Ascensão sem cota
Íris Barbosa O fosso que separa negros e brancos declarados no Brasil se estreitou em um ritmo sem precedentes desde meados da década passada. A diminuição dessa desigualdade pode ser constatada quando se verificam as estatísticas de aumento da renda e de escolaridade, que foi bem mais intenso no caso dos negros do que no dos brancos. A diferença de salários entre eles, ainda grande, encolheu 14% desde 1995. No campo da educação, os resultados são ainda mais expressivos. Antes, apenas dois em cada 100 negros concluíam a faculdade. Agora, sete em 100 obtêm diploma de curso superior – um crescimento de 250%. A proporção de brancos formados cresceu menos: 115%. A redução do analfabetismo também foi maior entre os negros: 74%, contra 60% entre os brancos. A diferença no número de anos que os dois grupos frequentam a escola, vantajosa para os brancos, também diminuiu. A redução da iniquidade não tem nenhuma relação com a criação de cotas para negros em universidades ou no serviço público. Deve-se a outros fatores, como a universalização da educação fundamental e a melhoria da qualidade do ensino médio oficial. Essas conquistas foram obtidas quando o governo passou a dar prioridade ao ensino básico, o que ocorreu a partir de 1995. A mudança de orientação favoreceu os estratos mais pobres, que concentram a maior proporção de negros. "No Brasil, a pobreza é predominantemente negra. Por isso, quando a distância entre pobres e ricos se estreita, eles são os mais beneficiados", diz Marcelo Paixão, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os aumentos do salário mínimo, que superaram a inflação em 120% desde 1995, contribuíram para elevar a renda de quem está na base da pirâmide social – entre eles, os negros. O crescimento do mercado de trabalho, fruto da extraordinária expansão da economia desde a implantação do real, proporcionou também a ascensão dos negros. Mais educados, eles passaram a ter acesso a empregos antes reservados aos brancos. Uma pesquisa do Instituto Ethos mostra que, em 2003, os negros ocupavam 8,8% das gerências das maiores empresas do país. Em 2007, essa proporção já alcançava 17%. Nos postos executivos, a participação dos negros passou de 1,8% para 3,5%. A paulistana Íris Barbosa, de 42 anos, integra esse último contingente. Filha de um pequeno comerciante e de uma empregada doméstica, Íris sempre estudou em escolas públicas. Ingressou no McDonald’s para ajudar a mãe nas contas de casa e pagar a faculdade de pedagogia. Terminado o curso, ela conseguiu que a empresa pagasse sua pós-graduação em administração. Há três anos, é a diretora de treinamento do McDonald’s na América Latina. "Meu problema nunca foi ser negra. Foi ser pobre", diz Íris. A frase expressa a verdadeira questão social brasileira.A universalização do ensino e o crescimento da economia
reduziram a desigualdade entre negros e brancos
Raquel SalgadoFabiano Accorsi
Pobre na juventude, a paulistana estudou em escolas públicas, formou-se, fez pós e hoje é diretora de uma multinacional• Exclusivo on-line: personagens • Nesta edição: Queremos dividir o Brasil?