Saturday, May 01, 2010

Mais um mistério


Autoridades chinesas estão atordoadas com a repetição de um crime
bárbaro em que homens invadem escolas e esfaqueiam crianças


Ana Claudia Fonseca

Alexander Yuan/AP
CRUELDADE
Criança é socorrida após ser apunhalada em escola de Taixing, a 921 quilômetros de Pequim


O homem, armado com uma faca de 20 centímetros de comprimento, entrou na sala de aula de uma escola em Taixing, no leste da China, às 9 horas da quinta-feira passada. Fechou a porta atrás de si e olhou para a classe, subitamente quieta. Hesitou alguns segundos, e depois atacou. Havia na sala 37 alunos, a maioria de 4 anos de idade. Apenas sete escaparam sem ferimentos. Xu Yuyuan, um vendedor de seguros desempregado de 47 anos, só parou de esfaqueá-los quando foi dominado pela polícia. Dois professores e o segurança do colégio, que tentaram conter o agressor, estão internados. Se fosse um episódio isolado, o ataque às criancinhas de Taixing já seria suficientemente chocante. Mas esse foi apenas um de cinco crimes similares ocorridos na China no intervalo de quarenta dias. O primeiro aconteceu em 23 de março na província de Fujian, onde um médico matou oito crianças de uma creche. O assassino, julgado e condenado às pressas, como é de praxe na China, foi executado na quarta-feira passada. No mesmo dia, outro homem esfaqueou quinze alunos em uma escola primária na província de Guangdong. Em 12 de abril, um curandeiro de 40 anos apunhalou sete pessoas na saída de um colégio na província de Guangxi, matando duas delas. Por fim, na sexta-feira passada, um fazendeiro invadiu uma pré-escola na província de Shandong e atacou cinco crianças, todas com menos de 6 anos de idade, com um martelo. Em seguida, jogou gasolina sobre si próprio e dois alunos. Disposto a imolar-se agarrado às crianças, acendeu um fósforo. O criminoso morreu. Os estudantes, salvos por professores, sobreviveram com queimaduras leves. Até sexta-feira, o saldo dos cinco ataques era de ao menos dez mortos e 58 feridos.

Chacinas em escolas costumam ser identificadas como um fenômeno tipicamente americano. Desde o massacre de Columbine, no Colorado, em 1999, ocorreram 33 ataques semelhantes nos Estados Unidos. Nos anos seguintes, essa forma de crime encontrou imitadores no Canadá, na Holanda, na Suécia, na Bósnia-Herzegóvina, na Argentina, na Finlândia e na Alemanha. Quase sempre, os assassinos usam armas de fogo para aumentar a letalidade de sua fúria. A opção dos chineses por facas e martelos pode ser explicada pelo fator imitação, segundo o qual a atenção conseguida por um primeiro assassino estimula outros lunáticos a repetir o seu padrão de comportamento, o que resulta em uma série de crimes parecidos. Os agressores chineses escolhem vitimar crianças porque a morte delas provoca uma grande comoção social no país, onde os pais são obrigados, desde os anos 70, a obedecer à política do filho único. Todos os cinco criminosos foram diagnosticados com transtornos psiquiátricos, o que expõe o fracasso do governo chinês em lidar com questões de saúde mental. Só o agressor de Guangdong, que sofre de uma neurose grave, recebia algum tipo de cuidado especializado. Há carência de medicamentos e de instalações apropriadas. O tratamento psiquiátrico moderno praticamente inexiste no país e pacientes com depressão ou psicose sofrem um forte estigma social. Um estudo publicado em junho do ano passado na revista médica Lancet, da Inglaterra, contabilizou 173 milhões de doentes mentais na China. Destes, 91% nunca receberam ajuda profissional.

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