Saturday, February 06, 2010

Quanto mais caro, melhor


Um leilão da Sotheby’s em Londres vende a obra de arte mais cara do mundo – 104,3 milhões de dólares. A boa notícia: quando uma peça artística bate recorde de preço, é sinal de que a economia vai bem


André Petry, de Nova York

Emmanuel Dunand/AFP


Qual o valor correto de uma obra de arte? Adam Smith, o pai do liberalismo econômico, dizia que ganhar dinheiro com arte é como submeter o talento à "prostituição pública", e por isso o artista merece ser regiamente pago. Jean-Jacques Rous-seau, filósofo iluminista, achava que toda obra de arte é superfaturada porque está a serviço do desejo dos ricos fúteis de serem invejados. Francisco Pacheco, o pintor espanhol que ensinou Diego Velázquez a pintar, escreveu um tratado dizendo que o custo de produção de uma obra de arte decorre "do gênio e da perfeição da forma". Na semana passada, a escultura O Homem Caminhando I, do suíço Alberto Giacometti, foi arrematada por 104,3 milhões de dólares, em Londres. É o mais alto preço já pago por uma obra de arte num leilão. O recorde anterior pertencia a uma tela de Pablo Picasso,Menino com Cachimbo, vendida por 104,1 milhões de dólares em Nova York, em 2004.

O que fez disparar o preço da escultura de Giacometti? Inveja? Gênio? Perfeição? É óbvio que existe uma relação incontornável entre a arte e a economia, mas ela é tão fluida – conjuga aspectos práticos, como a idade do artista, com outros imponderáveis, como o espírito de uma época – que inexiste um modelo capaz de apreender com precisão toda a sua complexidade. A própria Sotheby’s, que leiloou a escultura de Giacometti, estimava que a "prostituição pública" não chegaria a 30 milhões de dólares. O leilão começou com dez lançadores, mas logo ficou restrito a dois, cada um representando um cliente anônimo. Em dez minutos, o martelo foi batido e o salão, apinhado de gente, explodiu em palmas. Era o recorde mundial. Em valores atualizados com a inflação, o Menino com Cachimbo, de Picasso, permanece à frente, com 118 milhões de dólares. E o Retrato do Doutor Gachet, de Vincent van Gogh, que foi arrematado por 82,5 milhões de dólares há vinte anos, segue sendo o campeão mundial, com o preço de 135,5 milhões.

Mesmo que o mercado de arte de ponta orbite na esfera dos milhões e esconda mistérios insondáveis, há uma tendência que vem se mantendo com certa regularidade: toda vez que um recorde de preço é quebrado nos leilões de arte, a economia está em bom estado – no auge ou voltando a se recuperar de alguma contração. Na última década, esse padrão se manteve inalterado (veja o quadro). O alto preço atingido pela escultura de Giacometti deve-se, em parte, ao fato de que suas obras mais importantes raramente chegam ao mercado para ser vendidas em leilões – lei da oferta e da procura, no caso. Mas o melhor de tudo é que, mantida a tendência dos últimos anos, o recorde de Giacometti também pode ser sinal de que a economia mundial está voltando aos trilhos. "Os preços no mercado de arte costumam se recuperar mais rapidamente que os de outros produtos", afirma Tracy Frost, editora da Art2Bank, que trabalha promovendo a união das duas pontas do mercado, artistas e compradores.

O mercado de arte é um nicho. Nunca foi, nem se imagina que venha a compor, o pedaço do leão nos portfólios dos investidores. Mesmo assim, seu comportamento diz algo sobre o estado geral da economia dos mortais comuns. Em meados do ano passado, a situação estava tão ruim que a Christie’s, gigante do ramo, abandonou a ideia de criar um fundo de investimento em arte. Na semana passada, a ArtTactic, de Londres, divulgou seu levantamento sobre o mercado de arte – arte contemporânea, mais barata, mas que chega às primeiras casas dos milhões. Mostra que o índice de confiança, medido junto a 138 colecionadores internacionais, curadores, casas de leilão e marchands, voltou aos níveis de meados de 2007, antes dos primeiros sinais da recessão que se alastraria pelo mundo.

Para uma escultura, o preço de O Homem Caminhando I, um bronze com 1,83 metro de altura, é estratosférico – especula-se que o comprador teria sido um magnata russo ou um petrobilionário do Oriente Médio. Antes, o recorde pago por uma escultura num leilão pertencia a uma obra do romeno Constantin Brancusi (1876-1957), vendida por 36,8 milhões de dólares em fevereiro do ano passado. Venerado por Jean-Paul Sartre, que o chamou de "santo existencial", Giacometti era a encarnação do arquétipo do artista do seu tempo. Sentava nos cafés de Paris, fumava um cigarro atrás do outro, raramente comia antes da meia-noite e dizia "gritar de medo e tremer de pavor" diante das próprias esculturas. Morreu aos 65 anos em 1966, deixando uma obra apreciada apenas na sua fase inicial. Na década de 80, o vento virou. Com a redescoberta da arte europeia do pós-guerra, seu trabalho voltou a encantar os críticos e a subir de preço. Agora, com uma obra esculpida cinco anos antes de morrer, bateu nas alturas. Por quê? Inveja? Gênio? Não se sabe, mas fica a torcida para que seja sinal de recuperação da economia mundial.

Fotos Álbum Latin Stock e AFP




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