VIÉS CENTRALIZADOR EDITORIAL O GLOBO 13/10/2009
A produção brasileira de petróleo e gás certamente dará um salto quando estiverem em operação os campos já descobertos na chamada camada do pré-sal. Embora essa expansão só possa ser efetivamente assegurada quando forem delimitadas as reservas, e os testes de longa duração confirmarem a produtividade provável dos campos, simulações indicam que o Brasil terá um saldo positivo na balança comercial do petróleo (exportações menos importações), da ordem de 1 milhão de barris diários.
Com isso, o petróleo deverá liderar a lista dos produtos que o Brasil estará exportando mais ao fim da próxima década. O petróleo é negociado para pagamento à vista (menos de 90 dias). Então é um volume de recursos que pode ter, de fato, forte impacto nas finanças externas do país. Como é uma riqueza finita, a prudência e a experiência econômica recomendam que o Brasil tente poupar ao máximo essa renda adicional proveniente das exportações de petróleo. O mecanismo mais usual é conhecido como fundo soberano, por meio do qual as divisas são mantidas em aplicações seguras que proporcionem, preferencialmente, bom retorno e ainda contribuam positivamente para o desenvolvimento da economia brasileira.
Os resultados dessas aplicações devem ser direcionados para investimentos internos que possibilitem avanços sociais importantes (educação, infraestrutura, meio ambiente, ciência e tecnologia). É uma estrutura que precisa estar institucionalmente bem definida, abrindo-se a possibilidade de renovação nas prioridades, que devem ser ajustadas à realidade futura.
Não são poucos os exemplos de oportunidades desperdiçadas por países pouco desenvolvidos que descobriram grandes reservas de petróleo. O Brasil, face ao tempo que se tem pela frente até que a produção do pré-sal se materialize, pode se preparar para evitar esse tipo de maldição.
Um equívoco é a centralização da administração dos recursos no Executivo federal. É o que acontecerá com o fim da participação especial, distribuída entre estados e municípios das áreas produtoras.
Com o pré-sal, governadores e prefeitos, mantida a participação especial, teriam condições de executar projetos com o conhecimento da realidade local, distante do burocrata de Brasília. E sem prejudicar a Federação, pois o Tesouro recolhe quase a metade desses recursos, e pode destiná-los a outras regiões.
O PAÍS ONDE VIVE A DIFERENÇA EDITORIAL JORNAL DO BRASIL 13/10/2009
RIO - Não é à toa que o Brasil está entre os dez países mais desiguais do mundo. A origem e os fundamentos da desigualdade não são difíceis de se revelarem. Estão no cotidiano, nas diferenças que, de tão presentes e persistentes historicamente, são tomadas como parte natural da paisagem. Há as disparidades regionais, de gênero, de raça, de educação, de classes sociais. Mas não adianta o país se olhar no espelho. Somente quando postas lado a lado com as de outras nações é que as desigualdades brasileiras despertam aquele breve momento de desconforto. É o que ocorre, agora, com o estudo feito pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em 18 países da América Latina. Nele, o Brasil aparece como o detentor das maiores disparidades, quando consideradas as diferenças salariais de gênero e entre brancos e outras raças ou minorias étnicas. No país cujas próximas eleições presidenciais incluirão duas candidatas de peso, Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PV), as mulheres recebem salários em média 29,7% menores do que os homens com a mesma idade e nível de instrução. É um percentual bem acima da média (17,2%) dos outros países latino-americanos pesquisados. No Peru, o segundo mais desigual na região, as mulheres ganham 19,4% menos. No Brasil, segundo dados do IBGE, os homens têm rendimentos maiores até entre os trabalhadores domésticos, que compõem uma mão de obra majoritariamente feminina. A média salarial das empregadas domésticas sem carteira é de R$ 298, enquanto a dos homens é de R$ 404. Essa é apenas uma das provas mais contundentes da discriminação. A outra diz respeito à educação, atributo que costuma estar mais relacionado às diferenças entre os ganhos dos indivíduos. Mesmo a escolaridade feminina sendo maior do que a masculina (9,2 contra 8,2 anos de estudo em média), as mulheres ganham menos. O rendimento médio deles é de R$ 1.130,25, e o delas é de R$ 801,63 – de acordo com dados recentes da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (Pnad), divulgados pelo IBGE. Há diferenças entre a Pnad e o modelo utilizado pelo BID, criado pelo economista Hugo Nopo. Mas os resultados sobre a extensão da desigualdade são os mesmos. No estudo do banco, assinado por Nopo e pelos também economistas Pablo Atal e Natalia Winder, ressalta-se igualmente a defasagem salarial por raça. De novo, o Brasil surge como o campeão. Os trabalhadores brancos no país ganham em média 30% a mais do que negros e indígenas. No Equador, verificou-se a maior homogeneidade de rendimentos por raça, com os brancos ganhando apenas 4% a mais que outras etnias. Diante de um quadro assim, a pergunta mais óbvia é: o que fazer? O Brasil tem atacado a desigualdade. Ela vem caindo paulatinamente nos últimos anos, com a realização de políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família. Mas estas iniciativas precisam ser associadas a programas que reduzam as disparidades de grupos específicos. Para as mulheres, o BID sugere maciços investimentos em creches públicas. Para as minorias étnicas, a melhora da qualidade do ensino público. São políticas universalistas. Sem as contraindicações dos que se irritam só de ouvir falar em ações afirmativas.
A LRF NÃO PODE MUDAR EDITORIAL O ESTADO DE S. PAULO 13/10/2009
Por meio de um esperto jogo de palavras, o projeto de lei complementar protocolado na terça-feira passada na Mesa do Senado pelo senador César Borges (PR-BA) muda pontos essenciais da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O projeto - iniciativa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) endossada pelo senador baiano - permite a "flexibilização" dos limites e obrigações definidos pela LRF para a União, os Estados e os municípios. Tal "flexibilização" será igual, proporcionalmente, à redução da receita efetiva em relação à receita estimada nos orçamentos de 2009.
Tendo redigido o projeto desse modo, o senador ressaltou, na justificativa, que o objetivo não é "promover alterações na Lei de Responsabilidade Fiscal e sim flexibilizá-la para o exercício financeiro de 2009".
Mas essa justificativa encobre graves riscos. Flexibilizar, diz o dicionário, é "tornar flexível"; e flexível é "o que se pode dobrar ou curvar", "fácil de manejar, maleável". Ou seja, flexibilizar os limites da LRF é o mesmo que desrespeitá-los. O projeto restringe o desrespeito aos limites a 2009, mas a história das finanças públicas brasileiras registra que, adotada uma vez, uma brecha no rigor fiscal tende a perpetuar-se - e o próprio projeto abre caminho para isso ao permitir a extensão da "flexibilização" para 2010.
Em vigor há pouco mais de nove anos, a LRF se transformou na grande barreira para as práticas financeiras irresponsáveis dos administradores da coisa pública, que levaram a seguidas crises fiscais. Introduziu uma mudança notável nas práticas da administração pública brasileira e é reconhecida internacionalmente como um dos principais pilares da austeridade fiscal que se tornou um importante instrumento para o Brasil enfrentar a crise financeira mundial melhor do que outros países.
Exatamente pela austeridade e pelo rigor que a lei impôs, são muitas, desde sua edição, as tentativas de mudá-la, evidentemente para torná-la mais branda. No Senado tramitam mais de 10 projetos de alteração da LRF; na Câmara, são mais de 50. Um deles, que ameniza as exigências para Estados e municípios tomarem novos empréstimos, já passou pela Câmara e foi enviado ao Senado.
O do senador César Borges vem embalado pela forte pressão da CNM por mais recursos do governo federal e pelo abrandamento das regras de gestão financeira. Essa pressão já produziu alguns resultados favoráveis para os prefeitos, como a decisão do governo Lula de abrir um crédito especial para os municípios de R$ 2 bilhões, para compensar a quebra dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) - para os Estados, o Conselho Monetário Nacional aprovou o aumento de R$ 6 bilhões no limite de seu endividamento.
Nem isso satisfez os prefeitos. "Todos os municípios foram afetados pela crise, da cidade de São Paulo até o menor município de Minas Gerais", diz o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski. "A maioria, se não todos, está com as contas desequilibradas." O projeto, segundo ele, foi elaborado para dar uma cobertura legal aos prefeitos às voltas com dificuldades financeiras em razão da crise.
De fato, muitas prefeituras têm problemas. Mas não há nenhum sentido em mudar a lei para lidar com cada emergência que o País enfrente, como afirmou ao Estado o especialista em finanças públicas Raul Velloso. "Se alterarmos esse tipo de lei por conta de eventos conjunturais, depois de algum tempo não saberemos o que vale e o que não vale, e o que pode ser alterado e o que não pode. A lei não pode mudar."
Além dos limites formais para os gastos com pessoal e para o endividamento, a LRF estabelece parâmetros prudenciais que, se atingidos, obrigam os responsáveis pelos gastos a tomar medidas preventivas - suspender as contratações, por exemplo. Se essas medidas tivessem sido tomadas a tempo, muitas prefeituras que temem o descumprimento das regras da LRF não teriam chegado à situação atual.
Além disso, se tiverem excedido o limite, elas têm prazo para cortar os gastos excedentes. A própria LRF prevê que, em casos excepcionais, como o de uma quebra inesperada do PIB local ou nacional, esse prazo seja duplicado.
Em resumo, não há necessidade de mudar a lei, ainda que se diga que o objetivo é apenas "flexibilizá-la".
A EVOLUÇÃO DA VISTORIA EDITORIAL O ESTADO DE S. PAULO 13/9/2009
A inspeção anual obrigatória de veículos realizada no Município de São Paulo foi estendida, a partir do ano que vem, para todos os veículos licenciados na cidade, com exceção dos fabricados em 2009 e em 2010, e também medirá os níveis de ruído emitidos. O programa iniciou-se em 2008, com a vistoria dos veículos a diesel, foi ampliado neste ano para os carros a álcool, gasolina e gás natural fabricados a partir de 2003 e para as motos, caminhões e ônibus fabricados em qualquer ano.
A decisão inicial de poupar os carros mais velhos, com tecnologia ultrapassada e manutenção inadequada, foi mal recebida pela opinião pública. Não sem razão, pois os carros fabricados antes de 2002 representam 57% da frota paulistana de 6,3 milhões de veículos. Há estimativas de que pelo menos 30% dos donos de carros velhos não pagam impostos ou multas nem licenciam os veículos no prazo.
O professor do Departamento de Engenharia de Transportes da Escola Politécnica da USP, Jorge Waisman, estima que a apreensão dos veículos irregulares que circulam pela capital resultaria em receita extra de R$ 200 milhões com a recuperação de impostos e multas. Evidentemente, a imposição da vistoria a todos os veículos em 2008, ano eleitoral, afetaria a campanha do prefeito Gilberto Kassab, que tentava a reeleição.
Já em fevereiro deste ano, ao anunciar a decisão de poupar a frota de "velhinhos", as autoridades municipais a justificaram pelo elevado investimento necessário para a construção dos 33 centros de inspeção. Conforme a Prefeitura, esse custo poderia não ser compensado caso a adesão fosse tão baixa quanto a registrada em 2008, na primeira fase do programa. Apenas 13% dos proprietários de veículos a diesel atenderam à convocação nos primeiros meses.
Mas a adesão dos proprietários de veículos neste ano foi surpreendente. Em setembro, pelo balanço divulgado pela Prefeitura e pela Controlar, a adesão média foi de 80% dos automóveis, 60% dos ônibus, 35% dos veículos a diesel e 23% das motocicletas, na inspeção dos veículos com placas com número final de 1 a 6. Até o final de julho, houve 98% de adesão dos carros com placas de final 1. A vistoria pode ser feita fora do prazo, mas enquanto não for realizada os carros não podem ser licenciados e, se forem flagrados, sofrem multa de R$ 550,00.
A Controlar, empresa responsável pela vistoria, mantém 14 postos de inspeção instalados em nove bairros, com capacidade de atendimento de 430 mil veículos por mês. Com a obrigatoriedade da inspeção para todos os veículos, 3,5 milhões de proprietários deverão agendar a vistoria no ano que vem. Em entrevista ao Estado, o diretor executivo da empresa afirmou que não haverá sobrecarga no sistema porque os 14 postos existentes têm capacidade de absorver a demanda extra.
A empresa vem prestando atendimento eficaz aos paulistanos, que podem fazer o agendamento pela internet e, nos postos, o cumprimento do horário agendado é bastante preciso. A Prefeitura não precisava, portanto, ter deixado de lado durante mais de um ano a frota de "velhinhos", apesar do alto nível de poluentes emitidos por seus motores em prejuízo da saúde de toda a população, da perda de receita que isso representa e das complicações que trazem ao caótico trânsito paulistano.
No próximo dia 20, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) aprovará a tabela que indica os níveis máximos de emissões permitidos, conforme o ano de fabricação do veículo. O texto já foi aprovado pela Câmara Técnica de Controle e Qualidade e pela assessoria jurídica do conselho. É resultado de um pedido da própria Prefeitura de São Paulo que solicitou ao Ministério do Meio Ambiente os parâmetros a serem obedecidos para os veículos antigos.
O número de postos de inspeção deve chegar a 30 até o fim de 2010, promete a Controlar. Constatado que o atendimento tem sido eficiente, a adesão deverá ser grande, o que é essencial para melhorar o ar que São Paulo respira e para que nada mais justifique a preservação da parcela da frota mal mantida e com documentação irregular.
AS REFORMAS DA JUSTIÇA EDITORIAL O ESTADO DE S. PAULO 13/10/2009
Em sessão administrativa, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovaram a regulamentação da Lei nº 12.019, sancionada em 21 de agosto de 2009 pelo presidente Lula, que autoriza os relatores de ações penais da própria Corte e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a convocarem juízes de varas criminais estaduais ou federais e desembargadores de turmas criminais dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais para atuarem em interrogatórios e outros atos de instrução processual.
Proposta pelo ministro Cezar Peluso, a iniciativa visa a agilizar a tramitação das ações penais que correm no STF e no STJ. Pela regulamentação aprovada pelo STF, os magistrados das instâncias inferiores poderão ser convocados pelo prazo de seis meses, prorrogável por igual período, até o prazo máximo de dois anos. Ao lado da súmula vinculante, da cláusula da repercussão geral e do princípio da repercussão geral, inovações que foram introduzidas pela Emenda Constitucional (EC) nº 45, essa é mais uma medida especialmente concebida para descongestionar as duas mais importantes Cortes do País e aumentar a segurança jurídica para cidadãos e empresas.
Desde que essas inovações começaram a ser adotadas, graças ao primeiro Pacto Republicano de Reforma do Judiciário firmado há cinco anos pelos presidentes dos Três Poderes para acelerar a implementação da EC 45, o número de recursos que tramitam nos tribunais superiores vem caindo significativamente. O último balanço do Supremo, divulgado essa semana, confirma essa tendência. Entre janeiro e outubro de 2007, por exemplo, foram distribuídos aos 11 ministros da Corte cerca de 101 mil processos. Em 2008, o número despencou para 58.638 e, em 2009, no período entre janeiro e 6 de outubro, foram distribuídos somente 35.580 processos.
Além das inovações processuais e administrativas adotadas para descongestionar os tribunais superiores e acelerar o julgamento dos recursos, o STF anunciou outra importante iniciativa para viabilizar o segundo Pacto Republicano de Reforma do Judiciário. Concebido para democratizar o acesso à Justiça, estabelecer novas condições de proteção dos direitos humanos, melhorar a qualidade da prestação jurisdicional e aumentar a eficiência do sistema penal no combate à violência e à criminalidade, o documento foi assinado em abril pelos presidentes dos Três Poderes e prevê a criação de um comitê interinstitucional de gestão.
Até agora, haviam sido indicados para o órgão o ministro Teori Albino Zavascki, do STJ; o desembargador Rui Stocco, do TJSP e membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ); o juiz Antonio Umberto de Souza Jr., da 6ª Vara do Trabalho de Brasília e também integrante do CNJ; o desembargador federal aposentado Vladimir Passos de Freitas; e o secretário-geral da presidência do Supremo, Luciano Fuck. Como quase todos indicados são oriundos dos quadros da magistratura, motivo pelo qual não têm experiência em gestão administrativa, o comitê interministerial carecia de um administrador experiente e respeitado. O problema foi resolvido essa semana com a indicação de Everardo Maciel. Ex-secretário da Fazenda de Pernambuco e do Distrito Federal, ex-chefe da Receita Federal, ex-secretário executivo dos Ministérios da Fazenda, Educação, Interior e Casa Civil, professor da FGV e consultor tributário da ONU e do FMI e membro do conselho consultivo do CNJ, ele é hoje um dos mais respeitados especialistas em administração pública do País.
A indicação de Maciel foi feita no momento em que o CNJ vem estimulando todo os tribunais a cumprir a chamada "Meta 2", pela qual eles se comprometeram a julgar, até dezembro, todas as ações protocoladas antes de 2005. Dos 38 milhões de processos que ingressaram no Judiciário até este ano, 33,7 milhões tramitam nas Justiças estaduais, que se queixam da falta de recursos. Para as autoridades estaduais e federais encarregadas do orçamento do poder público, os tribunais gerem mal as verbas que recebem. Com o ingresso de Maciel no comitê gestor do segundo Pacto Republicano de Reforma do Judiciário, o problema da profissionalização da gestão da Justiça pode começar a ser enfrentado. Com as medidas que o CNJ e o STF têm adotado, aos poucos o Judiciário vai entrando nos eixos.
DESGASTE POUPADO EDITORIAL FOLHA DE S. PAULO 13/10/2009
Economia em alta e risco de subida de juros básicos permitem que governo Lula empurre reforma da caderneta para sucessor
MUITO BARULHO por nada. O saldo de cinco meses de ensaios do governo federal para alterar a remuneração da caderneta de poupança foi nulo. O presidente Lula, como esta Folha informou no sábado, desistiu de propor ao Congresso qualquer modificação nas regras da tradicional aplicação. Nem mesmo a segunda versão da proposta anunciada pelo Executivo, de taxar em 22,5% do Imposto de Renda o que ultrapassasse R$ 50 mil nas cadernetas, convenceu o Planalto. Prevaleceu a tolerância zero do governo perante qualquer iniciativa que possa lhe trazer desgaste político no ano eleitoral de 2010. Na verdade, a aceleração da economia e o conservadorismo do Banco Central foram os fatores que tornaram as coisas mais fáceis para a "área política" do governo federal. A atividade econômica dá sinais de retomada mais cedo -e com mais vigor- do que se previa anteriormente. O BC distribui mensagens cifradas aos agentes no sentido de que pode, brevemente, voltar a elevar os juros básicos, embora não haja indício de elevação inflacionária. Afasta-se, assim, do cenário de curto prazo a possibilidade de novas reduções da Selic, hoje em 8,75% ao ano. Era exatamente essa perspectiva, agora superada, que compelia as autoridades a encaminharem uma solução que diminuísse a atratividade da caderneta de poupança. Para as pretensões eleitorais do governo, a mudança de expectativas cai como uma luva, pois a oposição já ameaçava explorar, demagogicamente, o assunto. Fixada em 6,14% ao ano, mais a variação da chamada TR (uma combinação de taxas de mercado), a remuneração da poupança constitui um piso para a diminuição dos juros básicos. Juros básicos, por definição, são os menores praticados num país -se outras aplicações começam a competir com a Selic, a política monetária perde o seu principal instrumento, e a economia fica sujeita a uma série de distorções. Se a economia brasileira entrou na rota do desenvolvimento duradouro, o tema da caderneta voltará mais à frente. Ele é apenas, vale lembrar, um capítulo a integrar o acervo de regras anacrônicas que engessam a modernização da economia, como a remuneração do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). O governo Lula transferiu a "batata quente" para o seu sucessor, mas reluta em admitir que está diante de um novo dilema para a gestão de curto prazo da economia. Está em curso uma revisão frenética de todos os parâmetros e expectativas da economia -outro dia orientados para uma recessão; agora para a expansão acelerada. A exceção são os gastos públicos, que continuam em escalada, como se a economia já não dispensasse estímulos oficiais para crescer. O momento é de pisar no freio da gastança e ampliar de novo a poupança do governo, o chamado superavit primário, que está à míngua. Já não se trata de defender a medida a fim de conter o endividamento público, aspecto da gestão econômica que melhorou. O que está em jogo é a capacidade da economia de sustentar taxas elevadas de crescimento pelos próximos anos. Aumentar depressa a poupança fiscal é o meio mais indicado de combater as ameaças urgentes: dos riscos de valorização excessiva do câmbio aos de elevação desnecessária de inflação e juros. Sem contar a tendência, esta talvez mais preocupante, de manutenção da asfixiante e mal distribuída carga tributária.
MONOPÓLIO DA CHANTAGEM EDITORIAL FOLHA DE S. PAULO 13/10/2009
REGRAS de controle de propriedade na mídia existem em todas as nações democráticas. Cumprem a função de estimular a competição privada e evitar monopólios nas comunicações. É outro, entretanto, o objetivo da presidente da Argentina, Cristina Kirchner. A legislação aprovada no fim de semana, já sancionada, é um episódio numa série de ações intimidatórias do governo contra grupos de mídia que adotam linha editorial crítica à Casa Rosada. Após uma horda de fiscais ter invadido o grupo Clarín -o maior do país-, o governo agora ameaça expropriar a fábrica de papel imprensa que abastece os principais jornais argentinos. A nova regulamentação da mídia, além de limitar a presença de empresas nas telecomunicações, reserva dois terços das concessões ao próprio Estado e às ONGs, a serem escolhidas pelo governismo. A intenção, portanto, não é trocar um oligopólio privado por um sistema competitivo. A presidente e seu marido -o ex-presidente Néstor Kirchner- desejam transferir o oligopólio ao governo, bem como a organizações e empresários aliados. Esse golpe rumo à estatização da mídia na Argentina torna-se agora objeto de batalha nos tribunais, pois empresas afetadas e líderes de oposição contestam sua constitucionalidade. Mas o governo Kirchner, com a lei, obteve uma plataforma adicional, ainda que provisória, para exercer o monopólio da chantagem, do arbítrio e da intimidação.
ATRASO NO IR POR QUEDA DA RECEITA OU ALTA DA DESPESA? EDITORIAL VALOR ECONÔMICO 13/10/2009
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, confirmou, na semana passada, que o governo está fazendo "caixa" com o dinheiro que deveria estar devolvendo aos contribuintes que pagaram mais imposto de renda do que deviam e, agora, têm direito à restituição. Com o atraso na devolução do IR, que deverá se estender para 2010, o Tesouro Nacional já se "apropriou" de R$ 1,5 bilhão. O ministro disse que esse é um procedimento "normal" e atribuiu o problema à demora na recuperação das receitas tributárias, que tiveram queda importante por causa da crise global. De janeiro a agosto, conforme os últimos dados oficiais disponíveis, as receitas tributárias registraram queda nominal de 0,8%. Os gastos do governo federal, no entanto, aumentaram exuberantes 16,1% nesse mesmo período. A primeira questão que se coloca, diante destes dados, é se a maior parte do problema está na redução das receitas - já claramente esperada em 2008, tão logo se instalou a crise financeira mundial - ou no aumento das despesas, estas sim, sob total controle do governo. A arrecadação de impostos costumam começar a reagir com certa defasagem, após uma abrupta queda do nível de atividade como a que ocorreu no último trimestre do ano passado e no primeiro trimestre deste ano. Os primeiros sinais de recuperação da economia só começaram a aparecer no segundo trimestre deste ano. Isso significa que as empresas que recolhem seus tributos a cada trimestre, em cota única, começarão a pagar um pouco mais a partir de outubro. As que optam pela declaração anual só vão comparecer no próximo exercício. Como boa parte da base de impostos está na indústria, e esta sentiu mais os efeitos da crise - até agosto seu desempenho estava 10% abaixo do período pré-crise - é natural, portanto, que sua contribuição para o aumento da arrecadação demore mais a aparecer. Os especialistas apontam dezembro como o mês em que poderá haver uma boa reação das receitas, pois a adesão ao último programa de reestruturação de débitos fiscais termina em novembro e os primeiros pagamentos começam no mês seguinte. Setembro foi ruim para a arrecadação. Assim, para os técnicos do fisco e, portanto, para o governo, não deveria ser motivo de surpresa a demora em se obter resultados, no caixa da União, da recuperação econômica em curso. Assim como não deverá ser surpresa os efeitos que a perda de lucro das empresas terá sobre o pagamento futuro de impostos. Quem registrou prejuízo este ano acumulou crédito contra o fisco. Como parte do efeito da crise mundial, a receita fiscal do governo, de janeiro a agosto, caiu R$ 34,9 bilhões em relação ao mesmo período de 2008. Segundo dados oficiais, a ação do governo para evitar uma recessão prolongada, entre aumento do gasto e renúncia de receita, representou 1,2% do PIB (R$ 36 bilhões). Ao mesmo tempo, mas sem qualquer relação com a crise, o governo gastou R$ 15,8 bilhões a mais com salários do funcionalismo e R$ 10,2 bilhões a mais em custeio da máquina administrativa até agosto. Com investimentos, o aumento foi de R$ 1,4 bilhão. Nas últimas semanas, preocupado, o governo começou a "catar moedas sob o sofá", como disse alta fonte da área econômica. Reduziu a meta de superávit primário do ano, se apropriou dos depósitos judiciais que estavam nos bancos, apertou o pagamento de dividendos das empresas estatais e, agora, admitiu que está fazendo caixa com o dinheiro das restituições do IR. Desde o ano passado especialistas em contas públicas alertam para o que chamam de "gastança" do setor público. Tal percepção só veio a constar de um documento oficial há duas semanas. Ao divulgar o relatório trimestral de inflação, o Banco Central chamou a atenção para os efeitos do "impulso fiscal" e da queda dos juros. O BC atribuiu a essas duas ações a elevação de 3,9% para 4,4% na expectativa de inflação para 2010. Sob orientação de Mantega, o secretário de política econômica, Nelson Barbosa, considerou as repercussões do relatório um ato de "terrorismo fiscal". É importante lembrar, ainda, que em meio a todas dificuldades da arrecadação, houve desarticulação da fiscalização seguida de uma crise de grandes proporções na Receita Federal, que ficou sob comando interino por 28 dias (entre julho e agosto). Diante de tantas incertezas que a crise mundial trouxe e das particularidades da economia brasileira, o fato é que governo confiou demais na rápida recuperação do país e foi negligente com a despesa.
OS PERIGOS DO CÂMBIO EDITORIAL ESTADO DE MINAS 13/9/2009
Valorização do real prejudica exportadores, mas Lula evita artificialismos
O governo está, de novo, às voltas com uma das questões mais delicadas de sua política econômica: o que fazer com o câmbio? Variando ao sabor das ondas de baixa e alta dos demais mercados, especialmente o de capitais, o real tem acumulado valorização na faixa de 25% em relação ao dólar desde o início do ano, situação que deve continuar. As condições da economia brasileira na saída da crise financeira mundial são mais atraentes do que a da maioria dos países concorrentes. Mesmo sendo as mais baixas da história recente, as taxas de remuneração dos títulos públicos ainda estão bem acima da média mundial, num país que goza de estabilidade política e mantém política econômica confiável. Além disso, a perspectiva de exploração dos imensos campos de petróleo descobertos na camada do pré-sal, aliada aos investimentos em infraestrutura de transportes para a realização de megaeventos esportivos – Copa do Mundo de Futebol, em 2014 e Jogos Olímpicos, em 2016 – é convite ao ingresso de capitais.
Desde já, os efeitos da entrada de dólares pelas aplicações no curto prazo e pela rubrica dos investimentos diretos são expressivos. Mas é aí que deve morar a prudência e a experiência que o país construiu nos últimos pelo menos 12 anos de política econômica bem-sucedida e que preparou a economia brasileira para atravessar sem abalos a tempestade que quase levou a pique gigantes da economia mundial. É que a valorização da moeda nacional nunca causou frustração tão intensa e tão perigosa em setores da economia brasileira que tinham sido atingidos pelo esfriamento do mercado mundial de produtos industrializados. Essa frustração se dá no momento em que, superada a pior fase da crise, os mercados começam a retomar os negócios. Depois de meses de queda, as exportações de manufaturados de setembro foram 10,3% maiores do que em agosto. Os asiáticos e os norte-americanos voltaram a fazer encomendas, os brasileiros têm o produto, mas alegam que o câmbio lhes tirou de boa parte da competição pelo preço.
De fato, a concorrência no mundo pós-crise é muito mais forte, pois todos precisam vender e poucos já estão em condições de comprar. Não é por outra razão, aliás, que surge, nessas oportunidades, a praga do protecionismo, que distorce o comércio internacional. No Brasil não é diferente e a situação provocada pela apreciação do real irriga a imaginação de certos economistas que não se cansam de tirar da sacola da saudade medidas de um passado que nos levou ao fracasso e à estagnação por duas décadas. Casuísmos como a limitação da entrada de capitais ou a taxação da remessa de lucros. Ou ainda a superada prática do câmbio centralizado e da fixação do valor da moeda conforme a conveniência da autoridade monetária. Na verdade, trata-se da equivocada mania de proteger meia dúzia de felizes exportadores em prejuízo da maioria dos consumidores, que pagariam mais caro por mercadorias piores – filme antigo e ruim. A alternativa é manter a transparência do câmbio flutuante e trabalhar a redução do custo Brasil, especialmente quanto à carga tributária, que roupa o fôlego competitivo de qualquer empresa. Por sorte, esse parece ser o rumo escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já teria mandado um recado aos mágicos de plantão: nada de artificialismo no câmbio. Que encontrem algo mais inteligente. Ainda bem.
O RACISMO MINIMIZADO EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE 13/10/2009
Ao se candidatar a uma vaga de empregada doméstica em São Paulo, em 1997, Simone André Diniz foi rejeitada por não atender a um requisito racista: o contratante dava preferência a pessoas de cor branca, conforme anúncio publicado em jornal. Apesar de o racismo ser considerado contravenção penal no país desde julho de 1951, com a aprovação da Lei Afonso Arinos, e de ter sido agravado pela Constituição de 1988, que o revestiu de caráter imprescritível e inafiançável, a vítima teve sua denúncia arquivada à época, sob a alegação de inconsistência. O caso valeu ao Brasil, em outubro de 2006, uma condenação na Organização dos Estados Americanos. A OEA não só determinou que a ofendida fosse reparada, como recomendou ao Estado nacional providências no sentido de preparar os funcionários da Justiça e da polícia para ações do gênero.
Tese de doutorado em sociologia defendida recentemente na Universidade de Brasília (UnB) mostra que, 10 anos depois, o caso Simone está longe de ser fato isolado. O autor do estudo, Ivair Augusto Alves dos Santos, assessor da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, analisou 7.034 processos penais envolvendo racismo no período compreendido entre um ano antes e um ano depois da decisão da OEA (de 2005 a 2007). O resultado é estarrecedor: em 92% deles, o crime foi desclassificado para injúria. O quadro torna-se ainda mais assustador quando se sabe que apenas uma em cada 17 denúncias de racismo vira ação penal no Brasil. Fica difícil, assim, evitar que a sociedade veja nessa conduta certa conivência da Justiça com o racismo.
A injúria, segundo o artigo 140 do Código Penal, é apenada com multa ou de três meses a um ano de detenção. Como se trata de punição de menor efeito na restrição da liberdade, os juízes quase sempre condenam o infrator a pagar multa, fornecer cestas básicas ou prestar serviços à comunidade. Já a prática do racismo, conforme consta no inciso XLII do artigo 5º da Constituição Federal, “constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei” — até cinco anos de prisão, segundo a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Mais: tipificado o crime como racismo, a ação é pública, movida pelo Ministério Público; alterada a tipificação para injúria racial, passa a ser privada, o que obriga a parte ofendida a constituir advogado ou apelar à Defensoria Pública.
A custódia do acusado em regime presidional não tem apenas a função de punir, mas, sobretudo, de constituir advertência para que se respeite a lei. Essa função pedagógica parece não estar sendo observada por muitos juízes. Falta aos magistrados brasileiros acertar o passo com a legislação anti-racista do país. Do contrário, a curva ascendente do número de ações penais verificada nos últimos anos tenderá a se inverter, desestimulando as vítimas a procurar a Justiça. Não se pode minimizar o fato de pessoas serem insultadas pela cor da pele ou encontrarem qualquer tipo de dificuldade maior na procura por uma vaga do mercado de trabalho, na rede de ensino ou mesmo para se locomoverem. Infelizmente, quase três anos depois, a recomendação da OEA continua valendo. Que seja acatada, antes de nova e vergonhosa condenação.
“FICHAS-SUJAS” EDITORIAL GAZETA DO POVO (PR) 13/10/2009
É sabido que, no Congresso Nacional, há pe¬¬lo menos dez propostas de alteração legislativa tendo por objetivo barrar a candidatura dos chamados “fichas-sujas”. De maneira geral, propostas que pretendem tornar mais rigorosos os requisitos de elegibilidade e que criticam, por exemplo e dentre outros aspectos, a exigência de trânsito em julgado, em processos criminais, como condição im¬¬peditiva de candidaturas. Fala-se, então, que seria suficiente uma condenação por parte de um ór¬¬gão colegiado (tribunal) – o que já foi sustentado pelo ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tri¬¬bunal Federal (STF) – ou, para alguns, até mesmo uma condenação por um juízo singular. Pro¬¬postas que suscitam debates e discussões de duas ordens: uma política e outra jurídica. No âmbito político, basta dizer que propostas de tal natureza afetam diretamente uma grande parcela dos nossos representantes em Brasília, pois, como sabemos, mais de uma centena dos atuais congressistas são réus em processos em trâmite no STF. Muitos dos “fichas-sujas” lutam com unhas e dentes por um mandato simplesmente para deslocar seus processos para os tribunais superiores, justamente pelo fato de os referidos tribunais não estarem suficientemente estruturados para ab¬¬sorver o processamento de inquéritos e de ações penais calcados no “foro privilegiado”. Falta-lhes estrutura. Não faz parte da rotina dos tribunais a instrução processual. Não faz parte da rotina das cortes, por exemplo, ouvir testemunhas e o depoimento das partes. E os resultados, quais são? A prescrição, a absolvição por falta de provas e assim por diante. Assim, as propostas sobre os “fichas-sujas” geram sempre uma grande resistência. São propostas cujas aprovações dependeriam de um mínimo de espírito público, o que, infelizmente, é cada vez mais raro naquele específico espaço do Distrito Federal. Mas não é só isso. A discussão em torno da inelegibilidade dos candidatos “fichas-sujas” traz à tona, também, um interessante debate de cunho jurídico. Mais especificamente, de cunho constitucional. A questão é: até que ponto o impedimento da candidatura de pessoas condenadas de forma não definitiva, ou seja, sem trânsito em julgado, não feriria o princípio da não culpabilidade, princípio esse que, insculpido no artigo 5.º, LVII, da Cons¬¬tituição Federal, estabelece que “... ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”? Pois bem, para aqueles que sustentam a desnecessidade do trânsito em julgado, o fundamento estaria no §9.º, do artigo 14, da Constituição Federal de 1988, o qual determina que “lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”. Para eles, a existência de uma condenação criminal – por um juízo singular ou por um colegiado –, ainda que não definitiva, poderia sim ser mais um critério restritivo de candidatura. Nesse caso, estaria em jogo o interesse da sociedade pela probidade administrativa e pela moralidade. Em última análise, a fortaleza e a legitimidade do sistema representativo e da nossa democracia. Não existiriam, desse modo, direitos fundamentais absolutos e, no caso em questão, o princípio da não culpabilidade cederia espaço para a proteção de valores coletivos. De outro lado, porém, enfileiram-se os que não admitem nenhuma espécie de “relativização” do princípio da não culpabilidade e que, por isso mesmo, entendem que a restrição contemplada em uma eventual alteração legislativa violaria, inevitavelmente, uma norma constitucional de caráter fundamental. Uma “cláusula pétrea” da nossa Magna Carta. Para esses, o princípio da não culpabilidade não se restringiria à seara penal. Estender-se-ia também ao campo político e a todas as demais esferas da vida dos cidadãos. A polêmica é, sem dúvida, significativa, mas, independentemente da posição que se adote, entendemos que a origem do “problema dos fichas-sujas” está ligada, principalmente, à impunidade. E uma impunidade que decorre (i) das deficiências da nossa legislação processual (notadamente o excesso de recursos) e (ii) da falta de estrutura do Poder Judiciário. Vivêssemos todos em um país com uma legislação processual mais racional e menos comprometida com a eternidade do processo; em um país com um Poder Judiciário dotado de estruturas adequadas e eficientes; e em um país onde não reinasse a impunidade da classe política; seriam os “fichas-sujas”, de fato, um problema? Com certeza não.
A BOMBA DOS GASTOS EDITORIAL ZERO HORA (RS) 13/10/2009
O alerta de que o orçamento federal se transformou numa impressionante “folha de pagamento”, devido ao excessivo comprometimento dos gastos públicos com demandas como Previdência, reajuste do salário mínimo e dos servidores, além de assistência social, preocupa pelo fato de coincidir com um momento de transição para o país. A economia brasileira só poderá deslanchar no ritmo das necessidades da população se o setor público puder operar com suas receitas em equilíbrio. A questão é que nem tudo vem se encaminhando desta forma, como alerta o economista e especialista em finanças públicas Raul Velloso, em artigo publicado na edição de ontem de O Globo.
Um dos problemas impostos pela opção por privilegiar alguns segmentos específicos é que a própria sociedade vai aos poucos se dando conta das deformações geradas por esse tipo de política. Entre elas, estão o inchaço da máquina pública e salários que, em alguns casos, se mostram acima dos pagos pelo setor privado para o exercício de funções equivalentes. Da forma como são pagos, sem uma adequada fiscalização sobre o cumprimento de contrapartidas exigidas pelo programa, os recursos liberados para o Bolsa-Família também lançam dúvidas sobre a sua eficácia, em muitos casos. Finalmente, do total de verbas liberadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a estimativa é de que apenas um terço se refira a benefícios cobertos com contribuição dos potenciais beneficiários. O restante fica por conta do Tesouro, o que reforça as razões para preocupação com reivindicações em andamento nesta área.
O agravante, como ressalta o articulista, é que o custo desse imenso manto de proteção orçamentária pode ser uma limitação do crescimento sustentável. Além disso, a opção impõe uma armadilha da qual o governo federal não tem como se livrar facilmente: a defesa da manutenção dessas vantagens já não rende tantos dividendos políticos para quem está no poder, mas sua retirada pode impor custos elevados. A sociedade precisa ficar atenta a essa tendência para evitar que os prejuízos se tornem insanáveis.
O governo federal, que deveria aproveitar a fase de saída da crise econômica para rever sua política de gastos, vem tomando iniciativas em sentido oposto, o que poderá ter efeitos explosivos mais adiante. Momentos como o atual, com a queda na taxa de câmbio e de juros, acabam estimulando um aumento nos gastos. Os dispêndios, obviamente, deveriam contemplar investimentos em áreas que podem favorecer a expansão econômica, como é o caso da infraestrutura. Apesar da ênfase à realização de obras no discurso oficial, o que se constata, porém, é uma preocupação predominante em privilegiar alguns segmentos, ainda que isso implique ganhos apenas para algumas faixas, em detrimento das demais.
NOVA ARMA CONTRA A AIDS EDITORIAL JORNAL DO COMMERCIO (PE) 13/10/2009
Setembro de 2009 é uma data que ficará marcada na crônica médica mundial por dois grandes eventos científicos, um deles em Pernambuco. O primeiro foram os bons resultados obtidos com uma vacina experimental contra a aids, desenvolvida por cientistas tailandeses e norte-americanos. Essa vacina – produto de estudos iniciados em 2003 – reduziu a possibilidade de contaminação em 31,2% e foi o primeiro caso bem-sucedido entre seres humanos. Entre nós, a comunidade científica comemora o trabalho desenvolvido por cientistas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)que identificaram dois genes que produzem proteínas capazes de reforçar a imunidade do organismo. A descoberta vai ser apresentada em Paris, na França, durante o Congresso Mundial de Vacina contra a aids, no dia 18 deste mês. Esses dois momentos importantes na pesquisa científica em todo mundo trazem à tona, entre nós, as atenções rigorosas que devem cercar a pandemia de uma doença que começou a ser notificada em 1980 e somente no Brasil é responsável por mais de 220 mil óbitos. Até o ano 2000 a aids ocupou as mentes, preocupou e escandalizou. No princípio, parecia um mal limitado ao sexo masculino e determinadas faixas de risco, até virar o que é hoje: uma pandemia, que atinge os dois sexos, com participação crescente das mulheres na contaminação e passagem dos estratos sociais de maior escolaridade para os menos escolarizados. Em qualquer circunstância, porém, há de se ressaltar que no Brasil esse problema vem sendo tratado com seriedade desde que se tornou questão de saúde pública e faz de nosso País um modelo em todo mundo em tratamento e pesquisas. O importante a realçar no momento é que esse combate se processa no silêncio dos laboratórios e que mesmo diante de extraordinários avanços, como o que é registrado agora com as pesquisas desenvolvidas na UFPE, ainda há muito trabalho pela frente e é importante que a sociedade se mantenha alerta, respeitando os cuidados mais simples e elementares pelos quais é possível combater a doença. Do lado oficial, espera-se que se mantenha preocupado com o posto assumido pelo País, não descuidando de atenções básicas como manter a distribuição dos remédios, principalmente quando se sabe que a aids, inicialmente com incidência predominante entre as classes privilegiadas e escolarizadas, hoje se espalha entre os segmentos mais pobres e com baixo nível de escolaridade. A contribuição que os pesquisadores pernambucanos dão nesse combate é admirável. Até se antecipou às chamadas para seleção de pesquisa com que o governo iniciou, em 2004, um novo processo para financiamento de pesquisas na área de doenças sexualmente transmissíveis (DST). As pesquisas na UFPE de que resultaram a identificação dos genes que podem fortalecer a imunidade do organismo começaram em 2001 e tiveram que ser suspensas até 2004 por falta de recursos, agora assegurados através da Fundação Oswaldo Cruz e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. O responsável pelo desenvolvimento das pesquisas, professor Sérgio Crovella, admite que os estudos poderiam estar mais avançados se tivesse conseguido os recursos antes. Esse é um dos aspectos de mais difícil compreensão quando se tem como objeto a luta em defesa da saúde pública de um lado e, de outro, questões socialmente importantes mas nunca tão relevantes como, por exemplo, a realização de uma Copa do Mundo ou de uma Olimpíada. O contraste é evidente ao se ver a garantia de investimentos de alguns bilhões de reais para a construção de equipamentos esportivos ou de recepção aos que vêm de fora, mas faltam recursos para a luta contra doenças que deveriam estar erradicadas ou, no mínimo, controladas.
VEZ DOS EUA EDITORIAL O POVO (CE) 13/10/2009
ONU pretende cobrar dos EUA punição para o ex-secretário de Defesa Donald Rumsfeld por abusos contra os direitos humanos
Os Estados Unidos estão sendo chamados a apurar criminalmente as denúncias de tortura contra o ex-secretário de Defesa Donald Rumsfeld, durante a gestão passada de George W. Bush. A iniciativa foi pedida pelo relator especial da ONU sobre tortura, o austríaco Manfred Nowak, para quem a administração do ex-presidente americano George W. Bush (2001-2009) foi um mau exemplo para outros países, por violação das leis internacionais.
De acordo com o relator especial da ONU, os EUA são obrigados a investigar e punir esses supostos crimes por terem assinado a Convenção da ONU Contra a Tortura e também por determinação da sua própria Constituição. Esses dois documentos obrigariam o governo americano a investigar a fundo de onde saíram a ordens para aplicar os abusos denunciados por organismos defensores dos direitos humanos & segundo o funcionário. Ele alega que nenhum país pode se eximir das obrigações assumidas pelos tratados e convenções internacionais que tratam dos direitos humanos.
Poder-se-ia acrescentar que os EUA têm uma responsabilidade moral ainda maior, na medida em que se apresentam como campeões da democracia e principais defensores dos direitos humanos, no planeta. Ora, se Washington tem assumido historicamente um tom duro em relação às violações praticadas nesse campo por regimes autoritários, e até por adversários ideológicos, como pretender esconder os desvios de agentes de seu próprio Estado? Essa dubiedade causa um efeito devastador na credibilidade dos americanos, debilitando sua liderança.
O presidente Barack Obama já tinha percebido essa contradição insustentável, tanto que sua campanha presidencial teve como um de seus compromissos programáticos a revisão desse paradoxo, visto que isso estava minando a posição dos EUA como líder, o que era sumamente grave, no momento em que lhe era exigida uma maior demonstração dessa capacidade de liderança, diante da crise que abalou sua economia e, com ela, a do mundo inteiro.
Se os tratados e convenções só são aplicáveis a países desprovidos de poder econômico e militar, não haveria razão para se submeter a esse ordenamento. E sem um ordenamento mundial minimamente acatado por todos, haveria o caos e a barbárie. Portanto, a exigência de preservação de uma institucionalidade internacional respeitada tornou-se um fator indispensável para a própria sobrevivência da humanidade. A base é o respeito aos direitos humanos fundamentais. Não há mais como transigir nesse aspecto. Portanto, crimes de tortura devem ser punidos não apenas nos países da periferia, mas, sobretudo, nas grandes nações que têm a responsabilidade de zelar pelo Estado Democrático de Direito. A era da retórica pirotécnica está nos seus estertores finais. Chegou a hora de as grandes potências assumirem essa realidade.
NO CÓRNER E RECEBENDO PANCADAS EDITORIAL A CRÍTICA (AM) 13/10/2009
Nunca, em toda história recente do País, um governo ousou “protelar tanto” a restituição do Imposto de Renda Pessoa Física, impondo ao contribuinte um arrocho financeiro inaceitável. Engano! Isso já aconteceu nesse mesmo governo que aí temos, em 2003. Agora, contudo, a medida repercutiu muito mal, visto que fora tomada na calada da noite e implementada, por assim dizer, madrugada adentro. Em outras palavras, longe dos olhos e dos ouvidos das pessoas com direito à restituição desse imposto.
Em regimes democráticos, espera-se que o governo de plantão dê atenção a esse aspecto, tendo em mente que, agindo às claras, não estaria prestando favor algum a quem quer que seja. Afinal, constitui uma de suas obrigações legais dá publicidade aos atos administrativos que eventualmente venha a adotar. Transparência é um outro nome que se reservou para isso. Mas, infelizmente, esse é um atributo da gestão pública no qual os administradores estão sempre tropeçando.
No caso envolvendo a “trapaça federal” com o IRPF, vê-se mais: o tamanho da indiferença com que os burocratas do Planalto – e o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva – trataram a situação vexatória por que passou o Senado recentemente, em função dos atos secretos editados pelos por alguns diretores desta Casa. Em última análise, estamos diante de um paralelismo que explica – se é que ainda restava alguma dúvida – a defesa descarada e socialmente condenável que o próprio presidente Lula e sua patrulha fizeram do aliado José Sarney.
O paralelismo, no entanto, mostra-se escandalosamente contraditório quando comparado à boçalidade com que o Planalto, outro dia, veio a público manifestar o seu espírito pequeno burguês, oferecendo-se, por exemplo, para emprestar alguns milhões de dólares ao Fundo Monetário Internacional, o FMI, do qual já fomos grandes devedores.
Resta a impressão, no entanto de que não deseja ser levado a sério um governo que, da boca para fora, diz uma coisa e, da porta de casa para dentro, às escondidas, faz outra. Eis porque não espanta que o Planalto esteja no córner, atordoado com as críticas que vem recebendo. Simples: se pode emprestar dinheiro a agentes externos, por que haveria de impor aos contribuintes um arrocho financeiro inaceitável? Essa é a pergunta que não cala entre os que têm IR a ser restituído.
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