Friday, September 08, 2006

FHC CARTA AOS ELEITORES DO PSDB

Data: 07/09/2006

FHC: sobra moral a Alckmin e falta a Lula

CARTA AOS ELEITORES DO PSDB

Brasília (7 de setembro) - Atravessamos um momento paradoxal: de aparente desconexão entre o que é o sentimento da opinião pública e o discurso eleitoral rotineiro; de tanta desfaçatez dos que ocupam o poder e de tanta informação sobre a corrupção e os desmandos de quem deveria dar as pautas de comportamento pensando mais na Nação que em seus umbigos e nada mais faz do que se jactar de grandezas inexistentes. Diante disso, resolvi me dirigir aos militantes, simpatizantes e eleitores do meu partido, e mesmo às pessoas de boa fé que olham a política com atenção, embora sem se envolver na vida partidária, para expor com franqueza algumas questões que me parecem essenciais para que o PSDB possa continuar a contribuir para uma mudança de mentalidades e de práticas no Brasil.

Para que não pairem dúvidas: é do Presidente e de seu partido (ou deveria dizer ex-partido?) que falo acima, pois são eles, inquestionavelmente, os responsáveis por deixar que os piores setores da política ocupem a cena principal, expondo o país às misérias a que todos assistimos indignados. E mais indignados ficamos quando vemos o Presidente e seus arautos passarem a mão na cabeça dos que "erraram" (como se eles próprios não fossem os culpados) com a desculpa de que "todos são iguais" ou, então, em versão mais sofisticada da mesma falta de vergonha, dizerem que "a culpa é do sistema".

Comecemos por aí. Há muita confusão no ar no trato das questões morais. Moral se refere a condutas individuais. Uma coisa é a discussão filosófica sobre a ética, os fins últimos ou o que seja. Outra é a responsabilidade moral: quem transgride as leis, os costumes, as práticas aceitas em uma comunidade, pode fazê-lo em nome do que seja, de um partido, um ideal, uma paixão. Responderá pela transgressão perante a comunidade e estará sujeito às penalidades do caso.

Pagar mensalão é crime e como crime deve ser tratado. Pagar mensalão para deputados, comprar seus votos, não é igual sequer a outra transgressão, a de não declarar dinheiro obtido para a campanha eleitoral, o "caixa dois". A razão é simples: no caso do caixa dois, a fonte do dinheiro usado geralmente é privada, embora nem sempre o seja, e o objetivo é ajudar algum candidato individual em sua eleição. O candidato e seus financiadores devem responder por essa ilicitude eleitoral. No caso do mensalão a fonte foi pública; é roubo do dinheiro do povo, ainda que empréstimos fictícios de bancos privados tenham sido usados para encobrir esse fato. Os arrecadadores obedeciam a diretrizes de um partido, com a cumplicidade de partes da administração. A prática deu-se sob o olhar benevolente de ministros e mesmo com a cumplicidade de alguns deles (refiro-me à acusação do Procurador Geral da República). O próprio Presidente, que é responsável pelos ministros, não tendo atuado para demiti-los nem depois do fato sabido, é passível de crime de responsabilidade. E, mais do que simplesmente corromper pessoas, corrompeu-se uma instituição, o Congresso Nacional.

Isso não quer dizer que o sistema eleitoral vigente seja bom ou que não precise ser mudado. Entretanto, apenas culpar "o sistema" e escapar da responsabilidade pessoal é um sofisma que nada tem a ver com comportamento moral. São as pessoas, cada uma de acordo com sua participação no delito e de acordo com a gravidade de sua atuação individual, que devem responder pelas transgressões, e não qualquer idéia abstrata de "sistema". Este pode e deve ser mudado. Mas as pessoas que cometeram crimes precisam ser punidas. A impunidade, a postergação de decisões da Justiça sobre os presumivelmente culpados (vide o caso que deu origem a presente série de escândalos, o de Valdomiro Diniz) desmoraliza tudo, desanima a população e dá a impressão de que o povo é indiferente à corrupção. Não é indiferença, é descrença na punição.

Pois bem, nós do PSDB não fomos suficientemente firmes na denúncia política de todo esse descalabro no momento adequado. Não será agora, durante a campanha eleitoral, que conseguiremos despertar a população. Mas, para nos diferenciarmos da podridão reinante, temos a obrigação moral de não calar.

É verdade que também somos responsáveis pelo que hoje se vê: a cada dia mais corrupção; a cada dia, menor reação. Erramos no início, quando quisemos tapar o sol com a peneira no caso do senador Azeredo. Compreendo as razões: ele é pessoalmente decente; tudo se passou durante a campanha para sua reeleição como governador, que afinal ele perdeu. Mesmo assim, calamos muito tempo e sequer dissemos o que sabemos: entre os responsáveis pelas finanças de campanha do então governador estava seu vice, hoje ministro do Presidente Lula. Nem isso dissemos com força! Mas não por isso podemos calar diante do descalabro. Ainda que o eleitorado não nos acompanhe neste momento, deixaremos as marcas de nosso estilo, de nossas atitudes, para calçar um futuro melhor para o país.

Para que o PSDB se justifique perante o eleitorado como uma força renovadora ele tem que se distinguir. A podridão que encobre "a política" está nos transformando em vultos. Precisamos reganhar nossa cara.

Nosso candidato à Presidência tem as mãos limpas. Tem história de seriedade. Por que não bradar isso com força ? Por que não fazer o contraponto com o outro lado. Nada a temer nem a esconder. Geraldo Alckmim pode dizer o que Lula não pode porque sua história não passa por acusações de suborno a prefeituras. Ele não tem que explicar, como Lula, por que tendo tanto dinheiro vivo (e quanto!), não paga dívidas. Por que ora diz nunca ter ouvido falar de sua dívida no partido, ora que a discutiu, mas não a reconhece. Enfim: faltam condições morais a um e sobram a outro. Essa é a diferença. E este é o ponto de partida para recuperar o reconhecimento público do valor da política. Sem que haja uma diferença entre bons e maus, a geléia geral predomina e elegeremos de cambulhada um Congresso no qual os sanguessugas e mensaleiros derrotados serão substituídos por outros prestes a reviver a mesma história.

O não à corrupção, não nos iludamos, é a condição para o futuro, tanto do país como nosso. Mas não basta a diferenciação moral. Há problemas urgentes que afligem o povo e sobre os quais não podemos calar. O mais angustiante é o medo: medo do crime, da violência. Também neste caso o PSDB tem responsabilidades e tem o que dizer. Em São Paulo, para cingir-me ao estado que foi governado por Alckmin, as taxas de homicídio e latrocínio caíram fortemente graças à ação da polícia. Nunca se prendeu tanto, a um ponto tal que a cada mês há mais 800 presos, descontando-se os que são liberados. Para atendê-los seria preciso construir uma penitenciária por mês! Resultado: o sistema prisional está abarrotado e, há que reconhecer, não foi capaz de dar tratamento adequado à massa de presos, criando um caldo de cultura para a criminalidade e deixando ao PCC espaço para demagogia em nome da melhoria de condições de vida dos prisioneiros. Sem falar no uso continuado de celulares, da cumplicidade entre criminosos e advogados, às vistas cúmplices, algumas vezes, das autoridades carcerárias. Reconhecer isso não é desmedro. O governo federal, à parte a demagogia recente de oferecer o que não tem (a Força Pública Federal) ou o uso instrumental das Forças Armadas para tarefa que não lhes compete, não transferiu no momento oportuno os recursos do Fundo de Segurança Pública, criado no governo anterior, nem se empenhou pela aprovação pelo Congresso das mudanças necessárias nos codigos de Processo Penal e de Execuções Penais.

Diante desse descalabro, o PSDB e seus candidatos têm discurso: assim como se mostraram capazes de prender, saberão, no governo federal e nos estados, criar melhores condições no sistema prisional, sem deixar de serem duros no combate ao crime organizado e a todas as formas de delito. Empenhar-se-ão para que haja maior diferenciação nas penas, utilizarão, com apoio da Justiça, as penas alternativas, endurecerão, como o governo de São Paulo já fez, o tratamento dos criminosos de alta periculosidade, aplicando-lhes tratamento diferenciado, causa aliás do horror que o PCC tem ao PSDB. E sobretudo, batalharão pela aprovação das medidas que estão no Congresso e que permitem a ação unificada das polícias civis e militares e a intensificação do uso dos serviços de inteligência, incluindo os das Forças Armadas. Nada disso, entretanto, tornará o PSDB indulgente com quem pensa que polícia está ai para baixar o porrete e matar, nem com a confusão inaceitável entre pobreza e crime, periferia e PCC . Sem esquecer que se os governos do PSDB tiveram êxitos em baixar as taxas de homicídios e latrocínio - crimes da alçada estadual - o mesmo não se poderá dizer do governo Lula sobre os crimes de alçada federal: o contrabando de armas e de drogas.

Há, portanto, razões de sobra para não temer a discussão do crime, das drogas e da violência, temas que tanto preocupam o povo. E há como nos diferenciarmos das forças governistas no debate. Esta diferenciação é essencial. Se não, por que votar em nós? Essa diferenciação começa no aspecto moral mas avança em tudo mais. Não quero cansá-los, mas é descabido aceitar que a política econômica atual seja a continuidade da nossa. Sim e não. Mantiveram o que era óbvio (metas de inflação, câmbio flutuante e superávits primários), pois do contrário já estaríamos a ver os protestos das donas de casa contra a inflação e a carestia. Mas, sem avanços nas reformas e sem ousadia diante de um panorama favorável na economia mundial, o custo da aplicação dessas medidas será grande. Sem reforma da Previdência (o que foi aprovado não teve seqüência nas leis complementares e portanto nada mudou de fato), tornou-se impossível baixar os juros há mais tempo. Assim, para manter a boa apreciação dos credores internos e externos, o superávit primário teve que se manter nas alturas, sufocando os recursos para a construção de estradas e da infra-estrutura em geral. Quem pagou o preço? O povo, através dos impostos.

Agora, diante da conjuntura eleitoral e para compensar os anos de carência, veio a bonança às custas do futuro: aumentos de salário, expansão das bolsas, expansão do crédito, antecipação do décimo terceiro salário dos funcionários etc. Não havendo um incremento significativo dos investimentos (a taxa, em moeda corrente, anda abaixo de 20% do PIB há vários anos) e havendo a ampliação do gasto público, é só a conjuntura internacional mudar e pagaremos o custo da crise fiscal, das ineficiências acumuladas, da falta das reformas, tudo sempre revestido da maior empáfia dos que pensam que "nunca neste país, se fez mais e melhor do que neste governo". A verdade é que há uma gastança irresponsável e um novo inchaço do governo, sem nenhuma preocupação com a qualidade dos gastos.

Isso sem esquecer do "aparelhamento" do estado, com as sucessivas nomeações de "companheiros" e aliados, sem a devida qualificação técnica. Processo que alcança grau máximo de irresponsabilidade quando são nomeados políticos derrotados ou apaniguados para ocuparem posições nas agências reguladoras, causando temor nos investidores dada a politização de uma área do governo cuja respeitabilidade e independência técnica é essencial para atrair investimentos. Que ninguém se iluda: o PSDB não se fia no mercado como o promotor do bem estar social. Nós sabemos que a ação do Estado é essencial. Mas de um Estado verdadeiramente democrático e republicano, que não se deixa usar pelos interesses privados, de partidos, pessoas ou empresas e que não se encastela em uma burocracia arrogante e pouco competente que , no final das contas, acaba por servir apenas ao capital, repudiando-o onde ele é necessário (nos investimentos) mas cedendo ao que seus piores segmentos desejam concedendo privilégios ao alvedrio do poder.

Na linha de assumir posições claras e firmes, o PSDB deve aproveitar as pressões mais do que justificadas por uma reforma eleitoral para iniciar a pregação, desde já durante a campanha eleitoral, das vantagens do voto distrital. A principal delas é que o voto distrital quebra a espinha do atual sistema que induz à corrupção e à desunião partidária. Hoje o candidato compete fortemente com seus companheiros de partido, pois sua eleição depende do número de votos que tiver, em contraposição ao número obtido por outros candidatos do mesmo partido. Além disso, cada candidato "pesca" votos no âmbito de todo o estado. Como a lei eleitoral permite que cada partido lance candidatos correspondentes ao dobro do número de cadeiras que cada estado tem no Congresso, em um estado como São Paulo serão 140 candidatos por partido. Supondo que depois da lei de barreira sobrem sete partidos, poderão estar competindo 980 candidatos pelo voto dos 25 milhões de eleitores paulistas. Isso obriga o candidato a esparramar sua campanha por todo o estado (o que custa caro) e leva à dispersão de responsabilidades: o eleitor se esquece em quem votou, no emaranhado de candidatos, e o candidato, uma vez eleito, não sabe, de fato quem são seus eleitores.

Na insegurança, e pensando na reeleição futura, o deputado (como já teria feito o candidato) vai estabelecer uma rede de segurança apoiando-se em prefeitos e eventualmente em alguma empresa, aos quais busca prestar favores, numa versão atualizado do velho clientelismo (que subsiste nas zonas mais pobres do país) que intercambiava votos por favores prestados diretamente ao eleitor. Essa é a sementeira da corrupção: uma emenda no orçamento ajuda o prefeito, ajuda a empresa amiga. Para realizá-la o deputado exerce a função de despachante de luxo: negocia com pessoas da administração federal tanto a área de aceitação da emenda como, mais tarde, aprovado o orçamento, a respectiva liberação das verbas: está fechado o circuito das sanguessugas, sendo que o das ambulâncias, provavelmente, foi apenas um dos muitos circuitos existentes. No meio do caminho, as propinas e vantagens.

O voto distrital acaba com isso ou pelo menos dificulta muito. Por que? Porque em cada distrito cada partido lança apenas um candidato (não há mais a concorrência destrutiva da coesão partidária), o eleitor sabe mais facilmente em quem votou e pode acompanhar o desempenho do eleito em função dos interesses do distrito. Mesmo no caso de São Paulo, onde forçosamente os distritos serão compostos por cerca de 350.000 eleitores (25 milhões divididos por setenta cadeiras) torna-se muito maior a proximidade entre eleitor e eleito e, portanto, se torna mais fácil cobrar do candidato e obrigá-lo a prestar contas: na próxima eleição serão os mesmos 350.000 eleitores que escolherão entre sete pessoas, uma delas já no cargo e as outras seis denunciando irregularidades, se as houver, praticada pelo deputado que busca a reeleição. E torna menores os custos das eleições.

Pode haver uma discussão sobre a substituição do sistema atual de voto proporcional e uninominal pelo de "listas fechadas" dos partido, sistema no qual o eleitor vota na legenda e não em pessoas e os candidatos ocupam as vagas ganhas pelo partido na ordem definida pela direção partidária. O inconveniente deste sistema é que as oligarquias partidárias terão mais força para ordenar a lista e, como entre nós o voto é muito personalizado, o eleitor se distanciará ainda mais do candidato. Também é possível adotar um sistema de voto distrital misto. Este tem a vantagem de assegurar mais claramente as opiniões minoritárias e a votação em candidatos cuja base é dispersa, dado que seu apoio vem da opinião de eleitores distribuídos pelo espaço estadual. O maior inconveniente é a dificuldade de compreensão do sistema pelo eleitor e sua aplicação na prática. Entretanto, se esta for a solução para uma convergência política, não vejo porque o PSDB iria se opor. A defesa do voto distrital puro está baseada em que a lei de barreira já restringirá, de qualquer modo, a chance dos mini-partidos e o voto de opinião será mais facilmente acolhido nos distritos metropolitanos, o que levará os partidos a apresentarem candidatos com estas características para vencer as eleições distritais.

Há outros temas nos quais o PSDB pode e deve marcar sua identidade. Temas que afligem os brasileiros e para os quais há soluções. Mencionei apenas os politicamente mais candentes, embora nem sempre se refiram às questões estruturais. Entre estes a educação prima. O PSDB tem a responsabilidade de lutar por seu legado. O que fizemos no governo federal e em alguns governos estaduais em matéria educacional é muito valioso. Não se trata apenas do aumento da matrícula em todos os níveis do ensino, mas de uma mudança de mentalidade: a preocupação com avaliar e a introdução de novas técnicas de avaliação de resultados, a diferenciação de salários de acordo com o desempenho dos professores, a formação de fundos de pesquisa (infelizmente contingenciados), e assim por diante. Cabe-nos agora inovar mais. O grande desafio será o da extensão do tempo de permanência das crianças nas salas de aula, o aumento do salário dos professores, sua melhor qualificação, e a generalização do uso dos computadores. Tudo isso é factível e nós sabemos como fazê-lo, sem misturar educação com propaganda nem transformar cada programa em nova trincheira partidária, com a nomeação de apaniguados e militantes .

O mesmo se diga sobre saúde, reforma agrária (é clamoroso o que o governo atual faz de errado e lento nesta área, pela qual fomos tão criticados e na qual tanto fizemos). E não devemos temer a Bolsa-família. Ela não apenas resultou de programas que nós criamos (inclusive a preparação técnica para a unificação dos programas) como vem sendo desvirtuada pela velocidade eleitoreira com que cresce e pelo descuido na verificação da satisfação de requisitos para sua obtenção. E sobretudo porque tem sido feita no embalo da pura propaganda eleitoral, tornando um propósito saudável, pois inauguramos estes programas como um "direito do cidadão", numa benesse do papai-Presidente. Na verdade por este caminho formar-se-á uma nova clientela do governo. Se a ela somarmos a clientela dos assentados pela reforma agrária que não são emancipados, quer dizer, que não produzem para pagar seus compromissos e dependem a cada ano de novas transferências de verbas orçamentárias, estaremos criando o maior exército de reserva eleitoral da história. Aí sim caberá o "nunca se viu neste país..."!

Para gerar empregos e transformar os programas assistencialistas, embora importantes, em pontes para o verdadeiro bem estar (que depende dos programas universalistas na saúde, na educação e, sobretudo na geração de empregos de melhor qualidade) não cabe dúvidas de que o PSDB, sem se atemorizar com slogans do tipo "governo neoliberal" (mesmo porque, se for para adjetivar, a nenhum governo caberia melhor o epíteto do que ao do PT), deve pregar e praticar uma revolução capitalista, ou, nas palavras usadas há tanto tempo no discurso de Mário Covas, um "choque de capitalismo". Não podemos continuar meio envergonhados cada vez que o PT e seus aliados falam de "privataria". Privatizamos sim, e nada temos a esconder no processo de privatização: tudo foi feito em leilões públicos, com preços que quando foram estimulados pelo governo foi para sem maiores e se maiores não foram em certos casos (por exemplo, na Light do Rio de Janeiro, ou na Vale do Rio Doce) foi porque o "mercado" avaliou que, nas condições da época, mais não valiam, quer dizer: não havia empresas dispostas a comprar pelo preço estipulado porque o consideravam alto. O empenho do governo foi para que houvesse mais lances, tal era o temor do capital privado (sobretudo o nacional) que considerava elevados os valores mínimos dos leilões. Algumas dessas empresas tiveram um sucesso estrondoso graças ao trabalho que desenvolveram, caso da Vale, hoje controlada basicamente pela Previ e pelo Bradesco. Outras tiveram menos sorte: os capitais franceses investidos na Light, aliás estatais, certamente não se recuperaram na recente venda da empresa à Cemig e à Telemar.

É preciso dizer com todas as letras e toda a força que a privatização da Telebrás foi um sucesso absoluto, que o preço pago pelo que o Estado possuía dela (20% do capital total, embora de controle) talvez não corresponda hoje ao valor total das empresas de telecomunicações e que o povo se beneficiou enormemente, dispondo o país de um moderno sistema de comunicações, sem o qual não haveria internet nem modernização produtiva. E dizer também que no setor elétrico houve fracasso: privatizamos apenas a distribuição de energia e a Eletrosul, permanecendo nas mãos do governo Furnas, Chesf, Eletronorte e, naturalmente, Itaipu, que por seu caráter especial não deve mesmo ser privatizada. Resultado: é só ver as estatísticas sobre investimentos no setor (que não dispõe de um modelo claro e competente, indutor de parcerias com o setor privado) para entender porque vira-e-mexe fala-se de apagão. Não o de 2001, conseqüência da má gerência e da falta das águas, mas da falta de investimentos para geração nova de energia. E a privatização da Rede Ferroviária Nacional, acaso não foi um êxito?

Sendo assim, o PSDB não deve alimentar dúvidas metafísicas sobre se teria sido certo ou errado privatizar. Não que tudo deva ser privatizado: jamais aceitamos a privatização do Banco do Brasil, da Caixa Econômica e da Petrobrás, por exemplo. Mas no governo do PSDB essas organizações não serviam de instrumento de politicalha, como agora no caso da quebra de sigilo na Caixa ou do valerioduto no BB, sem falar das compras de navio pela Petrobrás em estaleiros inexistentes, ou na diminuição do ritmo da exploração do petróleo. É preciso devolver a estas grandes organizações seu caráter de "corporações públicas" que atuam no mercado e não estão sujeitas à ingerência de políticos, obedecendo apenas às políticas de estado.

Se não devemos fazer da privatização objetivo único e nem mesmo central do governo, tampouco podemos desprezar a colaboração do capital privado nacional e estrangeiro com o governo, sobretudo nas obras de infra-estrutura e no terreno em que temos melhores promessas de futuro, o das energias renováveis. Onde estão as PPP? Nenhuma saiu do papel, sem esquecer que quando privatizávamos, o Tesouro recebia recursos dos particulares enquanto que agora, com a filosofia lulista das PPP, dá-se o contrário: é o Tesouro quem dá dinheiro aos particulares para que eles invistam... Mas não são benesses o que o capital privado sério mais deseja, são outras coisas: regras firmes e transparentes. Ou voltamos a dispor de agências regulatórias com o espírito com o qual as criamos, de independência para garantir ao mesmo tempo o interesse do consumidor, o dos investidores e o nacional, ou veremos a politiquice prevalecer sobre tudo o mais, como já ocorre hoje de forma incipiente na ANATEL na ANP.

Digamos claramente também que o PSDB sabe que para retomar o crescimento com consistência, além das reformas, será necessário aumentar o investimento público em infra-estrutura e cortar impostos, simultaneamente. Esta "mágica" só se faz quando o governo está decidido a melhorar a qualidade do gasto, cortando programas desnecessários, sendo comedido na concessão de benesses e, garantidos os eventuais direitos, enxugando a máquina pública. Ou seja: fazendo o contrário do que faz o atual governo.

Por fim, para não me alongar mais, chega de dizer bobagens sobre a globalização, como se fosse culpada de nossa própria incapacidade. Chega de agir na prática como se acordos comerciais, tipo ALCA, fossem projetos imperialistas de anexação de território. São sim projetos de grupos de poder e interesse, diante dos quais temos de prezar e defender os nossos, e não enfiar a cabeça na areia e imaginar que na escuridão há "uma outra política", na verdade de um antiquado "terceiro-mundismo". O PSDB precisa assumir sua contemporaneidade. Queremos sim integrar-nos ao mercado internacional, o que não quer dizer submetermo-nos aos caprichos das potências dominantes, sejam os EEUU, a China, ou quem for. Nem quer dizer, por outro lado, que nos de-solidarizaremos dos países mais pobres ou que o mercado destes bem como o dos países de economia emergente não nos interessa. Esta postura claramente integradora na economia mundial obriga-nos simultaneamente a ter posições ainda mais firmes de repulsa às doutrinas da "guerra preventiva", estas sim imperialistas no campo político e ideológico. Da mesma maneira repudiamos a crença no destino manifesto das grandes potências para estabelecer à força a forma de democracia que lhes parece a mais adequada.

Enquanto hesitamos na política externa, dando margem à difusão de que acreditamos que para combater o hegemonismo político-ideológico é preciso seguir a tradição populista latino-americana, nada fazemos para garantir acordos comercias que nos interessam, isolando-nos cada vez mais em um Mercosul enfraquecido por nossa falta de liderança. Resultado: nem ALCA, nem acordo com a União Européia, nem qualquer outro acordo bi-lateral. O PSDB precisa ter uma posição mais clara sobre tudo isto.

Em suma, se quisermos exercer uma liderança renovadora precisamos manter os antigos compromissos democráticos, radicalizando-os, através da reforma política com a introdução do voto distrital e da fidelidade partidária; precisamos reatar os fios entre o partido e a sociedade, buscar o diálogo com os sindicatos e movimentos populares (agora mais fácil pela quebra do hegemonismo petista). A visão moderna de democracia impõe a participação ampliada da cidadania no processo deliberativo, inclusive senão que principalmente, na rotina partidária, revigorando, as prévias para a seleção dos candidatos. Precisamos romper os vínculos ideológicos que ainda nos prendem à visão estatista-desenvolvimentista e rechaçar todas as formas de populismo, substituindo-as por práticas genuinamente populares com a presença mais ativa dos cidadãos e militantes na formatação das políticas do partido e na implementação dessas nos estados em que governamos. Precisamos assumir que, no contexto atual, ser progressista é lutar para democratizar a sociedade, sustentar políticas que reduzam a pobreza até sua eliminação, gerando empregos sem contentar-nos com o necessário assistencialismo e sem ficarmos embaraçados com a forma capitalista do crescimento da economia, à espera do novo Godot, a "revolução salvadora". Esta não está em nosso horizonte histórico, embora o ideal da Justiça possa e deva continuar a motivar nossos corações a lutar cada vez mais pela redução das desigualdades sociais.

Fernando Henrique Cardoso VOLTAR A ARTIGOS ETC

O CONTO DOS BIOCOMBUSTÍVEIS

O CONTO DOS BIOCOMBUSTÍVEIS
BLOG CASAGRANDE 07.09, 17h43
por Christina Fontenelle

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva veio, recentemente, em rede nacional e por várias oportunidades, requerer para si e para seu governo a criação dos programas de desenvolvimento de biocombustíveis, bem como a conseqüente descoberta do biodiesel. É mais ou menos como se, por exemplo, o presidente da Telemar saísse por aí dizendo que ele teria sido o criador do sistema de telefonia móvel no Brasil. Um absurdo! Eu não sei exatamente quais são os critérios do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em relação à veiculação de mentiras, mas essa propaganda presidencial de Lula é pior do que o que se conhece como propaganda enganosa, que é prometer resultados e desempenhos que não se pode cumprir nem oferecer – é mentir, é apropriação indébita, é não ter o mínimo de respeito sobre direitos autorais, é ter absoluta certeza da ignorância de quem assistirá à propaganda.

Como estamos no Brasil (mais especificamente no Brasil do PT), porém, o TSE não se pronuncia, a oposição não se manifesta e nenhuma emissora de TV faz uma matéria sequer sobre esse tema. Ainda bem que na imprensa escrita e na Internet as coisas são um pouco diferentes... por enquanto.

A história dos biocombustíveis no mundo e no Brasil data dos séculos XIX e XX, respectivamente. Foi durante a Exposição Mundial de Paris, em 1900, que se apresentou ao público um motor diesel (de injeção direta, sem pré-câmara) que funcionava com óleo de amendoim. Os primeiros motores tipo diesel eram de injeção indireta e alimentados por petróleo filtrado, óleos vegetais e até mesmo por óleos de peixe. Na verdade, Rudolf Diesel, o criador do combustível que levou seu nome, registrou a patente DRP 67207, em 23 de fevereiro de 1893. E mais, ele preconizou que em países tropicais, com terra abundante e muito sol, haveria grandes programas para a produção de combustíveis vegetais, álcool e óleos de plantas nativas, para uso na propulsão de motores, e ainda previu o uso de aditivos corretores das qualidades ignitivas do combustível com gás, álcool e óleos vegetais.

A disseminação desses motores se deu na década de 1950, por demonstrarem ser de rendimento muito maior e de baixo consumo de combustível. No Brasil, desde a década de 1920, o Instituto Nacional de Tecnologia (INT) já estudava e testava combustíveis alternativos e renováveis. O pioneiro no uso de biocombustíveis foi o Conde Francisco de Matarazzo, cujas indústrias, já nos anos 1960, buscavam produzir óleo através dos grãos de café. Naquela época, para lavar o café e retirar suas impurezas – impróprias para o consumo humano – foi usado o álcool da cana de açúcar. A reação entre o álcool e o óleo de café liberava glicerina, que resultava em éster etílico – produto que hoje é chamado de biodiesel. Também na década de 1970, a Universidade Federal do Ceará (UFCE) desenvolveu pesquisas com o intuito de encontrar fontes alternativas de energia, em experiências que acabaram por revelar combustíveis originários de óleos vegetais e com propriedades semelhantes as do óleo diesel convencional – outra vez, o biodiesel.

A chamada crise do petróleo de 1972 foi uma das molas propulsoras das pesquisas realizadas na época. Em 1975, foi proposto o uso energético de óleos vegetais no Brasil, originando o Pró-Óleo (Plano de Produção de Óleos Vegetais para Fins Energéticos). Seu objetivo era gerar um excedente de óleo vegetal capaz de tornar seus custos de produção competitivos com os do petróleo. Previa-se uma mistura de 30% de óleo vegetal no óleo diesel, com perspectivas para sua substituição integral em longo prazo. Com o envolvimento de outras instituições de pesquisas, da Petrobrás e do Ministério da Aeronáutica, foi criado o Prodiesel em 1980. O combustível foi testado por fabricantes de veículos a diesel. A UFCE também desenvolveu o querosene vegetal de aviação para o Ministério da Aeronáutica. Após os testes em aviões a jato, o combustível foi homologado pelo Centro Técnico Aeroespacial. Em 1983, o governo federal, motivado pela alta nos preços de petróleo, lançou o Programa de Óleos Vegetais (Oveg), no qual foi testada a utilização de biodiesel e misturas combustíveis em veículos que percorreram mais de 1 milhão de quilômetros.

O Proálcool também foi implementado em 1975, mas, somente a partir de 1979, após o segundo choque do petróleo, é que o Brasil, de forma mais ousada, lançou a segunda fase do programa, com uma meta de produção de 7,7 bilhões de litros em cinco anos. Os financiamentos chegavam a cobrir até 80% do investimento fixo para destilarias à base de cana-de-açúcar e até 90% para destilarias envolvendo outras matérias-primas (mandioca, sorgo sacarino, babaçu, e outros). Na parte agrícola, os financiamentos chegavam a até 100% do valor do orçamento, respeitando os limites de 80% e de 60% dos valores da produção esperados. Hoje temos mais de 400 usinas produzindo há muitos anos.

Depois das crises do petróleo de 1974 e de 1979, o mundo passou a lidar com a questão do petróleo de duas formas: 1) aumentando a produtividade da energia e 2) aumentando as taxas de juros a níveis inéditos. Países como o Brasil adotaram medidas bem sucedidas, como a substituição das importações, para resolver o problema do imenso crescimento das dívidas externas em função desse aumento de juros e como a criação de programas de desenvolvimento de combustíveis alternativos. Por outro lado, os donos das reservas mundiais de petróleo aumentaram a taxa de extração e a maioria dos países consumidores criou impostos sobre o produto, transformando-se, assim, em sócios na sua valorização – o que antes só acontecia com os países da Opep.

Duas coisas merecem destaque neste pequeno histórico. A primeira delas é que os programas de desenvolvimento de biocombustíveis foram incrementados também em virtude da necessidade de ocupação de grandes extensões de terra no Brasil, a fim de que elas pudessem estar disponíveis para funcionar como área de plantio de alimentos, no caso de os EUA e de parte da Europa sofrerem desabastecimento por causa de possíveis ataques nucleares, no auge do período que ficou conhecido como o da Guerra Fria. Como veremos mais adiante, a história da estratégia está se repetindo, agora em nova e ampliada versão. A segunda coisa que devemos destacar é que, como sempre, repete-se a fórmula midiática de se referir às diferentes épocas da história do país. Eu explico. Sempre que se faz referência a fatos ditos negativos, entre os anos de 1964 e 1985, surge em letras garrafais o nome “governo militar” (ou “época da ditadura” etc.); entretanto, quando o tema é positivamente grandioso, refere-se à época simplesmente pelas expressões “década de...”, “nos anos...” e outras do gênero.
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No Brasil, por várias razões, incluindo-se a estratégica e nada casual “rediminuição” dos preços do petróleo, as atividades de produção experimental de óleo diesel vegetal foram paralisadas e o Proálcool foi ficando de lado nas políticas governamentais, até que, por pressões internacionais, o programa foi paralisado. Pressões estas que passam pelas exigências de superávits comerciais cada vez maiores para que se pagassem os juros da dívida externa – o que acabou fazendo com que nossas áreas agricultáveis não pudessem mais ser usadas para plantio de produtos que visassem abastecer o mercado interno e tivessem que ser usadas no plantio de produtos para exportação. Mas, agora, com a já bastante progressiva e não mais incógnita atuação da liderança corporativista transnacional, há um renovado interesse em que países como o Brasil tornem-se centros de produção de energia-combustível.

A idéia é fazer com que Lula seja reeleito, para dar continuidade a este projeto que se tem para o Brasil e para o bloco latino-americano – que será o de pólo produtor de combustível alternativo ecologicamente correto, deixando as reservas mundiais de combustíveis fósseis (que ainda são abundantes), para serem consumidas pelos países que abrigam as indústrias bélicas e aeroespaciais das grandes potências mundiais. Além disso, como as grandes corporações transnacionais têm o coração de seus negócios nos países desenvolvidos, é preciso que haja estabilidade sócio-econômica nestes lugares, de modo que a indústria do agronegócio – onde se concentra a maior capacidade de gerar de empregos – deva estar livre da inoportuna concorrência de países potencialmente agroexportadores como o Brasil.

Sendo assim, é extremamente conveniente que nosso solo seja utilizado não para produzir produtos que concorram com os dos países desenvolvidos no mercado de exportação, mas sim com produtos que possam ser consumidos no nosso mercado interno e exportados para mercados de necessidades específicas. Precisamente o contrário do que aconteceu no passado com o Proálccol, como já foi falado anteriormente. Ao mesmo tempo, esse tipo de negócio – o da indústria do biodiesel – permite que as terras sejam ocupadas por grupos (cooperativas) de pequenos e médios produtores, promovendo condições para a reforma agrária, para a ocupação de terras esparsas e criando empregos. Isso poderia ser realmente bom se fosse em benefício do nosso desenvolvimento e da nossa independência – mas não é.

O bloco latino-americano será o paraíso da força de trabalho mecânica, intelectualmente desprivilegiada, com capacidade de consumo extremamente limitada por padrões alienígenas (determinados de fora para dentro e de cima para baixo) de satisfação. Seremos um mercado consumidor estável e perpétuo dos produtos oferecidos pelos grandes monopólios industriais que atuarão aqui no Brasil. Seremos, ainda, importadores dos alimentos que aqui dentro poderíamos produzir (e que outrora já tenhamos produzido e até exportado) e fiéis contribuintes que alimentarão com seus “votos” e impostos a nomenklatura que nos governará e nos vigiará – um perfeito Estado fascista sob um tão sonhado (pelos agentes da revolução esquerdo-globalista) comunismo de mercado (ou capitalismo de Estado, como queiram).

Essa é a realidade que está por trás dos biocombustíveis do Brasil, bem ao contrário do que poderiam imaginar os nossos nacionalistas, que os concebiam como instrumento de libertação e de desenvolvimento. Por isso, enaltecer a nova era desenvolvimentista do Brasil, assim como está concebida, sob esse projeto de acomodação sócio-econômica por meio da produção dos combustíveis do “futuro” é mentir duas vezes: uma por se atribuir ao governo de Lula a criação do biodiesel, e outra por dizer que se trate de um projeto de desenvolvimento surgido de dentro para fora do país, como legítima opção interna, em busca do desenvolvimento e da independência.

Já no final da década de 1990, por exemplo, ainda no governo de FHC, foram realizados no Brasil testes com biodiesel (de soja) dos EUA em frotas de ônibus. O biodiesel foi doado pela American Soybean Association (ASA). Qual seria o interesse da ASA? É óbvio que o interesse está em redirecionar os objetivos de nossa produção de soja – transgênica – exclusivamente para a geração de matéria prima para a produção de combustível e não para a competição com a soja americana no mercado mundial de grãos e farelos.

No caso da soja, especificamente, seria uma medida para solucionar o problema de o que fazer com a atual produção, que está encalhando por causa do boicote à soja transgênica (aliás, proposital, com intuito de gerar o problema que demandaria esta tal solução), empregando-a para a produção dos tais biocombustíveis. Acontece que a cultura da soja, para produção de óleo, caracteriza-se por uma produtividade por unidade de área cultivada extremamente baixa, entre 10 e 12 vezes menor que a da cana-de-açúcar para o álcool, por exemplo. Como conseqüência, a colheita, o plantio etc., consomem uma quantidade de combustível muito maior que no caso da cana-de-açúcar. Além disso, para a produção de oito unidades de energia na forma de álcool de cana-de-açúcar consome-se apenas 1 unidade de combustível, enquanto que para o óleo vegetal proveniente da soja este fator seria, provavelmente, de 1,43 para 1. Se adicionarmos os custos energéticos da hidrogenação, então, seria despendida quase tanta energia para produzir e distribuir o biodiesel de soja quanto àquela que dele se poderia aproveitar.

Portanto, não haveria contribuição significativa, fosse para a redução do efeito estufa, fosse para a economia de combustíveis. Vejam esta comparação: a contribuição ao PIB brasileiro da produção de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo é de cerca de R$ 11 bilhões, incluindo-se as contribuições indiretas e induzidas (efeito renda). Essa produção ocupa 3 milhões de hectares. A pecuária nacional, ocupando 200 milhões de hectares, e a soja, 20 milhões, representam juntas uma contribuição ao PIB aproximadamente igual à da cana, só que ocupando uma área 75 vezes maior. Portanto, o programa só se sustentaria enquanto subsidiado, não havendo esperança de se tornar auto-sustentável econômica e energeticamente, e o único benefício seria uma melhoria do ambiente dos grandes centros urbanos, devido à redução de gases poluentes. Por outro lado, se a meta de inserção de óleo de soja a 10% no diesel for alcançada, o subsídio anual poderá chegar a cerca de R$ 4 bilhões.

Sendo assim, se a intenção é promover a inserção de biocombustíveis na matriz energética nacional, deveríamos dirigir nossos esforços para óleos que tivessem maior produtividade por hectare, como o dendê e a mamona. Se a intenção é simplesmente salvar os empresários da soja, a solução seria o governo auxiliar a conversão para a produção de álcool (o que, segundo alguns especialistas, pode ser feito em dois ou três anos), uma vez que esse energético tem demanda assegurada e elevada competitividade no mercado internacional.
Já o atual Ministro da Agricultura, como não poderia ser diferente, pensa que o uso da soja transgênica, para “esmagá-la” e transformá-la em biodiesel “é uma boa idéia”. E Francelino Grando, secretário de Política Tecnológica Empresarial do Ministério da Ciência e Tecnologia, disse que a proposta de usar a soja transgênica é “uma equação lógica”: “Temos que ter em mente que a soja transgênica não desaparecerá do nosso cenário agrícola no próximo ano, e precisamos ter uma alternativa econômica para o grão”. Entretanto, o óleo que produz o biodiesel constitui apenas 20% do grão de soja. Portanto, após o seu esmagamento, sobram 80% de farelo de soja, cuja maior parte seria destinada à alimentação animal. Dessa forma, o problema do destino da soja transgênica estaria apenas 20% resolvido com a sua transformação em biodiesel.

Mas, a grande jogada estratégica da indústria “marqueteira” dos biocombustíveis, transformando-os em salvadores da pátria, também não seria inusitada, já que o próprio criador do diesel, Rudolf Diesel, expressou no livro “Die Entstehung des Diesel Motor” (Berlim, 1913), que sua criação era “um dispositivo facilmente adaptável, em porte e custos, funcionando com combustíveis localmente disponíveis, para permitir que artesãos independentes possam sobreviver à desigual competição da grande industria....” para evitar que “..o usuário do motor se tornasse seu escravo e dependente econômico numa relação de patronato”. m argumento perfeitamente adaptável à teoria comunista, principalmente como “mot” para a reforma agrária.

No caso do Brasil, a idéia é incentivar a produção de plantas oleaginosas – como mamona, dendê, girassol, palma e soja – que servem para a criação do biodiesel, que por sua vez, além de ser uma alternativa ao petróleo, é o instrumento de um programa que deve impulsionar e desenvolver a agricultura familiar, contribuindo para a consolidação da política de Reforma Agrária. Nesse sentido, como uma das primeiras medidas, a Lei 11.097 (publicada no Diário Oficial da União, dia 13 de janeiro de 2005) já está fixando em 5% o volume percentual mínimo obrigatório de adição de biodiesel ao diesel comum, criando, quase que imediatamente, um mercado consumidor estimado em dois bilhões de litros/ano de biodeiesel, com o que se espera incluir no mercado de trabalho cerca de quinhentas mil famílias com renda aproximada de R$ 500.

“O Brasil vai ser a grande potência de energia líquida do planeta.”A frase, também apropriada pelo presidente Lula, em sua propaganda política em busca da reeleição, é do físico e engenheiro José Walter Bautista Vidal, um dos principais responsáveis pela implantação do Pró-Álcool, na década de 1970. Vidal foi também secretário de Desenvolvimento de Política Industrial do Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio, dos governos Geisel e Sarney, e hoje está à frente do Instituto do Sol – criado para contribuir pratica e intelectualmente nas grandes questões contemporâneas.

Como numa orquestra regida por um grande maestro, o Protocolo de Kyoto estabelece a redução das emissões de dióxido de carbono (CO2) – o principal responsável pelo efeito estufa. Seguem pela mídia, em uníssono e sem espaço para quem diga o contrário, uma série de reportagens alarmantes sobre os efeitos do aquecimento global. O protocolo entrou em vigor dia 16 de fevereiro de 2005 e agora é lei. As corporações transnacionais pretendem produzir no Brasil os derivados da biomassa para exportar, apresentando essa como uma das saídas para “escapar ao colapso” e, naturalmente, para obter elevados ganhos, graças aos altos rendimentos e ao baixo custo da mão-de-obra (que se vier dos pequenos proprietários da reforma agrária nem custos salariais representarão) e das matérias-primas aqui cultiváveis.

Os EUA, grandes responsáveis pelas emissões de carbono, negam-se a assinar o protocolo, alegando que prejudica a economia do país, que é caro demais aos países industrializados e que exclui de maneira injusta os países em desenvolvimento (uma grande verdade, diga-se de passagem). Na realidade, a intenção é controlar o consumo mundial de petróleo – mantê-lo em níveis adequados para segurar o desenvolvimento de novas economias (já que o governo mundial pretende dar a cada bloco continental uma função específica). Além disso, ainda há nacionalistas americanos (contra o governo mundial) no Congresso e algumas das grandes empresas dos EUA.

Vamos esclarecer algumas coisas. É claro que todos os brasileiros patriotas desejam redistribuir o contingente populacional mais equilibradamente entre os campos e as grandes cidades. É lógico que queremos que os brasileiros estejam todos empregados, trabalhando (ou estudando, ou já aposentados) para viver com dignidade e oportunidades de desenvolvimento intelectual e financeiro. O problema é que nesse projeto de reforma agrária, ou mesmo no de governo socialista, a idéia não é bem essa. A proposta é concebida nos moldes dos relacionamentos que temos com as crianças, por exemplo. Sabem quando você consegue ter domínio sobre a capacidade de satisfazer os desejos de uma criança, por conhecer perfeitamente o tamanho diminuto de seu universo? Sabem aquele velho ditado que diz que o que os olhos não vêem (e que as mãos não sentem, a boca não prova, os ouvidos não ouvem etc.) o coração não sente? Pois é exatamente assim que a nomenklatura pratica o exercício de lidar com os miseráveis e com os menos favorecidos (tanto financeira como intelectualmente).

Certa vez, quando esteve no Brasil, a secretária de Estado dos EUA, Condolezza Rice, ao conceder uma entrevista a um repórter brasileiro, disse que “é claro que nós (americanos) desejamos que haja imigração de brasileiros para os EUA, para fazerem por lá os trabalhos que os americanos não desejam mais fazer”. Eu posso colocar a frase entre aspas porque lembro que foram exatamente estas as palavras que aquela senhora proferiu e que tanto me chocaram pela frieza, pela franqueza grosseira e pela ofensa que representavam a nós brasileiros. Ao menos, a senhora não pecava pela mentira...

Entretanto, é como ela que muitos dos “poderosos” do Brasil enxergam as pessoas que costumam chamar de povo. “Que eles tenham arroz, feijão, farinha e carne, uma casinha simples, porém arrumada, com direito a eletrodomésticos (os mais básicos) modernos e quiçá um carrinho desses mais antigos na garagem. Um pouco de diversão e de arte também – mas nada de camarote! Camarotes são de onde o pessoal da nomenklatura e seus protegidos acenam para a plebe “emigalhada” (destinatária das migalhas daqueles que se outorgam o direito de decidir sobre seus limites de conhecimento e de prazer)”.

A maciça distribuição de pequenas propriedades rurais e de empregos de R$ 500 e de R$ 1 mil por mês, em detrimento, sim, de uma classe média massacrada e rebaixada tanto econômica como socialmente, é o cala-boca do povão, para que a nomenklatura se locupleteie com suas festas fartas e grandiosas, com seus produtos importados, com suas mansões confortáveis, com seus lençóis de algodão egípcio, com seus charutos cubanos, com suas piteiras holandesas, com seus jatinhos e com todas as suas abundâncias. Os que pregam a reforma agrária e a farta distribuição de empregos de nível baixo e médio não são aqueles que irão viver nas terras ocupadas e nem dos salários “para gente como você está muito bom”. Ao contrário, sentem-se honrados meritórios de gordos salários e de vidas mais nababescas, como predestinados aos privilégios da inteligência, para falar em nome dos pobres, mas para viver disso como os ricos.

Vem aí, com a indústria do biodiesel e da reforma agrária, a era do pão e do circo, a era do Brasil de três classes sociais – o povo, a nomenklatura e os seus protegidos (grandes empresários/aliados, artistas/aliados, jornalistas/aliados, militantes partidários etc.), a era da nova classe-média homogênea (ignorante e limitada). Jamais atingiremos os níveis das classes-médias dos países desenvolvidos, que são a grande maioria entre eles – ao contrário, trabalharemos aqui como seres humanos de segunda categoria, desmerecedores dos grandes prazeres e dos conhecimentos do mundo, para que as grandes corporações transnacionais exerçam seu poder, na construção delirante de seu governo mundial, abrigadas em sociedades prósperas em conforto e em desenvolvimento humano. Mas, o pior de tudo: graças a brasileiros como nós, porém mentirosos, gananciosos, subornados e traidores.

chrisfontell@gmail.com
http://infomix-cf.blogspot.com

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