Saturday, May 01, 2010

Sem nenhum medo de ser feliz


Dono de uma das maiores contas publicitárias do governo,
ex-marqueteiro do presidente Lula é acusado de dar calote
em pequenas emissoras de rádio e embolsar o dinheiro


Alexandre Oltramari

Montagem sobre fotos de Photodisc e Dida Sampaio/AE
COM A MARCA OFICIAL
Os ex-presidentes Collor e Sarney (acima), o ex-marqueteiro de Lula Paulo de Tarso (à esq.)
e o ministro Franklin Martins (à dir.): o Planalto precisou interferir para que o calote que vitimou
até aliados não virasse escândalo


A agência Matisse é um dos mais intrigantes casos de sucesso da propaganda brasileira. Em 2003, com a chegada de Lula ao governo, a empresa deixou de ser uma nanica regional para tornar-se uma potência. Comandada pelo publicitário Paulo de Tarso Santos, marqueteiro de Lula em 1989 e 1994, ela entrou para o time das grandes ao vencer a licitação para administrar a milionária verba publicitária da Presidência da República. Seu sucesso, a partir daí, foi estrondoso. Nos últimos sete anos, a Matisse conseguiu a proeza de se manter como a única agência a prestar serviços ininterruptos à Secretaria de Comunicação do governo. Há dois meses, porém, essa escalada de sucesso sofreu um revés. Sem explicação, Paulo de Tarso Santos anunciou que estava abandonando a empresa para se dedicar a outros negócios. O que se descobre agora é que o publicitário, na verdade, deixou a Matisse por suspeita de desviar recursos públicos. Sua agência recebia as verbas do governo para pagar anúncios de campanhas oficiais, mas o dinheiro não chegava ao destino – pequenas emissoras de rádio e jornais do interior. O que aconteceu? Por enquanto o máximo que se pode dizer é que alguém embolsou os valores, e o publicitário, como sócio da empresa, foi responsabilizado por isso.

A saída de Paulo de Tarso da Matisse tem relação direta com as irregularidades. No início do ano, a Secretaria de Comunicação (Secom), chefiada pelo ministro Franklin Martins, tomou conhecimento de que um grupo de pequenas empresas de comunicação reclamava ter sido vítima de um calote de 5 milhões de reais por parte do governo federal. Os casos não se encaixavam nos tradicionais atrasos provocados pela burocracia e, curiosamente, envolviam sempre a mesma agência, a Matisse. Dívidas que se arrastavam havia mais de cinco anos e que começaram a criar dificuldades para o próprio governo. Além do constrangimento, algumas emissoras passaram a recusar publicidade oficial. A Secom tentou contornar o problema, notificando formalmente a Matisse para que quitasse as dívidas. Em outra frente, também mudou seu sistema de pagamento. Antes, o órgão repassava dinheiro às agências depois que elas comprovavam a exibição da propaganda. Agora, além de comprovar a exibição, as agências precisam atestar o pagamento aos veículos.

A mudança de procedimento ocorreu após duas reuniões entre o ex-marqueteiro de Lula Paulo de Tarso e executivos da Presidência da República, no início do ano. Numa delas, inclusive, os ânimos se exaltaram. Ao ser questionado sobre a falta de pagamentos, o publicitário teria insinuado que aquilo era um procedimento normal. Exaltado, o secretário executivo da Secom, Ottoni Fernandes Junior, teria convocado seguranças para expulsar Paulo de Tarso de sua sala. A discussão foi narrada a VEJA por uma pessoa muito próxima aos dois personagens – que não querem falar sobre o assunto. "Não vou comentar a suposta expulsão", disse Ottoni a VEJA por meio de sua assessoria. Paulo de Tarso admite que as reuniões foram muito duras, mas diz que a versão do que exatamente ocorreu cabe a Ottoni. "A versão sempre deve ser do cliente", afirmou a VEJA o ex-marqueteiro de Lula. "Tínhamos um passivo de 1,5 milhão de reais com os fornecedores. O escalonamento é uma coisa normal. Mas a Secom também devia para a gente", justifica.

Procurada por VEJA, a Matisse garante que não deu calote nem desviou dinheiro público e que só deixou de pagar a quem não comprovou a veiculação dos comerciais. "O mecanismo de controle está cada vez melhor, cada vez mais azeitadinho", explica Valmir da Silva, gerente financeiro da agência. Não é o que narram as vítimas. Um dos lesados, sob a condição de anonimato, desabafou a VEJA: "O pior é que a gente não pode fazer nada. Como uma pequena emissora do interior do país vai afrontar a agência do governo?" O grupo de comunicação do ex-presidente Fernando Collor de Mello, a Gazeta de Alagoas, encontrou uma maneira. Não publica mais propaganda da Presidência enquanto a Matisse não quitar uma dívida de 44.993 reais, referente aos anos de 2008 e 2009. "Sempre que ocorre inadimplência de uma agência, como agora, bloqueamos a veiculação de anúncios", explica Eduardo Frazão, coordenador financeiro da empresa. No Maranhão, o Sistema Mirante de Comunicação, que pertence à família de José Sarney, também tomou o cano da Matisse, mas prefere não falar sobre o assunto. "São informações restritas. Não posso comentar", afirma Júlio Cesar Lima, auditor financeiro da empresa.

A polêmica está mesmo no DNA da Matisse. Em 2003, logo após a posse de Lula, o empreendedor Kalil Bittar, filho de um grande amigo do presidente Lula, convidou o então proprietário da agência, Sérgio Cerqueira Leite, para se associar ao ex-marqueteiro Paulo de Tarso Santos. Poucos meses depois, a Matisse venceu a concorrência para administrar um terço dos 150 milhões de reais da verba oficial de comunicação. Assim que a vitória foi anunciada, e antes de prestar qualquer tipo de serviço, Bittar tentou negociar a agência com três empresários de São Paulo por 10 milhões de reais. O negócio, por divergências financeiras entre os sócios, acabou não se concretizando. Mas o rapaz continuou empreendendo. Em 2004, Bittar, que até hoje chama o presidente de "tio", associou-se a um dos filhos de Lula, Fábio Luís da Silva, e criou a Gamecorp. O resto é história. Brindada com um contrato de 5 milhões de reais da antiga Telemar, a Gamecorp controla até um canal de televisão. Em meio a tantas histórias de sucesso, a atual má fase da Matisse pode ser apenas um ponto fora da curva. Em nota enviada a VEJA, a Secom ressalta que "a hipótese de rompimento contratual dificultaria o exercício do controle e poderia reduzir a possibilidade de os credores serem pagos".

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