A aliança entre a Shell e a Cosan
Nos últimos dois anos, o estado patrocinou, direta ou indiretamente, as principais fusões de grupos empresariais na economia brasileira: Oi e Brasil Telecom, nas telecomunicações; Aracruz e VCP, em papel e celulose; em alimentos, Perdigão e Sadia, assim como JBS-Friboi e Bertin; Braskem e Quattor, na petroquímica. Na semana passada, o anúncio de que em 180 dias a anglo-holandesa Shell, a quinta maior petroleira do mundo, e a brasileira Cosan, a maior produtora global de açúcar e álcool, deverão concluir as tratativas para selar uma aliança foi uma exceção nesse panorama. Não houve nenhum tipo de interferência do governo no negócio. A união, aliás, teve entre suas motivações a necessidade das duas empresas de fazer frente ao gigante brasileiro dos combustíveis, a Petrobras, sobretudo no setor de distribuição. "Num mercado como o nosso, ocupado por colossos, esse tipo de parceria é essencial. Nós aceleramos os planos de internacionalização e a Shell entra com força no mercado de etanol", explica o diretor-presidente da Cosan, Marcos Lutz. A nova empresa nasce com 19% do negócio de distribuição no Brasil - que faturou 192 bilhões de reais no último ano - e com 4.500 postos de combustíveis espalhados pelo país. O surgimento de um "neoestatismo" não está restrito ao Brasil. Sobretudo em países emergentes, e sobretudo em setores que demandam investimento maciço, o estado vem recobrando (ou reafirmando) o papel de agente econômico. O setor petrolífero é um dos melhores exemplos. Hoje, quatro de suas dez maiores empresas têm o estado no comando: as chinesas PetroChina e Sinopec, a russa Gazprom e a Petrobras. No ano 2000, só apareciam grupos privados nesse ranking. Diante desse novo desafio, líderes tradicionais como a Shell têm procurado aliar-se a projetos governamentais - como na sua parceria com a Petrobras em três plataformas de exploração na costa brasileira - ou assegurar a dianteira em áreas nas quais a briga ainda é viável. É o caso da distribuição. No Brasil, dos quatro grandes setores que formam a indústria petrolífera, a Petrobras tem quase 100% de dois: produção e refino (os mais lucrativos, aliás). Na distribuição, a Petrobras domina 37% do mercado. Há algo como uma centena de distribuidores que batem de posto em posto para seduzir os donos a adotar sua bandeira - com muita lábia, facilidades de pagamento e outras políticas comerciais agressivas. As margens, apertadíssimas, giram em torno de 3%. "Essa é a área menos lucrativa e mais competitiva", diz Alísio Vaz, vice-presidente do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis (Sindicom). A tendência, no entanto, é que também aqui haja concentração ao longo dos próximos anos. "Esse processo já está em andamento", diz a analista Amaryllis Romano, da Tendências Consultoria. Em 2007, a Petrobras e o Grupo Ultra - então estreante nesse mercado - dividiram, entre si, os ativos da rede Ipiranga. Um ano depois, o Ultra também comprou, dessa vez da americana Chevron, os postos Texaco. Do zero, em três anos, o grupo passou a ter 19% do setor - a mesma fatia conquistada pela Cosan-Shell. Quando se põe a lupa sobre uma das subdivisões do setor de distribuição, aquela que lida com o etanol, observa-se que a disputa é mais equilibrada. Cosan-Shell, Petrobras e Ultra têm cerca de 20% cada um. É esse segmento também que mais cresce. Entre 2002 e 2008, a venda de etanol subiu quase quatro vezes, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP). O aumento no consumo de gasolina e diesel não passou de 20%. Foi justamente por causa do etanol que a Shell procurou a Cosan. Unindo-se a ela, saiu do campo da pesquisa e dos pequenos negócios em biocombustível para ter uma operação de grande porte. "O álcool de cana-de-açúcar é um excelente negócio porque é sustentável, tem escala, é comercialmente viável e não compete com alimentos, como o milho nos Estados Unidos", diz o presidente da Shell no Brasil, Vasco Dias. O etanol, na verdade, é muito mais que um "bom negócio": é unânime a ideia de que o futuro das velhas petrolíferas passa pelo investimento em fontes renováveis de energia. Quanto à Cosan, o principal interesse na parceria com a multinacional era acelerar sua internacionalização. "A Shell tem 45.000 postos em 100 países. Nesse quesito, é a maior do mundo. Nada melhor do que unir o útil ao agradável", comemora Marcos Lutz.Sem o dedo do estado
O anúncio da união entre Cosan e Shell foge ao figurino das
últimas grandes fusões no país - todas com a influência do governo
Renata Betti e Benedito SverberiMarco Alves/Ag. Globo Petrobras na mira
Os dirigentes da Cosan e da Shell (à esq.): busca da liderança na distribuição de combustíveis• Quadro: Juntas para ganhar espaço