Em busca do tempo perdido
Na última semana, depois de duas falhas elétricas, o Large Hadron Collider (LHC), a maior máquina concebida pelo homem, voltou a funcionar depois de permanecer em manutenção desde o Natal. Religada em novembro do ano passado, a supermáquina criada pela Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (Cern) teve de passar por uma nova manutenção de poucos meses, curta se comparada ao primeiro conserto. Quando funcionou pela primeira vez, em setembro de 2008, teve um problema de superaquecimento que demandou mais de um ano de ajustes. Agora, está funcionando com sucesso, para a alegria de físicos e entusiastas da ciência. Com uma extensão de 27 quilômetros e situado a 100 metros debaixo da terra, na periferia de Genebra, na Suíça, o LHC promete atingir limites nunca antes alcançados pela física. O investimento de 10 bilhões de dólares terá mais do que valido a pena se alguns segredos do primeiro trilionésimo de segundo depois do Big Bang, a explosão que deu origem ao universo há 13,7 bilhões de anos, forem mesmo revelados. Essa "viagem no tempo" não é magia. Em fenômenos típicos do dia a dia, observamos o passado sem nos dar conta. Os raios solares, por exemplo, chegam aos nossos olhos pouco mais de oito minutos depois de irradiados, o que significa que, se em tese o Sol for extirpado do universo, só perceberemos isso oito minutos depois. O mesmo processo acontece com estrelas que, por estarem a milhares de anos-luz de distância, talvez nem existam enquanto nos deliciamos com seu brilho trêmulo no céu noturno. O LHC é um acelerador de feixes de prótons hiperenergizados que atingem o equivalente a 99,9% da velocidade da luz. Com magnetos poderosos, os cientistas os obrigam a mudar de sentido, para, então, provocar um choque, do qual resultam restos de matéria e energia. "Como, segundo a teoria da relatividade de Einstein (E = mc), quanto maior a energia, maior é a massa, quanto mais energia for imposta aos prótons, mais massa terá o resultado da colisão a ser observado", diz o físico brasileiro Denis Oliveira Damazio, que trabalha no Cern e participou da construção do Atlas, um dos quatro aparelhos detectores responsáveis por analisar as colisões. "Além disso, quanto mais energia os prótons tiverem, poderemos observar momentos mais próximos do Big Bang." O primeiro acelerador de partículas, criado em 1930, por exemplo, energizava os prótons apenas a 8 000 elétrons-volt, o que permitia observar como a matéria se portava aos dez minutos seguintes ao Big Bang. Atualmente a energia dos prótons postos em rota de colisão no LHC é de 3,5 teraelétrons-volt, metade da capacidade total do aparelho. No choque, a energia atinge 7 teraelétrons-volt, também metade da capacidade total. Para se ter uma ideia, um próton típico na atmosfera da Terra tem uma energia média de 0,03 elétron-volt, enquanto na superfície do Sol teria apenas 0,4 elétron-volt. No LHC, atualmente, a energia de um próton é 8,75 trilhões de vezes maior. Além disso, por colidir 100 vezes mais prótons do que seu antecessor, o Tevatron, pode-se dizer que um ano de funcionamento da nova máquina equivale a 100 anos da antiga. Mesmo assim, prevê-se que o LHC opere em toda a sua capacidade só daqui a três anos. Os experimentos na máquina situada na fronteira franco-suíça podem também ajudar a encontrar tanto a matéria escura que molda o cosmos visível quanto o "bóson de Higgs" – que, na teoria, possibilitou o início da matéria. Além disso, eles podem corroborar uma intuição de Einstein. Embora não tivesse ferramentas para provar, o maior físico da história pensava que no início do universo as forças (eletromagnética, fraca, forte e gravitacional) agiam como uma só. Se o bóson de Higgs não for encontrado, grande parte da física desenvolvida no século XX e a reputação de físicos e cientistas considerados geniais vão ruir. "A meu ver é aí que tudo vai ficar muito mais interessante. Vamos partir, de novo, do zero", diz o físico Oscar Éboli, professor da USP. Seria um choque dramático. Até hoje todas as grandes formulações teóricas da física de alta energia foram confirmadas nas experiências práticas em laboratório, Com o LHC não deve ser diferente. Depois de permanecer inativo por mais de um ano, o LHC, o maior acelerador de partículas do mundo, volta a recriar os fenômenos que sucederam ao Big Bang
Kalleo CouraAnja Niedringhaus/AP LHC sob aplausos
Físicos comemoram o religamento da máquina que permite o estudo dos primórdios do universo• Quadro: A quase recriação do Universo Gênio da física
A teoria da relatividade formulada por Albert Einstein está na base dos experimentos do LHC. Quanto maior a energia dos prótons em colisão, maior será a massa resultante a ser observada. Além disso, os resultados dos experimentos poderão corroborar a tese de Einstein de que, no início, as forças agiam como uma só