A omissão do Congresso - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 13/10
Como os parlamentares não decidiram até agora, e não dispõem mais de condições práticas de decidir até o fim do ano, quando termina o prazo que lhes foi dado, a Mesa do Senado Federal fará o que parecia impensável: pedir, sem nenhum fundamento legal, que o Supremo Tribunal Federal (STF) modifique uma decisão tomada há mais de dois anos e meio, pela qual a Casa deveria adotar, por lei, até 31 de dezembro, novas regras de repartição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE).
Só assim será possível evitar o congelamento, a partir de 1.º de janeiro de 2013, do dinheiro que compõe o FPE, formado por 21,5% da arrecadação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto de Renda (IR). É dinheiro essencial para manter em operação o serviço público em vários Estados. Neste ano, por exemplo, o FPE distribuirá R$ 55 bilhões aos Estados.
Ja é histórica a negligência com que o Congresso vem tratando da questão das regras para a divisão dos recursos do FPE. Esse fundo foi criado em 1965 e começou a distribuir os recursos em 1966, com o objetivo de reduzir as disparidades regionais do País. A Constituição de 1988 o incorporou. A Lei Complementar n.º 62, de dezembro de 1989, estabeleceu critérios provisórios para a reparticipação dos recursos. Novas regras deveriam ser estabelecidas até o fim de 1991, com base nos dados do Censo de 1990. Essas regras nunca foram aprovadas.
Atualmente, dos recursos do FPE, 85% vão para os Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste e 15% para os Estados do Sul e Sudeste. Estados com renda per capita menor têm direito a fatias maiores do Fundo. Descontentes com os critérios estabelecidos em 1989, por considerarem que eles não atendem mais à nova realidade econômica e social do País e prejudicam seus Estados, alguns governos estaduais entraram com Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) contra a Lei Complementar n.º 62.
Foi no julgamento dessas Adins que, em fevereiro de 2010, o STF declarou inconstitucional o artigo da lei complementar que define os critérios para a distribuição de recursos do FPE, mantendo, porém, sua vigência até 31 de dezembro de 2012, para que, até essa data, o Congresso definisse as novas regras. Se isso não for feito, o FPE não poderá ser repartido entre os Estados. A decisão do Supremo deveria forçar o Congresso a discutir e votar, com urgência, as novas regras, para evitar que alguns governos estaduais sejam obrigados a paralisar as suas atividades.
O FPE responde por cerca de 70% do orçamento de Estados como Amapá e Rondônia. Mesmo em Estados com mais recursos próprios, como a Bahia, o FPE representa quase 30% do orçamento. "É inadmissível, impensável, ficar sem o FPE", disse ao Estado (7/10) o secretário da Fazenda da Bahia, Luiz Alberto Petitinga. "O FPE não pode simplesmente acabar."
De fato, não pode, sem que seja substituído, ainda que transitoriamente, por alguma outra forma de redistribuição de recursos federais. Os parlamentares sabiam disso e sabiam que dispunham de um prazo razoável para decidir. No entanto, nada fizeram para cumpri-lo. Agora, não têm mais tempo.
"Politicamente, é impossível discutirmos um projeto, qualquer que seja ele, até o fim do ano", disse o senador Romero Jucá (PMDB-RR), coautor de um dos projetos sobre o assunto que tramitam no Senado. Há outros sete projetos modificando as regras do FPE, mas nenhum deles foi discutido nas comissões encarregadas de examiná-los. Só um já teve voto do relator escolhido por uma das comissões.
Agora, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e líderes dos partidos estão preparando uma carta na qual pedirão ao STF a prorrogação do prazo de validade das atuais regras de repartição do FPE. Um ministro do STF ouvido pelo Estado disse que a situação é "complexa" e observou que "nunca o País esteve diante de uma situação em que o Poder Legislativo solicita ao Poder Judiciário a prorrogação de uma decisão tomada com antecedência".
É a consequência prática - e vergonhosa - da irresponsável omissão do Congresso.