15/11/2009 - EDITORIAIS
EDITORIAL
O GLOBO
15/11/2009
Diante de indagações aflitas sobre o apagão que, semana passada, desabou sobre o país, autoridades, gestores e integrantes do sistema interligado brasileiro resolvem chamar a atenção para o tempo relativamente curto (se comparado a acontecimentos semelhantes) para a volta à normalidade do fornecimento de energia.
“O blecaute é assunto encerrado”, chegou a afirmar o ministro de Minas e Energia, senador Edison Lobão.
Não é o que está em pauta. Em condições normais, o sistema interligado tem proporcionado um bom aproveitamento dos reservatórios das hidrelétricas, que são a maior fonte de suprimento de eletricidade no país. O que se discute é a vulnerabilidade do sistema diante de queda de raios, chuvas pesadas e ventos fortes.
Acidentes podem ocorrer nesse tipo de serviço, ainda mais levandose em conta a extensão da área de atendimento. As pontas do atual sistema equivalem à existência de linhas de transmissão que, na Europa, iriam de Lisboa a Moscou. Mas o sistema deveria ser capaz de enfrentar fenômenos meteorológicos em um país com clima marcadamente tropícal. Se uma tempestade em determinada região puser em risco todo o fornecimento, o sistema interligado deve ser repensado para que se possa evitar possíveis falhas.
Em acidentes menos graves (perda temporária de algum circuito), o sistema pode proteger áreas que contem com fontes próximas de geração de energia.
No jargão técnico, essa iniciativa é chamada de “ilhamento”. Mas, no último apagão, poucas áreas foram protegidas.
O sistema “desarmou” em cascata, como no jogo de dominó.
É como se o suprimento Moscou/Lisboa fosse interrompido ao mesmo tempo, devido a um defeito no meio do caminho.
Em vez de tentarem negar essa evidente fragilidade, os responsáveis pelo setor elétrico brasileiro precisam encontrar alternativas financeiramente viáveis para neutralizá-la. Apagões dessa magnitude não podem ficar acontecendo “de acordo com a vontade de Deus”, como sugeriu o presidente Lula. Deveria ser uma ocorrência absolutamente inusitada, daquelas que possam inspirar romances ou roteiros de filmes.
CONTRA OS SEM VOTO
EDITORIAL
O GLOBO
15/11/2009
Ao confirmar a validade da liminar que suspendera a posse dos suplentes de vereadores do país beneficiados pela criação de novas vagas, o Supremo Tribunal Federal negou provimento à consumação de uma afronta à Constituição. O aumento do número de cadeiras nas Câmaras Municipais — aprovado ano passado através de emenda constitucional que só foi promulgada em setembro deste ano pelo Congresso Nacional — criou mais de sete mil vagas de representantes, que se somarão aos 51.748 assentos existentes nas casas legislativas das cidades brasileiras.
O Congresso determinou que as vagas fossem preenchidas imediatamente, mas a decisão foi objeto de duas ações. O Ministério Público Federal e a OAB, autores da contestação, argumentaram que os novos assentos só valem a partir da próxima eleição municipal, em 2012. A ministra Cármen Lúcia, relatora do caso no STF, concedeu uma liminar em outubro, cuja validade foi confirmada pela Corte. Falta julgar o mérito da questão, mas a votação da semana passada evidencia que são ínfimas as chances de o Supremo mudar sua posição.
Com isso, o STF enquadra a questão em moldes estritamente constitucionais. A tentativa de dar posse imediata aos suplentes, se bem sucedida, seria a decorrência previsível do movimento que, ao arrepio dos verdadeiros interesses da sociedade, já havia desembocado na aprovação de mais vagas nas Câmaras Municipais.
A grande maioria dos municípios brasileiros tem dificuldades de cumprir seus compromissos orçamentários com receita própria.
Manter sua estrutura politicoadministrativa, na qual se inserem as Câmaras, é obrigação determinada por força legal — e é correto que o Poder Legislativo exerça seu papel de fiscalização e produção de leis, como é da essência de um Estado democrático.
Ocorre que, por desvios patrimonialistas e outras mazelas que desdouram o exercício da representação, o que se vê, regra geral, é a manutenção de mastodônticas máquinas de malfeitorias.
Além disso, como demonstram cabalmente pesquisas sobre a qualidade da produção legislativa, é risível o resultado do que é votado em plenário na grande maioria das Câmaras do país, com os vereadores ocupando-se de conceder títulos de cidadão, dar nomes a ruas e outros expedientes que, em geral, atendem mais a interesses clientelistas que a necessidades dos municípios.
Diante de tal quadro, mais vereadores não implica mais qualidade legislativa, e sim agigantar ainda mais as mazelas já existentes.
DEMOCRACIA: A HORA DA VERDADE PARA O TERRORISTA
EDITORIAL
JORNAL DO BRASIL
15/11/2009
Tudo que os principais acusados pelos atentados de 11 de setembro de 2001 mais queriam evitar acabará acontecendo. Depois de anos passados em prisões clandestinas da CIA e, mais tarde, na penitenciária de Guantánamo (Gitmo), em Cuba, o principal articulador da barbárie que mudou o mundo será levado finalmente ao banco dos réus. Melhor, a júri em plena Nova York, considerada pelo kuwaitiano Khalid Sheik Mohamed como a Babilônia do império pagão ocidental, a mãe de todas as luxúrias e decadências. Justamente por isso eleita para um ataque bárbaro e sem precedentes. Em termos simbólicos, esse júri será um marco importante, por demonstrar claramente ao mundo que o caminho do combate ao terror não é o que vinha sendo preconizado pelo governo George Bush. O terrorista pagará o preço do qual sempre fugiu: a execração pública.
Khalid é um caso de psicopatia religiosa, se é que o termo é adequado. Elegeu a jihad como modo de vida, embora se beneficiasse das benesses que o modelo dos petrodólares sempre proporcionou. Em sua distorcida visão da realidade, uma coisa não guarda qualquer relação com a outra. Teve participação relativa no primeiro ataque ao World Trade Center, em 1993, tinha relações com o autor e executor do ataque – preso desde a época em uma instalação de segurança máxima nos EUA – idealizou e executou os atentados de 2001, e ainda havia planejado um terceiro e mais monstruoso ataque – Bojinka Plot – no qual oito grandes jatos de passageiros seriam desintegrados por terroristas suicidas sobre o Atlântico. Mohammed seria também o verdugo gordo e barrigudo que degolou o repórter Daniel Pearl, do The Wall Street Journal, diante das câmeras.
Com esse currículo, evidentemente, não pode ser considerado um homem comum. Desde sua prisão, em uma operação na qual comandos americanos iludiram o escudo protetor fornecido pelo serviço secreto paquistanês a Khalid, o sonho do peixe mais graúdo da Al Qaeda é virar mártir. Assim, sua glória fanática ilustraria vídeos de martírio como os que tanto sucesso fazem entre os simpatizantes da causa. Teria conseguido isso, aliás, se continuasse sob o jugo de uma lei marcial pela qual confissões sob tortura passaram a ter valor legal. Sua defesa vai alegar que as 183 sessões de afogamento a que foi submetido pelos interrogadores tiram do julgamento o mérito da Justiça.
Ver um nome importante da Al Qaeda na barra dos tribunais causará impacto na capacidade de atração ideológica da rede, embora Khalid nunca tenha integrado o círculo próximo do líder, Osama bin Laden. O saudita financiou os ataques, mas sempre considerou o kuwaitiano exagerado, tanto que enviou emissários à Tailândia para um encontro onde Khalid foi informado de que precisava pensar em algo “realizável”. A versão perpetrada foi, portanto, uma condensação do delírio inicial.
Num tribunal, o peso do direito esmaga os réus. É o palco onde séculos de civilização reaparecem sob forma de sabedoria acumulada. É o local onde Mohammed confrontará a sua visão torta do Islã com o pensamento ocidental voltado para o respeito ao Homem. É a tribuna de onde enxergará um provável cadafalso já devidamente despido da aura heroica que os fanáticos pela Terceira Cruzada se autoimpingiram. Será o último lampejo de uma existência degenerada e infeliz ao extremo.
A NOVELA DE BATTISTI
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
15/11/2009
Mais uma vez foi interrompido - agora, pela terceira vez - o julgamento, no Supremo Tribunal Federal (STF), do pedido de extradição do criminoso condenado italiano, Cesare Battisti. Parece uma novela interminável, que não só ocupa um amplo espaço na mídia, como absorve um grande esforço jurisdicional da mais alta Corte de Justiça do País, o que já se atesta pelo fato de os votos dos ministros do Supremo terem resultado em empate de 4 a 4 - restando ao presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, a incumbência de desempatar a decisão. Na verdade, o que ainda chama a atenção, nesse caso, é a notória desproporção entre o esforço de uma Corte - já sobrecarregada por grande volume de importantes questões envolvendo interpretação constitucional -, a repercussão do processo nos veículos de comunicação e a importância atribuída ao criminoso, que o governo Lula - pelo seu ministro da Justiça, Tarso Genro - quer "proteger", livrando-o de hipotéticas "perseguições" sofridas e a sofrer, se retornar à Itália para cumprir sua pena.
Na longa justificativa que deu para seu voto contrário à extradição de Battisti - que levou ao empate na Corte -, o ministro Marco Aurélio Mello afirmou que "a configuração de crime político" aí lhe parece "escancarada". Em defesa dessa tese, invocou a própria pressão do governo italiano para obter a extradição do criminoso, alegando que esta não ocorreria se se tratasse apenas de criminoso comum. Indaga o ministro: "Assim procederiam, se na espécie não se tratasse de questão política? Seria ingenuidade acreditar no inverso do que surge repleto de obviedade maior."
Mas essa obviedade dos "crimes políticos" de Battisti não pareceu tão "escancarada" assim, nem para a Justiça da Itália - onde desde o fim da 2ª Guerra vigora uma plena democracia - nem para o substancioso e bem fundamentado voto do relator do processo no Supremo, o ministro Cezar Peluso, reconhecidamente - apesar de sua elegante discrição - um dos integrantes mais competentes e de cultura jurídica mais sólida do STF. Quanto ao interesse do governo italiano em obter a extradição do criminoso, por que este só subsistiria na hipótese de o condenado ter praticado "crime político"? Em um Estado Democrático de Direito - mais do que em quaisquer regimes autoritários - não existe um grande interesse em que sejam punidas, pela Justiça, pessoas que eliminaram vidas humanas, inclusive de cidadãos comuns e simples, sem qualquer atuação política que, eventualmente, as confrontasse com um ativista? Agora, o que não deixa nem um pouco "escancarada" a hipótese de Battisti só ter cometido "crimes políticos" é o fato de, em lugar de ter pedido asilo às autoridades brasileiras, para escapar de perseguições em seu país, aqui ter permanecido como clandestino, escondido tal qual um bandido comum, até ser preso, graças à colaboração da Interpol. Entenda o ministro Marco Aurélio que não é "ingenuidade" o Estado exigir que os criminosos comuns recebam punição por seus atos, especialmente pela destruição de vidas humanas.
Agora, se se entende o interesse do governo italiano em obter a extradição de Battisti, muito mais difícil de entender é o interesse - quase obsessivo - do governo brasileiro, em negá-la. Está certo que um chefe de Estado e governo deva prestigiar as posições assumidas por seus ministros - pelo menos enquanto estiver disposto a mantê-los no cargo. Mas, considerando o ótimo relacionamento do Brasil com a Itália - dados os fortes laços culturais e étnicos que temos com um dos maiores contingentes de descendentes de imigrantes que habitam nosso território -, por que confiar tanto na sapiência de um ministro para o qual (entre outras coisas) não passa de um "microacidente" o apagão que deixou nas trevas 18 Estados e atingiu cerca de 60 milhões de pessoas? E o ministro, agora, fala do "risco do precedente" de uma eventual extradição de Battisti - no sentido de que estimularia outros países a também solicitá-la para seus criminosos refugiados em nosso território. Estamos diante de nova doutrina diplomática, segundo a qual criminoso em território brasileiro é nosso, seja de onde for...?
Ante os atraentes e competentes holofotes da TV Justiça, não resistimos à tentação de inferir que a eles se devem, em boa parte, a excessiva durabilidade da novela Cesare Battisti. É que o humano gosto de exibição pode acometer até os mais conspícuos colegiados.
INESPERADA RESPONSABILIDADE
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
15/11/2009
Sempre lembrada pelos tucanos - que lutaram para obter sua aprovação em 2000 - como instrumento essencial para moralizar a gestão das finanças públicas e severamente criticada pelo PT à época em que foi debatida no Congresso, por ser uma iniciativa tucana, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) está provocando uma curiosa mudança de opiniões. Tucanos concordam em mudá-la, ainda que por tempo limitado; petistas não admitem alterações.
"Não temos direito de fazer mudanças na LRF", afirmou a petista Ideli Salvatti (SC) na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, ao contestar o relatório do senador tucano Cícero Lucena (PB) recomendando a aprovação do projeto de lei do senador César Borges (PR-BA), que, diz o autor, "não objetiva promover alterações na LRF e sim flexibilizá-la para o exercício financeiro de 2009".
Trata-se de um perigoso jogo de palavras, pois o projeto muda, sim, a LRF, ao estabelecer que os limites e as obrigações nela estabelecidos para os Estados e municípios - e que são vários - serão "flexibilizados" na proporção da quebra da receita esperada. É contra esse jogo que o PT, acertadamente, tem de se bater, ainda mais que agora é governo. "Não podemos quebrar a lei. A solução não é essa", completou o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). "Se mudarmos agora, isso abrirá caminho para outras alterações", advertiu.
A advertência é procedente. Só no Senado, além do projeto de Borges, tramitam mais de dez propondo mudanças na lei fiscal. Na Câmara dos Deputados há outros 50 projetos. Um dos projetos, que ameniza as exigências para os Estados e municípios tomarem novos empréstimos, já passou pela Câmara e está no Senado.
O projeto de Borges foi sugerido pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) sob a alegação de que a crise afetou as receitas dos municípios, sobretudo as transferências federais, por meio do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). O senador baiano argumentou que as leis relativas aos orçamentos para 2009 foram elaboradas em 2008, quando não se podiam prever os efeitos da crise sobre as finanças públicas. Daí, segundo ele, a necessidade de "flexibilizar" os limites da LRF, reduzindo-os na proporção em que a receita efetiva dos Estados e municípios tiver sido menor do que a estimada nas leis orçamentárias.
O relator, o tucano Cícero Lucena, considerou a proposta "louvável", classificou as mudanças como "necessárias e oportunas" para "corrigir distorções na aplicação da LRF" e recomendou sua aprovação.
É preciso destacar, no entanto, que a LRF não criou nenhuma distorção e a proposta de mudá-la, além de inoportuna, é desnecessária. É certo, como alegam a CNM e os senadores que apoiam a proposta, que a crise afetou as receitas do setor público, como afetou a das empresas privadas e de muitas famílias. Mas, para compensar a redução das transferências do FPM, o governo federal abriu crédito especial de R$ 2 bilhões para os municípios; para os Estados, o Conselho Monetário Nacional aprovou o aumento de R$ 6 bilhões no limite de sua dívida.
Se nem isso foi suficiente para permitir que algumas prefeituras e governos estaduais respeitem os limites legais para o endividamento e para os gastos com pessoal, por exemplo, a própria LRF tem mecanismos que lhes permitem corrigir os excessos. Se o crescimento do PIB for inferior a 1% no período correspondente a quatro trimestres, os administradores públicos disporão, por exemplo, de prazo maior para adequar as contas aos limites para gastos totais com o funcionalismo e para a dívida consolidada.
Além disso, a LRF estabelece parâmetros de prudência fiscal. Quando determinados índices se aproximarem muito do limite legal, os administradores precisam adotar medidas de contenção. No caso de pessoal, por exemplo, são obrigados a suspender as contratações e os pagamentos de horas extras.
E, se nem assim conseguirem ajustar suas contas, as prefeituras ainda podem ter a esperança de contar com nova ajuda do governo Lula, que, preocupado com a eleição, poderá liberar mais verbas para os municípios. Será uma solução ruim, pois premiará quem não agiu com a necessária austeridade na crise, mas será menos ruim do que mudar a LRF.
A RENDA NEGATIVA DO FGTS
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
15/11/2009
As contas dos trabalhadores no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) deverão apresentar, em 2009, renda real negativa, repetindo o que ocorreu entre 2000 e 2004 e em 2008. Nesta década comparativamente à inflação oficial, o rendimento foi negativo em 12,76% até setembro.
É uma anomalia, pois seria razoável se o Fundo, uma das principais reservas de valor dos assalariados, tivesse os depósitos atualizados pelo IPCA. Mas isto causaria sério prejuízo aos devedores.
No passado, as contas do Fundo eram corrigidas pelo índice das cadernetas de poupança (0,5% ao mês mais a TR) - e a regra ainda se aplica a uma minoria de contas. Mas a maioria recebe 3% de juros ao ano mais a TR, ou 3,9% em 12 meses. Se o IPCA do ano atingir 4,27%, como preveem as instituições consultadas pelo boletim Focus, do Banco Central (BC), a renda será negativa em 0,47 ponto porcentual.
Do vultoso patrimônio do Fundo, superior a R$ 220 bilhões, 1/3 está aplicado em títulos públicos, podendo ser sacado para atender os trabalhadores que se aposentam, compram imóvel ou atendam às regras de saque.
Mas a maior parte dos recursos está aplicada em financiamentos habitacionais, infraestrutura urbana, saneamento e, mais recentemente, também em fundos (FIIs) que se destinam a financiar portos, energia elétrica, rodovias, ferrovias e hidrovias ou no aporte de recursos para o BNDES.
São restritas as possibilidades de os trabalhadores buscarem remuneração mais alta para os depósitos no Fundo, como na subscrição de ações da Petrobrás e da Vale. Para manter o controle sobre os recursos e, ao mesmo tempo, aumentar sua participação na Petrobrás o governo anunciou que não permitirá que a subscrição de aumento do capital da estatal seja feita com recursos do FGTS.
Está criada, assim, uma situação esdrúxula: os tomadores de empréstimos com recursos do Fundo acabam sendo subsidiados pela massa de trabalhadores que têm conta no FGTS. E um aspecto paradoxal é que desfazer essa situação implicaria o risco de provocar um descasamento entre os ativos do Fundo (os empréstimos) e os passivos (os depósitos dos trabalhadores). Descasamento semelhante provocou nos anos 80 o desequilíbrio do Sistema Financeiro da Habitação.
O que é inegável é que a renda negativa nas contas do Fundo induz ao aumento de saques dos trabalhadores. E isto pode prejudicar o papel relevante do FGTS como indutor de investimentos, no longo prazo.
DIREITO À INFORMAÇÃO
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
15/11/2009
Práticas desleais na internet colocam em risco as bases que permitem o exercício do jornalismo independente no país
DEMOCRACIAS tradicionais aprenderam a defender-se de duas fontes de poder que ameaçam o direito à informação.
Contra a tendência de todo governo de manipular fatos a seu favor, desenvolveram-se mecanismos de controle civil -caso dos veículos de comunicação com independência, financeira e editorial, em relação ao Estado. Contra o risco de que interesses empresariais cruzados ou monopólios bloqueiem o acesso a certas informações, criaram-se dispositivos para limitar o poder de grupos econômicos na mídia.
Essas salvaguardas tradicionais se veem desafiadas pelo avanço da internet e da convergência tecnológica nas comunicações -paradoxalmente, pois esse mesmo processo abre um campo novo ao jornalismo.
Apesar da revolução tecnológica e do advento de plataformas cooperativas, a produção de conteúdo informativo de interesse público continua, majoritariamente, a cargo de organizações empresariais especializadas. O acesso sistemático a informações exclusivas, relevantes, bem apuradas e editadas sempre implica a atuação de grandes equipes de profissionais dedicados apenas a isso. Essas equipes precisam ser remuneradas -ou o elo se rompe.
Quando um serviço de internet que visa ao lucro toma, sem pagar por isso, informações produzidas por empresas jornalísticas, as edita e as difunde a seu modo, não só fere as leis que resguardam os direitos autorais. Solapa os pilares financeiros que têm sustentado o jornalismo profissional independente.
Quando um país como o Brasil admite um oligopólio irrestrito na banda larga -a via para a qual converge a transmissão de múltiplos conteúdos, como os de TVs, revistas e jornais-, alimenta um Leviatã capaz de bloquear ou dificultar a passagem de dados e atores que não lhe sejam convenientes. A tendência a discriminar concorrentes se acentua no caso brasileiro, pois os mandarins da banda larga são, eles próprios, produtores de algum conteúdo jornalístico.
Quando autoridades se eximem de aplicar a portais de notícias o limite constitucional de 30% de participação de capital estrangeiro, abonam um grave desequilíbrio nas regras de competição. Veículos nacionais, que respeitam a lei, têm de concorrer com conglomerados estrangeiros que acessam fontes colossais e baratas de capital. Tal permissividade ameaça o espírito da norma, comum nas grandes democracias do planeta, de proteger a cultura nacional.
Contra esse triplo assédio, produtores de conteúdo jornalístico e de entretenimento no Brasil começam a protestar.
Exigem a aplicação, na internet, das leis que protegem o direito autoral. Pressionam as autoridades para que, como ocorre nos EUA, regulamentem a banda larga de modo a impedir as práticas discriminatórias e ampliar a competição. Requerem ao Ministério Público ação decisiva para que empresas produtoras de jornalismo e entretenimento na internet se ajustem à exigência, expressa no artigo 222 da Carta, de que 70% do controle do capital esteja com brasileiros.
A Folha se associa ao movimento não apenas no intuito de defender as balizas empresariais do jornalismo independente, apartidário e crítico que postula e pratica. Empunha a bandeira porque está em jogo o direito do cidadão de conhecer a verdade, de não ser ludibriado por governos ou grupos econômicos que ficaram poderosos demais.
BLITZ NA FRONTEIRA
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
15/11/2009
A OPERAÇÃO realizada na semana passada pelo Exército nas divisas de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul com a Bolívia e o Paraguai, destinada a impedir a entrada de armas e drogas no país, termina por explicitar a debilidade da política de controle das vastas fronteiras terrestres do Brasil.
Se fosse suficiente a vigilância rotineira dessas regiões, a cargo seja dos militares seja da Polícia Federal, operações desse tipo não se fariam necessárias. Ainda assim, a blitz comandada de segunda-feira até a última sexta pelo Exército representou apenas a quinta ação do gênero desde 2005. Como as anteriores, esta tampouco logrou apreender drogas nem armas.
Certamente não é ao ritmo de uma operação em "grande escala" por ano que se resolverá o problema. As Forças Armadas não o ignoram. A "Estratégia Nacional de Defesa", documento de 2008, prevê "adensar a presença do Exército, da Marinha e da Força Aérea nas fronteiras" em "tarefas de vigilância".
Um projeto de lei do Executivo permite à Aeronáutica e à Marinha revistar aviões e embarcações -e, quando necessário, dar ordem de prisão a seus tripulantes. O Exército, por sua vez, já dispõe de "poder de polícia".
Consideradas as limitações de suas ações, no entanto, fica evidente que a prerrogativa não garantirá a vigilância eficiente das fronteiras. Sem presença ostensiva e constante nessas áreas, pouco mudará.
TRABALHADOR INJUSTIÇADO
EDITORIAL
ESTADO DE MINAS
15/11/2009
Rendimento do FGTS é baixo e dá prejuízo a quem é o dono do dinheiro
Desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva impediu a aplicação opcional de um pedaço do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) no projeto da Petrobras de exploração do pré-sal, o governo ficou devendo alguma coisa ao trabalhador. A decisão só aumenta a urgência de se estudar seriamente uma maneira de acabar com a absurda condenação ao prejuízo de uma das únicas economias do país constituídas em nome de cada brasileiro com carteira de trabalho assinada. Na verdade, os governos têm se aproveitado do fato de que o trabalhador do setor privado não sabe direito que seu FGTS é um precioso patrimônio continuamente garfado desde que foi criado, há 42 anos. E, em 2009, seu prejuízo será recorde. O fundo fechou o mês passado com um rendimento ridículo de apenas 0,2466%. Foi o pior desempenho mensal de sua história, que caminha para perder da caderneta de poupança e, talvez, até da inflação.
Remunerado pela variação da Taxa Referencial de Juros (TRJ) mais 3% ao ano, o fundo é resultado de depósitos mensais que as empresas fazem em nome dos empregados. Foi instituído no início da ditadura militar (governo Castello Branco) para compensar o fim de um exótico sistema de estabilidade no emprego, que vigorava desde os tempos de Getúlio Vargas. O FGTS não tem passagem pelo Tesouro, pois vai do empregador diretamente para contas individuais na Caixa Econômica Federal. É, portanto, um dinheiro que pertence exclusivamente ao titular dessa conta. Especialistas calculam que a forma de remuneração é tão ruim que os saldos do FGTS terminaram, no período de 2000 até agosto passado, com perda real (descontada a inflação) de 13,7%. Quer dizer que um depósito de R$ 100, feito em janeiro de 2000, vale hoje pouco mais de R$ 88,76.
Trata-se de uma injustiça que até hoje governo algum pretendeu corrigir. Pelo contrário. Nessas quatro décadas, aproveitaram do custo sedutoramente baixo do dinheiro do FGTS para financiar programas ditos sociais, especialmente os de efeito popular. Uma velha desculpa para manter o uso abusivo do fundo pelos governos é a sua vinculação a programas habitacionais ou de saneamento básico, o que teria o condão de torná-los mais acessíveis à baixa renda. Trata-se de uma carga pesada demais para essa fonte destinada a garantir algum conforto ao trabalhador que se aposenta ou perde o emprego. A mudança de rumo ao fim dessa injustiça deve começar pela legislação que permite ao governo ter paridade no conselho de administração do FGTS, com direito a voto de desempate. Esse dinheiro, que hoje já passa dos R$ 200 bilhões, acaba sendo usado conforme os interesses do governo e não os de seu verdadeiro dono. Por que não permitir ao FGTS ter administração profissional que busque rentabilidade responsável, sem o comodismo antiquado da correção monetária fixada em lei? Nesse sentido, sobram projetos, mas falta vontade política. Além de benéfica para toda a economia, que passaria a contar com mais um financiador de peso, tratar o dono do FGTS com mais respeito será, acima de tudo, uma questão de justiça.
POLITIZAÇÃO LESA A AMAZÔNIA
EDITORIAL
CORREIO BRAZILIENSE
15/11/2009
O processo de combate ao desmatamento na Amazônia é mensurável por equação construída a partir da intensidade do fenômeno ao longo do tempo. Os números absolutos da devastação, malgrado de grandeza expressiva, costumam ser festejados no universo governamental se menores na comparação com os registros de períodos anteriores. Entre agosto de 2008 e julho de 2009, a perda da cobertura vegetal na região foi de 7 mil quilômetros quadrados, a menor dos últimos 21 anos, desde que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) passou a monitorar os tratos amazônicos.
No cotejo com agosto de 2007 a julho de 2008, a redução do desflorestamento foi de 45%. Não escapa, porém, ao observador isento que a derrubada de 7 mil quilômetros da paisagem arbórea corresponde a área equivalente à do Distrito Federal e à do município de São Paulo juntas. Trata-se de destruição de espaço com dimensões consideráveis, em todos os sentidos prejudicial à política destinada à preservação da maior biomassa do mundo. Pode-se recebê-la, todavia, como indicação de que atuação mais severa dos agentes públicos e a mobilização social para os deveres preservacionistas tendem a colher resultados mais consistentes.
Se, apesar de tudo, o desastre ecológico refluiu, como atestado pelo Inpe, não é o caso de os gestores públicos deixarem de imprimir mais dinamismo às ações preventivas. Mudar o curso e o conteúdo das metodologias adotadas até o momento parece, pelo menos na visão de muitos especialistas, o caminho mais eficaz para apressar o resgate da Amazônia da histórica ofensiva devastadora. Não basta, porém. O desafio exige da autoridade estatal, nos três níveis da Federação, medidas concebidas e executadas segundo modelo de planejamento orgânico e articulado.
No cenário atual é visível a desarticulação dos órgãos públicos, em particular no âmbito do Executivo federal, na condução e implementação das diretrizes ambientalistas. A proteção aos recursos naturais da Amazônia, como as insurgências minerais, hídricas e florais, tem amplitude de estratégia nacional. Não é atribuição apenas do Ministério do Meio Ambiente, mas do conjunto das instâncias políticas que informam a estrutura do governo. Sobre o caso específico da diminuição do vandalismo ambiental, convém registrar que sucedeu, na maior parte, em razão das repercussões da crise econômica nas atividades madeireiras.
Para destoar das expectativas mais sensatas, o anúncio de que houve declínio no desmatamento ensejou ruidosa festa no auditório do Centro Cultural Banco do Brasil perante convidados especiais e prefeitos. Deu-se à ministra Dilma Roussef, candidata in pectore de Lula à Presidência da República, o crédito pelo desempenho. Um ato, explique-se, com a nítida intenção política de respaldar-lhe a corrida na sucessão de 2010. Grave é que a politização das ações ambientais na conduta do governo tende a desmoralizá-las e infundir ânimo aos predadores da Amazônia.
CONQUISTA AMBIENTAL
EDITORIAL
DIÁRIO DE CUIABÁ (MT)
15/11/2009
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) acaba de expedir a certidão mais esperada pelos que acreditavam na redução do desmatamento mato-grossense e ao mesmo tempo silencia os céticos sobre essa possibilidade: de agosto de 2008 a julho deste ano o corte raso foi de 1.047 km², despencando 68% no comparativo a igual período de 2007/08, quando atingiu 3.258 km².
A redução atestada pelo INPE é a maior nos últimos 21 anos. Alcançá-la foi tarefa difícil, porque o modelo de desenvolvimento mato-grossense estava atrelado ao desmatamento, que no passado era oficialmente estimulado pelo governo para efeito de titulação da terra, e fomentado pela Sucam, antecessora da Funasa, como prática recomendável contra a proliferação do mosquito vetor da malária.
Um paciente trabalho de conscientização paralelo ao fortalecimento da fiscalização estadual e do Ministério Público levou o produtor a refletir sobre meio ambiente. Somem-se a isso dois fatores também preponderantes: as barreiras econômicas internacionais aos produtos de áreas devastadas irregularmente e o cerco jornalístico aos crimes ambientais. Nesse contexto o Diário orgulha-se de sua linha editorial, imutável desde sua criação, sempre intransigente em defesa da preservação dos ecossistemas mato-grossenses.
Titular da gestão florestal graças a um convênio firmado com o Ministério do Meio Ambiente, Mato Grosso desenvolve uma política calcada no desenvolvimento sustentável, que alcança bons resultados. Tecnicamente os dados do INPE atestam os avanços ambientais. Na área internacional a Revista Forbes incluiu o governador Blairo Maggi entre os 67 homens mais poderosos do mundo, pelo fato de Maggi ter contribuído “drasticamente” para a redução do desmatamento na Amazônia.
Os números do INPE são animadores, principalmente quando se sabe que mesmo restritiva a legislação ambiental permite o corte raso em 20% das áreas com cobertura de mata na Amazônia Legal. Ou seja, em breve, tecnicamente o percentual desmatado dentro da lei será zerado com o reflorestamento obrigatório que acontecerá em áreas irregularmente antropizadas no passado.
Esses números também mostram que é possível aumentar a produção sem avançar sobre a floresta, pois a safra de Mato Grosso está em alta com pequena alteração da área cultivada. Melhor ainda será quando for implantada uma política para a recuperação de pastagens degradadas ou parcialmente degradadas, que alcançam marca superior a cinco milhões de hectares.
Ambientalmente Mato Grosso está no rumo certo. Para que continue nessa trajetória é imprescindível que a fiscalizasse continue rígida, que a política de conscientização não pare e que a imprensa continue vigilante.
“É possível aumentar a produção sem avançar sobre a floresta”
CLARAS LIÇÕES DA ESCURIDÃO
EDITORIAL
GAZETA DO POVO (PR)
15/11/2009
A escuridão que tomou conta de dezoito es¬¬tados brasileiros na noite da última terça-fei¬¬ra, paradoxalmente, ajuda a deixar ain¬¬da mais clara uma questão tão antiga quanto preocupante para o país: suas agudas deficiências no campo da infraestrutura. O apagão, de causas ainda não totalmente conhecidas, afetou a ima¬¬gem daquela que seria a “joia da coroa” do sistema elétrico nacional, a gigantesca Itaipu, segun¬¬da maior usina do mundo, responsável pela energia que abastece 25% das casas e que move a economia dos estados mais populosos e mais industrializados do Brasil.
Afora o fato de que o desastre – cujos prejuízos foram calculados em R$ 55 bilhões – tenha virado motivo para a ressurreição da pendenga política que no apagão anterior obscureceu o governo de Fernando Henrique Cardoso, acusado de não ter investido o suficiente para evitá-lo, o da semana que passou renovou o alerta sobre a fragilidade não só do sistema energético, mas também sobre o apagão que abrange todos os outros importantes setores da nossa infraestrutura, entre eles o do setor aeroportuário, como apontamos no editorial da sexta-feira.
Mais relevante do que caçar culpados – discutindo se este governo foi tão irresponsável quanto o anterior nesta área para, com isto, prognosticar quem vencerá a eleição do ano que vem – é concentrar esforços para que o problema não se repita. Mais do que isso: para que os problemas (no plural) que nos afetam possam ser superados com a celeridade que se exige.
O Brasil atual, nas palavras do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, atravessa neste momento o que chama de “rito de passagem” – a passagem de um tempo que coloca o país entre os emergentes para um tempo em que se igualará social e economicamente às nações mais desenvolvidas. Ele prevê para 2022, ano em que o Brasil comemorará os 200 anos da Independência, o pe¬¬ríodo a partir do qual deixaremos no passado a história de miséria e subdesenvolvimento.
As bases estão plantadas: estabilidade monetária consolidada, riquezas naturais inigualáveis, educação e qualificação em processo de melhoria, extensão agricultável capaz de alimentar o planeta, mínima segurança jurídica para investimentos, excelentes perspectivas quanto à produção petrolífera – enfim, todas aquelas qualidades tão decantadas pela literatura ufanista e até mesmo pelos técnicos menos otimistas. Entretanto, se neste período que nos distancia da fronteira de que fala Bernardo não forem satisfeitas as demais condições garantidoras do desenvolvimento, não há como inaugurar a nova etapa.
É impensável viabilizar um país com a extensão territorial do nosso sem se lhe prover adequadamente de rodovias e ferrovias para escoar a produção. Não há como expandir a indústria sem energia barata, suficiente e segura. Não há como aproveitar o crescente dinamismo do comércio internacional de mercadorias se portos e aeroportos não existirem em quantidade e qualidade compatíveis. Não há como atrair investimentos privados nem como assegurar competitividade aos produtos e serviços se não for superado o apagão infraestrutural a que ainda estamos presos.
Nos transportes, cerca de 65% da malha rodoviária brasileira está em condições que vão de ruins a péssimas, deficiência que nos faz perder 10% da produção agrícola e acrescentar de 10% a 15% ao seu custo final. No setor de saneamento, o retrato é desolador – 27% das residências não têm acesso a rede de esgoto e a água tratada ainda não chegou a 11% das casas. Na área de energia, estima-se que, para o país crescer a uma taxa de 4,5% ao ano, será preciso acrescentar 4 mil megawatts todos os anos ao sistema.
É bem verdade que obras têm sido empreendidas para vencer tais dificuldades, enumerando-se entre outras a duplicação da BR-101, do Nordeste ao Sul do país. Novas concessões rodoviárias tendem a melhorar a caótica situação das estradas federais mais estratégicas. Ferrovias já com a construção em andamento farão a integração Leste-Oeste e Norte-Sul. Portos, operados pela iniciativa privada, vêm recebendo investimentos maciços em modernização.
Entretanto, as décadas de sucateamento a que tudo foi submetido em razão da incapacidade, quer gerencial, quer financeira do Estado, não se vencem de uma hora para outra. Nem será vencida apenas pelo Estado. Há necessidade do aporte de grandes capitais privados – o que só se obtém sob uma outra condição em que o Brasil se apresenta igualmente capenga, isto é, segurança jurídica e marcos regulatórios permanentes e atrativos.
Só assim o fantasma do apagão energético e todos os demais apagões poderão ser exorcizados. Algo vital para o país desenvolvido que se sonha para 2022.
RANÇO IDEOLÓGICO
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
15/11/2009
Com o evidente propósito de bajular e enaltecer o governo, os responsáveis pela elaboração das provas do último Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) cometeram um deslize inexplicável ao incluir questões de natureza ideológica, que tentam induzir os estudantes a pensar pela linha oficial. Alguns enunciados evidenciam a contaminação política de um instrumento que deveria se guiar por critérios técnicos, pois a finalidade do teste é avaliar o conhecimento e o desempenho dos estudantes – e não o seu comprometimento com os governantes de plantão.
Além de destacar de maneira gritante realizações da atual administração, como o Programa de Aceleração do Crescimento, o pré-sal e a distribuição de livros didáticos para estudantes de escolas públicas, a prova procura antipatizar os críticos do governo. A questão mais ilustrativa é a da “marolinha”. Depois de relatar as críticas que a imprensa brasileira fez à declaração do presidente Lula sobre a crise econômica, o enunciado diz que a previsão presidencial foi confirmada e questiona se houve por parte dos críticos “atitude preconceituosa”, “irresponsabilidade”, “livre exercício da crítica”, “manipulação política da mídia” ou “prejulgamento”. Ainda que a resposta adotada como correta seja “livre exercício da crítica”, fica evidente o propósito de lançar desconfiança sobre a mídia.
Elaboradas por uma empresa de consultoria em recursos humanos, mas com a orientação de técnicos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), as questões do último Enade acabaram provocando mais polêmica do que benefício ao governo como os cultores do ranço ideológico pretendiam. Mas quem perde mesmo são os estudantes, que ficam confusos em relação ao que o país espera deles.
ENTRANDO EM CENA
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
15/11/2009
Uma longa reportagem na conceituada revista The Economist afirmou, em sua última edição, que o Brasil, um país que secularmente se apresenta como uma promessa, está finalmente entrando “em cena no palco mundial”, com perspectiva de em cinco anos chegar à condição de quinta potência econômica do planeta. Ao relatar o novo momento brasileiro, a revista aponta as virtudes e as fraquezas de nosso país. Entre as primeiras, está a conjugação de três fatores que, coincidentes neste momento, são a plataforma dessa decolagem: “O Brasil já havia sido democrático antes, havia tido crescimento econômico e vivera períodos de inflação baixa, mas nunca essas três coisas ao mesmo tempo”. Entre as fraquezas, a reportagem aponta o gasto equivocado, “em coisas erradas”, de parte do dinheiro do contribuinte, a corrupção, crescimento em taxas historicamente baixas, os gastos públicos elevados, a dificuldade em promover as reformas estruturais e o baixo investimento em educação e em infraestrutura, “evidenciado no apagão desta semana”. A maneira como o Brasil de Lula superou a crise financeira mundial, na qual foi um dos últimos a entrar e um dos primeiros a sair, é vista como uma demonstração da vitalidade da economia do país.
A renovada imagem do Brasil, agora como protagonista da cena mundial, é desvanecedora para os brasileiros. Nosso país conquista finalmente seu espaço internacional, graças ao desenvolvimento de potencialidades internas e externas e a consistência com que seus governos mantêm as linhas macroeconômicas, com trunfos pelos quais supera os demais países do grupo dos Bric. Ao contrário da China, o Brasil é uma democracia testada e estabilizada. Ao contrário da Índia, não tem insurgentes nem conflitos étnicos e religiosos e nem vizinhos hostis. Ao contrário da Rússia, trata bem seus investidores e tem possibilidades de exportação que vão além de petróleo e armas. O desafio de crescer como crescem China e Índia representa, no entanto, uma das metas que o país precisa buscar.
Mesmo que de maneira esparsa, a reportagem da revista britânica arrola as virtudes com que o Brasil conta para manter o processo ascensional e os entraves que podem barrá-lo. Ao alertar para o excesso de confiança como um dos riscos, indiretamente os autores dos textos sobre a decolagem brasileira sugerem a necessidade de que governo e sociedade, com os pés no chão, completem o chamado dever de casa. Este inclui desde a retomada das reformas nas áreas institucional, tributária e previdenciária até a definição correta das prioridades de investimentos, o controle dos gastos, a busca de uma educação de qualidade e a eliminação dos atalhos por onde a corrupção sangra a vitalidade do país. Com base nas lacunas brasileiras nessas áreas, o ex-economista do Banco Mundial Sebastian Edwards considera injustificável a euforia e o entusiasmo que cercam o momento do Brasil.
Essas críticas precisam representar um desafio.
APAGÃO DOS APADRINHADOS
EDITORIAL
JORNAL DO COMMERCIO (PE)
15/2009
O blecaute de terça-feira, que atingiu 18 Estados e afetou a vida de cerca de 50 milhões de brasileiros, pode ter sido uma consequência prematura daquilo que o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, tem chamado há alguns anos, com antecedência, de “maior herança” da gestão Lula: o aparelhamento da máquina pública, entendido como o preenchimento ou a criação de cargos sob critérios não técnicos, ou seja, que não levam em conta nem a carreira do funcionário público, nem o conhecimento adquirido para o desempenho da função.
O efeito imediatamente visível, sobretudo da criação frouxa de cargos para pendurar aliados, é a elevação dos gastos do erário. Mas com o passar do tempo, o mal que faz o séquito de apaniguados dentro da administração é mais prejudicial ao País do que eventuais problemas na acomodação da base de sustentação do governo. A entrega das chaves do Ministério das Minas e Energia ao PMDB de Edison Lobão, ligado ao senador José Sarney, é emblemático do equívoco costumeiro de se trocar a competência técnica de áreas essenciais por apadrinhados políticos de última hora. Para o ex-diretor da Petrobras Ildo Sauer, em entrevista à Folha de S.Paulo, o blecaute que se espalhou por extensa parte do território nacional mostra que faltam investimentos na gestão e na coordenação do sistema energético. “As causas não poderiam se propagar tanto. Existem recursos para circunscrever o defeito a uma região”, afirmou Sauer, que é professor da Universidade de São Paulo (USP).
É inevitável que o fantasma do racionamento de 2001 retorne à cabeça da população, e as deficiências de infraestrutura do País sejam novamente colocadas na pauta, tendo em vista os desafios de realização de eventos como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Sombras e apertos recentes, que se imaginava afastados – “página virada”, na expressão do presidente Lula – ensaiam sua reaparição às vésperas do último ano do seu mandato, proporcionando desde já imponderável desgaste sobre a ministra-candidata Dilma Rousseff, que não é só a “mãe do PAC”, como também teve a imagem associada à restauração do sistema energético brasileiro.
O presidente do PT, Ricardo Berzoini, tenta desviar o governo das críticas que chovem de especialistas do setor elétrico e da oposição, afirmando que o debate sobre o apagão deve ser técnico, e não político. Com toda razão estaria o petista se o pecado original não tivesse sido exatamente o de ignorar o saber técnico em favor do rateio do poder pela base aliada, quando da nomeação do titular que sucedeu Dilma Rousseff no Ministério das Minas e Energia.
Além do evidente risco do loteamento de setores estratégicos como o de energia, vale ressaltar outro efeito obscuro do apagão dos apadrinhados: o “apagão ético” que perpassa a sociedade, fazendo parecer que a divisão de cargos e a distribuição de benesses deva ser uma regra inerente ao “jogo político”. As administrações “aparelhadas” do PT têm contribuído negativamente para a banalização de um tipo de raciocínio que tira por menos os “deslizes éticos” e fecha os olhos diante de sinais de incompetência. E ainda cria a ilusão de inviolabilidade, como se qualquer ocupante de cargo público estivesse acima da lei e da ética comuns aos cidadãos. Neste sentido a didática do apagão é exemplar: quanto mais politizada (no mau sentido) for a gestão, pior para o futuro da Nação.
Embora se trate de um problema que vem de longe, fincado em nossa formação histórica, é preciso que a opinião pública atente para as práticas atuais, e se posicione contrária ao aparelhamento partidário de qualquer instância administrativa, seja no plano federal, estadual ou municipal. Afinal de contas, como disse a própria ministra-chefe da Casa Civil há poucos meses, “apagão não cai do céu”. A profissionalização da gestão não pode ser encarada como uma proposta vaga de campanha, levantada a cada eleição, mas sim, como uma obrigação do gestor público, dentro do mesmo espírito da Lei de Responsabilidade Fiscal. O melhor seria não esperar por 2010: o Brasil necessita urgentemente de um verdadeiro apagão dos apadrinhados, para que não fiquemos mais à mercê de interesses negociados à meia-luz da politicagem miúda.
LIVROS PARA TODOS
EDITORIAL
DIÁRIO DO NORDESTE (CE
15/11/2009
Quando se observa um extraordinário aumento nas publicações de literatura infanto-juvenil sobre os demais segmentos da ficção, estudiosos constatam a crescente penetração desse gênero literário entre o público adulto, fato que representaria, para algumas correntes de opinião, o detonar de um processo danoso de infantilização cultural nas pessoas acima de 18 anos de idade.
A luta pela aquisição de leitores não tem solução de continuidade no mercado editorial e vultosas compras governamentais de títulos infanto-juvenis praticamente sustentam inúmeras editoras. O peso econômico da população juvenil está acarretando sensível melhoria na qualidade da produção editorial, até porque os autores se sentem estimulados a avançar sempre nesse sentido. A Câmara Brasileira do Livro registra que, em apenas um ano, os títulos para crianças com até 10 anos cresceram 14,02%, enquanto os destinados a menores a partir de 11 anos teve o expressivo aumento de 41,88%. Na pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, verifica-se que a mãe de família é a principal responsável pela indicação dos livros a seus filhos com até 10 anos.
Na faixa etária entre 11 e 13, o adolescente lê, sobretudo, o que lhe é exigido pela escola. A partir dos 14 anos, ele passa a escolher seu próprio tipo de leitura, mas, lamentavelmente, lê bem menos. Quando adulto, não consegue superar essa fase de transição e prossegue preferindo os mesmos livros da fase adolescente, quando não perde, de todo, o hábito de ler.
Para os partidários de leituras infanto-juvenis em todas as idades, entre os quais se encontra o Prêmio Nobel de Literatura Isaac Bashevis Singer, a literatura adulta vem sofrendo sensível deterioração nos dias atuais, o que ocasiona a preferência de inúmeros pais pelos livros feitos, em princípio, para seus filhos. Na opinião do citado escritor, ao se formular um preconceito contra essa atitude adota-se o pressuposto de que toda a literatura para os mais jovens é medíocre e estereotipada, menosprezando-se, indevidamente, títulos clássicos como “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll, ou “A Ilha do Tesouro”, de Robert Louis Stevenson, duas obras de inquestionável valor. Quando um texto é de qualidade, pode ser útil à consolidação cultural tanto de adultos quanto de crianças. Visto sob um prisma distorcido e preconceituoso, até “Metamorfose”, de Franz Kafka, poderia ser tido como um livro infantil.
O que se tem de levar em conta é a seriedade do que vem sendo publicado com o rótulo de literatura infanto-juvenil. Na realidade, é condenável qualquer publicação no gênero que faça a apologia da violência ou estimule a desagregação dos bons costumes. Por outro lado, ela não pode ser recheada de ingenuidade adocicada e vivamente contrastante com a realidade, quando as crianças são bem mais informadas e possuem relativa consciência do que se passa ao seu redor. As categorias etárias para definição do tipo de leitores já não são tão definidas como antes.
Deve prevalecer, acima de tudo, a exigência da mínima qualidade literária e a imprescindível contribuição que todo bom livro deve conceder ao aprimoramento do conhecimento humano.
COMÉRCIO DE ENTORPECENTES
EDITORIAL
A CRÍTICA (AM)
15/11/2009
A CRÍTICA publica, a partir de hoje, na editoria de Cidades, uma série de matérias sobre o comércio de entorpecentes em postos de revenda de combustíveis. Levantamento feito pelo repórter Júlio Pedrosa mostra que drogas como ecstasy, maconha e cocaína são comercializados nesses locais como qualquer outro produto.
Adultos, jovens e adolescentes dispõem de toda facilidade para a aquisição do produto. Em nenhum dos postos visitados houve qualquer tipo de intervenção, por parte da gerência desses locais, de representantes de órgãos de prevenção e/ou de repressão para impedir que a ação se completasse. Relatos médicos citam que tais drogas associadas ao álcool produzem além das reações adversas situação de risco de morte para os usuários, combinando ainda com o fato de que a maioria deles deixa esses locais dirigindo o próprio carro.
A denúncia que tais matérias representam não se esgota nela mesma. Expõe a face e a extensão de um problema grave colocado à margem das ações executadas pelas áreas de segurança e de saúde públicas. Exige que as ações governamentais redescubram esses espaços e revejam as condições de funcionamento de tais estabelecimentos, se estas seguem as normas estabelecidas ou as ignoram.
Há algum tempo, as áreas dos postos de revenda de combustíveis passaram a funcionar como ambiente aberto de lazer. São pontos de concentração de um grande número de jovens e de adolescentes, públicos cobiçados pelo narcotráfico sempre em busca de aumentar a população usuária e, assim, os lucros desse tipo de negócio marginal.
A certeza de impunidade faz com que várias redes de postos de revenda de combustíveis se comportem como parte de uma atividade criminosa sem o incômodo dos agentes da lei. Conseguem, com esses ingredientes de atração, aumentar a clientela e faturar mais a partir de um círculo que se mostra difícil de ser rompido.
Punem, pela ilegalidade, aqueles empresários que respeitam as regras e conduzem seus estabelecimentos dentro da legalidade. Punem, com o terror e o sofrimento, as famílias dessa clientela que, em vários casos registrados pela imprensa, não volta mais para casa ou para um convívio social. Punem, enfim, com o enredamento, a dependência e o adoecimento de usuários cada vez mais jovens que não mais vão aos postos e às lojinhas de conveniências desses locais para as compras legais.