Saturday, April 24, 2010

A mão mais jovem

Música


Depois de três décadas sem tocar com a mão direita, afetada
por um distúrbio neurológico, o pianista americano Leon Fleisher,
que faz uma récita no Rio em maio, encontrou a cura no Botox


Sérgio Martins

Stephanie Kuykendal /The New York Times /Redux
CORTE CLÁSSICO
Leon Fleisher: estilo e toque suplantam a agilidade perdida

Em 1964, o pianista americano Leon Fleisher ensaiava para uma turnê pela União Soviética quando dois dedos de sua mão direita começaram a se dobrar incontrolavelmente. Dez meses depois, todo o punho já se havia fechado. Fleisher consultou especialistas, mas nenhum chegou a uma conclusão sobre o problema. Limitado ao parco repertório criado para a mão esquerda (como os concertos que o pianista austríaco Paul Wittgenstein, que perdeu o braço direito na I Guerra, encomendou a compositores como Ravel e Prokofiev), o pianista passou a reger e a dar aulas. Só nos anos 90 foi diagnosticado como portador de distonia focal, um distúrbio neurológico que causa contrações musculares involuntárias. Até esse ponto, sua trajetória se assemelha à de outros músicos que sofreram entraves físicos. Também vitimado pela distonia focal, o oboísta gaúcho Alex Klein foi obrigado a abandonar a Sinfônica de Chicago, mas segue carreira como solista e regente. O pianista paulistano João Carlos Martins teve os movimentos da mão direita comprometidos por causa de uma pancada na cabeça – e os da esquerda, em consequência de um tumor. Hoje, é regente da orquestra Bachiana Filarmônica. Fleisher, porém, teve uma sorte inusitada: depois de três décadas sem tocar, encontrou a cura em um tratamento experimental que consiste em injeções de Botox – a droga usada para eliminar rugas indesejáveis – na mão afetada. "Tenho a mão mais linda do mundo erudito", brincou Fleisher, 81 anos, em entrevista a VEJA. O pianista estará no Rio de Janeiro para uma récita, em 15 de maio, com a Orquestra Sinfônica Brasileira. Vai reger e interpretar o Concerto para Dois Pianos Nº 7, de Mozart – ao segundo piano estará sua mulher, Katherine.

Fleisher começou seus estudos com 4 anos, e aos 16 foi convidado para ser solista de um concerto com a Filarmônica de Nova York. Seu talento fez com que fosse aceito como aluno de Artur Schnabel, o primeiro pianista a gravar todas as 32 sonatas de Beethoven. Antes da distonia focal, teve uma duradoura relação profissional com George Szell, regente da Sinfônica de Cleveland. Desde que recuperou os movimentos da mão direita, em 1996, o pianista trabalha incansavelmente, gravando peças de Mozart e Brahms, entre outros. Mas ainda tem limitações. Todos os meses, submete-se a novas aplicações de toxina botulínica. Não está equipado para peças que exijam rapidez ou virtuosismo extremos, como as obras de Rachmaninoff. Essas restrições, entretanto, servem bem à sua filosofia musical: é um músico de corte clássico, para quem o toque e o estilo valem mais do que a velocidade. Mas os anos em que procurou uma solução para a paralisia ainda são lembrados com angústia. "Tentei da aromaterapia ao zen-budismo. E tentaria qualquer outro tratamento para ficar bom novamente", diz. Bendito Botox.

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