É apenas o intervalo - José Márcio Camargo
Os preços dos serviços estão crescendo a uma taxa próxima de 9% ao ano. Como representam aproximadamente 25% do IPCA, caso esses preços continuem nessa trajetória, já teríamos 2,25 pontos de porcentagem na inflação no próximo ano. Mas essa hipótese parece otimista. Reajustes do salário mínimo têm um efeito direto sobre a taxa de variação dos serviços. E, em janeiro de 2012, ele será reajustado em 14%, o que deve acrescentar mais um ponto porcentual à taxa de inflação dos serviços.
O problema não para aí. A taxa de desemprego está nos níveis mais baixos desde os anos 80. As negociações salariais estão difíceis, com reajustes acima da inflação passada e forte atividade grevista. A questão é que a inflação passada caminha para a marca de 7,0% ao ano. Se os trabalhadores conseguirem apenas repor a inflação dos últimos 12 meses, teremos um reajuste salarial que estará 2,5 pontos porcentuais acima do centro da meta para o ano que vem. E, para que seja obtida, as empresas terão de se contentar com menores margens de lucro para acomodar salários reais maiores. E a experiência mostra que isso só é obtido em momentos de retração da atividade econômica.
Mas ainda não é tudo. A partir de 2012, para se preparar para os dois eventos esportivos mais importantes do mundo, a Copa e a Olimpíada, o Brasil terá de investir na construção de estádios e ginásios esportivos, aeroportos, infraestrutura de transporte, logística e hotelaria. Dado o volume de investimentos, devemos esperar um período de forte demanda por mão de obra, num momento em que, a se manter o cenário atual, o mercado de trabalho ainda estará aquecido.
Dado o baixo nível médio de escolaridade e o elevado grau de desigualdade do sistema educacional no País, quando o mercado de trabalho está aquecido as empresas são obrigadas a contratar trabalhadores com produtividade cada vez menor. E, com produtividade menor e salários mais elevados, os custos unitários do trabalho tendem a subir e as pressões inflacionárias a se exacerbar. Para evitar que as pressões se materializem em aceleração da inflação, uma retração da atividade econômica e um aumento do desemprego poderão ser necessários.
Em suma, estamos diante de um quadro de crescimento da economia acompanhado de forte aquecimento do mercado de trabalho. Com duas agravantes: primeiro, há uma parte do investimento que não pode ser reduzida e, segundo, a regra de reajuste do mínimo irá pressionar o custo do trabalho e a demanda.
Isso tem dois efeitos importantes para a política monetária. Primeiro, o mercado de trabalho é, em geral, o último a reagir a aumentos das taxas de juros. A primeira consequência é uma redução da demanda. As empresas reagem à esse processo diminuindo a produção. E, quando o arrefecimento do nível de atividade persiste, começam a demitir trabalhadores. Como os primeiros a serem dispensados são os menos produtivos, essa produtividade aumenta, os reajustes de salários diminuem e o custo unitário do trabalho cai, minimizando a pressão inflacionária.
Segundo, como parte do investimento não poderá ser reduzido, a queda da demanda terá de ser concentrada no consumo e no restante dos investimentos. Apesar dos apertos monetários e de crédito já realizados pelo Banco Central, não será fácil conseguir chegar ao centro da meta em 2012, a menos que ocorra uma queda substancial nos preços das commodities - o que não é provável, dado o excesso de liquidez vigente no mundo desenvolvido. Mas, caso esse seja o objetivo, ainda é cedo para cantar vitória contra a inflação. Estamos apenas no intervalo.
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