita reflete principalmente a retração das atividades produtivas. Mas, também foi influenciado pela política fiscal anticíclica. Dos R$ 34,9 milhões de queda, R$ 17,3 bilhões foram consequência da redução do IPI para a construção civil, para o setor automotivo e para os eletrodomésticos da linha branca - o que efetivamente estimulou a economia. O governo haveria de arcar com esse preço para ajudar o país a sair com rapidez do quadro recessivo.

Outro indicativo de que as contas federais não passam por boa fase é o minguado superávit primário (poupança que o Executivo faz para pagar juros da dívida interna). Em agosto/2009 resumiu-se a R$ 5,04 bilhões, o pior resultado desde agosto de 2003 (R$ 4,17 bilhões).

Em oito meses de 2009, o superávit primário somou apenas R$ 43,47 bilhões, valor mais baixo desde o mesmo período de 2002. Em 2009, até agosto, não deu para pagar nem a metade dos juros de R$ 108,3 bilhões da dívida governamental. Assim, o déficit nominal é de R$ 64,8 bilhões.

O endividamento do Executivo aumentou R$ 136,2 bilhões em oito meses de 2009, mas há que ter um freio, pois não existe espaço para ampliar a carga tributária. A manobra em andamento é a diminuição do superávit primário, o que ensejará maior volume de dinheiro para gastar. Originalmente, a meta desse superávit para 2009 era equivalente a 3,8% do PIB (Produto Interno Bruto). Depois caiu para 2,5%, percentual aprovado pelo Congresso.

Esse quadro sugere contenção das despesas de má qualidade do Executivo federal - aquelas destinadas à manutenção da máquina pública. Estas, evidentemente, não tem conotação anticíclica. Ao contrário, são recursos que fazem falta em obras que ajudariam a movimentar a economia.

Mas o governo não demonstra vontade política de cortar expressivamente o seu custeio. Principalmente no que se refere a contratações. Estão no Congresso, desde setembro para não perder o prazo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), 14 projetos de criação de cargos e funções comissionadas, somando 23.515 vagas. Se aprovados, causarão impacto financeiro anual de R$ 1,4 bilhão. Além disso, outras 33 mil vagas deverão ser instituídas nos escalões do governo federal por meio de diferentes projetos que já tramitam na Câmara e no Senado. Portanto, são ao todo 56.515 novos cargos.

Pela proposta orçamentária que se encontra no Congresso, em 2010 as despesas da União com pessoal (R$ 168 bilhões) serão muito maiores do que todo o seu investimento, orçado em R$ 46 bilhões, dos quais R$ 23,4 bilhões para o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Resta esperar que o reaquecimento da economia amplie a arrecadação tributária e melhore as contas do governo.

MST VAI CONTINUAR
EDITORIAL
ESTADO DE MINAS
12/10/2009

Reação de Lula não garante que vandalismo será punido

Vandalismo. Foi assim que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva classificou a ação de integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que, na semana passada, não se contentaram em invadir uma fazenda ocupada por laranjais do grupo empresarial Cutrale, em Borebi (SP). Os invasores foram flagrados por uma filmadora instalada em helicóptero da Polícia Militar de São Paulo, quando usavam tratores para destruir mais de 7 mil pés de laranja. A reação do presidente quebrou uma rotina de atos de igual nível de barbárie cometidos pelo movimento, dito social, sem que Lula manifestasse qualquer crítica. Era como se nada mais importante do que uma partida de futebol de seu time preferido tivesse acontecido, a ponto de merecer comentário do presidente. Tem sido assim desde a famosa foto de Lula usando o boné do MST. Foi assim na recente invasão da sede do Ministério da Fazenda, a poucos metros do Palácio do Planalto. E tudo se confirmou na desproporcional pressão para forçar, semana passada, a retirada de assinaturas de deputados que dariam vida a uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a apurar irregularidades no repasse e no emprego de verbas federais pelo MST.

Em todas essas oportunidades, a linha mais radical do movimento que diz defender a reforma agrária não recebeu outro sinal da autoridade maior do país senão o de que, embora o presidente Lula não tenha o menor interesse em se desgastar enfrentando esse tema, o governo não se empenhará em punir seus atos de indiscutível ilegalidade. A Constituição e as leis devem ser cumpridas, lembrou o presidente. Mas o passado recente não anima expectativas de que esse discurso não passe de uma preocupação momentânea, motivada pela ampla repercussão negativa que as imagens do vandalismo explícito provocaram ao ser veiculadas pela TV e pelos jornais de todo o país. É só esperar mais alguns dias para ver o que o governo fará contra a tentativa de reabrir aquela CPI, ou mesmo durante os trabalhos da comissão, caso ela venha a ser reaberta. Por seu lado, o MST emitiu nota oficial em que candidamente pede que não seja julgado pelo que é veiculado pela mídia. É a velha saída fácil de culpar a imprensa pelos fatos que ela apenas noticia.

Não menos equivocado é quem tenta justificar a ação criminosa dos tratores do MST com a alegação de que a fazenda invadida seria terreno da União. Se a informação for procedente, esse é apenas mais um crime a ser punido, não pelo MST, mas pela Justiça. Não se trata de ser contra ou a favor da reforma agrária, mas de dar ao tema a importância que ele tem. Como em todas as reformas fundamentais que o país precisa enfrentar, na questão agrária o governo tem procurado apenas não perder votos de lado algum. Mas, no caso do vandalismo, o problema é outro. A sociedade não pode deixar de cobrar o cumprimento da lei e isso implica punição exemplar a quem deixou de cumpri-la. Até agora, contudo, os vândalos não têm qualquer motivo para perder o sono. Os agropecuaristas, sim.

RETENÇÃO DO IR É INCOMPETÊNCIA
EDITORIAL
CORREIO BRAZILIENSE
12/10/2009

Mais uma vez a ineficiência do Estado é cobrada do contribuinte. O país que detém uma das mais elevadas cargas tributárias do mundo, 35,8% do PIB em 2008, contra 34,6% na Alemanha, 25,6% nos Estados Unidos e 25,30% no Japão, não consegue pagar suas contas. Para não deixar a descoberto a gastança desenfreada, o governo agiu na surdina. Sem aviso prévio, desde junho vem retardando a devolução do Imposto de Renda cobrado a mais no ano passado. Só depois de denunciada pela imprensa, a estratégia de retenção foi admitida oficialmente, uma covardia com o cidadão que contava com o dinheiro para fazer frente a despesas urgentes, prejuízo maior para aqueles que recorreram a empréstimos bancários para antecipar receita.

Não faltaram avisos de que era preciso conciliar os gastos com a capacidade de pagamento. Primeiro, a arrecadação entrou em declínio com a crise mundial. Depois, as próprias políticas anticíclicas, com a desoneração de setores importantes para a manutenção da atividade econômica e a necessidade de ampliação da oferta de crédito e injeção de dinheiro no mercado, continham riscos iminentes de problemas de caixa para o governo. Mas, na antevéspera da sucessão presidencial, os cuidados necessários foram desdenhados. Enquanto o fluxo de entrada caía 0,8%, o de saída crescia 19%. Pior: aumentaram-se despesas permanentes. O empreguismo elevou em 15,1% o custo da folha de pagamento. As despesas da Previdência subiram 12,8%.

Tivesse o crescimento dos desembolsos resultado em significativa melhora dos serviços públicos, o contribuinte poderia se dar por satisfeito. Mas saúde, ensino e segurança andam de mal a pior. Tampouco o país deixou a rabeira do ranking de emergentes, com menor nível de investimentos públicos. Em 2007, excluídas as estatais, o Estado só investiu 1,69% do PIB, o que colocou o Brasil na última colocação quando confrontado com outras 135 nações. Resultado: a competitividade nacional também frequenta o fim da fila, cabendo ao país a vergonhosa 40ª posição entre 57 pesquisados. Triste é que, em vez de enfrentar e resolver problemas essenciais, como promover reformas fiscal e previdenciária de profundidade e melhorar a qualidade dos gastos, se mantenha a tática de soltar o Leão para cima do contribuinte.

Artifícios contábeis não são solução. Asfixiado, o governo não pode tomar o ar dos cidadãos. Deve produzir o próprio oxigênio. E só tem um jeito: inverter a curva ascendente dos dispêndios públicos. Reiteradas vezes o presidente Lula cita o exemplo da dona de casa que sabe equilibrar o orçamento doméstico. A retórica, contudo, não bate com a prática. Em seus seis primeiros anos de mandato, a carga tributária — que já havia aumentado 6,5% nos oito anos de Fernando Henrique Cardoso — cresceu 4,2%. É um garrote apertado em particular sobre a classe média, agora novamente subjugada, ao ter retido valores que já havia pagado um ano antes. Trata-se de sacrifício desnecessário, criado pela incompetência governamental.

A CONTA DO DESEQUILÍBRIO
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
12/10/2009

A anunciada intenção do governo federal de desacelerar as restituições do Imposto de Renda das pessoas físicas pago a mais na fonte, confirmada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e rechaçada posteriormente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, diante da repercussão negativa da notícia, chama a atenção para uma rotina do setor público. O problema de caixa do governo tem razões múltiplas, mas só alcançou dimensões de impasse por uma razão muito simples: é mais fácil tentar transferir automaticamente a conta para uma classe média sem poder político do que enfrentar as pressões por reajustes salariais de categorias funcionais organizadas. Obviamente, essa prática não tem como ser tolerada.

Descontinuada ao longo do ano, a devolução do Imposto de Renda pago a mais não chega a configurar atraso, pois a Receita Federal não tem qualquer compromisso de seguir à risca prazos assumidos mais no plano político. Ainda assim, fica difícil para o contribuinte aceitar o fato de o mesmo país que se mostrou capaz de passar da condição de devedor à de credor do Fundo Monetário Internacional (FMI) estar sem recursos suficientes em caixa, a ponto de precisar punir ainda mais o contribuinte pessoa física. Por isso, independentemente da forma como as divergências internas serão enfrentadas, é inaceitável que o contribuinte, já às voltas com uma carga tributária a cada ano mais excessiva, possa ser ainda mais prejudicado.

Em parte, uma das razões do desequilíbrio financeiro enfrentado hoje é o fato de o Planalto ter decidido atacar a desaceleração imposta ao setor produtivo pela crise econômica global com a desoneração de bens de consumo cujas vendas dependem em geral de financiamento de longo prazo. A providência assegurou os resultados pretendidos, fazendo com que a arrecadação menor pudesse ser compensada pela continuidade nas vendas e permitindo ao país se antecipar na saída da crise. A normalização da arrecadação de impostos, porém, não ocorreu na mesma velocidade da retomada da produção e a estimativa é de que isso só vá ocorrer em novembro. Nada disso, porém, justifica a opção por soluções simplesmente por serem mais práticas.

O contribuinte não tem por que arcar com o custo de um descompasso entre receita e despesa para o qual não contribuiu, como ocorreria numa eventual desaceleração das restituições do Imposto de Renda. O que o governo federal precisa fazer é enfrentar o problema pelo lado das despesas, reduzindo os gastos de custeio e os determinados por reajustes salariais de categorias mais influentes de servidores. Não há outra forma de garantir o equilíbrio das contas públicas sem prejudicar quem já se encontra há algum tempo sufocado por tanto imposto.

O MELHOR REMÉDIO HÁ 18 ANOS
EDITORIAL
JORNAL DO COMMERCIO (PE)
12/10/2009

Crianças riem de tudo. Porque não desconfiam dos dissabores, nem compartilham ainda a frenética desordem do mundo, riem da vida. Porque para elas é uma ideia vaga, motivo de brincadeira feita de olhos fechados, as crianças riem da morte.
E ainda tem quem ajude a provocar um sorriso, na hora mais difícil. Um palhaço no hospital é a expressão improvável de raro equilíbrio: no ambiente habitual de dor e angústia, onde pesadas emoções se revezam, a figura mascarada, colorida e falante destoa da tristeza reinante. A passagem dos 18 anos da organização Doutores da Alegria, celebrada no último dia 28, é uma prova de que este equilíbrio é uma dádiva para os pacientes.
Conhecido pelo trabalho voluntário junto a crianças que padecem de doenças graves, o grupo tem sua história ligada à iniciativa de um palhaço em Nova Iorque, em 1986. Michael Christensen participava de um show em um hospital, e resolveu visitar as crianças internadas, impedidas de assistir ao espetáculo. Entre 1988 e 1991, o brasileiro Wellington Nogueira fez parte do Clown Care Unit, como foi batizado o grupo surgido dessa iniciativa, atuante na cidade americana. De volta ao Brasil, fundou o Doutores da Alegria em São Paulo. A organização realiza por mês cerca de 75 mil visitas a crianças hospitalizadas em São Paulo, Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, além do Recife, onde está há seis anos.
Em quase duas décadas de existência, os resultados gratificantes estimularam até a melhoria das relações entre médicos e pacientes, e entre médicos e familiares. Relações marcadas muitas vezes pela tensão, na corda esticada entre a capacidade da ciência e a expectativa de restabelecimento imediato da saúde. É fato digno de se comemorar o êxito obtido na aposta no “poder humanizador das relações a partir da presença inusitada do palhaço em meio à adversidade”. Graças a esses resultados, foi fundada no ano passado a Escola dos Doutores da Alegria, em São Paulo, com o objetivo de formar novos colaboradores, aprofundar as técnicas da arte do divertimento e disseminar o trabalho desenvolvido.
Autodenominados “besteirologistas”, os atores especialistas na arte circense são responsáveis por um trabalho sério, de grande alcance. “A besteirologia deve ser aplicada diariamente até que o paciente não saiba mais como ficar triste. É remédio para a vida toda”, brinca a organização em seu site na internet. Traduzem desta forma a aplicação de um conhecimento prático, aparentemente bobo, que seria o “saber rir” diante do próprio infortúnio. As visitas acontecem aos pares, que passam pelos ambulatórios, quartos e unidades de terapia intensiva duas vezes por semana, seis horas por dia. Durante um ano, são sempre as mesmas duplas, o que favorece a criação de laços estreitos entre os profissionais de saúde, os pacientes e os profissionais da alegria.
Eles sabem o quanto vale o sorriso: muitas vezes é o retorno do calor e da cor que se ausentavam das faces, do brilho nos olhos que parecia esquecido ao refletir apenas a dor e o medo. Esta é a ética da alegria, segundo a coordenadora dos Doutores da Alegria no Recife, Enne Marx. “Nosso trabalho não tem nenhuma pretensão. Não queremos resolver tudo”, afirmou ao Jornal do Commercio. É claro que a alegria não cura, uma gargalhada não basta. Mas a força da alegria é assim, despretensiosa como a ação persistente de palhaços circulando pelos corredores frios do ambiente hospitalar.
A experiência pode ser replicada no futuro em outros ambientes, a princípio, refratários a qualquer espécie de diversão. “No hospital, o palhaço é um pouco de cada uma de suas milenares manifestações. Ele não é uma coisa só”, escreve Wellington Nogueira no livro O lado invisível da vida, que conta a história do grupo. Para ele, não é estranho imaginar que “o palhaço vai entrar em outros locais como escolas, prisões, empresas, todos os lugares onde seja necessário rever nossa relação com o mundo, com a vida. Onde for preciso transformação, o palhaço vai estar lá!”, prevê, em tom que recorda alguma rebeldia. A rebeldia do riso? Pelo menos contra a doença, os Doutores da Alegria demonstram que é uma rebeldia necessária, bem-vinda como a saúde fustigada pelo bom humor.

DINÂMICA DA POPULAÇÃO
EDITORIAL
DIÁRIO DO NORDESTE (CE)
12/10/2009

A última radiografia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta haver a população brasileira aumentado, no último ano, em dois milhões de habitantes. As estimativas indicam o contingente populacional alcançando 191.480.630 pessoas, dois terços dos quais residindo nas áreas urbanas. Em 60 anos, o País saiu da condição agrícola, para essencialmente urbano, sem recursos, contudo, para financiar os problemas estruturais daí decorrentes.

A cada ano, o IBGE atualiza a projeção das estimativas de população, considerando, para tanto, três pré-requisitos básicos: as taxas de natalidade, mortalidade e migração. São computadas as informações monitoradas nos 26 Estados e no Distrito Federal.

As estimativas sistemáticas alcançam as populações residentes nos 5.565 municípios brasileiros. Essa atualização, com periodicidade anual, foi determinada pela lei complementar nº 59, de 1988.

As estatísticas nacionais refletem, também, as disparidades encontradas nas cinco regiões geoeconômicas, como a concentração de 40,4% do contingente populacional em apenas três Estados da Federação. São Paulo detém a liderança nacional, com 41,4 milhões de habitantes. Vem, em seguida, Minas Gerais, com 20 milhões, e o Rio de Janeiro, com 16 milhões de habitantes.

As cidades se desenvolveram seguindo o ritmo da dinâmica populacional. Há nos grandes Estados cidades interioranas com populações superiores aos contingentes concentrados em algumas Capitais. São Paulo - a maior do País - reúne 11 milhões de habitantes, projetando, ainda, Guarulhos, com 1,3 milhão de pessoas, e Campinas, com 1,1 milhão de habitantes.

No Rio de Janeiro ocorre o mesmo fenômeno. Enquanto a antiga Capital da República detém 6,2 milhões de moradores, São Gonçalo, na Baixada Fluminense, exibe o troféu de segunda maior cidade fluminense. A terceira maior concentração urbana é Salvador, na Bahia, superando, em população, Belo Horizonte, com 3 milhões de habitantes nas previsões estimadas.

Foi-se o tempo em que o fator populacional representava motivo de euforia. Hoje, quanto maior a cidade, maiores serão seus problemas estruturais, agravados pela falta de receitas fiscais e de linhas de financiamento para a solução dos problemas essenciais como o saneamento básico, a oferta de transportes públicos, de moradias salubres, de redes de serviços médicos e de educação básica.

Essas três maiores concentrações urbanas lideram, também, as estatísticas da violência e dos delitos resultantes de crimes contra as pessoas e o patrimônio. O desemprego na cidade grande, os conflitos culturais resultantes dos choques de ambientes vividos especialmente pelos migrantes e a inadaptação ao mercado de trabalho formal são fatores agravantes da convivência nas metrópoles.

Daí o número acentuado de trabalhadores carreados para o comércio ambulante, em que o capital exigido não é tão elevado, nem há necessidade de maior qualificação na arte de comprar e vender nos espaços públicos. O mercado informal é uma característica das metrópoles. Necessita ser bem dimensionado e equacionado sem conflito.

CIDADANIA CAPENGA
EDITORIAL
A CRÍTICA (AM)
12/10/2009

O Amazonas é detentor de um dos piores indicadores de notificação de registro de nascimento no País. Estimativas do Unicef apontam que a média de subnotificação no Estado é de 17,4%, acima da média nacional. Matéria publicada na edição de hoje deste jornal, na Editoria de Cidades, mostra os dados que compõem uma realidade perversa. Mostra igualmente que, embora as ações para mudar esse cenário já apresentem bons resultados como o fato de o Amazonas ter reduzido em 37%, nos últimos sete anos, o sub-registro de nascimento, o quadro denuncia o tamanho da exclusão.

Nesse aspecto, tanto os indicadores do Unicef quanto a Síntese de Indicadores Sociais IBGE, divulgada na última sexta-feira (9), possibilitam perceber o fosso que separa a base de uma cidadania desse contingente invisível. Um dos primeiros direitos da pessoa é o de juridicamente existir, possuir um registro de nascimento que assegure legalmente o nome dela e as primeiras referências de vida, tendo como norteador a família, a mãe, o pai ou os pais que lhe dão nome e sobrenome, dia, horário e ano em que nasceu. Um documento para carregar por toda a vida e, quando esse acesso é negado, não há de fato uma existência jurídica. Algumas dezenas de amazonenses permanecem nessa condição e, com ela, compromete-se uma série de outros indicadores importantes para compor o índice de desenvolvimento humano do Estado, tais como a taxa de mortalidade materna, infantil, de escolaridade, de cobertura vacinal, entre outros.

A reportagem de A CRÍTICA traz a oportunidade de, primeiro, conhecer a realidade que nos cerca, depois, em conhecendo, proporcionar o debate aberto e amplo, nos mais diferentes setores e insistir na responsabilidade governamental de reforçar os instrumentos para mudar tal situação. O que está sendo exposto, inicialmente, nas pesquisas de organismos oficiais e pela mídia, contraria frontalmente o discurso maior ora feito em nível nacional e internacional sobre o orgulho em ser amazonense. Ao contrário, provoca constrangimentos e envergonha. A complexidade que marca o Estado não pode mais ser a justificativa para o não fazer. Ela ajuda no fazer, com os avanços da ciência, da tecnologia, da inovação tecnológica e com o papel estratégico das parcerias, só falta a vontade política de colocar o tema na pauta de prioridade e estabelecer metas públicas locais que realizem a mudança necessária e urgente.

Blog Archive