Saturday, May 15, 2010

Mercado incomum


O livro de um diplomata que participou da gênese do Mercosul
analisa as razões que levaram o bloco, de início uma ideia ambiciosa,
a paralisar-se na irrelevância


Jerônimo Teixeira

Marcelo Hernandez/AP
MUY AMIGOS
Cristina Kirchner, Lula e Chávez em encontro do Mercosul: a ideologia acima do bom senso econômico


Há duas semanas, o ministro do Comércio Interior da Argentina, Guillermo Moreno, anunciou que a importação de alimentos que já são produzidos no país será proibida. É mais uma medida protecionista que vai de encontro aos ideais do Mercosul, bloco econômico formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Formalizado pelo Tratado de Assunção, em 1991, o Mercosul tinha o projeto ambicioso de constituir um mercado comum de nações sul-americanas, mais ou menos nos moldes da União Europeia. Mas ficou muito aquém: suas generosas intenções são frequentemente sabotadas pela propensão dos quatro parceiros para abrir exceções interesseiras ao princípio do livre-comércio. A desmoralização do tratado fica evidenciada quando um ministro decide proibir unilateralmente a importação de comida – e seu governo nem se dá ao trabalho de comunicar a decisão oficialmente aos parceiros de bloco. "A crise não é comercial, é institucional. O tratado não é aplicado. Todos os países atuam na área comercial de maneira unilateral", diz o ex-embaixador Rubens Barbosa, que foi coordenador da seção nacional do Mercosul no Itamaraty nos primeiros anos do tratado, de 1991 a 1994. Barbosa acaba de lançar uma obra esclarecedora sobre o tema. Mercosul e a Integração Regional (Fundação Memorial da América Latina/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo; 228 páginas, 50 reais) reúne ensaios, artigos e entrevistas que compõem um competente panorama histórico do Mercosul e ainda oferece uma análise penetrante de seus impasses atuais.

O Mercosul é, pelo menos formalmente, uma união aduaneira – ou seja, um conjunto de países entre os quais impera o livre-comércio e que também estabelecem as mesmas tarifas de importação para nações de fora do bloco. Na prática, esses princípios foram comprometidos por uma série de exceções. Alegando assimetria entre sua economia e a brasileira, a Argentina conseguiu manter barreiras protecionistas. Barbosa argumenta, em um dos ensaios, que essas exceções contradizem a racionalidade econômica: o comércio internacional sempre se faz em condições assimétricas, e com ganho para todos os envolvidos, como já demonstrava a teoria clássica do economista inglês David Ricardo (1772-1823).

Nos últimos anos, o bom senso econômico, no Mercosul, vem cedendo lugar à insânia ideológica. São razões políticas, sobretudo, que determinaram o convite, em 2006, à Venezuela para que integrasse o bloco, em franco desrespeito à cláusula democrática, que veta o ingresso de ditaduras. O convite foi patrocinado por Cristina Kirchner, em um tempo em que seu camarada Hugo Chávez vinha socorrendo a combalida economia de seu país com a compra de títulos argentinos. A inclusão definitiva da nação bolivariana de Chávez já foi ratificada por Argentina, Brasil e Uruguai, e agora depende apenas da aprovação do Congresso paraguaio. A retórica nacionalista de Chávez será sempre antípoda a qualquer tratado de livre-comércio. "A entrada da Venezuela deve ser mais um elemento de insegurança jurídica no Mercosul", diz Barbosa. Na origem uma ideia ambiciosa, o Mercosul está rapidamente se condenando à irrelevância.

Lailson Santos
INSTITUIÇÕES EM CRISE
Rubens Barbosa: a Venezuela trará
mais insegurança ao Mercosul

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