Em gelo fino Miriam Leitão
PANORAMA ECONÔMICO
A Coca-Cola vai investir US$ 6 bilhões no Brasil nos próximos cinco anos. O Brasil é o quarto maior mercado da empresa, depois de Estados Unidos, México e China. O presidente mundial da companhia, Muhtar Kent, me disse que a economia americana vai se recuperar lentamente e que, em 2020, haverá um bilhão de consumidores a mais na classe média, a maioria de mercados emergentes.
Na entrevista que me concedeu, na Globonews, eu perguntei o que ele pretende fazer para neutralizar os danos ao meio ambiente causados pela Coca-Cola. Ela tem a maior “pegada de carbono” (carbon footprint) da indústria de consumo do mundo. Movimenta mais caminhões do que a UPS, DHL e Fedex juntas para entregar os produtos aos seus vinte milhões de pontos de revenda. Isso representa uma quantidade gigantesca de emissões de gases de efeito estufa.
— Nós determinamos uma meta clara sobre a nossa pegada de carbono. Os negócios vão crescer, mas as emissões, não. Faremos isso de três formas: primeiro, com carros híbridos. Temos a maior frota de veículos híbridos pesados do mundo. Segundo, temos 10 milhões de refrigeradores no mundo para nossos produtos, nos varejistas. Nesses aparelhos, vamos reduzir entre 30% a 40% da energia e vamos usar gases de baixo impacto ambiental.
Terceiro, vamos aumentar a reciclagem dos produtos — afirmou Kent.
Além disso, garante que será em 2020 a primeira empresa do mundo com “consumo neutro de água”, ou seja, promete devolver ao meio ambiente cada litro de água que retirar dele. Ela usa um oceano: 300 bilhões de litros por ano: — Porque estamos crescendo, usaremos em 2020 entre 500 a 600 bilhões de litros.
Mas a meta é: reduzir 20% o nosso consumo, reciclar a água que usamos, e, além disso, coletar água da chuva e armazená-la.
Um dos primeiros experimentos dessa nova forma de produzir é a fábrica inaugurada por ele, esta semana, em Curitiba. Uma fábrica da Matte Leão.
Hoje, qualquer conversa com um executivo de grande empresa global tem que ter uma grande parte dedicada ao tema das mudanças climáticas. Não é possível mais cobrar apenas dos governos. O desafio é ir além da aceitação pura e simples do marketing verde que domina a propaganda institucional de todas as empresas.
Perguntei a ele se essa ideia de “fábrica verde” era uma criatura do marketing ou um fato real. Ele disse que acredita que a empresa só será sustentável se ela tiver um papel significativo no esforço global de redução das emissões.
Sobre a crise, ele acha que a economia americana já bateu no fundo do poço, mas terá uma recuperação lenta porque a criação de empregos está muito baixa. No longo prazo, está otimista.
Disse que nos anos 80 todo mundo achava que a economia americana seria engolida pela japonesa, e ela conseguiu se recuperar. Fará de novo agora: — Os Estados Unidos vão mudar de uma economia movida a consumo e endividamento para um sistema movido a tecnologia — biotecnologia, nanotecnologia — porque o país continua tendo os maiores centros de pesquisa do mundo e os maiores centros acadêmicos do mundo.
De qualquer modo, mesmo nesse cenário de renovação da economia americana, ele acredita que o peso econômico dos países vai continuar mudando nos próximos anos.
— A demanda global não será puxada por uma única economia. Até 2020, o mundo terá um bilhão de consumidores a mais na classe média, apesar da crise global atual. E esses consumidores estarão em países como Brasil, China, Índia, México, Indonésia, Rússia.
No Brasil, a empresa investiu US$ 3 bilhões nos últimos cinco anos e vai investir US$ 6 bilhões nos próximos cinco. Criou dois mil empregos diretos por ano, todos os anos. Ao todo, tem 38 mil empregos diretos: — Acho que com os investimentos vamos criar mais empregos por ano do que criamos recentemente.
Muhtar Kent nasceu em Nova York, filho de um diplomata turco. Estudou na Turquia e na Inglaterra, entrou na Coca-Cola por um anúncio de jornal e fez carreira na empresa. Foi enviado como executivo para vários mercados, um deles, o Leste Europeu, exatamente na época da queda do muro de Berlim.
— Nós previmos um ano antes que aquilo iria acontecer e nos posicionamos.
Tínhamos apenas pequenos negócios lá. Depois da queda do muro, nós abrimos 24 fábricas em 30 meses.
Ao começar a entrevista, perguntei de que país ele vinha: — Ontem, estava no extremo norte do Canadá, a menos 10 graus, e hoje estou aqui, a mais 40 graus. Fui com a WWF ver os ursos polares.
Este ano, o frio está atrasado cinco semanas, eles não podem sair para caçar. O que no ano passado era gelo em novembro, agora é onda, dá para surfar. Não há mais dúvida científica em relação à mudança climática.
Ontem, saiu uma frase truncada aqui. “Dilma está mudando”, em relação à questão ambiental. É isso que o governo quer que acreditemos, mas é apenas uma ficção do marketing político. Portanto, o que eu quis dizer é que a sociedade brasileira está mudando, e isso é realmente animador.
oglobo.com.br/miriamleitao e-mail: miriamleitao@oglobo.com.br
COM ALVARO GRIBEL