Thursday, December 03, 2009

União que divide - Mírian Leitão

O Globo - 03/12/2009


Parece uma briga apenas do Rio, mas é do Brasil.

O que está em questão nessa nova rodada de disputa em torno dos recursos do pré-sal é respeito aos contratos e justiça federativa. Estão querendo desfazer jogo já jogado, licitação feita. A ministra Dilma Rousseff se reuniu com dois governadores para decidir a divisão de um bolo tributário coletivo. A reunião em si é um acinte.

A ministra Dilma reuniu na tarde da segunda-feira, em sua sala, os governadores do Ceará, Cid Gomes, e de Pernambuco, Eduardo Campos, e os ministros Edson Lobão, da Energia, e Alexandre Padilha, das Relações Institucionais. Eles discutiram como dividir a arrecadação tributária do petróleo a ser extraído em mares do Rio, Espírito Santo e São Paulo. Concluíram, do alto do poder que não lhes foi conferido, que o melhor a fazer é retirar mais dos municípios produtores para engordar o caixa de municípios não produtores. E fazem isso porque os estados e municípios produtores são poucos; os outros são muitos e têm mais votos.

É preciso entender o autoritarismo e o desrespeito de uma reunião como essa.

Por que o governador de Pernambuco? Porque foi dele a ideia de incluir áreas já licitadas nas novas regras de partilha. Por que isso se discute sem a presença dos maiores interessados? Só um profundo desrespeito às unidades federativas explica uma situação estranha como essa, em que os produtores estão fora da mesa da ministra Dilma. Quem deu a essas cinco pessoas o direito de decidir uma questão que atravessa a Federação? O governador do Rio, Sérgio Cabral, que na semana passada estava gritando "querem roubar o Rio", está em silêncio. O presidente Lula mandou, e ele obedeceu.

Se o governador não souber que a sua primeira lealdade é com o estado que governa, o Rio vai ser mesmo prejudicado.

Mais relevante do que quantos reais dos impostos irão para o caixa de cada estado é entender o que está em jogo em toda essa discussão. O governo propôs um novo marco regulatório para o petróleo do pré-sal. O modelo é ruim, mas regulará o futuro ainda não explorado. O problema é que agora se quer mudar o passado, alterar as regras do que já foi licitado.

O Brasil tem uma distribuição desigual dos recursos fiscais com uma centralização excessiva. Nos últimos governos, a União criou várias contribuições exatamente para não ter que dividir a receita com os estados.

Isso agravou a centralização.

Pelo novo modelo de exploração de petróleo, a União arrecadará mais, e os estados perdem um dos impostos, a participação especial.

O petróleo, como todos sabem, é o único produto que é tributado no estado de destino e não na origem. Os estados produtores não podem cobrar ICMS. Eles já estavam sendo lesados pela falta do imposto sobre valor agregado e então foi criada a participação especial. Royalties evidentemente os estados têm o direito de cobrar.

Os não produtores reclamam que as riquezas pertencem a todos. De fato, e é por isso que uma grande parte dos impostos sempre ficou nas mãos da União, que pode, ou deve, repassar uma parte aos estados na razão inversamente proporcional à riqueza de cada um.

Caso se conclua que é preciso redividir a receita, que se faça de modo a respeitar a democracia federativa.

É uma anomalia juntar dois governadores e três ministros, numa sala fechada, para discutir o que fazer com recursos provenientes de riquezas que pertencem a todos. Por isso, a reunião em si é um absurdo. A negociação deveria juntar todas as partes, ser transparente e justa. O governo federal, desde o início desse conflito do pré-sal, tem mantido uma posição ambígua em público e, nos bastidores, incentiva um conflito federativo jogando estados não produtores contra estados produtores.

Não é aceitável mudar o passado, quebrar contrato para retirar receita de quem tem direito a ela. No Espírito Santo, um terço do pré-sal já foi licitado. Isso criou uma expectativa de receita no estado que é mais do que justa que ele recolha.

O petróleo tem má fama.

Onde ele aparece, surgem conflitos. No Brasil até hoje já houve desentendimentos, mas não uma situação dessas: estados não produtores ameaçam impor sua maioria aos estados que têm essas reservas em suas costas. O papel do governo federal é encontrar fórmulas de compor os interesses de todos. Mas da sua base é que saem as ideias que fomentam a briga federativa.

Esse definitivamente não é o papel da União.

O modelo de regulação do pré-sal, que o governo propôs e que está sendo aprovado no Congresso, dá poderes e vantagens indevidas à Petrobras, beneficiando seus acionistas em detrimento dos contribuintes em geral, cria uma estatal com poderes regulatórios, esvazia a ANP e troca a transparência do leilão pelo sistema opaco de partilha. É ruim, piora o que está funcionando, elimina um dos impostos recolhidos pelos estados produtores. Mas o que está em debate agora é ainda pior pelo que significa e pela maneira como está sendo feito. O governador Sérgio Cabral gritou para ver se conseguia um bom acordo.

Nenhum acordo é bom se é feito sobre os destroços dos contratos, e do respeito federativo.

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