Saturday, May 08, 2010

Tudo pela saúde deles

da Veja

Os diagnósticos e tratamentos de ponta que salvam vidas 
nos hospitais chegam às clínicas veterinárias. Os donos de cães 
e gatos desembolsam fortunas para tratar de seus bichos de estimação


Carolina Romanini

Fernando Cavalcanti
Vida longa para Apolo
O boxer Apolo, de 7 anos, submete-se a um exame de holter por telemetria, que analisa o funcionamento do coração por 24 horas e detecta possíveis disfunções. São comuns na raça as doenças do coração. A própria mãe de Apolo morreu aos 9 anos com arritmia. "Não quero perder o Apolo da mesma maneira, por isso estou me precavendo", diz a paulistana Valéria Loureiro, sua dona. Os exames de Apolo não acusaram nada


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Não faz muito tempo, o destino de um cão velho ou doente era a morte rápida. O dono sabia que os recursos veterinários eram escassos e se resignava à ideia de que era melhor sacrificar o animal do que deixá-lo sofrer. Não é mais assim. No ano passado, as famílias brasileiras gastaram 696 milhões de reais com consultas, medicamentos e vacinas para seus animaizinhos. Essa soma é equivalente ao faturamento anual dos maiores hospitais particulares do país. Os cuidados com os bichinhos de estimação chegaram a uma nova e extraordinária fronteira - a dos serviços veterinários de altíssima qualidade. Para o rápido entendimento do que isso significa na prática, recomenda-se pensar na tecnologia de diagnóstico e tratamento oferecida pelos bons hospitais brasileiros. Se o equipamento estiver sendo oferecido aos pacientes humanos, é muitíssimo provável que também esteja disponível para cães e gatos, especialmente nas capitais do Sudeste. Um aparelho de tomografia computadorizada ou de ressonância magnética instalado numa clínica veterinária pode significar a diferença entre a vida e a morte de um bichinho de estimação.

O Brasil abriga o segundo maior contingente de cães e gatos domésticos do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. A relação estatística entre a população humana e a canina é igualmente grande. Na média, existe um cão e meio para cada lar brasileiro que cria o animal. Já a distribuição regional é desigual. Há mais bichos de estimação no Sul e no Sudeste, onde estão os estados mais ricos, e menos no Nordeste e no Norte, onde ficam os mais pobres. Nas grandes cidades com predomínio da classe média, como Campinas, Curitiba e Porto Alegre, o total de domicílios com algum animalzinho de estimação ultrapassa 50%. Há no Brasil 45.000 pet shops, as lojas que oferecem toda sorte de mimo para os animais, de banho e corte do pelo até brinquedos e roupas. O mercado de serviços e produtos para bichos de estimação é de 9 bilhões de reais por ano, o equivalente ao faturamento do comércio eletrônico no país. Em termos mercadológicos, pode-se dizer que os donos com mais dinheiro estão dispostos a gastá-lo para proporcionar uma vida de cão saudável e confortável.

A cadela Pink, uma pinscher de 9 anos, foi tratada com medicamentos para amenizar a dor causada pelo que os veterinários de Santos, no litoral paulista, acreditavam ser uma hérnia de disco. Como o tratamento não surtia efeito, ela foi levada para São Paulo e submetida a uma tomografia computadorizada. O diagnóstico: um tumor de difícil detecção na segunda vértebra cervical. "Há um ou dois anos, esse diagnóstico nem sequer seria possível", diz o veterinário André Fonseca Romaldini, do Hospital Veterinário Santa Inês, de São Paulo, que realizou o exame de Pink. A história, infelizmente, tem final triste. O diagnóstico chegou tarde demais para salvar a vida da cachorra.

Cães e homens vivem uma longa história de afeição mútua. Estudos genéticos recentes concluíram que a parceria começou 14 000 anos atrás, no Oriente Médio. O antepassado do cão foi um lobo atraído pela facilidade de se alimentar dos restos largados em torno das habitações humanas. O relacionamento, no início, foi utilitário para ambos. O cão guardava a aldeia e ajudava nas caçadas. Em troca, era alimentado e protegido de predadores. No caso dos gatos domésticos, todos eles descendentes da única espécie de felino que se deixou domesticar, a troca incluía controlar os ratos que atacavam os estoques de comida e transmitiam doenças. Não se sabe em que momento começou a despontar o vínculo emocional que nos liga a cães e gatos – mas é razoável supor que foi um caso de amor desde o início. O tipo de cão original, o primeiro a conviver com o homem, não existe mais. Todas as raças atuais (há mais de 500 reconhecidas pelo Kennel Club brasileiro) são o resultado da seleção artificial conduzida pelo homem. O resultado foram animais de todos os tamanhos e temperamentos – e uma enorme quantidade de doenças genéticas e deficiências físicas que tornam nosso melhor amigo um candidato a paciente crônico.

O boxer é um exemplo. Essa raça de cães amáveis com as crianças é particularmente suscetível a males cardíacos. Exames veterinários periódicos são necessários para fazer soar o alarme a tempo. Apolo é um boxer de 7 anos, cuja mãe morreu de arritmia cardíaca em 2008. A dona do cão, a paulistana Valéria Loureiro, o leva periodicamente ao veterinário. Da última vez, Apolo teve seu sistema cardiovascular monitorado durante 24 horas por um aparelho de holter por telemetria. "Em casa, tive de anotar os horários em que ele comia, dormia e brincava, para que o médico pudesse interpretar o exame", diz Valéria. Os resultados não mostraram nenhuma alteração relevante no coração de Apolo. O holter por telemetria começou a ser usado na veterinária apenas no ano passado. Em algumas cidades já existe a UTI móvel veterinária. Dois meses atrás, a curitibana Dione do Rossil Lobo encontrou a cachorrinha Bjori, yorkshire de 8 anos, desmaiada na cama em decorrência de uma picada de abelha. Era tarde da noite e Dione preferiu chamar a ambulância. Menos de dez minutos depois, Bjori já estava dentro da UTI móvel, respirando com a ajuda de tubos de oxigênio. "Tenho certeza de que, se não fosse o atendimento de emergência, teria perdido minha princesinha", diz Dione.

Humberto Michalchuk
Socorro sobre rodas
A cachorra Bjori na UTI móvel do Hospital Veterinário Batel, 
de Curitiba: sua dona, a artesã Dione do Rossil Lobo, 
encontrou-a desmaiada e o socorro chegou em dez minutos. 
"Foi o pronto atendimento que a salvou", diz Dione

 

Há um procedimento médico em que os animais estão alguns passos adiante de seus donos: o uso de células-tronco. Por não lidarem com seres humanos, os veterinários têm maior autonomia nas experiências com seus pacientes. Há quatro anos a empresa paulistana Celltrovet faz uso comercial dessa técnica terapêutica. Células-tronco retiradas do tecido adiposo de animais são empregadas para tratar fraturas, fissuras, lesões de ligamento, deficiências na medula e insuficiência renal. A gata Ariel, de 9 anos, faz o tratamento para insuficiência renal. Até agora, foram quatro sessões. O resultado? A doença se estabilizou. "O rim, que estava atrofiando, parece até ter aumentado de tamanho", diz o dono, o analista de sistemas paulista Roberto Hideo Sampaio. A medicina veterinária já conseguiu ir mais longe do que a medicina humana também em algumas vacinas. Hoje, usando a moderna técnica da recombinação genética, já é possível vacinar gatos contra uma modalidade de aids e outra de leucemia que atacam apenas os felinos.

A ampliação dos tratamentos oferecidos aos animais domésticos tem reflexos também na formação dos médicos. Até pouco tempo atrás, a especialização de um veterinário era uma só: clínica geral. Hoje, por meio de mestrados e doutorados, os veterinários buscam especializações em diversas áreas, como na medicina humana. Os melhores hospitais veterinários do país já têm em suas equipes cardiologistas, oftalmologistas, dermatologistas e radiologistas, entre outras especialidades. É o caso do paulistano Mário Marcondes, de 34 anos, que cursou mestrado e doutorado em cardiologia. "Há anos a medicina veterinária serve como base para estudos da medicina tradicional. A diferença, hoje, é que a pesquisa em veterinária também cresceu muito e a troca de informações favorece ambas as áreas", diz Marcondes. Nos Estados Unidos, há muito tempo os hospitais fazem convênios com faculdades e hospitais veterinários em busca de novos conhecimentos, diagnósticos e tratamentos que possam ser aplicados também em seres humanos.

Fernando Cavalcanti
Tumor raro
A cachorra pinscher Pink, de 9 anos, passa por uma tomografia computadorizada. Durante meses ela foi tratada de uma hérnia de disco. Como a medicação não surtiu efeito, seu dono, o paulista Luiz Fernando Tavares, procurou um novo diagnóstico. O exame revelou um tumor raro, localizado na vértebra da cadela, que precisaria ser operada com urgência. Ela morreu há duas semanas. "Isso mostra como os novos diagnósticos veterinários são importantes", diz Luiz. "Se o exame tivesse sido feito antes, talvez eu não a tivesse perdido"


Nos últimos anos, surgiram no Brasil os planos de saúde para animais. Eles funcionam da mesma maneira que os planos convencionais, com uma rede credenciada de médicos e hospitais – mas incluem pet shops. As mensalidades variam de 40 a 300 reais. Os mais caros preveem até atendimento de emergência. Os planos são vantajosos para quem tem mais de um animal em casa e costuma levá-los com frequência ao veterinário, já que uma consulta, hoje, custa entre 60 e 300 reais. Os planos de saúde para animais, contudo, enfrentam alguns problemas. O primeiro deles é o mercado restrito. Poucos donos de cachorros e gatos se preocupam em levá-los periodicamente ao veterinário. O segundo problema é a facilidade de fraudar o sistema, usando o mesmo credenciamento para vários animais. Embora muitos donos consigam achar mil e uma diferenças entre cachorros da mesma raça, um rottweiler pode passar facilmente por outro. A única maneira de combater essas fraudes seria inserir um chip no animal segurado. Em pesquisas feitas pelos planos, no entanto, a ideia foi rechaçada pelos donos, que consideraram o procedimento muito invasivo.

Os animais de estimação muitas vezes preenchem as lacunas afetivas de seus donos. Protegê-los e cuidar deles para que não sofram e vivam por mais tempo faz parte dessa amizade ancestral. Os novos tratamentos veterinários podem prolongar a vida de cães e gatos, mas, evidentemente, não revertem o fato de que eles vivem bem menos que seus donos. Até para os momentos de tristeza pela morte do animal algumas clínicas veterinárias estão hoje preparadas – contam com uma equipe de psicólogos para prestar apoio à família. A eutanásia ainda é muito comum no universo veterinário, quando todas as tentativas de salvar o animal falham ou deixam de surtir efeito. "É uma atitude de amor, uma escolha do dono de cessar o sofrimento do bichinho", diz a veterinária e psicóloga paulistana Hannelore Fuchs. Até chegar esse momento extremo, os donos não medem esforços para prolongar a vida de seu amigo peludo.

Eduardo Martino
Força, Rock
O pastor-alemão Rock, de 9 anos, que vive no Rio de Janeiro, tem há seis meses uma síndrome neurológica conhecida como cauda equina. Ela dificulta os movimentos das patas traseiras e pode provocar paralisia. Há dois meses o cachorro se submete três vezes por semana a fisioterapia, que inclui sessões na esteira subaquática para a manutenção de seu tônus muscular. O tratamento também é indicado para cães com obesidade, males da tireoide, problemas cardíacos e diabetes. "A fisioterapia pode prolongar a vida do animal em até quatro anos", diz o veterinário Guilherme de Carvalho


Fernando Cavalcanti
Só quatro injeções
A gata Ariel e seu dono, o analista de sistemas paulista Roberto Hideo Sampaio. Ela foi diagnosticada com insuficiência renal no início do ano passado. Roberto não se conformou em tratá-la apenas com soroterapia, que melhora a hidratação do animal. Pesquisou alternativas na internet e descobriu o novo tratamento com células-tronco. Com apenas quatro injeções, o quadro da gata já melhorou. "O tratamento não promete a cura, mas a doença já estacionou", diz Roberto

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Totó e seus donos: remédio em comum

Fernando Cavalcanti
No mesmo barco
Helmute, a mulher, as filhas e o cão Marrone: todos com hipotireoidismo

Na casa da família paulistana Zachariatas, a expressão "vida de cão" não faz sentido. Marrone, o cachorro da casa, um cocker spaniel de 8 anos, gasta mais com exames e medicamentos do que seus donos. Marrone e quatro dos cinco membros da família sofrem da mesma doença – hipotireoidismo. O cachorro foi diagnosticado em fevereiro e, desde então, começou a tomar o mesmo remédio que Helmute, o pai, Luiza, a mãe, Elizabeth e Katia, as duas filhas, que já se tratam há dez anos. "Nós ainda podemos pegar o remédio gratuitamente em farmácias do governo, mas pelo do Marrone temos de pagar", diz Katia, assistente de vendas, de 33 anos. Família e cachorro também fazem, periodicamente, os mesmos exames de sangue para avaliar a evolução da doença. O caso dos Zachariatas e seu cão é típico da chegada dos diagnósticos e tratamentos da medicina humana ao mundo da veterinária. Hoje se pode ver cachorro e dono passando pelos mesmos tratamentos para doenças cardíacas, obesidade e até câncer. "Costumamos dizer que, quando tivermos um problema dermatológico, também vamos usar o mesmo xampu e a pomada do cachorro, já que parece não haver mais diferença entre os tratamentos", brinca Katia.



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