Terra ainda treme Míriam Leitão
O GLOBO
A decisão do Conselho Monetário Nacional desta semana ainda é reação ao desembarque da crise no país. Naquele 15 de setembro, quando o Lehman Brothers quebrou, o crédito travou e o interbancário congelou. Muita coisa melhorou desde então, mas o mercado tem travas. O CMN tenta fazer os fundos de pensão aplicarem nos bancos pequenos, e esses bancos emprestarem às empresas médias.
Esta é uma crise de longo alcance, que se desdobra em novas frentes de batalha.
O Brasil, longe do centro da crise econômica, longe dos subprimes e dos bancos falidos, ainda sofre os efeitos do abalo do dia 15 de setembro do ano passado, quando os bancos americanos começaram a quebrar.
A decisão tomada pelo CMN pode funcionar, segundo os especialistas que eu ouvi. O Fundo Garantidor de Crédito vai estender suas garantias aos títulos emitidos pelos bancos pequenos num valor infinitamente maior do que garante nos bancos grandes.
Hoje, o FGC garante até R$ 60 mil, por CPF, os CDBs, a poupança e a conta corrente dos clientes. Pela medida, vai garantir até R$ 20 milhões em bancos pequenos, mas, para isso, eles terão que pagar 1% de tudo o que for captado com esta garantia.
Essa supergarantia foi dada para levar de volta aos bancos pequenos os fundos de pensão, os investidores institucionais, que fugiram deles assim que a crise chegou.
Na época, os bancos pequenos foram socorridos pelas decisões do Banco Central de liberar compulsório dos grandes para a compra de carteiras das instituições menores. Até o Fundo Garantidor comprou carteiras dos bancos pequenos, para dar liquidez.
Os balanços do fim de ano mostraram que eles sobreviveram aos saques que enfrentaram, mas ficaram sentados em cima do dinheiro.
Não emprestam com medo de perder depósitos a qualquer momento. Preferem reter liquidez. Mas são eles que emprestam para o chamado middle market, as empresas pequenas e médias, que têm mais dificuldade de tomar empréstimos nos bancos maiores.
Para as grandes empresas os grandes bancos emprestam.
Em alguns casos, dinheiro das reservas cambiais, seja para financiar comércio exterior, seja para pagamento de dívida externa.
O middle market ficou sem financiamento e, quando conseguia, era de curto prazo e de alto custo.
Se a medida levar de volta o investidor institucional para aplicação em RDB dos bancos pequenos, eles terão outra vantagem: esses papéis não são de liquidez diária, mas sim de, no mínimo, seis meses. Os bancos menores teriam aplicadores mais estáveis.
Mas o que levaria esses bancos a voltar a emprestar? O custo dessa operação: 1% sobre o valor do depósito é alto, e a instituição perderá se não permitir que o dinheiro circule.
Se circular, o dinheiro ajudará a destravar mais um pedaço do mercado de crédito no Brasil.
Outra medida do governo, só esta semana, para enfrentar a crise — que da boca para fora o discurso o presidente Lula minimiza — foi o plano habitacional de R$ 34 bilhões. Há um problema: esse dinheiro não existe. O número é, em parte, de uso dos recursos de fundos dos trabalhadores: FGTS e FAT (através do BNDES). O Orçamento da União está sendo cortado, na verdade. Os primeiros R$ 6 bilhões do pacote terão que sair de um projeto de lei de crédito extraordinário. E isso num momento em que o governo estará cortando emendas de parlamentares para que o Orçamento caiba na nova previsão de receita.
Aqui e no resto do mundo a crise americana continua fazendo vítimas. Ontem saíram indicadores mostrando que a renda dos americanos melhorou, mas o consumo caiu.
É uma reação comum em tempos de incerteza: mesmo quando algum estímulo do governo funciona, a tendência é poupar e não consumir.
Isso funciona inclusive no país com a maior propensão ao consumo do planeta.
Outros países divulgaram ontem novas quedas do PIB no quarto trimestre de 2008: Inglaterra (-1,6%), França (-1%), Coreia do Sul (-5,1%).
A queda nos Estados Unidos foi de 6,3% e, no Brasil, de 3,6%, mas a maneira como os EUA fazem a conta amplifica o número. Na verdade, se a conta aqui fosse feita da mesma forma que nos EUA, o resultado mostraria que nós caímos mais do que o dono da crise naquele terrível trimestre. A grande expectativa agora é em relação ao atual trimestre que acaba na semana que vem. Alguns indicadores bem ruins não permitem prever recuperação, apenas sonhar com números menos ruins.
O presidente Barack Obama disse que já existe uma luz no fim do túnel. Ainda não. É ilusão de ótica dele, depois desses dois meses de governo em que foram colhidos os escombros do trimestre terrível. O problema de Obama foi a data da posse. A queda foi no fim do ano passado, mas os indicadores saíram todos em janeiro e fevereiro, ampliando a sensação de crise.
Esta semana saíram os detalhamentos do carro-chefe de Obama contra a crise: o plano de estabilização financeira do Tesouro. Os detalhes mostram que o governo conseguiu fugir de duas armadilhas: a de ter que separar ativos bons de ativos podres — os bancos é que dirão que ativos querem vender; e a de definir preço — ele será decidido em leilão que definirá os preços dos papéis. Mesmo assim, há muito chão pela frente antes da luz no fim do túnel.
A decisão do Conselho Monetário Nacional desta semana ainda é reação ao desembarque da crise no país. Naquele 15 de setembro, quando o Lehman Brothers quebrou, o crédito travou e o interbancário congelou. Muita coisa melhorou desde então, mas o mercado tem travas. O CMN tenta fazer os fundos de pensão aplicarem nos bancos pequenos, e esses bancos emprestarem às empresas médias.
Esta é uma crise de longo alcance, que se desdobra em novas frentes de batalha.
O Brasil, longe do centro da crise econômica, longe dos subprimes e dos bancos falidos, ainda sofre os efeitos do abalo do dia 15 de setembro do ano passado, quando os bancos americanos começaram a quebrar.
A decisão tomada pelo CMN pode funcionar, segundo os especialistas que eu ouvi. O Fundo Garantidor de Crédito vai estender suas garantias aos títulos emitidos pelos bancos pequenos num valor infinitamente maior do que garante nos bancos grandes.
Hoje, o FGC garante até R$ 60 mil, por CPF, os CDBs, a poupança e a conta corrente dos clientes. Pela medida, vai garantir até R$ 20 milhões em bancos pequenos, mas, para isso, eles terão que pagar 1% de tudo o que for captado com esta garantia.
Essa supergarantia foi dada para levar de volta aos bancos pequenos os fundos de pensão, os investidores institucionais, que fugiram deles assim que a crise chegou.
Na época, os bancos pequenos foram socorridos pelas decisões do Banco Central de liberar compulsório dos grandes para a compra de carteiras das instituições menores. Até o Fundo Garantidor comprou carteiras dos bancos pequenos, para dar liquidez.
Os balanços do fim de ano mostraram que eles sobreviveram aos saques que enfrentaram, mas ficaram sentados em cima do dinheiro.
Não emprestam com medo de perder depósitos a qualquer momento. Preferem reter liquidez. Mas são eles que emprestam para o chamado middle market, as empresas pequenas e médias, que têm mais dificuldade de tomar empréstimos nos bancos maiores.
Para as grandes empresas os grandes bancos emprestam.
Em alguns casos, dinheiro das reservas cambiais, seja para financiar comércio exterior, seja para pagamento de dívida externa.
O middle market ficou sem financiamento e, quando conseguia, era de curto prazo e de alto custo.
Se a medida levar de volta o investidor institucional para aplicação em RDB dos bancos pequenos, eles terão outra vantagem: esses papéis não são de liquidez diária, mas sim de, no mínimo, seis meses. Os bancos menores teriam aplicadores mais estáveis.
Mas o que levaria esses bancos a voltar a emprestar? O custo dessa operação: 1% sobre o valor do depósito é alto, e a instituição perderá se não permitir que o dinheiro circule.
Se circular, o dinheiro ajudará a destravar mais um pedaço do mercado de crédito no Brasil.
Outra medida do governo, só esta semana, para enfrentar a crise — que da boca para fora o discurso o presidente Lula minimiza — foi o plano habitacional de R$ 34 bilhões. Há um problema: esse dinheiro não existe. O número é, em parte, de uso dos recursos de fundos dos trabalhadores: FGTS e FAT (através do BNDES). O Orçamento da União está sendo cortado, na verdade. Os primeiros R$ 6 bilhões do pacote terão que sair de um projeto de lei de crédito extraordinário. E isso num momento em que o governo estará cortando emendas de parlamentares para que o Orçamento caiba na nova previsão de receita.
Aqui e no resto do mundo a crise americana continua fazendo vítimas. Ontem saíram indicadores mostrando que a renda dos americanos melhorou, mas o consumo caiu.
É uma reação comum em tempos de incerteza: mesmo quando algum estímulo do governo funciona, a tendência é poupar e não consumir.
Isso funciona inclusive no país com a maior propensão ao consumo do planeta.
Outros países divulgaram ontem novas quedas do PIB no quarto trimestre de 2008: Inglaterra (-1,6%), França (-1%), Coreia do Sul (-5,1%).
A queda nos Estados Unidos foi de 6,3% e, no Brasil, de 3,6%, mas a maneira como os EUA fazem a conta amplifica o número. Na verdade, se a conta aqui fosse feita da mesma forma que nos EUA, o resultado mostraria que nós caímos mais do que o dono da crise naquele terrível trimestre. A grande expectativa agora é em relação ao atual trimestre que acaba na semana que vem. Alguns indicadores bem ruins não permitem prever recuperação, apenas sonhar com números menos ruins.
O presidente Barack Obama disse que já existe uma luz no fim do túnel. Ainda não. É ilusão de ótica dele, depois desses dois meses de governo em que foram colhidos os escombros do trimestre terrível. O problema de Obama foi a data da posse. A queda foi no fim do ano passado, mas os indicadores saíram todos em janeiro e fevereiro, ampliando a sensação de crise.
Esta semana saíram os detalhamentos do carro-chefe de Obama contra a crise: o plano de estabilização financeira do Tesouro. Os detalhes mostram que o governo conseguiu fugir de duas armadilhas: a de ter que separar ativos bons de ativos podres — os bancos é que dirão que ativos querem vender; e a de definir preço — ele será decidido em leilão que definirá os preços dos papéis. Mesmo assim, há muito chão pela frente antes da luz no fim do túnel.