Saturday, August 29, 2009

EdITORIAIS 29/08/2009

O QUE PENSA A MÍDIA
29/8/2009 - EDITORIAL
PASSO À FRENTE
EDITORIAL
O GLOBO
29/8/2009

A frustração com quase 30 anos de promessas infrutíferas de revitalização do Porto do Rio justifica o ceticismo com que foi recebido mais um projeto para essa região da cidade. Há, no entanto, diferenças cruciais entre o atual e os anteriores que levam a se esperar que pelo menos algumas mudanças para melhor ocorram na Praça Mauá e adjacências.
Uma das diferenças, básica, é o raro entendimento político verificado entre as esferas federal, estadual e municipal, sem o que projetos como este ficam nas pranchetas — como ficaram. Por causa do emaranhado de interesses no local — há terrenos e imóveis de Docas e da Rede Ferroviária, federais, propriedades do estado e do município —, sem esta afinação política nada seria feito. Também ajuda o projeto o sopro de revitalização a partir da edificação da Cidade do Samba, da exploração da Sacadura Cabral por uma ou outra casa de música ao vivo e bares, além do uso para eventos de alguns dos armazéns do porto. O mais recente deles, o Fashion Rio, um estrondoso sucesso, foi a prova definitiva do potencial da área.
A prefeitura acerta ao ser realista e dividir o projeto em duas fases — a primeira, menos ousada, a ser bancada com R$ 200 milhões de recursos do Tesouro municipal; a segunda, de grandes dimensões, foi desenhada para atrair capitais privados, estes sim o principal alavancador da recuperação daquela região, com reflexos em todo o Centro.
Será usado um mecanismo previsto no Estatuto da Cidade, os Certificados de Potencial Adicional de Edificação (Cepacs), já aplicados, por exemplo, em São Paulo, para financiar a nova ponte sobre o Rio Pinheiros.
Em resumo, o interessado em construir acima do gabarito precisa adquirir os certificados, emitidos em leilões pela prefeitura. Com o dinheiro arrecadado, o poder público financiará os investimentos que lhe cabem na infraestrutura. Trata-se de dinheiro “carimbado”, com destino certo, o projeto Porto Maravilha, como é chamado oficialmente.
Na pior das hipóteses, a prefeitura garante a execução da primeira fase: urbanização do Píer Mauá, recuperação do edifício A Noite, a Pinacoteca do Estado e o Museu do Amanhã, trabalhos com apoio da Fundação Roberto Marinho, restauração de imóveis diversos e vias próximas à Praça Mauá, entre outras intervenções. Como o restante do projeto depende de capitais privados, será o nível de atividade da economia brasileira que ditará o ritmo dos investimentos. Outra vantagem: devido à interveniência do mercado, dá-se transparência aos investimentos imobiliários, mantendoos longe das negociatas da política carioca e fluminense.

JULGAMENTO DO STF FOI APENAS TÉCNICO
EDITORIAL
JORNAL DO BRASIL
29/8/2009

RIO - A rejeição, pelo Supremo Tribunal Federal, da denúncia do Ministério Público contra o deputado Antonio Palocci, que, no exercício do cargo de ministro da Fazenda em 2006, teria ordenado a violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa – no episódio conhecido como o da República de Ribeirão Preto – não poderia deixar de gerar controvérsias. Não só em face do apertado placar de 5 votos a 4. Mas também por estar em causa um parlamentar intimamente ligado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com direito a foro privilegiado por prerrogativa de função, e que não esconde suas aspirações a voos políticos mais altos.
Em nota oficial, o presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), contestou o entendimento majoritário da Corte, com base no fato de que, ao acolher a denúncia contra o ex-presidente da Caixa Econômica Federal Jorge Mattoso, o STF teria admitido a cumplicidade de Palocci no crime de quebra de sigilo, tal como tipificado na Lei Complementar 105/01. Já o presidente do PPS, Roberto Freire, em nota divulgada pela assessoria do seu partido, afirmou: “Só faltou o STF decretar a prisão do Francenildo”. Para a direção da sigla oposicionista, a frase “resume a indignação da sociedade brasileira com a decisão do Supremo”.
Ou seja, no entender de líderes partidários que, como Roberto Freire, qualificam o presidente Lula de “patrocinador da sensação de impunidade que interfere diretamente nas decisões dos demais poderes da República”, a maioria dos integrantes da mais alta Corte do país fez vista grossa à legislação ordinária e complementar em vigor, e agiu politicamente.
Uma análise imparcial dos votos dos nove ministros – a partir do voto condutor do relator Gilmar Mendes – mostra que o debate foi centrado na questão de serem ou não consistentes os indícios da materialidade e da autoria dos delitos atribuídos ao ex-ministro da Fazenda. Ou seja, se tais indícios eram tão flagrantes como os de que o então presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, acessara a conta bancária do caseiro, a fim de tentar provar que ele envolvera Palocci num esquema de lobby, a soldo de terceiros.
No seu voto, Mendes ressaltou que “o STF tem reconhecido que a fase de recebimento da denúncia é crucial para o resguardo de direitos fundamentais do denunciado”. E acrescentou: “O Supremo tem declarado que não é difícil perceber os danos que a mera existência de uma ação penal impõe ao indivíduo, o qual, uma vez denunciado, se vê obrigado a despender todos os seus esforços em um campo não meramente cível, mas eminentemente penal, com sérias repercussões para a dignidade pessoal”.
Os ministros Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e Ellen Gracie aderiram ao entendimento do relator. Cármen Lúcia, Ayres Britto, Marco Aurélio e Celso de Mello votaram em sentido oposto, na linha de que bastam indícios da autoria, para que se possa então “deduzir o desconhecido do conhecido”, como sublinhou Cármen Lúcia.
Como se vê, a discussão foi eminentemente jurídica. E vale lembrar que, se o atual presidente da República tivesse o condão de influenciar os integrantes do STF por ele nomeados, Britto e Cármen Lúcia teriam engrossado a maioria que, por sua vez, foi também formada por dois ministros nomeados pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – Mendes e Ellen Gracie.

ACORDO ELEITORAL
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
29/8/2009

Tem grande apelo social o acordo fechado pelo governo com as principais centrais sindicais, que concede benefícios aos aposentados, o principal dos quais é o aumento real das aposentadorias de valor superior a um salário mínimo. Por essa razão, embora não tenham participado das negociações, os parlamentares terão todo o interesse em acelerar a tramitação do projeto e, muito provavelmente, em enxertar nele bondades adicionais. Afinal, as mudanças melhorarão a renda de 8,5 milhões de aposentados e pensionistas, que podem votar e têm grande influência no seu meio, especialmente nas regiões mais pobres do País. E as mudanças entrarão em vigor em 2010, um ano eleitoral.

Depois de vários encontros - o último dos quais na terça-feira passada -, o governo e os sindicalistas acertaram a fórmula pela qual se calculará o aumento real a ser concedido em 2010 e em 2011 aos aposentados e pensionistas do INSS que recebem mais de um salário mínimo. O benefício será corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), acrescida da metade do aumento porcentual do PIB de dois anos antes. Assim, em 2010, o aumento do benefício corresponderá ao INPC acumulado em 2009 mais 2,6% (metade do crescimento de 5,1% do PIB em 2008). Pelas projeções oficiais para o INPC, essa conta resultará no aumento de 6,5% dos benefícios no ano que vem.

O governo e as maiores centrais sindicais acertaram também mudanças na aplicação do fator previdenciário, mecanismo que combina a idade do trabalhador ao solicitar a aposentadoria, o tempo e a alíquota de contribuição para o INSS e a expectativa de vida do brasileiro, cujo efeito é retardar o pedido de aposentadoria, evitando aposentadorias precoces. Em lugar do fator previdenciário, será utilizada a fórmula "85/95", que assegura benefício integral aos requerentes da aposentadoria cuja idade somada ao tempo de contribuição resulte em 85, no caso das mulheres, ou 95, para os homens. Em muitos casos, essa fórmula permite que o trabalhador se aposente mais cedo do que se aposentaria com a aplicação do fator previdenciário.

A criação de uma "mesa permanente de negociações" dos reajustes dos aposentados indica a intenção de manter o aumento real dos benefícios além de 2011. Além disso, foram acertados mais benefícios para os aposentados, como a mudança da base de cálculo de aposentadoria, a contagem do tempo de recebimento do seguro-desemprego como tempo de contribuição e a estabilidade de um ano antes da aposentadoria. Essas bondades, e outras que os congressistas acrescentarem, poderão somar-se às que o Senado já aprovou e que estão em exame na Câmara. O governo aceitou negociar o aumento real dos benefícios previdenciários de valor superior a um salário mínimo - que custará cerca de R$ 3 bilhões por ano, dinheiro que assegura dispor - em troca do compromisso dos sindicalistas de pressionar a Câmara a não aprovar esses projetos. Entre eles estão o que corrige todos os benefícios pelo índice de correção do salário mínimo, o que extingue o fator previdenciário e o que impõe a recuperação do que considera perdas dos benefícios previdenciários.

O impacto que, se transformados em lei, esses projetos teriam nas contas da Previdência Social seria tão forte que nem um governo tão generoso com os aposentados, como é o governo Lula, aceitaria. Por isso, se eles forem finalmente aprovados, o governo terá de vetá-los. Mas o veto a bondades para os aposentados tem um custo político que o governo do PT não está disposto a pagar, sobretudo se tiver de fazê-lo em plena campanha eleitoral. Daí seu esforço para buscar um acordo que garanta alguns benefícios aos aposentados, mas retire do caminho os projetos que teria de vetar.

Mas, como os parlamentares não participaram das negociações, o governo não tem garantias de que esses projetos serão derrotados na Câmara. E, na tramitação do projeto que concede os benefícios acertados pelo governo com as centrais sindicais, os parlamentares poderão acrescentar outras vantagens - para deixar com o presidente Lula o ônus político de vetá-las.

VITÓRIA QUE NÃO REABILITA
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
29/8/2009

Tão precipitadas como se revelaram as previsões de que o Supremo Tribunal Federal (STF) livraria por esmagadora maioria de votos o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci da acusação de ter ordenado a violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, parecem ser as avaliações de que agora ele tem tudo para reconstituir a sua imagem pública e retomar, nas urnas de 2010, uma carreira política para a qual o céu seria o limite. Palocci terá de se haver - e não apenas pelo tempo de uma campanha - com um tribunal mais cético sobre sua inocência do que a Corte que acabou de poupá-lo, por um único voto de diferença, da 21ª denúncia criminal de que foi alvo. As outras 20 se referem a uma variedade de alegados delitos que remontam à sua gestão como prefeito de Ribeirão Preto. Ele ainda responde a uma dezena de ações civis por improbidade administrativa em instâncias judiciais inferiores.

Não há o menor motivo para supor que a apertada decisão do STF induzirá o chamado tribunal da opinião pública a ver Palocci com os mesmos olhos de antes do fatídico 14 de março de 2006, quando, em entrevista a este jornal, Francenildo contou o que testemunhara das visitas do então ministro à trepidante sede da "República de Ribeirão", a casa do Lago Sul, em Brasília, onde rolavam alegres noitadas e onde dinheiro manchado passava de mão em mão. O relato do rapaz, autenticado por sua figura humilde e desprevenida, apresentou ao País um Palocci que estaria como o Mr. Hyde para o Dr. Jekyll do romance de Robert Louis Stevenson sobre o médico que à noite se transforma em monstro. O político que idealizou a tranquilizadora Carta ao Povo Brasileiro do candidato Lula da Silva, em junho de 2002, conduziu a transição de alto nível do governo que saía para o que entrava, levou a porto seguro a economia nacional e se tornou o mais respeitado interlocutor do Brasil com o exterior tinha, em suma, dupla personalidade.

O Palocci da treva, na percepção do público, não só confraternizava com a corrupção. Passados dois dias da entrevista do caseiro, o ministro recebeu das mãos do então presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, um extrato da conta de Francenildo, emitido com a torpe intenção de provar que ele havia sido pago para falar o que falou - e em seguida o impresso foi vazado para a revista Época. Como agiram nesses dois dias os três acusados pelo novo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, foi minuciosamente descrito na sua denúncia ao plenário do STF em detalhes que tiveram o sabor de um escandaloso flagrante, que foi a base da argumentação dos quatro ministros que votaram pela aceitação da denúncia de Palocci. Todos os lances dessa trama foram publicados na mídia na ocasião. Foi por isso que, uma semana depois, Palocci deixou o governo. Para os 5 ministros do STF que votaram pelo arquivamento da ação, no entanto, entre eles o relator Gilmar Mendes, não ficou provado que o ministro participara da quebra do sigilo. Mas, para o homem da rua, há de ter ficado robustecida a impressão de que existem no País duas Justiças - uma para o povo, outra para os poderosos. A imagem transmitida pela TV de um Francenildo aplastado pelo veredicto simbolizaria, mais do que qualquer outra coisa, a realidade desse sistema de dois pesos e duas medidas.

Até o fato de o Supremo aceitar, por unanimidade, o pedido de abertura de processo contra Mattoso em tribunal de primeira instância pode servir aos detratores do Judiciário. Na denúncia do procurador está a história completa e minuciosa do "dia da quebra do sigilo" que terminou com Mattoso levando à casa de Palocci, às 23h30, os dados que ele lhe pedira; tudo publicado pelos jornais no dia seguinte. E não será descabido o prognóstico de que uma parcela talvez decisiva do eleitorado se sensibilize pela evocação do caso a que os adversários de Palocci decerto tratarão de recorrer, se realmente o presidente Lula conseguir fazer dele o candidato do PT ao governo de São Paulo. Meses atrás, confiante num desfecho favorável da questão no STF e no prestígio de Palocci junto ao empresariado paulista, Lula disse numa conversa a bordo do avião presidencial que Palocci era o nome de sua preferência para o Palácio dos Bandeirantes.

Palocci, porém, não parece minimamente interessado em disputar uma eleição que ele sabe que não terá chance de vencer contra um PSDB unido em torno de Geraldo Alckmin.

MUDANÇAS NA POLÍCIA
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
29/8/2009

Cinco meses depois de ter assumido a Secretaria da Segurança Pública, em meio a uma crise que envolvia gravíssimas denúncias de corrupção, nepotismo e ineficiência na cúpula e nos escalões intermediários da Pasta, o secretário Antonio Ferreira Pinto finalmente divulgou as medidas para reorganizá-la nos planos estrutural e funcional. A Polícia Civil encontrava-se "em situação de absoluta inépcia e letargia", disse o secretário numa palestra para agentes policiais, descrevendo o caos administrativo que encontrou quando tomou posse.

As providências por ele tomadas, que envolvem troca de comandos, substituição de diretores de departamento da Polícia Civil e redefinição das funções dos delegados, com o objetivo de resgatar a função investigativa da Polícia Civil, já foram objeto de um decreto assinado pelo governador José Serra e serão implantadas num momento em que a violência está aumentando no Estado de São Paulo. Entre o primeiro e o segundo trimestre, por exemplo, o número de vítimas de homicídio passou de 1.207 para 1.221, enquanto o número de roubos pulou de 65.635 para 68.524.

Uma das medidas é deixar exclusivamente para a Polícia Militar (PM) a responsabilidade pela escolta de presos, liberando policiais civis para a investigação de crimes. O secretário também quer reforçar o policiamento da Grande São Paulo por meio da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) - unidade que ficou conhecida, no passado, por ser integrada por policiais violentos. A iniciativa "não significa nenhuma apologia ao arbítrio, ao desmando e à execução sumária de que nos lembramos, tristemente, de 15 anos atrás. Mas não podemos ter timidez em revalorizar a Rota", afirmou.

No âmbito da Polícia Civil, diz o secretário de Segurança, as medidas pretendem reorganizá-la nos moldes da Polícia Federal. Os agentes ficarão com a responsabilidade exclusiva de registrar os chamados "termos circunstanciados de ocorrência", que substituíram os antigos boletins de ocorrência e envolvem os casos menos graves. Os investigadores novatos terão de trabalhar durante dois anos no plantão de alguma delegacia. E os delegados, além de passarem a ter responsabilidade sobre dois distritos, serão obrigados a fazer plantões de 12 horas - medida que se destina, segundo Ferreira Pinto, a melhorar a qualidade das investigações. E, nos concursos públicos, haverá uma "apuração ético-social", com o objetivo de identificar eventuais antecedentes criminais dos candidatos.

A medida mais importante é a que torna a Corregedoria da Polícia Civil, antes vinculada à Delegacia-Geral, diretamente subordinada ao secretário de Segurança Pública, como já ocorre com o Departamento Estadual de Trânsito. A ideia é dar maior autonomia ao órgão e acabar com o corporativismo que nele sempre imperou, comprometendo sua credibilidade. Pelo decreto de Serra, os delegados que trabalharem na Corregedoria só poderão ser removidos a pedido ou por determinação do secretário. No passado, o diretor da Corregedoria era o segundo homem na hierarquia da Polícia Civil. Mas, com as reformas promovidas a partir de 2002, e que levaram à criação do cargo de delegado-geral adjunto, a função perdeu prestígio.

As mudanças são sensatas e tocam pontos importantes, mas isso não garante que darão certo. Isto porque, além da necessidade de reestruturação de funções e troca de comandos, a Polícia Civil precisa de melhor infraestrutura, de mais recursos materiais e, principalmente, de melhor articulação. Apesar das providências tomadas há mais de dez anos para integrar as Polícias Civil e Militar, as duas corporações continuam marcadas pela animosidade recíproca. Os delegados, por exemplo, rejeitam a equiparação funcional com oficiais da PM e pleiteiam status e salários iguais aos dos promotores de Justiça. Por seu lado, os coronéis da PM se opõem à tentativa dos delegados de incluir seus cargos nas "carreiras jurídicas" do Estado.

Com as medidas administrativas e funcionais que tomou, Ferreira Pinto parece estar no caminho certo. Mas, como a duplicidade organizacional das duas polícias sempre foi considerada o maior gargalo de sua Pasta, ele ainda tem muito trabalho pela frente, para modernizar aquela que é uma das áreas mais problemáticas do governo estadual.

O SORRISO DO CURINGA
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
29/8/2009

Livre de ação penal, Palocci se vê beneficiado pela pasteurização do debate público na sua tentativa de reemergir

POLÍCIA e política, presunção de inocência e impunidade, escândalo e esquecimento, cumplicidade e companheirismo: tudo isso se mistura no Brasil de hoje. O caso do ex-ministro Antonio Palocci Filho representa à perfeição esse tipo de imbricamento.
Demitido do governo Lula em meio a um escândalo inequívoco, mesmo antes de a denúncia contra Palocci ser julgada no Supremo era intenso o movimento por sua absolvição política. O que significa, afinal, um episódio de violação de sigilo bancário, promovida em retaliação a um serviçal doméstico, diante do excelente trânsito de Palocci nos setores que contam para o governo, seus sustentáculos na área empresarial e financeira?
Palocci negou ter participado de reuniões na célebre mansão onde se reuniam seus colaboradores mais íntimos da "república de Ribeirão Preto", num entra-e-sai de malas pretas e visitantes mais e menos ilustres.
O caseiro do lugar, Francenildo Costa, desmente o ministro. Dois dias depois, sobe às mais altas esferas da administração fazendária federal o extrato de sua conta bancária, registrando depósitos de R$ 25 mil. A notícia aparece na mídia. Estava feito o trabalho: o ministro era inocente, e o caseiro, como num romance policial sem imaginação, tornava-se suspeito -teria recebido gorjeta para prejudicar Palocci.
A versão oficial ruiu quando foi revelada a origem lícita dos depósitos e ficou clara a maquinação por trás da quebra do sigilo. Palocci perde o cargo, é indiciado, e o caso vai ao STF. Mas nem tudo está perdido -por mais óbvia a felonia, todo julgamento criminal segue uma lógica que não é a do julgamento ético, ou político.
Convencer os juízes de que houve indício seja de crime, seja da participação dos acusados na sua consecução, é necessário para instaurar a ação penal. Quatro ministros foram convencidos, mas cinco rejeitaram a ação contra Palocci e determinaram seu arquivamento -ainda que a única hipótese capaz de fazer sentido aponte para o cometimento de uma violência de Estado, típica de ditaduras, com o fim de constranger uma testemunha.
Até porque o placar foi o mais apertado -em nova demonstração do caráter subjetivo desses juízos-, mesmo a ausência de processo judicial poderia inviabilizar a credibilidade política daquele "inocente" tão suspeito. Intervém então a circunstância brasileira: a inocência formal se torna passaporte para qualquer candidato sair-se com seus chavões num debate com os adversários, onde todos podem acusar-se de corrupção e abusos vários sem grande afronta à verdade nem maior efeito prático.
A máquina faz o resto, com a arrogância habitual. Lula haverá de ungir o companheiro para o que melhor convier. Eis Palocci cogitado para governador, para ministro, para candidato alternativo à Presidência. Livre do obstáculo judicial, torna-se uma espécie de curinga nas principais articulações petistas.

MUDAR E NÃO MUDAR
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
29/8/2009

A ELEIÇÃO parlamentar de amanhã no Japão, segunda maior economia do mundo, deve marcar o primeiro movimento real de alternância no poder no país em 54 anos. O PLD (Partido Liberal Democrata), formado no início dos anos 50 por grupos conservadores, vê sua hegemonia ameaçada pelo PDJ (Partido Democrático do Japão), criado há 11 anos por dissidentes do governismo e pequenas agremiações opositoras, de vertentes ideológicas variadas.
Nesse meio século, o PLD esteve fora do poder por apenas nove meses, nos anos 90. Hoje, além do desgaste de uma agremiação que não se renovou, a perspectiva de derrota se deve à economia. Com problemas crônicos há 20 anos, o Japão antevê uma queda de 6% no PIB em 2009, o pior resultado entre os sete países mais industrializados.
A crise mundial expôs as fraquezas de um sistema protecionista, dependente de exportações, com uma dívida nacional altíssima, de 180% do PIB, e população em rápido envelhecimento -em cinco anos, um quarto dos japoneses terá mais de 60 anos.
Há dúvidas sobre se o PDJ, caso vitorioso, conseguirá manter-se unido para aplicar um programa que prevê mais gastos públicos, com o aumento de subsídios agrícolas e a ampliação da rede de proteção social. Subsistem divergências entre facções internas quanto a reverter privatizações e aumentar limites para a emissão de gases do efeito estufa.
Seu candidato a premiê, Yukio Hatoyama, defendeu maior independência em relação aos EUA, que ocuparam o Japão após sua derrota na 2ª Guerra e lá mantêm bases com mais de 50 mil militares. Mas são tênues, para não dizer nulas, as chances de erosão numa aliança de defesa fundamental para a posição americana no Pacífico.

MAIS VEREADORES
EDITORIAL
A GAZETA (ES)
29/8/2009

Continua a caminhada dos suplentes de vereadores para obtenção de mandato. E a Proposta de Emenda à Constituição que tramita no Congresso tem efeito retroativo às eleições municipais de 2008. Se chegar a ser promulgada, permitirá a posse imediata dos que aguardam vaga.

Mais um passo concreto foi dado nessa direção. Na madrugada de quinta-feira, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou a chamada PEC dos Vereadores, que aumenta em mais de 7 mil o número desses parlamentares em todo o país.

O texto aprovado estabelece 24 faixas populacionais tomadas como base de cálculo do número de vereadores. As câmaras poderão ter desde 9 vereadores, para municípios com até 15 mil habitantes, até 55, para cidades com mais de 8 milhões de habitantes. O total perfaz 7.343 novas vagas em todo o país, de acordo com o relator da PEC.

Não é de hoje que a classe política se articula para recompor, pelo menos em parte, o quadro de vereadores. Em abril de 2004, 20 dias após a Justiça Eleitoral ter cortado 8.528 cadeiras legislativas municipais, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou por unanimidade, uma proposta de emenda à Constituição reduzindo em apenas 5.062 o número de parlamentares nos municípios.

Tal emenda foi aprovada em tempo recorde. A partir daí, sucedeu-se uma enxurrada de propostas na Câmara e no Senado para "melhorar" o texto. Ao mesmo tempo, houve frequentes intervenções da Justiça em legislativos municipais que insistiam em funcionar com total de vereadores acima do permitido por lei.

Esse acréscimo contraria a vontade da maioria da população, conforme indicado em diversas pesquisas. Mas isso não está sendo levado em conta pela maior parte dos congressistas. Eles têm um forte argumento, com o qual esperam sensibilizar o eleitorado. É que a ampliação das vagas virá acompanhada de redução do percentual de repasse de recursos das municipalidades para os legislativos.

De fato, a PEC dos Vereadores determina que em municípios com até 100 mil habitantes o percentual transferido pelo Executivo deve ser, no máximo, de 7%, não mais 8% como hoje. Para cidades com população acima de 500 mil pessoas, o limite dos repasses cai de 5% para 3,5%.

Agora, após o sinal verde dado à PEC pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, existe dúvida se há necessidade de ser votada novamente pelo Senado, antes de ser promulgada, isso porque foram introduzidas mais alterações na redação.

O desentendimento sobre o texto final começou em dezembro de 2008 quando o Senado aprovou a emenda que aumentava em mais de 7 mil o número de vagas de vereadores em todo o país, mas retirou a parte que limitava gastos dos legislativos municipais. O então presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, se recusou a promulgar a PEC apenas com a ampliação das vagas.

No Congresso, a questão parece resumida a simples operações matemáticas. Em 2004, o Tribunal Superior Eleitoral suprimiu cadeiras de vereadores, e as câmaras continuaram a receber a mesma arrecadação das prefeituras; agora tem-se a proposta de mais vereadores e menos verba para os legislativos locais. Em momento algum foi discutido se os municípios precisam de mais vereadores. A opinião do presidente Lula, já manifestada publicamente, é de que isso não fará as cidades melhores.

Ademais, há o risco de amanhã ser aprovada uma outra PEC tornando maior o repasse das prefeituras. A alegação seria justamente que há mais vereadores em ação.

AS CONTAS VÃO MAL
EDITORIAL
ESTADO DE MINAS
29/8/2009

Gastos crescem mais do que a arrecadação e fazem governo se endividar

Começam a preocupar as consequências da desenfreada gastança do governo federal, principalmente com o pagamento de despesas de pessoal e custeio da máquina pública, em total descompasso com a perda de arrecadação. Os últimos dados oficialmente divulgados pelo Banco Central (BC) e pelo Tesouro Nacional mostram o estrago que o afrouxamento da política fiscal, até recentemente austera, do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não há mais a elogiável curva decrescente da dívida pública interna. Principal constrangimento da economia brasileira, ela vinha sendo combatida pela política de geração de superávits primários superiores a 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Pelo contrário, o que se verificou no fechamento de julho foi uma expressivo aumento de R$ 130 bilhões no montante do endividamento. A redução continuada da dívida tem o objetivo de reduzir a demanda por financiamento do setor público e, portanto, do pagamento de juros sobre os títulos emitidos pelo Tesouro. Além disso, quando menor a necessidade de o governo tomar dinheiro no mercado, maior a oferta de crédito ao setor privado, tanto para financiar a produção quanto para o consumo.

Mas o que vem ocorrendo nas contas do governo aponta na direção oposta. Sob a desculpa de estar adotando medidas anticíclicas (de combate à recessão), o governo tem comprometido cada vez mais o caixa com os chamados gastos correntes. Além de não contribuir em nada para a superação dos gargalos da infraestrutura econômica do país, isso cria despesas irremovíveis com a folha de pessoal. Mesmo no curto prazo, esse comportamento tem impacto negativo na saúde das finanças públicas. Em julho, a obtenção de superávit primário (diferença entre a arrecadação e os gastos, excluído o pagamento dos juros da dívida) teve o pior desempenho da série histórica do BC. Ficou em R$ 3,1 bilhões, o que representou uma espetacular queda de mais de 70% em relação aos R$ 11 bilhões que haviam sido poupados em julho de 2008. O desempenho ruim de julho só fez aumentar as perdas no acumulado do ano do superávit primário. De janeiro a julho, essa economia foi de magros R$ 38,4 bilhões, muito longe dos R$ 92,7 bilhões acumulados até julho de 2008.

A verdade é que, enquanto a arrecadação de impostos cresceu apenas 1,8% nos sete primeiros meses do ano, as despesas com o pessoal foram 19,1% maiores do que as do ano passado. A situação só não foi pior por causa do corte na taxa básica de juros (Selic) pelo BC, o que resultou numa saudável redução no custo da dívida. Mantida essa trajetória dos gastos e da arrecadação, não há como assegurar o cumprimento da meta anual de superávit de 2,5% do PIB, a menos que ocorra um superaquecimento da atividade econômica, de hoje até o fim do ano, o que é pouco provável. O resultado será o aumento da necessidade de o governo tomar mais dinheiro emprestado. Se nada for feito, o endividamento público, que pressiona as taxas de juros internos e piora o cadastro internacional brasileiro, vai fechar o ano com desempenho que desmente e compromete a austeridade e a firmeza com que Lula conduziu a política econômica até aqui. Foi o que o deu ao país a condição de investiment grade, pelas agências mais exigentes. Será uma pena pôr tudo isso a perder em troca apenas da agenda eleitoral de 2010.

TRANSPORTE PIRATA NUNCA MAIS
EDITORIAL
CORREIO BRAZILIENSE
29/8/2009

O transporte público é, sem dúvida, um dos grandes problemas que atormentam a população do Distrito Federal. Velha e com manutenção precária, boa parte da frota deixa de cumprir o papel para o qual existe. Não obedece a horário regular nem a periodicidade definida. Ao contrário. Atrasos fazem parte da rotina de motoristas e passageiros. Não raro o ônibus para em decorrência de falhas mecânicas. Abandona homens, mulheres e crianças no asfalto à espera de outro veículo que não tem pressa de chegar.

Ao lado da precariedade do sistema (ou por causa dele), convive a pirataria. As próprias concessionárias do sistema criam linhas fantasmas ou rodam em itinerários de outras empresas sem a permissão do governo. A Viplan encabeça as fraudes, com 15 linhas criadas por conta própria. Seguem-na cinco empresas também adeptas da contrafação. No total, são 22 linhas. A desenvoltura com que atuam fica escancarada no número de autuações. Este ano, fiscais emitiram 988 notificações de conduta ilegal referentes a essas irregularidades. As multas alcançam os R$ 20 milhões.

Ocorre, porém, que a punição não significa freio no abuso. Assessorados por bons advogados, os responsáveis recorrem a todas as instâncias da Justiça para não desembolsar o valor da pena. Sem castigo efetivo, fica a impressão de impunidade. E, claro, a continuação da atividade ilícita. A conta cai nos ombros do usuário. Sem alternativa, adultos e crianças pagam caro por um serviço ruim e inseguro. Desnecessário frisar que se impõe colocar um ponto final no drama cujo enredo pode assumir traços de tragédia.

O Governo do Distrito Federal já deu mostras de determinação e capacidade de vencer males crônicos do transporte público. Depois de acirrada disputa judicial, o GDF cassou as permissões das vans do Sistema de Transporte Alternativo (STA). Os veículos, que punham em risco a vida de passageiros, motoristas e pedestres, deixaram de circular pelas vias da capital e de disputar usuários com os ônibus tradicionais e os micro-ônibus que passaram a complementar o sistema de transporte legal.

Paralelamente, o governo atacou outra frente. Determinou a renovação de parte da frota cuja idade ultrapassava o limite permitido. A legislação estipula que, ao completar 7 anos de vida, o ônibus seja retirado de circulação. A Viplan, que ignorou a ordem, perdeu 160 linhas, assumidas por outras empresas por meio de licitação. É hora, agora, de lutar contra nova frente — concessionárias do sistema que jogam em dois times: o legal e o pirata. Não há compatibilidade entre os dois.

O MAU EXEMPLO DO TRE
EDITORIAL
DIÁRIO DE CUIABÁ (MT)
29/8/2009

É considerado norma de caráter interno, pelo menos da parte do Judiciário e do Legislativo, o pagamento de “jetons” pela participação em sessões deliberativas, sobretudo, as de caráter extraordinário. O ideal era que os servidores públicos cumprissem suas obrigações sem a necessidade do pagamento de gratificações extras – muitas das quais não se justificam -, uma vez que, na maioria dos casos, eles são regiamente pagos.

O descalabro com o uso do dinheiro público chega a um ponto tal, a bem da verdade, que os parlamentares estaduais e federais, por exemplo, além de mordomias que o dinheiro do contribuinte banca, ainda tem direito (?) a um 14º salário. Com as gratificações por “extras” que não conduzem a nada, os vencimentos ultrapassam os limites da tolerância e da capacidade de endividamento do Estado.

Nesse contexto, a propósito, chama atenção decisão do Ministério Público Federal, de entrar com uma Ação Civil Pública contestando o pagamento de gratificações aos membros do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de Mato Grosso, em relação a uma sessão realizada no último dia 5. Conforme a ação, nessa sessão, não houve julgamento de nenhum ato administrativo ou judicial, apenas foi celebrada a posse simbólica de dois novos membros, um juiz titular e um substituto.

Além do pagamento indevido da gratificação (R$ 663,33 para cada um dos sete integrantes do Pleno do TRE), a própria sessão daquele dia, por si só, era injustificada. Afinal, como o MPF observou na ação, para que membros da OAB tomem posse como juízes do TRE basta uma publicação no Diário Oficial da Justiça Eleitoral – que, nesse caso, ocorreu no dia 23 de julho. “A sessão do dia 5 de agosto foi apenas uma reunião festiva”, declarou, com propriedade, a procuradora Ludmila Bortoleto Monteiro.

A origem da ação do MPF foi uma representação feita pelo procurador regional eleitoral Thiago Lemos de Andrade, representante do Ministério Público Eleitoral que atua no Pleno do TRE. Ele participou da “sessão de posse”, mas, depois, enviou um ofício ao órgão, renunciando ao recebimento da gratificação e solicitando que todos os presentes na solenidade do dia 5 também tivessem excluída a gratificação da folha de pagamento do mês de agosto.

O exemplo dado pelo procurador Andrade, não há como negar, é digno de elogios. Sua atitude é extremamente oportuna para lembrar que, em boa hora, se questiona o fato de que, no caso TRE-MT, o dinheiro público é gasto sem que os agentes prestem algum serviço à sociedade.

“O exemplo dado pelo procurador Andrade, não há como negar, é digno de elogios”

TRANSPARÊNCIA ENVERGONHADA
EDITORIAL
GAZETA DO POVO (PR)
29/8/2009

Quase quatro meses depois de ter entrado em vigor a lei que criou o Portal da Transparência, as prestações de contas dos deputados estaduais paranaenses e outras informações sobre a estrutura da Assembleia Legislativa começaram a ser divulgadas pela internet na última quinta-feira. No entanto, o termo transparência ficou embaçado diante das inúmeras falhas e lacunas que apresenta o portal.
Apenas a prestação de contas de um dos 54 deputados estaduais, com a verba indenizatória mensal de R$ 27,5 mil, estava completa no primeiro dia. Os gastos de 24 deputados foram divulgados de forma incompleta; em outros casos, não havia detalhamento das despesas e nem o número do CNPJ das notas fiscais. No caso de outros 28 parlamentares, a página informava estar “em desenvolvimento”; nem havia sequer a apresentação das despesas gerais exigidas pela lei. E mais: não foram apresentadas também as listas com os nomes e as lotações dos servidores e a discriminação de funcionários efetivos e comissionados.
Pela forma que o portal está sendo apresentado, é visível que há pouca vontade e até re¬¬sistência de boa parte dos deputados ao en¬¬quadramento à legislação que eles mesmos aprovaram. Não parece uma contradição? Além disso, a direção executiva da Assembleia, com todo o tempo que teve para reunir as informações exigidas pela nova lei, mostrou falta de competência para implantar a contento o novo sistema.
O fato, a rigor, é que a transparência é algo que fere a velha cartilha do parlamentarismo que se amalgamou em regalias históricas. Para garantir esses privilégios, convém um sistema opaco e dissimulado. Foi justamente nesse terreno que se desenvolveram os piores vícios da política brasileira, como o mau uso do dinheiro público, o empreguismo e a corrupção, que hoje toda a sociedade rejeita.
Um resquício claro dessas concepções, que transparece no portal, é o caso da omissão das informações sobre a lista de servidores de carreira e comissionados da Assembleia. A lista divulgada está em ordem alfabética e traz o nome de 516 funcionários efetivos e 1.942 comissionados. Apesar de apontar o número total de funcionários, não discrimina o cargo que a pessoa exerce e nem o gabinete onde está lotada, como exige o artigo 234 da Constituição Estadual. Isto é uma clara tentativa de mascarar informações que os deputados parecem temer que a sociedade conheça.
É bom recordar também que a própria lei da transparência foi aprovada com limitações. A principal delas é não prever a obrigatoriedade de publicação dos Diários Oficiais da Assem¬¬bleia no portal. Ora, este documento, que oficializa as nomeações e exonerações e atos administrativos, continuará circulando apenas internamente. Ou secretamente. Os Diários também não foram disponibilizados no portal. É evidente que a circulação dos atos essenciais da Casa, numa restritíssima versão impressa, dificulta muito o controle dos atos do Legislativo por parte da sociedade.
Muitas instituições públicas brasileiras evoluíram o suficiente, nos últimos anos, mostrando de forma cada vez mais transparente suas ações e prestações de contas. Em alguns casos, provaram que com o compartilhamento é possível tornar a gestão e os gastos públicos mais eficientes e voltados para o bem comum. Toda a sociedade ganha, com maior retorno em benefícios e investimento sociais. Falta ainda o Legislativo assumir este compromisso com seriedade. Não bastam meias medidas. Quem sabe com uma verdadeira guinada nesse sentido a Assembleia possa recuperar sua credibilidade e nossos parlamentares possam ser um dia, novamen¬¬te, a referência política e moral que busca toda a sociedade democrática.

AO REVÉS
EDITORIAL
GAZETA DO POVO (PR)
29/8/2009

O senador Flávio Arns (PT-PR), ao anunciar que deixaria o Partido dos Trabalhadores, por estar envergonhado com a decisão da legenda de apoiar o arquivamento de 11 denúncias contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), mexe com a vida partidária brasileira. A maioria esmagadora de parlamentares que perdeu o mandato por abandonar suas siglas o fez, geralmente, em troca de benesses. O senador, no entanto, é personagem de um tipo de infidelidade partidária de mão oposta. Quem o abandonou foi o partido, negando com seus atos a bandeira teórica da ética. Apesar disso, Arns corre o risco de perder o mandato. O presidente nacional do PT, deputado federal Ricardo Berzoini, disse que vai cumprir “o que diz o estatuto partidário”, ou seja, pedirá a cassação de seu mandato. Além de mostrar coragem, dignidade e coerência, o senador paranaense evidenciou, neste contundente episódio, que a regra da fidelidade partidária precisa ter exceções, pois não faz sentido a punição indiscriminada nos casos em que a moralidade está do lado de quem rompe o acordo.

POLÍTICA DE PAZ
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
29/8/2009

Preocupado em definir um padrão mínimo de convivência entre líderes dos 12 países-membros da União Sul-Americana de Nações (Unasul) que estiveram reunidos ontem em Bariloche, Argentina, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu na prática o papel de mediador entre dirigentes que, hoje, mal conseguem sentar frente a frente. Ainda é cedo para definir até que ponto a inquietação provocada na região pelo anúncio de que os Estados Unidos passarão a usar sete bases militares na Colômbia afetará as relações entre o presidente colombiano Álvaro Uribe e seu colega venezuelano Hugo Chávez. Sobram razões, porém, para que o apelo do presidente brasileiro em favor da discussão de uma “política de paz” para a região possa levar à busca de pontos em comum por representantes de uma região historicamente marcada por divergências, mas sem tradição de beligerância.

Num discurso pacificador, ao participar do encontro do bloco criado há menos um ano e meio com o objetivo de unir as duas organizações de livre comércio sul-americanas – Mercosul e Comunidade Andina de Nações, além de Chile, Guiana e Suriname –, o presidente brasileiro deixou clara a intenção de evitar uma ruptura entre dois parceiros relevantes como Colômbia e Venezuela. O representante brasileiro manifestou-se “assustado” por ver “as pessoas se preparando para a guerra”, alegando que esse tipo de visão atrasa o desenvolvimento do continente. Por isso, seria importante que fosse levada adiante a ideia da realização de um estudo real sobre a situação da região, que precisa se mostrar devidamente preparada para enfrentar uma ameaça como a do narcotráfico e seus desdobramentos.

É compreensível que uma questão delicada como o uso de bases militares colombianas pelas Forças Armadas dos Estados Unidos tensione as relações entre países da região. Ao optar por um aprofundamento da aliança com o governo norte-americano, a Colômbia levou em conta o fato de que essa estratégia tem sido bem-sucedida no combate às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). E, ainda que essa ameaça precise ser combatida de forma articulada, não dá para ignorar o fato de que a narcoguerrilha está sendo empurrada para as divisas com Equador e Venezuela, gerando uma tensão natural entre a população e entre seus dirigentes. Nada justifica, porém, que esse clima possa dar margem a sentimentos antiamericanos como os capitaneados na região pela retórica bolivariana do presidente da Venezuela.

As nações sul-americanas precisam se convencer de que a ameaça está no narcoterrorismo e que devem se manter unidas para combatê-lo e se habilitarem a abrir mão de ajudas como a norte-americana. Este é um objetivo que, como expressou em Bariloche o presidente brasileiro, precisa ser perseguido de forma pacífica, mas sobretudo com a busca de pontos em comum como os que deram margem à criação da Unasul.

A RIQUEZA DO CAMPO
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
29/8/2009

Uma das mais tradicionais exposições agropecuárias do país e da América Latina, a Expointer 2009 abre-se hoje, em Esteio, para receber as visitas dos profissionais do agronegócio e dos interessados de todas as áreas. Mais uma vez, a pecuária, cuja exploração é uma das vocações econômicas do Rio Grande, exibe sua qualidade e o resultado dos avanços genéticos e tecnológicos. No momento em que as sequelas da crise global ainda reverberam e diante do desafio global de produzir alimentos para os milhões de bocas que anualmente se somam às existentes, as questões da Expointer acabam conquistando especial relevância. Assim, mais do que uma exibição de animais, produtos e excelência, mais do que uma oportunidade para a discussão sobre os grandes temas do agronegócio e mais até do que a oportunidade de compra e venda, a exposição de Esteio enseja uma reflexão sobre o próprio destino do setor mais tradicional da economia.

Em entrevista às Páginas Amarelas da revista Veja, o conhecido investidor norte-americano Jim Rogers considera que a agricultura “é a única área da economia mundial cujos fundamentos estão melhorando”. E acrescenta: “A sorte do Brasil, em particular, é ter um agronegócio bastante expressivo e competitivo e contar com abundância de recursos naturais”. Nesse contexto é que cresce a importância de eventos como a Expointer, expressão regional eficiente e competente de um setor que, mesmo com as conhecidas dificuldades e entraves, tem esse horizonte promissor.

Poder público e empreendedores privados têm por isso a tarefa histórica de fazer com que a produção de alimentos seja, de maneira decisiva e permanente, a alavanca para empurrar o país a um patamar de importância econômica e social que até hoje não conseguiu.

BENS ABANDONADOS
EDITORIAL
GAZETA DE ALAGOAS
29/8/2009

Uma das referências marcantes para o passado recente da capital alagoana, as instalações da antiga “Portuguesa”, foram inapelavelmente depredadas, numa insofismável declaração acerca da ausência de segurança para o patrimônio público.
Não é de hoje que bens integrantes do patrimônio público são tornados vítimas fáceis para saqueadores, que de tanta facilidade, não apenas levam objetos móveis, como – literalmente – fazem o desmonte do imóvel, levando-o, totalmente, peça a peça, tijolo a tijolo, telha a telha.
Um dos imóveis mais significativos de toda história alagoana é um triste exemplo deste descaso e dessa impotência dos poderes públicos face ao vandalismo. Este é o caso do monumento erigido para receber o papa João Paulo 2º em Maceió, hoje, menos de duas décadas depois da memorável data, quase nada resta daquele marco de um dia de glória para Algoas.
O “Papódromo”, estratégicamente localizado às margens da Lagoa Mundaú, encravado numa região de moradia de baixa renda, é (era) o registro, em cimento armado e aço, da presença do santo padre na capital alagoana.
A extraordinária visita de um papa à Alagoas ocorreu no dia 19 de outubro de 1991, constituindo-se num fato singular, único, para a história alagoana. Mas, antes de completarem-se 20 anos dessa magna data, do monumento onde ele rezou a missa, praticamente nada resta. Até as telhas foram roubadas, sem falar nas portas, fios, placas comemorativas e tudo mais que pudesse ser levado.
Não espanta, porém, que o imóvel que sediou antiga Portuguesa (clube social de grande prestígio há até três décadas, hoje endereço transmutado em mero depósito, depois de ter sido um reles bingo) tenha sido saqueado inapelávelmente. De certa forma, esse é um vício quase tornado lei: o abandono parece ser a sina do patrimônio público em Alagoas.

URIBE DISCÍPULO DE CHÁVEZ!?
EDITORIAL
JORNAL DO COMMERCIO (PE)
29/8/2009

A pretensão do presidente colombiano Álvaro Uribe de obter a possibilidade legal de concorrer a um terceiro mandato presidencial (ele já foi reeleito uma vez) destoa do clima de consolidação da democracia nos países sul-americanos. A própria reeleição para um segundo mandato, embora democrática em si e praticada até nos Estados Unidos, sempre vistos como modelo de democracia, só bem recentemente foi adotada por aqui. Foi evitada por quase dois séculos com boas razões porque vista, pelos políticos da região, como incompatível com os apetites caudilhescos e ditatoriais de tantos dos nossos líderes políticos.
Introduzida a reeleição por Menem, na Argentina, e FHC, no Brasil, comprovou-se o desacerto da nova legislação. Lembremos que Menem quase afundou a redemocratização argentina e jogou seu país numa crise que ainda permanece. No Brasil, FHC teve de sustentar a supervalorização do real para reeleger-se, e a brusca desvalorização que se seguiu quase quebrou o País. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que havia combatido duramente o instituto da reeleição, não resistiu a tal possibilidade e parou de criticá-lo, tendo conseguido reeleger-se em 2006. Os presidentes de outros países da região, como Hugo Chávez, da Venezuela, também embarcaram nessa e não se contentam com uma única reeleição.
Uribe, o maior crítico das estripulias de Chávez, não deveria tomar esse barco de reeleição indefinida. Na Venezuela, de eleição em eleição, Chávez está conseguindo implantar uma autocracia virtual, fechando meios de comunicação social, tomando qualquer mínima crítica como ofensa passível de excomunhão, impondo seu nebuloso “socialismo do século 21”. O boliviano Evo Morales e o equatoriano Rafael Correa também aspiram ao continuísmo. Em Honduras, o presidente constitucional Manuel Zelaya queria mudar a legislação e foi vítima de um golpe preventivo das Forças Armadas locais, representando os setores mais conservadores, o que trouxe de volta à América Latina o fantasma do militarismo e das ditaduras que por tanto tempo assombrou e assolou nossos países.
Lula felizmente teve o bom senso de apenas se aproveitar da reforma constitucional patrocinada pelo presidente anterior. A alternância no poder constitui um dos fundamentos da democracia. Mais uma vez, trazemos o exemplo dos Estados Unidos. Ali não havia limites a reeleições. Entre 1932 e 1945, Franklin Delano Roosevelt governou o país, sendo reeleito três vezes e só não concluindo seu último mandato porque faleceu. Era a época da grande depressão iniciada em 1929 e seguida pela Segunda Guerra Mundial, e os americanos não queriam mexer em time que estava ganhando. Mas, após a morte de Roosevelt, fizeram uma emenda à Constituição que só permite uma reeleição.
O Senado colombiano já aprovou a realização de um referendo para perguntar aos eleitores se aprovam uma mudança na Constituição que permita ao presidente Uribe candidatar-se a um terceiro mandato. O referendo depende agora da votação na Câmara dos Deputados e aprovado ali, segue para autorização da Corte Constitucional. A aprovação abre caminho para que Uribe concorra a um terceiro mandato. A consulta seria feita pela Justiça Eleitoral. O presidente da Colômbia está há sete anos no poder. Como outros presidentes da região, reformou a Constituição para poder concorrer à reeleição. Se ganhar um terceiro mandato, poderá ficar 12 anos na Presidência.
O único caso semelhante na América do Sul é o do presidente Chávez, que está há dez anos no cargo exercendo o terceiro mandato seguido. E quer mais. Como todo caudilho, imagina-se um enviado de Deus, ou do diabo, insubstituível. O continuísmo de Uribe o mostra como um discípulo de Chávez, embora do lado contrário. Enquanto o venezuelano demoniza os Estados Unidos, Uribe, na contramão da América Latina, coloca a Colômbia como último baluarte da hegemonia estadunidense sobre o continente. O recente acordo com os Estados Unidos pondo à disposição deles bases aéreas colombianas está sendo uma espinha na garganta de todos os nossos países.

SEGURANÇA DO CIDADÃO
EDITORIAL
DIÁRIO DO NORDESTE (CE)
29/8/2009

A 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública, instalada em Brasília, depois deumano de debates e 1.359 reuniões em 514 municípios, vem sendo marcada por um clima de conflitos de notando encontrar-se o aparelho policial contaminado, também, pelo radicalismo presente na senha política. Pela primeira vez,uma temática como esta recolheu, para avaliação, debates e aprovação na Conferência, 364 propostas submetidas à apreciação crítica. Delas sairão 40 diretrizes e dez princípios prioritários parar e orientar a Política Nacionalde Segurança.
Nos três dias da programação deste certame nacional espera-se sejam alcançados, pelo menos, alguns consensos. Um deles, sobre o qual não há mais questionamentos, diz respeito à proposta dos grupos temáticos aos governantes para a destinação anual de, pelo menos, 12% da receita estadual para as ações e serviços de segurança pública. Como os municípios estão cada vez mais integrados a essa política, subsidiariamente a sua cota, em cada orçamento municipal, seria de 5%.
As questões no âmbito do aparelho repressor do Estado não seguem, com naturalidade, o caminho do convencimento. Há dez anos, lançou-se o grande desafio da unificação das polícias Militar e Civil, por não haver sentido na sua operacionalidade em organismos distintos. A reação foi enorme, mas o tempo se encarregou de remover obstáculos, especialmente os impostos por grupos dos dois lados ciosos sobre seus espaçosde poder.A chegada de lideranças novas nos contingentes civil e militar facilitou a idéia de atuação de forma integrada.
A experiência demonstra não haver necessidade de concorrência entre as polícias Militar e Civil, quando seus objetivos são complementares, havendo, apenas, estruturas diferentes em torno das quais elas transitam. A integração vem se processando na medida em que os contingentes atuam sem alimentar as fogueiras da vaidade, levando em conta apenas o seu elevado mister. Em alguns Estados, essa aproximação se fez de forma contundente, com a unificação até dos currículos, nas Academias de Polícia, centros por excelência de formação da oficialidade e dos delegados de Polícia.
No temário da Conferência,osconflitos giram mais em torno da desmilitarização das polícias, da municipalização da segurança, da regulamentação das Guardas Civis, do controle, supervisão e articulação do funcionamento das empresas de segurança privada. Os inovadores propõem também regular a divulgação da violência na mídia, um passo avança do para atropelar a liberdade de informação, como tem sido moda.
Tema explosivo é a nova atribuição relacionada com o ciclo completo da Polícia. Atualmente, a Militar se encarrega do policiamento ostensivo; a Civil, a investigação dos crimes como Polícia Judiciária. Haveria uma nova divisão de tarefas, ficando a Militar com os crimes patrimoniais, incluindo o ciclo completo; e a Civil, com os crimes contra a vida e o tráfico de drogas. Essas propostas, se aprovadas na Conferência, deverão ser submetidas, ainda, aos governos federal, estaduais e municipais, antes de sua vigência.
As teses espelham o momento vivido pelo País,onde a necessidade de organismos policiais mais ágeis, preventivos e resolutos se impõe como resposta à expansão da marginalidade. A segurança pública, como proposta política nacional, passa a ocupar, com esta Conferência, a agenda prioritária dos governantes, desta vez, em defesa da cidadania.

ACORDADOS E BEM ATIVOS
EDITORIAL
A CRÍTICA (AM)
29/8/2009

Entre tantos adágios que visam a chamar a atenção para o comportamento da classe política, um deles sugere que o País cresce enquanto os representantes do povo dormem. Trata-se, no fundo, de uma pesada crítica ao fato de que, entregues a si próprios, os políticos não titubeiam em fazer das suas, de modo a lograr algum tipo de vantagem pessoal e/ou para o grupo de que participam. Apontar alguns fatos que corroboram esse tipo de pensamento não seria difícil. Ao contrário. O momento, a propósito, é farto de exemplos que endossam esse tipo de leitura, de fundo irônico, obviamente, em relação a alguns aspectos da obra realizada pelos políticos.

Pois bem. A despeito do linchamento moral a que está submetido o Parlamento brasileiro, em função dos escândalos patrocinados por parlamentares que se mostram por demais ocupados com seus interesses particulares – o Senado e seu presidente José Sarney não nos deixam mentir –, o que fez a Comissão Especial da Câmara dos Deputados? Na calada da noite, madrugada adentro da última quinta-feira, aprovou emenda à Constituição Federal aumentando em cerca de 8 mil o número de vereadores em todo o País.

Atentemos para o fato de que, nesse sentido, eles não dormiram no ponto. Em votação simbólica, numa demonstração de que a Casa está uníssona nessa empreitada, os parlamentares que integram a referida comissão praticamente sacramentaram um desejo que não tardará a se materializar com a promulgação da emenda, que terá efeito retroativo às eleições de 2008. Tal arranjo permitirá, por exemplo, que suplentes tomem posse nas câmaras municipais onde a quantidade mínima deles, conforme a iminente disposição legal, não tiver sido atingida.

Eis uma saída aceitável, se tivesse provado por A + B que o maior complicador ao bom funcionamento do Parlamento brasileiro, no caso específico das câmaras municipais, é a baixa quantidade de vereadores. Essa equação, no entanto, não fecha porque o problema central é de outra natureza. Em verdade, falta qualidade à representatividade parlamentar. Daí advém, justificadamente, boa parte da preocupação com o período em que os políticos estão acordados e ativos. Nessas horas, eles são capazes de tudo, inclusive de simular, como fizeram com a PEC dos Vereadores, que, a despeito do inchaço das câmaras , haverá economia de dinheiro público.

Ascensão sem cota


A universalização do ensino e o crescimento da economia
reduziram a desigualdade entre negros e brancos


Raquel Salgado

Fabiano Accorsi

Íris Barbosa
Pobre na juventude, a paulistana estudou em escolas públicas, formou-se, fez pós e hoje é diretora de uma multinacional


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O fosso que separa negros e brancos declarados no Brasil se estreitou em um ritmo sem precedentes desde meados da década passada. A diminuição dessa desigualdade pode ser constatada quando se verificam as estatísticas de aumento da renda e de escolaridade, que foi bem mais intenso no caso dos negros do que no dos brancos. A diferença de salários entre eles, ainda grande, encolheu 14% desde 1995. No campo da educação, os resultados são ainda mais expressivos. Antes, apenas dois em cada 100 negros concluíam a faculdade. Agora, sete em 100 obtêm diploma de curso superior – um crescimento de 250%. A proporção de brancos formados cresceu menos: 115%. A redução do analfabetismo também foi maior entre os negros: 74%, contra 60% entre os brancos. A diferença no número de anos que os dois grupos frequentam a escola, vantajosa para os brancos, também diminuiu.

A redução da iniquidade não tem nenhuma relação com a criação de cotas para negros em universidades ou no serviço público. Deve-se a outros fatores, como a universalização da educação fundamental e a melhoria da qualidade do ensino médio oficial. Essas conquistas foram obtidas quando o governo passou a dar prioridade ao ensino básico, o que ocorreu a partir de 1995. A mudança de orientação favoreceu os estratos mais pobres, que concentram a maior proporção de negros. "No Brasil, a pobreza é predominantemente negra. Por isso, quando a distância entre pobres e ricos se estreita, eles são os mais beneficiados", diz Marcelo Paixão, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os aumentos do salário mínimo, que superaram a inflação em 120% desde 1995, contribuíram para elevar a renda de quem está na base da pirâmide social – entre eles, os negros. O crescimento do mercado de trabalho, fruto da extraordinária expansão da economia desde a implantação do real, proporcionou também a ascensão dos negros. Mais educados, eles passaram a ter acesso a empregos antes reservados aos brancos.

Uma pesquisa do Instituto Ethos mostra que, em 2003, os negros ocupavam 8,8% das gerências das maiores empresas do país. Em 2007, essa proporção já alcançava 17%. Nos postos executivos, a participação dos negros passou de 1,8% para 3,5%. A paulistana Íris Barbosa, de 42 anos, integra esse último contingente. Filha de um pequeno comerciante e de uma empregada doméstica, Íris sempre estudou em escolas públicas. Ingressou no McDonald’s para ajudar a mãe nas contas de casa e pagar a faculdade de pedagogia. Terminado o curso, ela conseguiu que a empresa pagasse sua pós-graduação em administração. Há três anos, é a diretora de treinamento do McDonald’s na América Latina. "Meu problema nunca foi ser negra. Foi ser pobre", diz Íris. A frase expressa a verdadeira questão social brasileira.

José Rainha, o rei dos pelegos


O dissidente do MST achou um jeito de embolsar
mais dinheiro: apoiando, sem vergonha de ser feliz,
o governo federal e abrindo uma nova fronteira de invasões


Diogo Schelp


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O cenário é decrépito, mas emoldura uma disputa de milhões de reais. As margens de uma estrada vicinal em Araçatuba, no oeste de São Paulo, estão há seis meses tomadas por 500 barracos. Uma placa insta os motoristas dos caminhões de cana-de-açúcar a tomar cuidado para não atropelar ninguém: "Atenção - Acampamento à frente". Nos dias úteis, o perigo de acidente é menor, já que a maioria dos casebres está fechada e o lugar tem o aspecto de uma favela-fantasma do velho oeste americano - se no velho oeste tivessem existido favelas. Um senhor de idade avançada, sentado à sombra o dia inteiro a observar o vaivém de carregamentos de cana, explica que vive ali só para guardar lugar para o filho, que trabalha na cidade. Ele conta que muitos abandonaram emprego com carteira assinada para morar naquele cortiço rodoviário. Segundo as regras estipuladas pelos líderes que manobram a massa sem-terra, é preciso dormir pelo menos duas noites por semana no acampamento para receber a cesta básica e para não perder a vez em uma possível divisão de lotes, no futuro. Por isso, aos sábados e domingos o local fervilha com a presença de 1 000 pessoas ou mais que vêm fazer churrasco, reunir-se com a família ou simplesmente marcar presença. E que presença: os roubos de galinha e os atos de vandalismo aumentaram nas pequenas fazendas das redondezas. Estamos no acampamento Deputado Adão Pretto, uma fábrica de miséria construída por José Rainha Júnior, o líder sem-terra que já escapou de ser condenado por homicídio e, em julho passado, teve uma pena de cadeia por porte ilegal de arma substituída por regime aberto e prestação de serviços à comunidade.

Roberto Setton

FECHADO EM DIAS ÚTEIS
O acampamento Deputado Adão Pretto, em Araçatuba, é obra da dissidência do MST que não deixa de usar a bandeira do grupo

Rainha lidera uma dissidência do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que, segundo ele próprio e graças à adesão de outros grupos sem-terra, já reúne mais militantes em São Paulo do que a vertente original da organização. Apesar de excluído da direção nacional do MST e desautorizado a falar em nome do movimento, Rainha continua usando sua sigla e sua bandeira. Isso é possível porque o MST não possui representantes legais nem personalidade jurídica - uma malandragem para não precisar responder a processos na Justiça. O mega-acampamento em Araçatuba faz parte de uma demonstração de força cujo objetivo é superar o MST oficial na disputa por dinheiro público. Não há terras suficientes na região para assentar todas as pessoas que depositaram suas esperanças naqueles barracos de beira de estrada. Mas terra é o de menos para Rainha e seus desafetos do MST oficial. O objetivo é ver quem consegue mobilizar o maior número de pessoas para pressionar o governo por novos "convênios" com entidades controladas por líderes sem-terra. Esse é o mecanismo dos repasses que, em tese, deveriam pagar projetos educacionais, habitacionais e de "aumento da biodiversidade" em assentamentos. Indiretamente, no entanto, o dinheiro acaba servindo para financiar invasões, protestos que terminam em vandalismo e até campanhas eleitorais de vereadores. Desde 2007, o Ministério do Desenvolvimento Agrário aprovou 4 milhões de reais em convênios com duas entidades ligadas a Rainha, que atua apenas em São Paulo. Isso equivale a quase um décimo do total que o governo federal repassou a quatro ONGs ligadas ao MST oficial em todo o país, entre 2003 e 2007. Na comparação, portanto, pode-se considerar que Rainha tem sido bem-sucedido em suas táticas de arrecadação. "Durante quatro anos estivemos atrelados ao MST, mas recentemente passamos para o lado do Rainha", diz Noboru Nishikawa, ex-coordenador do assentamento Chico Mendes, em Araçatuba. E completa: "Ele tem mais facilidade para agilizar as coisas com o governo".

43 foi o número de invasões de terra no oeste paulista no primeiro semestre de 2009. Em todo o ano de 2008, foram 34 invasões

A explicação que a coordenação nacional do MST dá para a cisão entre seus líderes, em 2004, é política: Rainha, ao contrário da maioria de seus camaradas, achava que era preciso apoiar abertamente o governo Lula. O grupo dele, ao contrário do MST oficial, já tem até candidato para 2010, conforme anunciou publicamente em maio deste ano: trata-se de Dilma Rousseff, a ministra da Casa Civil. O que se tenta vender como questão de princípios, no entanto, esconde apenas maneiras diferentes de chegar ao mesmo objetivo: as verbas federais. O MST oficial organiza marchas e ocupações de prédios públicos, como as que ocorreram em todo o país no mês passado, para pressionar por repasses. Rainha prefere investir na tradicional invasão de terra. Em fevereiro, comandou o que chamou de Carnaval Vermelho, com a ocupação de duas dezenas de propriedades no oeste paulista, a maioria no Pontal do Paranapanema, onde se concentra a base de sua militância. A criação do mega-acampamento em Araçatuba, em março, marcou a abertura de uma nova fronteira de invasões. José Rainha está expandindo suas atividades para lá por um motivo básico: a maior parte das áreas disponíveis para reforma agrária no Pontal são terras devolutas e estão a cargo da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), que não faz repasse de recursos para entidades não governamentais. Como na região de Araçatuba praticamente não há terras griladas, as desapropriações são responsabilidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), do governo federal. Rainha já disse diversas vezes que prefere trabalhar com o Incra. Tem lógica: o instituto adora dar dinheiro para ele.

Roberto Setton e Agliberto Lima/AE

CONTATOS CERTOS
Noboru Nishikawa, do assentamento Chico Mendes, acima, prefere a liderança
de Rainha (ao lado): tem lógica

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