Saturday, February 06, 2010

O chip brasileiro

Os desafios de Herr Nein

No comando da estatal Ceitec, o "alemão que diz não"
à politicagem quer vencer no mercado de nichos para chips


Igor Paulin, de Porto Alegre

Mirian Fichtner
VAI FUNCIONAR?
O engenheiro Eduard Weichselbaumer, presidente da Ceitec: veto a indicações políticas

Não é só no Brasil que as empresas estatais carregam um histórico de ineficiência, compadrio e desperdício de dinheiro público. Caberá ao engenheiro alemão Eduard Weichselbaumer evitar que seja esse o destino da Ceitec, estatal criada pelo presidente Lula, no fim de 2008, destinada a ser a primeira fábrica nacional de microchips e inaugurada na semana passada. A própria escolha de Weichselbaumer para presidir a companhia, que fica em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, destoou da regra de lotea-mento político e locupletação. O governo montou uma banca de especialistas para avaliar o currículo dos doze pretendentes ao cargo. Ao saber que um estrangeiro era o mais apto, Lula torceu o nariz. "Não dá para ser um cara nosso?", indagou o presidente. Só sossegou depois de ser informado de que o alemão tinha raízes no país: já fora casado com uma brasileira, com quem tem um filho, e falava português. "Aí pode ser", topou Lula.

Weichselbaumer foi empossado um ano atrás. Há três décadas trabalha na indústria de semicondutores, os famosos chips, que fazem funcionar os equipamentos eletrônicos. Ele participou da fundação de quatro empresas, no Vale do Silício e também na Europa ("Três deram certo, outra não", reconhece). O engenheiro estava em férias, viajando pelo Pantanal, quando recebeu o convite. Na Ceitec terá duas missões: dizer não às ingerências políticas e torná-la rentável. "Não há cargos políticos aqui. Eu digo não a todas as tentativas", diz ele. O alemão vem recebendo apoio do ministro de Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, seu superior direto, e da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, a quem recorre sempre que as coisas ameaçam desandar. Diz Weichselbaumer: "Ela dá retorno com rapidez e eficiência de CEO americano".

O governo colocou 400 milhões de reais no projeto. Embora a fábrica seja nova, seu maquinário, originário de uma doação, é antiquado. A tecnologia está defasada em duas décadas. Inicialmente, em vez de fornecer chips para computadores ou celulares, a Ceitec se concentrará em nichos de identificação por radiofrequência. A primeira leva de semicondutores a sair da fábrica, ainda neste ano, será de brincos de rastreamento do gado bovino. Chips para identificação de veículos e bagagens também estão nos planos da empresa, que tem capacidade para produzir entre 50 milhões e 100 milhões de unidades ao ano.

Esta não é a primeira vez que o país tenta reduzir sua dependência de microprocessadores importados. Houve tentativas nesse sentido ainda no governo militar. A mais desastrada delas foi a Transit, em Montes Claros, em Minas Gerais. Fundada em 1973, recebeu financiamento público que, em dinheiro de hoje, equivale a 350 milhões de reais. Sem nunca ter produzido nada em escala comercial, fechou as portas em 1982, em meio a chantagens e um escândalo de repercussão nacional. Que o "Senhor Não" ajude a Ceitec a escapar dessa sina.

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